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O Rio Grande do Sul (pronúncia em português: /ʀˈiw ɡɾˈɐd ̃ ɘ du sˈul/) é uma das 27 unidades

federativas do Brasil. Está situado na Região Sul e tem por limites o estado de Santa
Catarina ao norte, Argentina ao oeste e Uruguai ao sul, além do Oceano Atlântico ao leste.
É dividido em 497 municípios e sua área total é de 281 730,223 km², o que equivale a
3,3% da superfície do Brasil, sendo pouco maior que o Equador.[8]Sua capital é
o município de Porto Alegre e seu atual governador é Eduardo Leite. As cidades mais
populosas são: Porto Alegre, Caxias do Sul, Pelotas, Canoas e Santa Maria. O relevo é
constituído por uma extensa baixada, dominada ao norte por
um planalto. Antas, Uruguai, Taquari, Ijuí, Jacuí, Ibicuí, Pelotas e Camaquã são os rios
principais. O clima é subtropical e a economia baseia-se
na agricultura (soja, trigo, arroz e milho), pecuária e indústria (de couro e calçados, aliment
ícia, têxtil, madeireira, metalúrgica e química).
Com mais de onze milhões de habitantes, ou cerca de 5,4% da população brasileira, é o
estado mais populoso da Região Sul e o 5º do Brasil, podendo ser comparado com
a Ruanda no número de habitantes. A população gaúcha é uma das mais diversificadas do
país e descende principalmente de italianos e alemães, que começaram a emigrar para o
país no fim do século XIX. Sua população é em grande parte formada por descendentes
de portugueses, alemães, italianos, africanos, libaneses e indígenas, em pequena parte
por espanhóis, poloneses e franceses, dentre outros imigrantes.
Em 1627, jesuítas espanhóis criaram missões jesuíticas próximas ao rio Uruguai, mas
foram expulsos pelos portugueses em 1680, quando a Coroa Portuguesa resolveu assumir
seu domínio, fundando a Colônia do Sacramento. Os jesuítas espanhóis estabeleceram,
em 1682, os Sete Povos das Missões. Os portugueses chegaram em 1737 com uma
expedição militar de José da Silva Paes. As lutas pela posse das terras entre portugueses
e espanhóis continuaram, e somente tiveram fim em 1801, quando os próprios gaúchos
dominaram os Sete Povos, incorporando-os ao seu território. É criada em 19 de
setembro de 1807 a Capitania de São Pedro do Rio Grande do Sul. Em 28 de fevereiro de
1821 torna-se a Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, que viria a se tornar o atual
estado do Rio Grande do Sul, após a Proclamação da República do Brasil. Com a chegada
de outros povos a partir de 1824, a sociedade estancieira passou então a coexistir com a
pequena propriedade agrícola, diversificando a produção. Durante o século XIX, o Rio
Grande do Sul foi palco de revoltas federalistas, como a Guerra dos Farrapos (1835-45),
participou da luta contra Rosas (1852) e da Guerra do Paraguai (1864-70). As disputas
políticas locais foram acirradas no início da República e só no governo de Getúlio
Vargas (1928) o Estado foi pacificado.
É o estado mais meridional da federação, conta com o quarto maior PIB, superado apenas
por São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, o quinto mais populoso e com o
sexto Índice de Desenvolvimento Humano(IDH) mais elevado do país.[3] Em certos locais
do estado, como a Serra Gaúcha e a região rural da metade sul, ainda é possível ouvir
dialetos da língua vêneta (talian) e do alemão (Hunsrückisch, Plattdeutsch). O Rio Grande
do Sul foi apontado em 2014 pelo jornal americano The New York Times como o lugar com
mais traços europeus do Brasil.[9] Embora o estado esteja enfrentando uma crise
econômica acentuada, é onde há o maior número de idosos e a segunda maior
expectativa de vida e onde os trabalhadores são mais bem remunerados, tendo uma das
menores taxas de analfabetismo, e mortalidade infantil do país.[10][11][12] Mesmo com bons
indicadores sociais, o Rio Grande do Sul sofre com a disparidade econômica entre a
metade norte, considerada industrial, e a metade sul, considerada agrária.[13]

Etimologia
Nome do estado
O nome do estado originou-se de uma série de erros e discordâncias cartográficas,
quando se acreditava que a Lagoa dos Patos fosse a foz do Rio Grande,[necessário esclarecer] que
já era demonstrado em mapas neerlandeses, décadas antes da colonização portuguesa
na região. Pelo que se sabe até agora, o primeiro cartógrafo dos Países Baixos a registrar
a Lagoa dos Patos, ainda considerada o Rio Grande, foi Frederick de Wit, em seu atlas de
1670. Já o primeiro registro cartográfico feito por um neerlandês a mostrar o suposto rio
com um formato próximo ao que é conhecido hoje da referida lagoa foi Nikolaus Visscher,
em 1698. Apesar de ele não ter sido o primeiro a mencionar os índios Patos que
habitavam suas margens e boa parte do litoral do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina,
foi ele quem associou o nome à lagoa. Por volta de 1720, açorianos vindos
de Laguna vieram à região de São José do Norte buscar o gado cimarrón vindo das
missões, possibilitando a posterior fundação da cidade de Rio Grande, no ano de 1737. A
partir do nome do município, surgiu também o nome do estado do Rio Grande do Sul.[carece de
fontes]

Gentílico
Os habitantes naturais do Rio Grande do Sul são denominados comumente gaúchos,
ainda que outros termos, como sul-riograndenses, riograndenses-do-sul ou
simplesmente riograndenses também sejam usados.[14] O gentílico no masculino do
singular é gaúcho e no feminino do singular gaúcha.[15] É uma palavra oriunda
do castelhano gaucho,[nota 1] um adjetivo que, aplicado a pessoas, pode significar "nobre,
valente e generosa" ou "camponês experimentado em pecuária tradicional", ou ainda
"velhaco, astuto, dissimulado ou ardiloso experiente",[17] mas também pode ter o sentido de
"vagabundo, contrabandista, desregrado e desprivilegiado".[18]

História
Ver artigo principal: História do Rio Grande do Sul

Povos indígenas

Um índio charrua retratado por Debret.

Na época do Descobrimento do Brasil, a região que hoje forma o Rio Grande do Sul era
habitada pelos índios minuanos, charruas e caaguaras, que viveram há 12 mil anos
a.C.[19][20] Eram bons ceramistas e, na caça, usavam as boleadeiras, até hoje um dos
instrumentos do peão gaúcho.[21][22]
Essas tribos viveram muito tempo sem contato com os brancos colonizadores.[22] As
disputas entre Portugal e Espanha sobre os limites de suas possessões
na América fizeram com que a região só fosse ocupada no século
XVII.[23] Os padres jesuítas espanhóis foram os primeiros a se estabelecer no local.[22][24]
Colonização europeia
As peculiaridades geográficas do atual estado do Rio Grande do Sul, dividido em 11
diferentes regiões fisiográficas,[25] influíram para retardar a ocupação da terra, a leste, pelo
conquistador europeu.[26][27] Outro fator negativo foi o Tratado de Tordesilhas, de 1494, que
dividiu a soberania sobre os descobrimentos entre Portugal e Espanha por um meridiano
ideal.[28] No caso do Brasil, o meridiano estendia-se das proximidades da ilha de Marajó até
a baía da Laguna, em Santa Catarina.[28][29][29][30] Ante as dúvidas surgidas sobre o ponto
exato em que deveria passar a linha convencionada e achando-se o rio de São Pedro
justamente na zona cuja confrontação se discutia, nenhuma daquelas duas nações se
apressou a ocupá-lo, pelo temor de novas dificuldades diplomáticas. Contudo, em
princípios do século XVII a Espanha penetrava na margem esquerda do Rio Uruguai, por
intermédio dos jesuítas que, a partir do Paraguai, estabeleceram suas reduções em vários
pontos, chegando mesmo às cercanias da futura cidade de Porto Alegre e, de modo geral,
senhoreando-se de todo o oeste rio-grandense.[29][30]
A seguir, os bandeirantes destruíram a província do Guairá, desceram à província
do Tape, no coração do Rio Grande, e à província do Uruguai, desbaratando as aldeias e
aprisionando os índios, que levavam como escravos para suas lavouras.[31] Antônio
Raposo Tavares foi um dos maiores chefes dessas expedições predatórias.[31] As aldeias
foram arrasadas, seus habitantes mortos ou aprisionados, e os sobreviventes fugiram com
os jesuítas, para o sul, onde se fixaram junto à margem direita do rio Uruguai.[29][30] Ao levar
a catequese, o aldeamento, as estâncias e os ervais a uma larga faixa do território, entre
1632 e 1634 os jesuítas estabeleceram reduções no alto Ibicuí(São Tomé, São Miguel,
São José, São Cosme e São Damião). Ampliaram a área de penetração, alcançaram a
bacia do Jacuí e fixaram outras reduções, inclusive para além da província do Tape (Santa
Teresa, Santa Ana, São Joaquim, Natividade, Jesus Maria, São Cristóvão).[29][30]
A vitória alcançada contra os paulistas na batalha de Mbororé, em 1641, não foi suficiente
para permitir a fixação das reduções.[32] O êxodo das populações indígenas—já iniciado
depois do assalto da bandeira de Raposo Tavares, em 1637—se intensificou, com a
transferência dos jesuítas e dos índios para a margem direita do rio Uruguai, na fértil
mesopotâmia do Paraná.[29][30][33]
Concluiu-se, por força de tais acontecimentos, a primeira fase da civilização jesuítica no
território do atual Rio Grande do Sul, com o abandono de terras abertas aos que primeiro
chegassem para ocupá-las, aventureiros e colonizadores.[34] Somente depois de 1680, com
a fundação da Colônia do Sacramento, na margem superior do rio da Prata, a região
passou a ser objeto de disputa política por parte de portugueses e espanhóis.[29][35][36]
Os Sete Povos
Ver artigo principal: Sete Povos das Missões, Escultura dos Sete Povos das
Missões, Missões jesuíticas na América

As ruínas jesuítas de São Miguel das Missões, na Região das Missões, no estado do Rio Grande do
Sul. São Patrimônio da Humanidade pela UNESCO desde 1983.

A pressão dos bandeirantes não pôs fim à presença dos jesuítas na margem oriental do rio
Uruguai.[36] Retornaram os religiosos cinqüenta anos depois do êxodo, atraídos pelas
disponibilidades econômicas da região, sobretudo pelo gado.[36] Inaugurou-se, na volta ao
território perdido, a segunda fase da penetração jesuítica,[37] que na realidade só terminou
com a fulminante ação militar de 1801—precedida de longas e indecisas ações
diplomáticas --, a qual incorporou definitivamente a região ao Rio Grande do Sul.[29][36][38]
A segunda fase cifra-se na história dos Sete Povos das Missões, com o marco inicial de
1687 (São Francisco de Borja, São Nicolau, São Luiz Gonzaga, São Miguel Arcanjo, São
Lourenço Mártir, São João Batista, Santo Ângelo Custódio).[37] O perigo dos paulistas não
cessara, embora se tornasse menos ameaçador, concentrada a ação do poder dos
portugueses na faixa litorânea, de que a Colônia do Sacramento seria o ponto
extremo.[29][36]
Situados em terras de domínio nominal da Espanha, sob o comando de Buenos Aires, os
Sete Povos abrangiam, as extremas dos grandes rebanhos de gado, que se concentravam
nas vacarias—as Vacarias do Mar, que alcançavam o extremo sul do atual Rio Grande do
Sul, penetrando em território uruguaio, e a Vacaria dos Pinhais, na região da hoje ainda
chamada Vacaria, no nordeste do estado.[29][39][36]
Ao fato da coincidência geográfica do território, acentuado por alguns historiadores para
vincular a história do Rio Grande do Sul às missões jesuíticas, agregam outros estudiosos
o motivo econômico, sobretudo baseado na expansão do gado. As duas fases das
Missões assinalam diferenças qualitativas. Na primeira predominou o zelo evangelizador,
integratório dos indígenas na civilização espanhola; a segunda foi marcada pelo
fundamento econômico da expansão, de índole utilitária e dominada por preocupações
agora marcadamente políticas, de exclusivismo nacional, embora, em certo momento,
arredia e até hostil à autoridade espanhola.[29][36] O gado, de início aclimatado na margem
do rio Uruguai, é de origem paulista, introduzido em São Vicente, onde Martim
Afonso estabelecera o principal curral. Invadindo o Paraguai, depois de proliferar, irradiou-
se pelas pastagens vizinhas, com a distribuição, pelos jesuítas, de 99 cabeças para cada
aldeamento, em 1634. A matança foi proibida nos primeiros anos. Provavelmente, esse
núcleo original se havia ampliado com cabeças vindas do Peru, já a partir de 1569,
acrescidas das manadas que se projetaram da atual província de Corrientes, na Argentina.
A bagualada já campeava livremente nos pampas, trazida pela expedição de Pedro de
Mendoza, que em 1535 desembarcou no Prata 72 cavalos e éguas.[29][36]

A Catedral Angelopolitana, em Santo Ângelo, erguida à semelhança da antiga igreja de São Miguel

Os rebanhos, alimentados pelas pastagens naturais e protegidos pelos acidentes


das florestas e rios (os rincões), proliferaram com abundância, espraiando-se nas Vacarias
do Mar e prolongando-se na Vacaria dos Pinhais, onde se localizou extenso depósito de
gado para o abastecimento das aldeias. Aos currais das aldeias somaram-se os das
invernadas, os campos de cria, alimentados com rebanhos nascidos em regiões mais
distantes. Ovelhas e cabras, de procedências várias, completavam o rico plantel das
Missões, que só começou a ser saqueado por elementos
estranhos, portugueses e espanhóis, depois da fundação da Colônia do Sacramento, em
1680, e no segundo decênio do século XVIII, com a gente de São Paulo e Laguna, que o
explorou para satisfazer às necessidades da população de Minas Gerais, durante o ciclo
do ouro.[29][36]
A civilização jesuítica, um caso de subcultura regional, mesmo na herança fluida e
fantasmagórica que deixou ao império lusitano, ao ser incorporada definitivamente
em 1801, foi apenas um corpo estranho, jamais absorvido no processo histórico português
e brasileiro. Tenazmente combatido pelas armas e interiormente desintegrado, não deixou
a permanente junção da continuidade histórica. A conquista do Rio Grande e seu
povoamento, de caráter luso, legado ao império brasileiro, serão obra da
gente portuguesa, paulista e lagunista de diversas procedências, gente de toda a colônia.
As Missões Orientais são um episódio malogrado da corrente que procurou o Atlântico, de
Buenos Aires e, depois, do vice-reinado do Prata.[29][36]
Tal ponto de vista, acentuando essas razões e desfazendo equívocos, será confirmado em
obra de 1945, de autoria de Serafim Leite, insuspeito de antipatia à causa jesuítica. Para
esse historiador, as Missões jesuíticas do Rio Grande do Sul se incluem na história da
Espanha e, por via desta, na do Paraguai. Seriam portanto desligadas da futura história do
extremo-sul, diretamente vinculado ao processo civilizatório do Brasil. O resíduo espiritual
das Missões tem significado irrelevante. Ao serem absorvidas pelo Brasil, já se haviam
desintegrado; o próprio contingente de sua população praticamente nada representava:
cerca de 14.000 pessoas numa área de 170.825km2, em 1801.[29][36]
A expansão
O litoral do atual território do Rio Grande do Sul só foi explorado pela expedição de Martim
Afonso de Sousa, cabendo-lhe provavelmente a primazia na descoberta da barra do rio
Grande ou rio de São Pedro. O mapa de Martim Viegas, de 1534, consigna o local e o
nome, aludindo ao Tratado descritivo do Brasil, de Gabriel Soares de Sousa, em 1587, as
relações comerciais entre os vicentinos e os indígenas do litoral sulino, referências
confirmadas por documentos posteriores.[29][40]
O Tratado de Tordesilhas não impediu que a coroa portuguesa se atribuísse o território
que hoje compreende o Rio Grande do Sul e a República Oriental do Uruguai. Era
a Capitania d'El-Rei ou província d'El Rei e figura num mapa de 1562 com o nome "d'el Rei
Nosso Senhor". Em 1676 o regente D. Pedro doou ao visconde de Asseca e a João
Correia de Sá duas parcelas de terra, desde Laguna até a foz do rio da Prata. Ainda em
1676 o bispado do Rio de Janeiro se estendia até o rio da Prata, provavelmente em
consonância com as reivindicações portuguesas. As capitanias, não exploradas,
reverteram, em 1727, ao patrimônio real, negando-se D. João V a confirmá-las.[29][40] A partir
de meados do século XVII, sob o estímulo e o comando oficial, a expansão portuguesa
para o sul tomou o rumo da costa atlântica ou junto à margem oceânica, sempre com
apoio marítimo. Em 1647 fundou-se Paranaguá, com a fixação, sete anos depois,
de Curitiba, em movimento que tornaria impossível, no futuro, um avanço capaz de
separar São Paulo e o Rio de Janeiro do extremo-sul. Em 1658 já existia São Francisco,
como ponto de apoio, plantado no território do atual estado de Santa Catarina.[29][40]
A metrópole deliberou expandir-se para o sul, tendo por ponto de apoio a ilha do Desterro,
em Santa Catarina. Com uma pequena força, o governador do Rio de Janeiro, Manuel
Lobo, construiu uma fortaleza, a Colônia do Sacramento, no estuário dos rios Paraná e
Uruguai, em pleno rio da Prata, de onde se iniciaria o processo de consolidação da
presença portuguesa na região. Com base no Tratado de Tordesilhas, o governador de
Buenos Aires, José de Garro, se opôs à ocupação e deu início a um conflito que só teria
fim 150 anos depois, com a criação definitiva de um novo país soberano, a República
Oriental do Uruguai.[29][40] Entre o Rio de Janeiro e a Colônia do Sacramento, com os pontos
intermediários de Paranaguá, São Francisco e a ilha do Desterro, a fundação de Laguna
seria decisiva para fixar as comunicações e estreitar o espaço da ocupação do solo. Suas
bases povoadas, com estrutura administrativa, seriam criadas em 1688, quando Domingos
de Brito Peixoto, com seus dois filhos, aí estabeleceu casais, agregados e aderentes,
fazendo plantações e promovendo o convívio com os índios. Laguna passou a vila em
1774, data em que, ainda por iniciativa oficial, se cogitou do caminho terrestre para o rio de
São Pedro. O hiato de 150 léguas, bloqueado pela costa carente de acessos naturais, iria
fechar-se no curso do século XVIII.[29][40]
Capitania de São Pedro do Rio Grande do Sul em um mapa do Brasil em 1709.

O General João Borges Fortes, em sua obra "Rio Grande de São Pedro", observou que ao
bandeirante Francisco de Brito Peixoto deve-se o pioneirismo na ocupação das terras que
ficam entre Laguna e Colônia do Sacramento, dando início à presença luso-brasileira no
Rio Grande do Sul.[41] A partir daí, colonos procedentes de Laguna dirigiram-se ao Rio
Grande, ocupando as regiões do Viamão.[42] Em 1732, são concedidas as primeiras
sesmarias.[42] Não há dúvida de que antes da conquista e do povoamento, aventureiros de
procedências várias viveram das Vacarias do Mar, explorando o comércio e o artesanato
de couros, em precárias vias de trânsito, num roteiro conhecido desde 1703. Dentre esses
aventureiros—guerreiros e empresários a sua custa—destacou-se Cristóvão Pereira, que
se dedicou à extração, compra e exportação de couros da Colônia do Sacramento,
penetrando as planuras e alcançando São Paulo por via terrestre.[29][40] A partir dessas duas
linhas de penetração (Colônia do Sacramento e Laguna), fechou-se progressivamente o
intervalo territorial, praticamente terra de ninguém. As iniciativas pioneiras, ambas da
primeira metade do século XVIII, tiveram índole diversa. De Laguna partiu para o sul, sob o
fascínio de grandes rebanhos de gados e cavalos, a incursão povoadora de João de
Magalhães, que em 1725 fixou invernadas até o rio Grande (rio Guaíba), com a
distribuição, mais tarde, de sesmarias aos colonizadores. Em 1727 abriu-se o caminho
chamado de estrada dos Conventos, de Araranguá a Lajes, daí alcançando os campos
curitibanos até chegar a Sorocaba, o grande entreposto, ainda nesse século, dos rebanhos
de gado vacum, cavalar e muar. No seu contingente e nas suas inspirações, foi essa uma
obra dos paulistas.[29][40]
Em seqüência ao impulso do norte, de povoamento e exploração do gado, que em breve
se consolidaria nas estâncias de criação, a metrópole incumbiu o general Gomes Freire de
Andrade, governador da capitania do Rio de Janeiro, de ocupar e fortificar o porto de Rio
Grande. A chefia da empresa coube a seu substituto, brigadeiro José da Silva Pais, que,
dentro de um plano que envolvia a defesa da Colônia do Sacramento e a tomada de
Montevidéu, ocupou, em 19 de fevereiro de 1737, a barra do rio Grande.[29][40] Desde alguns
meses, aguardava-o em terra Cristóvão Pereira, com 160 homens. Construiu o forte
Jesus-Maria-José, onde depois se localizaria a cidade do Rio Grande. O comandante
cuidou de colonizar as redondezas, com casais trasmontanos e do Rio de Janeiro,
fortificando-se com reforço de homens e munições.[40] As concessões de terras fixaram as
populações no esboço da área urbana e nas regiões vizinhas, onde se iniciou o plantio, o
recolhimento e a criação de gado.[43] Os dragões de Minas Gerais ali se estabeleceram,
com regimento regular. Em 1743 chegou o primeiro visitador apostólico (representante
do Papa), o padre Antônio Pestana Coimbra.[44] Em 1747 o aldeamento fortificado se
constituiu em vila.[29][45]
Em 1750 o Tratado de Madri, entre Portugal e Espanha, pôs termo ao núcleo de
expansão, cedendo a esta o estabelecimento às margens do rio da Prata, que ficou
desimpedido das incursões e embaraços lusitanos. Ao domínio português passariam as
Missões Orientais do Uruguai, que se trasladariam, com sua gente e bens, para a outra
margem do rio, continuando a reforçar econômica e militarmente o território espanhol.
Embora o tratado não respeitasse, quanto às Missões, o princípio do uti possidetis, depois
consagrado como dogma nas disputas territoriais, o grande ministro de D. João
V, Alexandre de Gusmão, artífice principal das negociações entre as duas coroas,
estabeleceu uma variante: a fixação da fronteira tendo em vista os fatores naturais. O
realismo prevaleceu contra o mito da linha do Prata, insustentável com os recursos bélicos
e humanos então possíveis.[29][45]

A demarcação

Sepé Tiaraju, chefe indígena dos Sete Povos das Missões que liderou uma revolta contra o Tratado
de Madrid.

Na demarcação dos novos limites, Gomes Freire de Andrade, o conde de


Bobadela, governador do Rio de Janeiro e capitão-general da Repartição do Sul,
encontrou tenaz resistência dos jesuítas espanhóis e seus catecúmenos aldeados.
Estes—entre os quais se destacava o índio Sepé Tiaraju, que o exagero e a inversão da
perspectiva histórica quiseram batizar de primeiro caudilho rio-grandense—enfrentaram as
tropas portuguesas e espanholas no sangrento Batalha de Caiboaté. No combate pereceu
Nicolau Neenguiru, herói de Mbororé, dias depois da morte de Sepé Tiaraju, que a lenda
popular elevaria à categoria de santo não canonizado—o são Sepé.[29][45]
Além de fixar populações, com a concessão de sesmarias, e de patrulhar o território desde
os campos da Vacaria dos Pinhais a Chuí, a incursão demarcadora de Gomes Freire de
Andrade conquistou e consolidou a base hidrográfica interior, da barra do rio Grande até o
extremo dos rios interiores. No futuro, essa ocupação tornaria a região incólume às
investidas castelhanas e forneceria as bases, já independente o país, ao resguardo da
autoridade central. Foi durante a incursão de Gomes Freire de Andrade que surgiu a
tranqueira do rio Pardo, em 1752, invicta nas lutas posteriores e que serviria de base para
o domínio do território das Missões.[29][45]
A par da empresa de conquista, a obra de colonização se acentuou pela introdução dos
açorianos. Em sincronia com o movimento militar que ocuparia as Missões,
encaminharam-se estes para o porto de Dorneles, depois Guaíba, para se entrosarem com
os colonizadores dos Campos de Viamão. A ocupação açoriana, cujo contingente não raro
tem sido exagerado em sua quantidade, visou, numa primeira fase, de 1751 a 1759, a
finalidade precípua de substituir-se ao índio nas aldeias missioneiras; o povoamento
metódico, com a distribuição de glebas aos povoadores, só teria início mais tarde. O curso
da distribuição seguiu o seguinte: Rio Grande; Capela Grande do Viamão, compreendendo
o porto de Viamão, mais tarde Porto Alegre; Triunfo; Santo Amaro; e Rio Pardo. À margem
da bacia fluvial formou-se o cinturão de lavouras que abasteciam as tropas responsáveis
pela colonização do território.[29][45]

Marcelino de Figueiredo, governador da Capitania do Rio Grande de São Pedro.

Mais tarde, na segunda fase, caracterizada pela valorização do gado no mercado interno,
o trabalho agrícola foi substituído pela pecuária e a região se transformou em fonte de
abastecimento das minas em prosperidade galopante, no ciclo de ouro das Gerais.[29][45] O
traçado inicial da conquista—do Rio de Janeiro (depois, de Laguna) à Colônia do
Sacramento—sofreu, a partir de 1750, uma retificação, com o eixo Rio Grande-Porto
Alegre-Rio Pardo. A inflexão para o oeste, com a base do Rio Pardo dominando a bacia
fluvial, configurou a fisionomia política e econômica do Rio Grande, agora
definitivamente.[29][45] Em 1761, o Tratado de El Pardo anulou o Tratado de Madri, devendo
a Colônia do Sacramento e as Missões Orientais voltar aos antigos senhores. A Espanha,
preocupada em combater a influência inglesa, concertou em 1761 o "pacto de família", que
permaneceu algum tempo secreto. Portugal, vinculado à Inglaterra, não aderiu, contando
que, somente com o amparo inglês, poderia proteger seu domínio ultramarino.[29][45]
O primeiro golpe desfechado contra o extremo-sul do território português foi a tomada,
ainda uma vez, da Colônia do Sacramento, em 1762, pelo governador de Buenos
Aires, Pedro de Ceballos Cortés y Calderón, que, depois de atravessar a planície uruguaia,
ocupou a vila do Rio Grande, em 1763, lançando uma cabeça-de-ponte em São José do
Norte. O governador do Rio Grande, coronel Elói Madureira, transferiu a sede do governo
para Porto Alegre, onde permaneceria definitivamente. Em 1763 o Tratado de Paris pôs
termo à beligerância, mas veio a ser desobedecido pelas autoridades do Prata, que
apenas devolveram a Colônia do Sacramento.[29][45]
Ao contrário da esperada paz, o novo governador de Buenos Aires, Juan Ortiz y Salcedo,
chegou às portas da tranqueira do Rio Pardo, em 1773, mas a resistência que teve de
enfrentar, sob o comando do governador do Rio Grande, coronel Marcelino de Figueiredo,
conseguiu deter as posições-chave -- São José do Norte e Rio Pardo --, graças a um
elemento novo e surpreendente, os guerrilheiros locais, treinados nas estâncias,
comandados pelo primeiro caudilho rio-grandense, Rafael Pinto Bandeira, ex-coronel de
milícias e grande proprietário rural.[46] Contudo, somente uma ação de grande envergadura,
com a mais numerosa força militar já concentrada em território brasileiro (6.800 homens),
sob o comando do tenente-coronel João Henrique Böhm, conseguiu expulsar os espanhóis
do Rio Grande, em 1776, depois de 13 anos de ocupação.[29][45]

As comandâncias
A expansão militar espanhola obedecia a um plano, documentado com o ato de criação
do vice-reinado do Rio da Prata, em 8 de agosto de 1776, abrangendo o território atual
da Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia e Rio Grande do Sul. O Tratado de Santo
Ildefonso, de 1º de outubro de 1777, encerrou a atribulada história diplomática do extremo-
sul, que consolidaria em poder da Espanha a Colônia do Sacramento e as Missões
Orientais. O acertado no tratado já se mostrava patentemente anacrônico, diante do
predomínio social da região em favor dos portugueses.[29][45] Na verdade, o território das
Missões, encurralado pela criação de gado e pelos sesmeiros, tornara-se um satélite do
Rio Grande. Em 1801 uma manobra guerreira nativa, sob o beneplácito dos poderes
oficiais, incorporou, num golpe de audácia, toda a região ao Rio Grande. Na operação se
destacaram os descendentes da escola guerrilheira de Rafael Pinto Bandeira—o filho de
estancieiro José Borges do Canto e o aventureiro Manuel dos Santos Pedroso. A antiga
civilização jesuítica não passava de uma sucessão de ruínas, de população escassa, só
realmente povoada e colonizada pela gente de São Paulo, que desceu de Curitiba e Lajes,
ao lado dos soldados aquinhoados, pelos seus títulos, com ricas sesmarias. Completou-se,
assim, a integração geográfica do extremo-sul.[29][45]
A estrutura administrativa deu consistência e coesão à obra de conquista militar e de
povoamento. Fundada a fortaleza Jesus-Maria-José às margens do rio Grande, Gomes
Freire instituiu um órgão de direção e coordenação, que recebeu o nome de comandância
militar, nos moldes das já existentes em Santos e na Colônia do Sacramento. Instituiu-se
assim a Comandância Militar do Rio Grande de São Pedro, subordinada à capitania do Rio
de Janeiro, guarnecida inicialmente pelos dragões, de gloriosa e tumultuada história, no
núcleo inicial e no rio Pardo. A administração do território cabia aos comandantes, como
se fossem governadores-gerais.[29][45] O regime das comandâncias estendeu-se de 1737 a
1760, sob a chefia, sucessivamente, do brigadeiro José da Silva Pais, do mestre-de-
campo André Ribeiro Coutinho e do coronel Pascoal de Azevedo. Desde 1710, a
administração do extremo meridional subordinava-se à capitania de São Paulo, passando,
em 1738, a constituir juntamente com Santa Catarina uma comarca sob o comando da
capitânia do Rio de Janeiro, com sede administrativa na Ilha de Santa Catarina, onde
ficava a residência do governador. Através da carta-patente de 9 de setembro de 1760 o
governo do Rio Grande de São Pedro se tornou independente do governo de Santa
Catarina, permanecendo, no entanto, como comarca do Rio de Janeiro.[29][45]

Mapa do território em 1780

A autonomia de fato só ocorreu em 19 de setembro de 1807, quando o regente D. João


criou a capitania de São Pedro, subordinada, como as outras, ao vice-rei e capitão-general
do estado do Brasil. A escolha do primeiro governador e capitão-general recaiu no
conselheiro e brigadeiro D. Diogo de Sousa Coutinho, depois conde do Rio Pardo, que
assumiu suas funções em 1809. Os corpos de milícias, criados com o recrutamento local,
completaram a muralha militar que se articulou, no pampa e nas regiões agrícolas, contra
o castelhano. Os chefes dessas forças, vinculados à estância e nomeados pelo rei,
reuniam, pela lealdade e pela dependência, a peonada, que se compunha de índios,
brancos e mestiços.[47] Essa foi a origem dos heróis nativos Pinto Bandeira, Borges de
Canto e Santos Pedroso, que deixariam, no curso da história futura, grande e não raro
turbulenta descendência.[29][45]
Na base dos organismos militares, uma faixa de população se formou, à margem do
trabalho agrícola e do pastoreio organizado. Para abastecer as charqueadas,
estabelecidas desde 1780, em busca da courama, entregaram-se esses aventureiros à
preia do gado sem dono na fronteira retrátil, em expedições chamadas arriadas. Para a
aventura do saque e da guerra, o regime do latifúndio enviou a legião nômade, os que
seriam chamados de gaudérios, e depois de gaúchos, em sentido depreciativo. Matéria-
prima das arriadas e guerrilhas, sua colaboração limitava-se às incertezas do gado a
arrebanhar, desligando-se das obrigações militares ao seu arbítrio. Só no século XIX a
expressão gaúcho perdeu o caráter depreciativo para adquirir índole respeitosa, na medida
em que desaparece o nomadismo e se organizam as estâncias.[29][45]

A integração

Um gaúcho retratado por Debret no início do século XIX

Um fator econômico, de relevância política e social, encerrou o processo de integração do


Rio Grande do Sul colonial ao território lusitano. As necessidades prementes de muares
e carne no ciclo do ouro exigiram a importação do extremo-sul, o que incentivou a abertura
de estradas. Cessada a febre do ouro, o abastecimento das populações escravas e
proletárias do café se fez à custa de charque, estimulada sua produção depois que
o Ceará reduziu suas exportações, assolado pela seca de 1777. Encerrou-se o período de
conquista predatória do território e consolidou-se a estância como centro produtor,
complementada pela charqueada, servida esta com mão de obraescrava. O comerciante
de gado (muares, cavalos e vacas), o tropeiro, enriqueceu e adquiriu relevo social.[29][45]
A natureza econômica da região se definiu na economia subsidiária, com relação ao país,
e na economia de subsistência, baseada sobretudo no trigo e na colonização açoriana. A
valorização dos muares e da carne levaria, no entanto, ao abandono a cultura dos cereais.
Em 1822, o Rio Grande, antes exportador de trigo para o mercado interno, passou a
importar o cereal dos Estados Unidos. A paisagem se modificou, com o florescimento da
região de São Francisco de Paula (depois, Pelotas), que desenvolveu uma próspera rede
de charqueadas. O produto sulino, baseado no trabalho escravo, só alcançaria, todavia,
preços compensadores nos momentos de crise no Prata, que, além disso, fornecia
charque da melhor qualidade.[29][45]
O caráter subsidiário da economia, cada vez mais relevante, criou uma unidade
diferenciada de produção, ligada ao mercado nacional, mas isolada dos interesses
exportadores. Os grupos dominantes no país não se associariam às reivindicações do
extremo-sul, antagônicas aos seus objetivos de alimentação barata para a escravaria. O
grupo exportador de produtos de aceitação européia, sempre estimulado pelo centro
político, no seu exclusivismo, infundiria, à sociedade rio-grandense, a consciência de
isolamento econômico, social e político, que os componentes da formação militar
tornariam, em certos momentos, explosiva.[29][45]
Em 1807, quando da criação da Capitania de São Pedro, já se definira a sociedade rio-
grandense, dissolvendo-se a pequena agricultura, gradativamente, na expansão da grande
propriedade estancieira, gerada sobre as sesmarias prodigamente concedidas. A
campanha, com seus núcleos pastoris, só encontrou, com outro espírito, os centros
urbanos e os evanescentes grupos agrícolas, pacíficos e situados a leste, em torno de
Porto Alegre, mais tarde, com as pequenas propriedades advindas com a colonização
alemã, que se desenvolveu a partir de 1824.[29][45]

Emancipação nacional e império


Ver artigos principais: Guerra dos Farrapos, Proclamação da República Rio-
Grandense e República Rio-Grandense

Aquarela de Antônio Parreiras de 1915, simbolizando a Proclamação da República Rio-


Grandense em 1836 pelo general Antônio de Souza Netto.

Nas lutas em torno do domínio do Uruguai, que iriam redundar na criação da Província
Cisplatina e sua transformação em país independente em 1828, sofreu o território rio-
grandense forte sangria de homens e recursos. A região das Missões Orientais, ainda mal
povoadas, servira de teatro às incursões determinadas por José Gervásio Artigas, que
nela se abasteceria de cavalhada e gado. Para sustento dessa campanha malograda, o
Rio Grande mobilizou todos os seus recursos humanos e materiais.[29][45] Ao lado das tropas
regulares que a corte enviou ao sul, os milicianos locais retemperaram nova camada
militar, agora unida estreitamente à estância, com suas reservas do proletariado rural, o
gaúcho. Entre os chefes, surgiram nomes gloriosos, que iriam influir no futuro: Bento
Gonçalves da Silva, José de Abreu, João de Deus Mena Barreto, José Antônio Correia da
Câmara, Manuel Marques de Sousa.[29][45]
Nos sucessos da independência, governava a capitania, como capitão-general, o
brigadeiro João Carlos de Saldanha, depois duque de Saldanha. Em 1821 criadas
as províncias, em caráter provisório, por decreto das cortes de Lisboa, nas quais deveriam
eleger-se juntas governativas subordinadas a Portugal, Saldanha foi eleito
presidente.[45] Os eleitores paroquiais, todavia, não cumpriram totalmente o decreto,
considerando não escrito o artigo que vinculava o governo a Lisboa.[48] O vice-presidente,
marechal-de-campo João de Deus Mena Barreto, desconfiado da lealdade portuguesa de
Saldanha, criou as condições para o bloqueio político do presidente, que em dezembro de
1822 se retirou para o Rio de Janeiro, sem articular a defesa da união dos reinos, com a
hegemonia portuguesa.[29][49] Em seguida ao Fico, as câmaras municipais consolidaram o
sentimento nativista, impossibilitando a reação, já ocupado o governo por Mena Barreto.
Firmaram-se, nessa ação, sobre a rala camada militar portuguesa, o miliciano local,
o estancieiro, a burguesia urbana e o gaúcho.[29][49]
Carga de cavalaria Farroupilha, por Guilherme Litran. Acervo do Museu Júlio de Castilhos.

Cena de Batalha no Sul do Brasil, por Oscar Pereira da Silva.

Garibaldi liderando a expedição a Laguna, por Lucílio de Albuquerque. Acervo do Instituto de


Educação General Flores da Cunha, Porto Alegre.

O Rio Grande expandira sua população e suas riquezas. Em 1780, segundo o primeiro
recenseamento geral da capitania, a população era de cerca de 18 000 habitantes,
enquanto, em 1814, já alcançava a casa dos 71 000.[29][49] O número de escravos aumentou
largamente no interregno desses 34 anos, de 5 000 para 20 000, concentrando-se
inicialmente nas zonas de produção de trigo, atingidas pela escassez de braços. Com a
decadência do trigo, o escravo se trasladou, em pequena proporção, para a estância, já
transformada em unidade produtiva e não mais de apropriação, e, em larga escala, para
as charqueadas. A estância necessitava de pouca mão de obra, embora se costume
exagerar a exiguidade do número de escravos nela empregados.[29][49]
No curso do século XIX, as charqueadas assumiram incremento crescente, ao ponto de
desarticular a economia de subsistência, que, pouco antes, tornava a estância um centro
quase autárquico, servido pela chácara. O pastoreio e o charque tomaram conta da
economia e imporiam a importação de gêneros alimentícios, se a colonização alemã não
preenchesse, em breve, o hiato.[29][49] Prosperaram, então, os núcleos comerciais, com a
ascendência de Porto Alegre, que centralizou as trocas das populações de leste, de
origem açoriana, incentivando focos redistribuidores até as Missões. Ao lado de Pelotas,
projetou-se a abertura marítima da província, Rio Grande, único porto da costa, embora de
acesso difícil. Continuavam a ter relevo as vias terrestres, que levavam a produção pastoril
ao norte, por via da feira de Sorocaba, principal centro distribuidor de São Paulo, Minas
Gerais e Goiás.[29][49] Boa parcela do progresso se deveu ao consumo dos efetivos militares,
sem embargo dos confiscos arbitrários, não raros em toda a região. Para uma população
de 110 000 habitantes, no início do império, o rebanho bovino elevava-se a 5 000 000 de
cabeças, com 1 000 000 de cavalos. As Missões Orientais povoaram-se com as sesmarias
concedidas, em largas extensões, aos militares que se deslocaram na guerra e aos
aventureiros que desciam de São Paulo, avolumados pelo êxodo de Santa Catarina e
Paraná, para o pastoreio em glebas férteis.[29][49]
Organizado o sistema político do império, ocupou a presidência do Rio Grande do Sul o
desembargador José Feliciano Fernandes Pinheiro, visconde de São Leopoldo,
futuro senador do império. Inaugurou-se, como para todo o país, o período das
administrações curtas, incapazes de obra contínua, com 54 presidentes efetivos e 24
interinos, desde Fernandes Pinheiro a Justo de Azambuja Rangel, em 1889.[29][49] No século
XIX, os índios cainganguesque ocupavam as áreas montanhosas da Região Sul do
Brasil foram desalojados violentamente por ação de matadores de indígenas chamados de
"bugreiros". Estes haviam sido contratados para abrir espaço para a instalação, por parte
do governo imperial brasileiro, de imigrantes europeus na região, visando a um
"embranquecimento" da população brasileira, até então majoritariamente negra e
mestiça.[50]
Em 1824, em virtude de plano elaborado nos conselhos da corte, desembarcaram em
Porto Alegre os primeiros imigrantes alemães, destinados à agricultura. Retomou-se, com
essa medida, a experiência da pequena lavoura açoriana (78 hectares para cada família),
que, seduzida pela criação do gado, se rarefizera e fora atraída para a grande
propriedade. A partir da margem esquerda do rio dos Sinos, onde depois se situaria a
cidade de São Leopoldo, expandia-se, em levas contínuas, o mais importante impulso
agrícola da época, assegurando a economia de subsistência, já praticamente em
abandono.[29][49] Os imigrantes, que prosperavam na lavoura, no artesanatoe na
pequena indústria, equilibraram a paisagem pastoril com sua sociedade pacífica, sem
vínculos com o patriarcado militar e alheia às tensões da economia do gado. Porto Alegre,
o centro administrativo, viu com isso acentuada a sua posição de coordenadora da
autoridade, subordinada à capital do império. Não obstante o ingresso de imigrantes
agrícolas, até que a sociedade se transformasse, no longo processo de aculturação,
predominavam as estâncias pastoris, cujos interesses, no curso do século XIX, já se
haviam amalgamado ao patriciado militar, que se "afazendara", na obtenção
de sesmarias e gado.[29][49]

Declaração do Barão de Caxias anunciando o fim da Revolução Farroupilha, 1845. Arquivo


Nacional.

O dissídio entre o centro e a província, amortecido na Guerra Cisplatina, se intensificou


nas primeiras três décadas do século, até a Revolução Farroupilha de 1835. Produtores de
charque e derivados do gado e fornecedores de muares, os rio-grandenses não
dispunham de meios para influenciar as linhas de conduta político-econômica do
centro.[49] Incapaz de concorrer com a produção platina, mais bem aparelhada e com
custos inferiores, via-se a economia rio-grandense sujeita à instabilidade, em detrimento
dos criadores e charqueadores.[51] A carga tributária sobre a produção gaúcha tornou-se
sufocante. As rendas fiscais, carreadas para o centro, revertiam em parcela mínima para o
sul. De outro lado, os presidentes da província, agentes do Rio de Janeiro, não se
mostravam solidários com os interesses locais.[29][52]
A revolução decorrente desse estado de coisas, exaltada com o nome de Farrapos
ou revolução Farroupilha e liderada pelo deputado provincial e coronel de milícias Bento
Gonçalves da Silva, duraria dez anos—a década heróica da história do Rio Grande do Sul:
de 19 de setembro de 1835 até 1 de março de 1845, quando foi assinada a paz com o
governo de D. Pedro II, depois que Luís Alves de Lima e Silva, então barão de Caxias,
assumiu a província e o comando de suas armas.[29][52] Cuidou Caxias, depois de pacificar
os ânimos, de atender algumas das mais urgentes reivindicações republicanas dos
revolucionários, concernentes à instrução pública e às comunicações terrestres. As
campanhas nacionais que se seguiram, com o Rio Grande por cenário—a luta contra
Rosas, em 1852, e a guerra do Paraguai, de 1864 a 1870—fortaleceram a economia
sulina. Enquanto a revolução Farroupilha esgotou as reservas da principal riqueza da
província, essas guerras, apesar dos sacrifícios com soldados (33.803 soldados rio-
grandenses na guerra do Paraguai, a quarta parte dos combatentes), exigiram grande
consumo de produtos agrícolas e pecuários, indenizados pelo justo valor. A agricultura,
que a colonização alemã tornara florescente, contribuiu amplamente para alimentar as
tropas. O Banco da Província, fundado em 1858, e ainda existente, seria uma das fontes
de estímulo da riqueza local.[29][52]

Mapa da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul em 1852, por Herrmann Rudolf Wendroth.

Não obstante a recuperação econômica, mantinham-se as causas do desequilíbrio


regional, em desfavor da produção local. Também foi mantida a política econômica, ditada
pelo centro e considerada espoliativa pelos estancieiros e charqueadores, acentuando o
isolamento do Sul. A exigência de redução dos direitos sobre os couros, de 15 para 5%, e
sobre o sal, de 240 para 50 réispor alqueire, permaneceu sem resposta. No que se referia
ao charque, a exportação se achava com direitos mais altos do que o similar platino;
o sistema escravocrata das charqueadas onerava a produção ao impedir a retração
da mão-de-obra e exigir maior capital fixo.[29][52] Surgiu, então, um líder, Gaspar Silveira
Martins, que, em 1861, se propôs, constituindo o Partido Liberal Histórico, a criar uma
base de operações políticas, de baixo para cima, nas estâncias e nos ranchos, com a
pregação de casa em casa. Queria libertar sua terra da "asfixiante, vergonhosa tutela do
poder central". Depois de 11 anos de luta, após dominar a assembléia provincial, Silveira
Martins levou à Câmara dos Deputados uma bancada liberal, eleita sob gabinete
conservador. Entre 1868 e 1878 o "Sansão do império", como era chamado, tornou-se o
ídolo dos liberais.[29][52]
Imigrantes italianos na região de Caxias do Sul, no fim do século XIX.

Em 1874, foi instalado, em Porto Alegre, o Tribunal da Relação, libertando a província da


dependência do Rio de Janeiro. Ao elenco das iniciativas oficiais se acrescentou o
incremento das correntes migratórias -- entre 1875 e 1889 chegaram ao Rio Grande do Sul
mais de sessenta mil italianos—que, sobre a base agrícola, expandiram sua atividade no
artesanato de produtos de couro e têxteis e na produção do vinho. O carvão passou a ser
explorado a partir de 1866.[29][52] No quadro do progresso, um desajuste interno perturbou
a sociedade. A estância, cada vez mais estruturada como empresa lucrativa, limitadas
suas necessidades a poucos braços, abandonou o excedente, sem que este se adaptasse
às zonas agrícolas — onde, de resto, não lhes davam terras. Uma camada nômade, que
se engrossou com os libertos, passou a errar pelos campos, vivendo das ocupações
eventuais e do crime. O Partido Liberal, como resultado paradoxal de sua política de
vínculo com o centro, perdeu o ímpeto popular. Fundou-se, então, o Partido Republicano,
no qual desde logo se destacou, como jornalista, Júlio Prates de Castilhos.[29][52] A
oficialidade que servia no Rio Grande do Sul, entre a qual se contava Deodoro da
Fonseca, ligou-se aos rebeldes, sendo a união cimentada pelo positivismo, estuário
comum de civis e militares. Tão veemente seria o vínculo que, em 21 de março de 1889,
os propagandistas traçaram, como linha de ação, o levante armado, na eventualidade do
terceiro reinado.[29][52]

República
Ver artigo principal: Revolução Federalista
O ousado plano da rebelião armada frustrou-se por obra das circunstâncias, diante da
surpresa da proclamação da república por Deodoro, comunicada aos propagandistas e
conjurados pelo telégrafo.[52] Dias antes Silveira Martins transmitira o governo a Justo de
Azambuja Rangel.[53] Este, por intimação de Deodoro, passou o cargo ao marechal José
Antônio Correia da Câmara, visconde de Pelotas, de extração liberal.[29][54]

Mapa da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, 1877. Arquivo Nacional.

Gaspar Silveira Martins, então senador, chamado pelo imperador para organizar o
derradeiro gabinete do império, foi preso e deportado. Com o visconde de Pelotas tentou-
se a conciliação local. Seus secretários, entre eles Júlio de Castilhos e Ramiro Barcelos,
rejeitaram a conciliação, mantendo a linha partidária. Entre os liberais e os republicanos
não havia meio-termo possível, definidos os últimos na carta estadual autocrática de 14 de
julho de 1891, promulgada entre ásperas dissensões, que culminariam na revolução de
1893.[29][54] Em pouco mais de três anos, 15 chefes do governo estadual, com
o interregno de uma junta governativa, definiram a profundidade da instável situação
política. Somente em 25 de janeiro de 1893 Júlio de Castilhos assumiu a presidência do
estado, para, completando o mandato de cinco anos, transmiti-la a Antônio Augusto
Borges de Medeiros, que, apenas com o hiato de um qüinqüênio, governaria o Rio Grande
até 1928.[29][54] Já então o Rio Grande se dividia entre gasparistas -- Silveira
Martins retornou do exílio em 1892—e castilhistas—já com Júlio de Castilhos na chefia
incontestável dos republicanos. Ambas as facções se definiam pelo federalismo, bandeira
que, depois de arvorada pelos farroupilhas, se incorporou ao ideário gaúcho.[29][54]
Aparício e Gumercindo Saraiva, líderes da Revolução Federalista, aparecem nesta foto, sentados,
no centro

A ferro e fogo, o Partido Republicano conquistou as bases eleitorais e o controle político,


reforçado, mais tarde, por uma poderosa milícia estadual, a Brigada Militar. Na revolução
Federalista, que se prolongou por trinta meses, com dez mil mortos, na mais cruenta das
guerras civis brasileiras, o castilhismo impôs-se ao estado, abatendo a oposição, sem a
aniquilar. Os chefes, formados na tradição do cavalheirismo, não puderam deter a onda de
terror que invadiu os campos e extravasou, nas colunas revolucionárias e legalistas, nos
outros dois estados do Sul, Paraná e Santa Catarina.[29][54] A insurreição, apesar de
mobilizar milhares de combatentes, limitou-se à guerrilha, incapaz de assegurar posições
estáveis. Tampouco conseguiu sensibilizar os imigrantes, seus descendentes ou a
população do leste, onde Porto Alegre avultara como centro econômico, político e
administrativo.[29][54]
A Revolução Federalista de 1893 revelou o extraordinário talento guerreiro de Gumercindo
Saraiva. Sua coluna, abandonando a orla da fronteira uruguaia, ao longo de 18 meses de
combates, empreendeu uma marcha de 2.500 km até Itararé, onde se deteve, incapaz de
penetrar no estado de São Paulo. No seu encalço, o chefe legalista Pinheiro Machado
combateu-o tenazmente, repelindo a surpresa do ataque com a surpresa do
revide.[29][54]Morto o chefe rebelde em 10 de agosto de 1894, a guerra entrou em rápido
declínio, limitada a irrupções momentâneas e descoordenadas. A paz, assinada em 23
agosto de 1895, depois que os insurretos fracassaram em Campo Osório, pôs termo ao
dissídio, sem que o Partido Republicano pudesse ditar, sob o controle de Prudente de
Morais, os termos da vitória.[29][54]

Presença de Vargas

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