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SOLICITAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE EXAMES LABORATORIAIS: A


PERCEPÇÃO DO ENFERMEIRO

SOLICITING AND INTERPRETING LABORATORY EXAMS: THE NURSE’S


PERCEPTION

Tamara Miranda Perdigão


Enfermeira. Graduada pelo Centro Universitário do Leste de Minas Gerais – Unileste.
tamaramiranda2703@hotmail.com

Célia Geralda de Oliveira Pessoa


Enfermeira. Mestre em Meio Ambiente e Sustentabilidade. Especialista em Docência no Ensino
Superior. Docente do Curso de Enfermagem do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais.
celiagop@terra.com.br

RESUMO

A Enfermagem evoluiu de forma ascendente alcançando assim, o direito de solicitar exames em


programas de Saúde Pública, fato que tem trazido discussão junto às outras categorias. O objetivo
desta pesquisa foi analisar a percepção dos enfermeiros sobre esta atividade, bem como sobre a
regulamentação desta ação visando contribuir para que a solicitação dos exames adequados à
avaliação clínica do paciente e a correta interpretação dos mesmos deixe de ser visto como um
desafio para os enfermeiros. Trata-se de uma pesquisa descritiva com abordagem qualitativa, tendo
como entrevistados 10 Enfermeiros que atuam nas Unidades de Atenção Primária à Saúde de um
município na Região do Vale do Aço, Minas Gerais, realizada no mês de Julho de 2010. Como
instrumento de coleta de dados foi utilizado um roteiro de entrevista elaborado e gravado pela
pesquisadora. Os enfermeiros entrevistados revelaram terem se capacitado para solicitar e interpretar
os exames laboratoriais de forma autônoma e terem insatisfação em transcrevê-los. Observou-se
uma perda da identidade profissional, uma vez que 80% relataram agilizar o fluxo da unidade com a
solicitação dos exames e uma insegurança na práxis apesar de existir um Protocolo do Ministério da
Saúde que regulamenta o ato do Enfermeiro solicitar exames laboratoriais dentro dos programas de
saúde, bem como um Protocolo de Enfermagem Municipal.

PALAVRAS-CHAVE: Cuidados de Enfermagem. Conhecimento. Programa Saúde da Família.


Diagnóstico de Enfermagem.

ABSTRACT
Nursing has evolved in an ascending way and obtained, together with its victories, the right to solicit
exams in Public health programs, a fact that has caused discussion among other categories. The aim
of this survey was to analyze the perception of nurses about this activity, as well as about the
regulation of this action in order to contribute, so that soliciting the adequate exams for clinical
evaluation of the patient and interpreting them correctly, stops being seen as a challenge by the
nurses. It is a descriptive survey with a qualitative approach, having 10 nurses as interviewees, who
work in Units of Primary Health Attention in a municipality in the Region of Vale do Aço, Minas Gerais,
carried out in the month of July, 2010. As instrument of data collection an interview questionnaire was
used, elaborated and recorded by the researcher. The nurses who were interviewed revealed being
dissatisfied with transcribing them. We observed a loss of professional identity, since 80% reported
quickening the flow of the unit by soliciting the exams and insecurity with the practice, despite the
existence of a Protocol of the Health Ministry that regulates the act of the nurse soliciting laboratory
exams within the health programs, as well as a Municipal Protocol of Nursing approved of by the
same.

Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG - V.5 - N.1 - Jul./Ago. 2012.


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KEY WORDS: Nursing Care. Knowledge. Family Health Program. Nursing Diagnosis.

INTRODUÇÃO

Segundo a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica (2009), os meios


necessários para a atuação dos profissionais de saúde para prevenção, diagnóstico,
tratamento, prognóstico e acompanhamento das enfermidades de um modo geral,
vêm entre outros, através da realização de exames laboratoriais, onde os mais
frequentes podem ser realizados através da coleta de sangue, fezes, urina, líquor e
outros materiais biológicos, possibilitando identificar e quantificar diversos analíticos,
utilizando metodologias variadas.
Silva, Souza e Souza (2006) afirmam que a enfermagem evoluiu de forma
ascendente e alcançou, junto às suas conquistas, o direito de solicitar exames e
prescrever medicamentos em programas de Saúde Pública.
O Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) através da Resolução nº. 195, de 18
de fevereiro de 1997, regulamentou a solicitação de exames de rotina e
complementares pelo enfermeiro, quando no exercício de suas atividades
profissionais, para uma efetiva assistência ao paciente, por meio da consulta de
enfermagem, pautado nos programas do Ministério da Saúde1.
A consulta de enfermagem foi legitimada como prática exclusiva do enfermeiro
com a aprovação da Lei nº. 7.498, de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre o
exercício da Enfermagem. Posteriormente, esta consulta foi regulamentada por meio
da Resolução COFEN nº. 159, de 19 de abril de 1993, tendo como fundamento os
princípios de universalidade, equidade, resolutividade e integralidade (BRASIL,
1986; COFEN, 1993).
Para realizar uma consulta de enfermagem o enfermeiro precisa estar
preparado para atender as demandas do paciente, aceitando seus valores,
lembrando que o mesmo faz parte de um núcleo familiar e que é um ser holístico
constituído de corpo, mente e espírito. É importante lembrar que a saúde é resultado
de necessidades humanas atendidas e a doença se trata das necessidades
humanas básicas afetadas (VANZIN; NERY, 1996).
Vianna e Dal Poz (1998) ressaltam que a Estratégia Saúde da Família (ESF)
surge como proposta para reorientar e reestruturar o sistema público, assegurando a
construção de um modelo assistencial que priorize a cidadania de todos. O
enfermeiro, como membro da equipe de saúde da família, exerce um papel
extremamente importante, desenvolvendo ações comuns a toda equipe e outras
atribuições específicas, como por exemplo, realizar consulta de enfermagem,
solicitar exames complementares e prescrever medicamentos em condições
singulares. Além disso, o reconhecimento do papel do enfermeiro na ESF permite a
construção de uma identidade, uma vez que, a estratégia tem possibilitado à
enfermagem avanços no saber e no fazer mediante a construção de um espaço
assistencial ímpar para este profissional, percebendo-o como fundamental e
essencial na execução e seguimento das ações de saúde.

1
Controle das Doenças Sexualmente Transmissíveis - DST/AIDS, Viva Mulher, Assistência Integral à
Saúde da Mulher e da Criança – PAISMC, Pré-Natal, Controle da Tuberculose e da Hanseníase,
Atenção à Saúde Integral do Adolescente e Planejamento Familiar.

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Conforme Iyer, Taptich e Bernocchi-Losey (1993), a ciência da Enfermagem


está baseada numa ampla estrutura teórica, exigindo habilidades cognitivas,
técnicas e interpessoais, onde a Sistematização da Assistência de Enfermagem
(SAE) é o método pelo qual a estrutura é aplicada à prática de enfermagem. Uma
vez regida pela Resolução COFEN nº. 272, de 27 de agosto de 2002, a SAE deve
ocorrer em toda instituição de saúde pública e privada, através da consulta de
enfermagem, de forma que suas fases integrem as funções intelectuais de solução
de problemas, num esforço para definir as ações de enfermagem.
Fischbach (1998) e Garcia e Kanaan (2008) concordam que para uma
interpretação correta dos resultados de exames são necessários conhecimentos
básicos e clínicos, uma vez que, os padrões de assistência estabelecem exigências
mínimas para a prática profissional incluindo-se o conhecimento básico de exames
laboratoriais de forma a entender as terminologias, o propósito, os valores, os
resultados normais do teste, a história e a avaliação na identificação de situações
que podem afetá-lo, como por exemplo, a gravidez e o diabetes.
Os programas e protocolos do Ministério da Saúde viabilizam ao enfermeiro
prescrever exames laboratoriais, logo a não solicitação de exames de rotina e
complementares, quando necessários para o estudo, é uma atitude omissa,
negligente e imprudente, colocando em risco a saúde do paciente (COFEN, 1997).
Assim, esta pesquisa visou contribuir para que a solicitação dos exames
laboratoriais adequados à avaliação clínica do paciente e a correta interpretação dos
mesmos, deixassem de serem vistos como um desafio para os enfermeiros, bem
como incentivá-los da importância desta práxis para a garantia da assistência
efetiva, da melhoria na qualidade do atendimento e na promoção à saúde da
população.
O objetivo da pesquisa foi analisar a percepção do Enfermeiro sobre a
solicitação e interpretação de exames laboratoriais, comparando com a legislação
vigente.

METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa descritiva com abordagem qualitativa, desenvolvida


com enfermeiros das Unidades de Atenção Primária à Saúde (UAPS) de um
município da Região do Vale do Aço, Minas Gerais, após aprovação da Secretaria
Municipal de Saúde.
A amostra foi definida pelo princípio de saturação dos dados e constituiu-se de
10 enfermeiros em um universo de 20 enfermeiros. A coleta de dados ocorreu no
mês de Julho de 2010, utilizando-se um roteiro de entrevista elaborado pela
pesquisadora.
As entrevistas foram previamente agendadas e realizadas dentro do período de
expediente dos mesmos nas UAPS. Para tanto, foi solicitado a assinatura do Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), bem como autorização para gravação
da entrevista, utilizando-se um aparelho MP3 da marca Philips. Cada entrevista teve
duração média de 25 minutos.
As entrevistas foram transcritas de forma integral e os resultados da pesquisa
analisados individualmente e agrupados em categorias, que se relacionaram entre
si, de forma a ressaltar padrões, temas e conceitos demonstrados através dos

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relatos dos participantes e comparados com literaturas existentes referentes ao


tema. Foi garantido o anonimato dos sujeitos que aceitaram participar da pesquisa,
em caráter voluntário, por meio da substituição de seus nomes pelas siglas Enf1,
Enf2, Enf3 e assim sucessivamente, conforme a ordem das entrevistas. A pesquisa
contemplou a Resolução nº. 196, de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional
de Saúde que regulamenta pesquisa envolvendo seres humanos (BRASIL, 1996).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A caracterização dos sujeitos de uma pesquisa leva a uma maior interação e


conhecimento dos mesmos, permitindo uma maior aproximação do objeto do estudo.
De acordo com a pesquisa, os sujeitos foram caracterizados conforme demonstra a
TAB.1:

TABELA 1 - Perfil dos enfermeiros de um município da Região do Vale do Aço, Minas Gerais, Julho
2010.
Idade Sexo IES da Tempo de Titulação Lotação Atuação na
(anos) Graduação Formado Unidade
43 F UFMG 21 anos Especialista em UTI UAPS 4 anos
44 M UNIPAC MG 3 anos Graduado UAPS 2 anos
43 F UFJF 15 anos Especialista em Saúde Pública UAPS 8 anos
UAPS e
31 F UFVJM 6 anos Especialista em Enfermagem Obstétrica 6 anos
Ensino
Especialista em Saúde da Família Mestre UAPS e
54 F UFMG 29 anos 1 mês
em Meio Ambiente Ensino
34 F UFMG 10 anos Especialista em UTI UAPS 1 semana
38 F UFJF 12 anos Graduado ESF 9 anos
58 F UFPE 20 anos Graduado ESF 10 anos
26 F Unileste-MG 2 anos Especialista em Saúde da Família ESF 2 anos
27 F Unileste-MG 3 anos Graduado ESF 3 anos
FONTE: Dados da pesquisa

Observa-se que há uma predominância do sexo feminino (90%) nos sujeitos


da pesquisa, sendo uma característica comum à Enfermagem. A ação do cuidar tem
sido descrita como atividade principal de enfermeiras, e a esse propósito Lima
(1994) afirma que as mulheres Enfermeiras sempre existiram, desde tempos
imemoriais, cuidando de outras mulheres, crianças, idosos, deficientes e pobres,
incluindo cuidados como fazer partos, assistir recém-nascidos, ensinar higiene, fazer
curativos, oferecer apoio, entre outras atividades.
Na atualidade, a predominância do sexo feminino é uma tendência tanto da
população brasileira, como do coletivo de egressos das universidades. Conforme
dados do Censo Demográfico, IBGE (2000) há uma predominância de sujeitos do
sexo feminino (50,8%) na população brasileira. Conforme um estudo comparativo
acerca das matrículas na educação superior no Brasil, nos anos de 1996 e 2003,
Godinho et al. (2005) destacaram que houve uma predominância crescente de
mulheres, 54,4% e 56,4%, respectivamente, ressaltando que no caso da
Enfermagem, 84,7% das matrículas no ano de 2003 foram do sexo feminino.
Em relação à titulação, 60% dos enfermeiros declararam possuir pós-
graduação, corroborando com estudos de Ximenes Neto et al. (2007) que afirmaram
ser esta uma tendência do perfil dos profissionais brasileiros ao encontrar em sua
pesquisa 50% dos sujeitos analisados com especialização. Ressalta-se que na

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amostra 30% dos enfermeiros relataram possuir especialização relacionada à


atenção primária a saúde.
Observa-se ainda na amostra que 60% dos profissionais possuem mais de 10
anos de formados, e entre estes, 20% não possuem especialização e são também
os enfermeiros com maior tempo de atuação no serviço.
Ao serem perguntados sobre o conhecimento da Resolução COFEN 195/1997,
houve unanimidade na afirmação positiva para tal. Quando questionados a respeito
da existência de uma matéria específica de exames laboratoriais na grade curricular
da graduação todos os enfermeiros negaram ter cursado disciplina específica e 90%
negaram capacitações nas instituições de atuação, com foco na solicitação e
interpretação dos mesmos.
Segundo Araújo (2005) apud Carneiro et al. (2008), o termo prescrever requer
por si só certa autonomia, conquistada mediante os cursos de
aperfeiçoamento/capacitação específicos para profissionais em programas de saúde
pública, muitas vezes oferecidos pelo próprio governo, sendo acrescidos da
criticidade científica, da visão de mundo, abarcada durante a aquisição do diploma
de enfermeiro e que, portanto, possui igualdade de condições para tomar decisões
na equipe de saúde da família.
Diante de tal realidade, surgiu então o questionamento de como na verdade os
profissionais entrevistados foram capacitados. Entre as respostas obtidas
destacaram-se:

Autodidata. Eu pesquiso os casos que não conheço, que são da minha


alçada, porque a gente têm um protocolo... Eu procuro estudar por minha
conta. (ENF2)

Ah! Buscando por conta própria e através de protocolos da prefeitura.


(ENF3)

Estudando, discutindo, buscando... Me capacitei não! Estou me


capacitando! À medida que eu vou estudando é que eu vou abrindo esse
leque, entendeu? (ENF5)

Na verdade a gente se capacita no dia-a-dia e correndo atrás, vendo outros


exames, livros... Porque a gente depende de fazer o atendimento... No
atendimento a gente necessita de solicitações e precisa de uma resposta,
então, muitas vezes a gente tem que correr atrás. (ENF7)

Observou-se nos discursos que os enfermeiros adquiriram ou ainda estão


adquirindo conhecimentos específicos de exames laboratoriais depois de concluída
a graduação, de forma autônoma e no decorrer de suas atividades profissionais. Tal
fato questiona a veracidade das falas dos profissionais quando indagados de como
se sentem em relação à solicitação e interpretação dos exames laboratoriais, uma
vez que 80% declararam estar tranquilos e seguros.
O entrevistado Enf4 refere-se a um ponto negativo na solicitação de exames
laboratoriais, onde segundo o mesmo, conveniou-se ao enfermeiro somente
transcrever pedidos médicos, resultando assim, na perda da sua identidade:
Acho que a gente tem que começar a pensar até no perfil do profissional...
Como esse profissional está sendo formado? O que ele acha que é bacana

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de estar exercendo? Porque eu não acho bom ficar dentro do consultório o


tempo inteiro atendendo e trocando exames. Porque o médico solicita
aquele monte de exames em uma guia só, aí, manda para o enfermeiro
transcrever “um exame por guia”. Acabo deixando outras funções que são
minhas e que ninguém vai fazer por mim... (ENF4)

Para Araújo (2005) apud Carneiro et al. (2008), o verbo utilizado na legislação
em enfermagem é prescrever, e não transcrever, que indicaria submissão,
dependência excessiva em relação ao profissional médico, confundindo o enfermeiro
como mero despachante de pedidos de exames e medicações.
Ainda sobre os aspectos negativos da solicitação e interpretação dos exames
laboratoriais ressaltou-se o seguinte relato:

A essência da enfermagem eu acho que se perde... E nós estamos num


momento que temos que ter muita clareza de papéis, porque, se a gente
deixa o cuidado de enfermagem e a supervisão de enfermagem de lado,
outro vai assumir... E nós vamos acabar ficando sem identidade. Aqui no
PSF se eu faço a puericultura ou eu faço o grupo de hipertensos e
diabéticos, é muito bom! [...] Eu não quero servir apenas de uma ponte pra
facilitar a vida do médico para que ele atenda correndo, para que ele não
perca tempo de preencher 10 folhinhas... Ele preenche uma folha só e pede
todos os exames, aí o paciente volta de novo, quer dizer, que resolutividade
é essa, que gasta dois profissionais para um paciente? Sem necessidade,
né? (ENF5)

O papel desempenhado pelo enfermeiro na ESF contrasta com a indefinição


existente em outros espaços de trabalho, marcados pelas diferentes atividades nem
sempre compatíveis com a sua formação profissional. Entre as ações
desempenhadas pelo enfermeiro na ESF destacam-se a realização da consulta de
enfermagem e a solicitação de exames complementares conforme protocolos
estabelecidos nos Programas do Ministério da Saúde e as disposições legais da
profissão. Sobre este prisma, observa-se que a ESF tem contribuído para definir a
prática do enfermeiro como categoria profissional voltada para promover a saúde e o
bem-estar do ser humano em todo seu ciclo vital. Apesar disso, Enf5 menciona um
dos obstáculos que o enfermeiro tem frente às muitas atribuições que lhe foram
incutidas.
Para França (2002) apud Carneiro et al., (2008), um dos aspectos conflitantes
diz respeito à autonomia do enfermeiro sobre o ato de solicitar exames laboratoriais,
convém então, destacar que o termo autonomia, neste contexto, não significa
independência do profissional, num agir livre, por si próprio. Isto seria um contra-
senso, já que a base do documento são os programas de saúde pública cujos
seguimentos se dão no âmbito da multi e interdisciplinaridade. Isso remete à fala do
Enf6, que ao ser indagado sobre como se sente em relação à solicitação e
interpretação dos exames laboratoriais, diz sentir sua autonomia prejudicada em
relação ao protocolos:

Na verdade, em alguns momentos, eu me sinto presa, porque eu sei de algo


mais, o meu conhecimento, às vezes, daria pra eu pedir algum outro exame
o qual não sou permitida, então eu sinto necessidade, tenho vontade...
(ENF6)

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O discurso do enfermeiro destaca a dificuldade que estes profissionais tem


dentro dos programas de saúde, tanto relacionado com as ações prescritivas, quanto
com a liberdade de ação dos mesmos.
Vale ressaltar que apesar do conhecimento, o enfermeiro tem que realizar as
consultas de enfermagem de acordo com a Lei do Exercício Profissional da
Enfermagem, sem, contudo, descumprir as normas éticas e profissionais.
Diante da consideração acima, salientam-se os pontos de vista de outros
enfermeiros quando questionados a respeito de seus sentimentos em relação à
solicitação e interpretação dos exames laboratoriais:
Em relação à prescrição, eu faço muito menos que o protocolo. Eu não
tenho coragem de pedir o que preconiza o protocolo, e eu fui voto vencido,
né? Porque a maioria quis... Então, tem muita coisa que eu acho que
assim... Ultrapassa a enfermagem. (ENF1)

O enfermeiro, ele não tem que pedir exame. O exame é complementar à


consulta médica. (ENF2)

Os relatos desses enfermeiros revelam a importância reduzida da solicitação


dos exames laboratoriais em suas práticas profissionais, deixando implícito que isso
não é competência do Enfermeiro. Observa-se nesses discursos, que os mesmos
podem se remeter a insegurança e ao receio nas ações prescritivas pelos mesmos,
apesar de existir um Protocolo do Ministério da Saúde que regulamenta o ato do
Enfermeiro solicitar exames laboratoriais dentro dos programas de saúde, com
atribuições específicas dos profissionais, bem como um Protocolo de Enfermagem
municipal aprovado pelos mesmos.
Ainda a respeito dos sentimentos dos entrevistados, destacou-se:
Eu não fui capacitada e acho que enfermeiro nenhum é capacitado para
fazer diagnóstico, é diferente... Então às vezes eu sinto que o protocolo
confunde as coisas... Em momento nenhum eu vi nada assim voltado para
cuidados, para NIC, NOC e NANDA... Então, é uma crítica que eu faço.
(ENF5)

A crítica realizada por Enf5 transmite certa discordância com os protocolos de


ações, uma vez que, segundo a mesma, os protocolos não se remetem aos
diagnósticos e intervenções específicos de enfermagem, sendo voltados somente
aos diagnósticos e intervenções médicas. Conhecer os problemas de saúde de
determinadas pessoas com características comuns poderá também direcionar a
assistência de enfermagem, ao fornecer subsídios para a elaboração de planos de
cuidados, implementação das intervenções e avaliação de acordo com as
necessidades do paciente.
Em relação à classificação dos diagnósticos de enfermagem, a North American
Nursing Diagnosis Association (NANDA) tem contribuído para seu crescimento e
aperfeiçoamento possibilitando assim, o norteamento para uma sistematização mais
complexa e que ajude no direcionamento do cuidado de enfermagem. A
identificação de diagnósticos específicos é fundamental, pois possibilita traçar um
plano de intervenções mais preciso, direcionando um tratamento, detectando melhor
as necessidades dos pacientes, contribuindo então, para a construção do
conhecimento e engrandecimento da enfermagem (GARCEZ, 2008).

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Citam-se, também, a Nursing Interventions Classification (NIC), constituída por


uma linguagem padronizada que descreve os tratamentos realizados pelos
enfermeiros, incluindo prescrições independentes e colaborativas e a Nursing-
Sensitive Outcomes Classification (NOC), baseada em uma linguagem padronizada
dos resultados de enfermagem decorrentes das intervenções, onde cada resultado
em uma escala podem ser usadas para identificar o funcionamento basal, os
resultados esperados e os resultados reais para pacientes individuais (SMELTZER;
BARE, 2005).
Torna-se fundamental desenvolver pesquisas relacionadas à identificação dos
diagnósticos de enfermagem com o objetivo de direcioná-las à análise de problemas
dos pacientes que demandam ações específicas de enfermagem. Dessa forma,
pode-se contribuir para o desenvolvimento científico da profissão.
Para Araújo (2005) apud Carneiro et al. (2008), a ESF possibilitou a
construção de um espaço ímpar para o enfermeiro, permitindo várias práticas como:
intervenções diretas através da consulta; prescrição de medicamentos; solicitação
de exames e até as intervenções indiretas como a educação em saúde para a
população, conquistando assim, o seu reconhecimento neste programa. Tal fato
permitiu a construção de uma identidade profissional do enfermeiro e, a partir disso,
este profissional busca reivindicar o que é de sua competência, o que, por vezes,
gera discussões sobre sua capacidade técnica e jurídica.
Quando questionados sobre os aspectos positivos na solicitação e
interpretação dos exames laboratoriais destacaram-se as seguintes respostas:
Autonomia! Ter autonomia é bom! Ter autonomia para atender as gestantes
do início ao fim, ter autonomia pra atender a criança na puericultura, ter
autonomia pra pedir um exame BHCG, por exemplo... É autonomia. É ter
conhecimento e poder cuidar do paciente e pedir exame e saber interpretar,
isso é gostoso, isso é legal! Agiliza a vida do paciente sim! Mas para gente
também é um pouquinho gratificante! (ENF4)

Eu acho que o exame é legal porque você tem uma suspeita e você vai
pedir o exame mais para você desenvolver um cuidado, para você discutir
com o profissional, para você dar seguimento na consulta de enfermagem...
Para você ter uma autonomia, mas não pra você ser “meio médico”. Às
vezes eu tenho essa impressão, aí a gente não faz nem uma coisa nem
outra... (ENF5)

Para Ferraz (2001), a autonomia consiste na capacidade do sujeito


(enfermeiro) em autodeterminar-se que os remete ao exercício dos direitos e
deveres que lhe competem. Aplicando-se ao dilema em questão, nada mais seria do
que reivindicar que o enfermeiro ocupe o lugar que lhe foi garantido em
conformidade com a lei. A legislação não prevê que o enfermeiro prescreva
arbitrariamente, enquanto ato privativo, ao contrário, deve fazê-lo, em concomitância
com as atribuições que lhe foram asseguradas pela equipe multiprofissional
planejadora do programa, o que denota que a autonomia do enfermeiro é relativa às
regras dos programas de saúde pública.
Ximenes Neto et al. (2007) assinala que a regulamentação das ações do
Enfermeiro na consulta, prescrição de medicamentos e requisição de exames
citados em resoluções do COFEN está interligada intrinsecamente e
consubstanciada na consulta de enfermagem (Lei 7.498/86, Art. 11, I, i), sendo,

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portanto legais e tecnicamente preconizados, pois a consulta de enfermagem,


permeada pelos programas de saúde pública, é o cenário onde são levantadas as
hipóteses sobre os problemas do paciente, conduzindo o enfermeiro a uma
investigação, buscando dados concretos, requerendo exames, alcançando, então,
um diagnóstico, que lhe compita uma intervenção legal. A ruptura ou impedimento
de tais procedimentos, quando necessários, conduz o enfermeiro para um agir
omisso, negligente e imprudente que pode colocar em risco a vida do paciente.
Ainda a respeito dos pontos positivos na solicitação e interpretação dos
exames laboratoriais, 80% dos entrevistados revelaram que essa práxis agiliza a
vida do usuário. Entre os relatos destacaram-se:

O ponto que eu acho melhor é que realmente agiliza muito o fluxo da


unidade, porque a gente tem pouco médico, então o que eu penso é que
para o usuário é bom. (ENF1)

Ponto positivo... É que eu posso fazer um atalho do cliente até o


atendimento. Por exemplo, eu, pela anamnese, se detectar a importância de
um exame de sangue, a importância de um exame de urina, é... Para uma
próxima consulta eu já adianto os exames e quando ele chegar já tá
adiantado. (ENF2)

Você não pode desperdiçar uma vaga médica pro paciente ir lá, falar com
ele o que ele tá sentindo, e o médico fazer o pedido de um lipidograma,
hemograma, ECG pra ver como é que tá o controle dele na questão do
HIPERDIA, por ele ser hipertenso e diabético. Então, ele consultando com a
gente, a gente já faz esse pedido, de acordo com o protocolo e ele já chega
para o médico com esse resultado, então isso agiliza demais pelo número
de vagas restrita que a gente tem. (ENF6)

Os depoimentos apresentam uma visão equivocada acerca da solicitação e


interpretação dos exames laboratoriais, mostrando que alguns profissionais
enfermeiros utilizam-se dos recursos existentes e disponíveis para prover
quantitativamente uma atenção voltada para o atendimento dos usuários. Neste
caso observou-se, conforme relatos, que o agilizar para o paciente retirava do
enfermeiro sua responsabilidade na leitura desses exames laboratoriais, solicitados
para fins de acompanhamento e controle dos programas de saúde, repassando esta
atribuição ao médico da unidade.
Tal fato remete a repensar sobre a verdadeira atribuição profissional, uma vez
que Stacciarini et al. (1999) já ressaltaram a indefinição de papéis do enfermeiro
concentrando atividades de vários profissionais, seja substituindo-os ou mesmo
facilitando suas tarefas.

CONCLUSÃO

As opiniões e reflexões sobre a solicitação e a interpretação dos exames


laboratoriais pelo enfermeiro são condizentes com a realidade e com a expectativa
que cada um vivencia dentro do seu processo de trabalho. Os profissionais
demonstraram certa insatisfação em solicitar os exames laboratoriais, não somente
pelo ato em si, mas por todo um contexto e contradições que vêm ocorrendo nos
serviços de saúde. Diante de tal problemática, percebeu-se que a prática profissional

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do enfermeiro, dentro dos programas de saúde pública, expressa insegurança e


tensão na práxis em questão.
Nesse contexto é que erguem-se as regulamentações que possibilitam ao
enfermeiro executar com segurança as ações referentes à solicitação de exames na
consulta de enfermagem.
Diante do novo horizonte, realçado pela ESF, ressalta-se a necessidade do
enfermeiro ter maior domínio sobre as áreas de farmacologia, clínica, fisiologia,
entre outras, a fim de conhecer as observâncias éticas e legais que regem sua
profissão, garantindo assim, seu espaço e identidade profissional.
Neste sentido, o dilema entre liberdade de ação e ações prescritivas necessita
ser analisado de forma a possibilitar a compreensão da atuação do enfermeiro no
contexto da programação em saúde, demonstrando que a enfermagem utiliza
componentes do método científico para identificar situações de saúde/doença,
prescrever e programar medidas de enfermagem que contribuam para a
comunidade.
Espera-se, portanto, que os enfermeiros se dediquem com contumácia à sua
atividade e se capacitem cada vez mais, não só para uma solicitação racional de
exames laboratoriais, uma vez que essa solicitação não é o aspecto essencial da
assistência de enfermagem e sim priorizar o acolhimento, o ser humano, as ações
de promoção à saúde, a educação em saúde e a reabilitação, utilizando-se da SAE,
em todas as suas fases, com uma criteriosa anotação de enfermagem aberta ao
cuidado interdisciplinar. Enfim, não se tornando reprodutor de um modelo biomédico
de assistência baseada na cura, mas para manter elevados os ideais de sua
profissão, diante de um cotidiano tão desafiador como a Atenção Primária em
Saúde.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n. 7.498, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a regulamentação do


exercício da Enfermagem e dá outras providências. Diário Oficial [da República
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