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Benedictus de Spinoza e 0 Método Geométrico: Para uma andlise das suas Origens EMANUEL ANGELO DA ROCHA FRAGOSO* RESUNO: A partir de wena andlise da obra de Francis Kaplan L'Etique de Spinoza et la méthode Géométrique, complementada com andlises de comentaderes eldssicos da Espinosisme, como por exemplo, Victor Delbos ¢ Harry Ausiryn Wolfson, enire ouiros, © autor procera tragar um historial da wlilizagao do métode ou da ordem geométrica, por parte de diversos pensadores, visando apontar, reconhecer ou apenas supor, uma possivel influéncia sobre Bento de Espinosa. Pataveas-Chiave: Delbos, Vietor; Kaplan, Francis; Maiménides; Método Geométrico; ‘Ordem Geométriea; Spinoza, Benedictus de (1632-1677); Wolfson, Harry Ausiryn, ABSTRACT: Starting from Francis Kaplan's analysis in his work L’Etique de Spinoza et la méthode Géométrique, complemented with classic commentator’s of spinozisme, as for ‘example, Victor Delbos and Harry Austryn Wolfson, the author of the present article attempts to trace @ report of the use of the geometrical method or of the geometric onder, ‘on the part of several thinkers, seeking to reveal. to recognize or just fo suggest, a possible influence on Benedictus de Spinoza. Key Worps: Delbos, Victor; Geometric Method; Geometric Order; Kaplan, Francis; Maimonides; Spinoza, Benedictus de (1632-1677); Wolfson, Harry Austryn. is Kaplan afirma no seu livre L’Ethique de Spinaza et la Méthode tere que “O método geométrico € incontestavelmente a ariginali- dade mais aparente dessas duas obras [PPC? ¢ a Erica] - e em particular da * Universidade Estadual de Londrina (Londrina, Parané ~ Brasil). 10 subtitulo da Btica, adopiado por Kaplan, €“Ethique démonirée selon la méthode géomé- trique”. Pela referéncia bibliogréfica por ele fomecida na Nota 2, na pigina 1,0 texto base uti- Tizado como referéncia para as obras de Spinoza foi o das Euvves Completes, da Bibliotheque de La Pléiade, Come fica claro pela Nota 1, referente i pagina 309 desta edigio (Edition de fa Pléiade, p. 1419), a opgde pelos termos Méthode Géométrique, no subtitulo da Etica, baseia- -se na interpretagio dos tradutores de que 0s termos Ondine Geometrico presentes no subtitulo ‘8a Ethica da Opera Posthuma (OP) sto empregados por Descartes, ¢, portanto, mais pertinen- tes 4 este autor do que a Spinoza. Esia no é 2 nossa interpreta;do, pois para nés, Spinoza fazia distingio entre o More Geometrico Demonstrata ¢ 0 Ontine Geometrico Demonstrata, 2 Para a citagho das obras de Spinoza, utilizaremos as siglas PPC, para os Prinefpios de Filosofia Cartesiana; TTP para 0 Tratado Teoldgico-Politico, TP para Tratado Politico; Ep Revista Portuguesa de Filosofia (oy corr | 4799 EMANUEL ANGELO DA Rocua Fracoso Erica” (1998, p. 9, grifo nosso). Entretanto, se podemos afirmar como incontest4- vel que a redacgio more geometrico é a caracteristica mais relevante da Etica, bem como dos Principios de Filosofia de Descartes (PPC), niio podemos, com a mesma incontestabilidade, afirmar a originalidade no emprego por parte de Spinoza do método geométrico, , Jacqueline Lagrée, sem fazer referéncia as obras dos autores cita- “A utilizagio do mos geometricus para dizer o real tem antecedentes em Proclo, Duns Scoto, Geulincx ¢ Descartes, entre outros.” (Apud PEREIRA, 1997, Nota 7, p. 326). J4 Ignace My‘licki apresenta a hipétese de que © pensador do século XVII Jean Jonston (também chamado de Jean de Szamotuly), autor do livro denominado Naturae Constantia ¢ publicado em Amsterdiio em 1632, tenha exercido influéncia sobre Espinosa, niio s6 sobre a sua Filosofia, mas também sobre 0 uso de metodo geometrico em escritos filoséficos, Como primeire argu- menio, MySlicki aduz a conclusio da comparac%o que fer dos temas tratados no texto de Jonston, com os temas tratados pas obras de Spinoza, escrevendo que os dois autores tém em comum o:“Mesmo problema, mesmo métoda, mesma atitude filos6fica a respeito da concepgao teolégica e, enfim, mesmo naturalismo.” (1921, p. 155). Como argumento para a condigiio de Jonston, como precursor de Spinoza no uso do métade geométrico em Filosofia, influenciando-o, MySlicki escreve: “A obra [Nature Consiantia] no contém tébua de maiérias, pela simples razdo que ela nao esté dividida em capitulos. Ela foi de alguma forma composta ordine geo- metrico, para empregar a expresso de De [sic] Spinoza [...]” (ibid, p. 118-119). Mas, MySlicki nao se restringe a afirmar, cle busca evidenciar 0 caricter geomé- trico do texto de Jonston, ressaltando em sua descri¢ao deste, que logo no inicio do texto “[...] se encomtra a Thesis generalis, depois s¢ sucedem as Propositiones, cada uma acompanhada de sua demonstragio”. (ibid., p. 119). Exceptuando a composico geométrica do texto de Jonston, os dois argumen- tos que fundamentam a hipdtese de Ignace Myslicki acerca da influéncia exercida por Jonston sobre Spinoza, tanto a semelhanca entre os temas tratados pelos dois autores quanto a influéncia sobre Spinoza no uso do método geométrico em Filosofia, baseiam-se na suposicdo de que Spinoza tenha conhecido 0 livre Nanrat Constantia, Uma vez. demonstrada esta suposigio, esté demonstrada a hipdtesc, Neste caso, pode-se afirmar que hé efectivamente uma relacio entre os temas tra- tados por Jonston e por Spinoza, ¢ este foi influenciado por aquele, e a semelhanga niio seria apenas uma coincidéncia. Do mesmo modo, seria perfeitamente possivel @ influéncia de Jonston, como precursor na aplicagao do métode geométrico em para as Cartas; CM para os Pensamentos Metafisicos ¢ B para a Elica. Quanto as citagbes internas da Erica ou dos Principios de Filosofia Cartesiana, indicaremos. a parte citada em algarismos arabicos, seguida da letra correspondent para indicar as definigies (d), axiomas (a), propasigdes (p), prefiicias (Pref), carolérios (c) ¢ escdlios (s), com seus respectivos ndmeros. Neste caso, citaremos também a edi¢ao de Gebhardt, utilizando SOL, SO2, etc.. conforme se refiram ao volume 1, 2, etc. BENEDICTUS DE SPINOZA £ @ MéToDO Geoméraico Filosofia, sobre 0 uso do método geométrico por Spinoza. Por outro lado, uma vez refutada esta suposicio, est4 refutada a hipétese. Como contriirio A suposiglo, temos-o facto de que Spinoza nao possuia o livro de Jonston na sua biblioteca; ou, pelo menos, ele nao esté relacionado no inventério dos livros encontrados na biblioteca de Spinoza apés sua morte. (DOMINGUEZ, 1995, p. 203- -220). Todavia, a auséncia do livro na biblioteca por si s6 nd ¢ suficiente para refu- tar a suposi¢ao, Pieme-Frangois Moreau, num texto semelhante ao de MySlicki, acerca da relagio entre Spinoza ¢ Huarte de San Juan, afirma “A. auséncia de um livro de uma biblioteca ndo ¢ uma prova, No século XVII, os livros eram caros, € Iéem-se alguns que ndo se possui na propria biblioteca. |...” (1994, p.155-156, grif nosso). No caso de Spinoza, sabemos das suas condigées financeiras ¢ de como era muito moderado e parcimonioso no uso de seus recursos, através de seus bidgrafos, como por exemplo, Colerus’. Além dist, Moreau cita uma carta‘ de Spinoza a Henry Oldenburg, na qual ele escreve logo no inicio: “0 Mundo Subterréneo de Kircher, eu vi na casa do Senhor Huygens, [...!". (Ep30, Domincurz, 1988, p. 228). ‘Segundo Luis Machado de Abreu, “Ni foi ele [Spinoza] o primeiro a lembrar- -s¢ de expor a filosofia A maneira de geometria, mas a insisténcia ¢ o rigor com que © faz na Etica, fazem dele um caso verdadeiramente singular”. (1993, p. 152). ‘Como anterior a Spinoza no uso da geometria, Abreu cita a obra Docta Ienorantia?, de Nicolau de Cusa, que, “I...| recolhendo 0s ensinamentos de uma longa ¢ rica tra- digo, valorizou a utilizacZo dos signos mateméticos, especialmente as figuras geo- méiricas (...J" (Ibid., Nota 98, p. 172). Contudo, Abreu nao deixa de ressaltar o abismo que ha entre os dois autores, quanto a dois pontos fundamentais: 0 uso sim- bolico das figuras da geometria, como a nica maneira de tornar visfvel para nés as realidades transcendentes, ¢ a completa auséncia da ideia de método sintético, ‘em que tudo pode ser deduzido a partir de definigdes e axiomas*, » Conforme A Vida de Spinoza, por Jean Coleras, (COLERUS, 2002), 4 Trata-se da Carta 30, a Henry Oldenburg. Segundo Atilano Dominguez, atualmente existem dois fragmentos desta carta: o primeiro, no incluido na edigdo de Gebhardt, esté transcrito na carta de Oktenburg a Sir Robert Moray; o segundo, jf incluido em Gebhard ¢ ‘outras edigdes, fot transcrito também por Oldenburg numa caria a R. Boyle. O texto citado por nés € do primeiro fragmento, (1988, Nota 206, p. 228) 3 "Hae veterum via incedentes cum ipsis concurrentes dicimus, cum ad divina nom nisi per symbota accedendi nobis via pateat, quod tune mathemauicalibus signi propter ipsorum incorruptibilem ‘nho dos antigos ¢ indo ao encontro deles, dizemos que como a via de acesso as coisas divi- ‘nas nio se nos abre seno através de simbolos, poderiamos usar com vantagem os signos :mateméticos por causa da sua certeza incorruptivel.” (Apud ABREU, 1993, Nota 98, p. 172). “"Hé no entanto um abismo entre Nicolay de Cusa ¢ Spinoza na utilizagio da geome- tria quanto a dois pontos fundamentais. Em primeiro lugar, as figuras da geometria tém em ‘Cusa valor meramente simbélico, para significar as realidades transcendentes e tomar visi-

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