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sorial enigmática que a ciência ainda não conseguiu compreender. Poucos acrescentarão
à lista dos sistemas sensoriais o sentido cinestésico. Ele nos permite perceber a posição
dos membros e o sentido do equilíbrio do corpo, também conhecido como sentido
vestibular. Muito raramente alguém menciona o sentido orgânico. Ele nos fornece
informações sobre a hidratação (sede), nutrição (fome), condição hormonal (sexo) e
oxigenação (ar). Além disso, convém lembrar que a visão, por exemplo, não é um só
sentido. Compreende a visão de cores, forma, movimento e outros, como veremos
posteriormente.
De quantos sistemas sensoriais você havia se lembrado?
Para um psicólogo, nem sempre é importante saber o número exato de modalidades
sensoriais do ser humano. E imprescindível, no entanto, saber para que servem e como
funcionam, a fim de compreender os comportamentos que dependem de uma correta
percepção dos estímulos do ambiente e das condições físicas e orgânicas do próprio
corpo. Todos os nossos órgãos dos sentidos têm características comuns: possuem
receptores que são células nervosas especializadas, capazes de responder a estímulos
específicos. Recebem, transformam e transmitem, para o restante do sistema nervoso,
um grande número de informações existentes no ambiente, na superfície e no interior do
nosso organismo.
1.2. ‘hansdução sensorial e classificações dos receptores
A especificidade dos sistemas sensoriais não é dada apenas pela especialização das
células receptoras. Também o é pelas vias ascendentes e suas conexões neurais com os
centros específicos do sistema nervoso central (áreas sensoriais primárias), onde ocorre
a integração da informação. Devido a esta especificidade, não somos capazes de ouvir
música com os olhos, nem ver cores com os ouvidos ou através da pele.
Os receptores são classificados de diferentes maneiras por diversos autores. Na tabela
1.1 foram reunidas duas das classificações mais freqüentemente encontradas. De acordo
com a primeira, os receptores sensoriais podem ser classificados em quatro grupos, de
acordo com o tipo de estímulo para o qual são especializados. Mecanorreceptores são
sensíveis à energia mecânica (pressão); termorreceptores são sensíveis à energia térmica
(calor e frio); fotorreceptores são sensíveis à energia eletromagnética (luz) e
quimiorreceptores são sensíveis à presença de substâncias químicas. Mecanorreceptores
são responsáveis pela audição, sentidos vestibular e cinestésico e pela sensação de
pressão cutânea. Os termorreceptores encontram-se na pele e em outras regiões do
corpo humano. São sensíveis às modificações de temperatura. Os quimiorreceptores são
responsáveis pela olfação e gustação, acusando a presença de substâncias químicas na
Tabela 1.1. Classificação dos receptores sensoriais quanto à sua função e quanto à
localização dos estímulos.
magnética será captada também por termorreceptores de nossa pele. Neste caso,
sentiremos seu calor.
Nós “ouvimos” um gato miar quando a energia mecânica, produzida por suas cordas
vocais, é transferida para as moléculas existentes no ar e transmitida para nosso ouvido.
Ela também atinge outras regiões de nosso corpo. Porém, como lá não existem
receptores para este tipo de energia mecânica, só ouviremos o miar do gato com nossos
ouvidos.
Todas as células receptoras, não importa qual a sua especialização, transformam a
energia por elas captada em um único tipo de energia, comum a todo o sistema nervoso:
a energia eletroquímica, cuja principal característica é o fluxo de íons através da
membrana celular, podendo dar origem ao impulso nervoso (fig. 1.1). Isto é, a resposta
das células consiste em uma mudança no potencial de repouso de suas membranas. Por
exemplo, tanto um fotorreceptor do olho quanto um termorreceptor da pele, quando
estimulados, darão origem a uma mesma resposta: modificação do estado iônico e de
suas membranas. Esta transformação, ou tradução de um tipo de energia em outro, é
denominada transdução. E o processo que caracteriza as células receptoras dos órgãos
dos sentidos.
Dendritos
Axônio Impulso
Exterior
lons positivos Na+ Na+
+ + + + +/ 4 + + + + + +j Membrana
ti:i tzi celular
1 lons negativos
Interior
+ + + + +
k fZl LD rii tzt jzt zi Li rzi. LZ] E] [El [E] [El E]
+ + • + + ‘ 1 / í+ + + + + + ÷
‘Çiiizaçãodo
Interorreceptore Propriorreceptore
Fun Exterorreceptores
s s
receptor
Proxirreceptore
Telerreceptores
s
Fotorreceptores Visão
Temperatur
Termorreceptores
a
Quimiorreceptore Olfação
Olfação
s Gustação
Nutrição
Funções Hidratação
orgânicas Hormônios
Oxigenação etc.
Para haver transdução, isto é, para podermos ver uma luz, ouvir um som, sentir a
temperatura de um objeto, o cheiro e o gosto de uma substância, é preciso que o
estímulo tenha uma determinada intensidade. O receptor não será excitado por estímulos
demasiadamente fracos. No caso da olfação e da gustação, é a concentração, ou seja, o
número de moléculas da substância que determina a intensidade do estímulo.
1.3. Após a transdução
Depoís que o receptor transformou em energia eletroquímica (neural) a energia recebida
do ambiente, ela será encaminhada para as células nervosas aferentes e a outras partes
do sistema nervoso. No organismo, mais especificamente, no sistema nervoso, a energia
elétrica é propagada na forma de impulsos nervosos através dos milhares de neurônios
que o constituem.
Convém lembrar que o impulso nervoso se propaga de um neurônio para outro através
de estruturas funcionais denominadas sinapses. Em algumas destas sinapses, o impulso
nervoso provoca modificações nas substâncias químicas que se encontram nestes
pequenos espaços entre dois neurônios vizinhos. Estas modificações, por sua vez,
desencadeiam um novo impulso na célula seguinte. E nestas sinapses que age a maioria
das drogas capazes de alterar a sensibilidade e o comportamento, como os anestésicos,
analgésicos, alucinógenos, estimulantes e calmantes.
De sinapse em sinapse, a informação sobre o ambiente é transferida para o cérebro,
onde, finalmente será integrada às demais informações provenientes do mesmo
ambiente (fig. 1.2). Por exemplo, a presença de seu cachorro molhado pela chuva,
entrando em sua sala, pode ser anunciada por vários receptores sensoriais,
concomitantemente. Seu sistema visual permitirá que você veja o pêlo molhado e
embaraçado; seu sistema auditivo permitirá que você ouça a respiração, os latidos e o
ruído característico quando se sacode, espalhando gotas de água pela sala inteira. Seu
sistema tátil permitirá confirmar que o pêlo do animal está molhado, frio e grudento.
Finalmente, seu sistema olfativo fornecerá informações sobre o cheiro pouco agradável
de seu cão molhado pela chuva. Só depois que todos estes dados chegarem ao cérebro,
acrescidos da informação, dada pela memória, de que um cão limpo e seco é uma
companhia mais agradável, você chegará à brilhante conclusão de que o seu cachorro
precisa de um banho.
E no cérebro que as informações sobre o ambiente são integradas com nossas
experiências passadas (memória), nossas motivações e emoções presentes. Assim, você
desiste de dar um banho de água fria com a mangueira do jardim, pois, subitamente,
lembra-se dos banhos mornos recomen dado
na última visita ao veterinário. Você também se lembra que sua mãe proibiu
terminantemente banhos mornos no chuveiro do banheiro. Agora, seu estado emocional
oscila entre a pena sentida pelo cão molhado e frio e a preguiça de esquentar água no
fogão para lhe dar um banho no tanque. Você resolve a situação, decidindo enxugar seu
cachorro com a toalha e passar um pouco de perfume.
No momento que você está lendo esta página, seu cérebro também está recebendo
informações de outros estímulos do ambiente em que você se encontra. Por exemplo, a
posição em que se encontra o seu pé esquerdo, os ruídos do motor da geladeira, de um
carro passando na rua, do relógio mais próximo, a cor da pele de sua mão, a temperatura
e o cheiro do ar. Sua atenção, no entanto, não estava igualmente voltada para todos esses
estímulos. Alguns faziam parte de um fundo geral. Outros mereceram mais atenção;
esta, no entanto, deveria estar primordialmente voltada à leitura deste livro.
No capítulo 3, estudaremos melhor a natureza da atenção, para poder avaliar o papel que
ela desempenha na percepção.
Podemos adiantar, em resumo, que muitas coisas podem afetar a nossa atenção: nossas
necessidades, interesses e valores. Obviamente, nossa atenção é voltada para os
estímulos súbitos, novos e intensos. Estímulos intermitentes também são capazes de
chamar nossa atenção. A seleção dos estímulos mais importantes para nossa
sobrevivêncía em um dado momento é um fenômeno importante, pois, se prestássemos
atenção igual a tudo que nos cerca, os estímulos mais importantes não seriam
investigados de forma a assegurar um comportamento ajustado e bem-sucedido.
Córtex
Auditiva
Visual
Figura 1.2. As informações oriundas dos diferentes sistemas sensoriais são integradas
em áreas sensoriais primárias do córtex, como as áreas visual, auditiva e somato-
sensorial. A integração da informação proveniente de várias áreas sensoriais primárias
ocorre nas chamadas áreas associativas do córtex, que ocupam vastas extensões do
cérebro. (Ilustração segundo Schmidt, 1980).
motor
Somatosensorial
perfume que penetram pelas nossas narinas. Porém, nossa pele não capta estes detalhes
de nosso ambiente. Ela nos proporciona, no entanto, informações importantes a respeito
de outros aspectos da realidade que nos cerca. Pense, por um momento, na sua sensação
quando uma minúscula abelha anda sobre seu braço. Ela é tão pequena e tão leve. Ainda
assim, você a percebe. Isto ocorre porque as patas do inseto deformam a pele de seu
braço e os pêlos nos quais esbarram. Esta leve pressão exercida sobre a pele e os pêlos é
energia mecânica suficiente para estimular os mecanorreceptores. No caso de uma
picada de abelha, sentimos dor devido às injúrias causadas pelo ferrão e pela substância
química injetada na epiderme. O peso do inseto estimula os mecanorreceptores; a
danificação e irritação do tecido epitelial estimulam os nociceptores. Se, em lugar da
abelha, tivéssemos uma minhoca fria e úmida, você imediatamente perceberia a
diferença. Porque, além dos mecanorreceptores, os termorreceptores, sensíveis à queda
de temperatura, também seriam estimulados.
O grande número de fibras nervosas que chegam até a pele, responsáveis pelo
exuberante conjunto de sensações cutâneas, são basicamente de quatro tipos:
terminações nervosas livres; terminações com extremidades expandidas ou dilatadas
(discos ou corpúsculos de Merkel ou Ruffini); terminações encapsuladas (corpúsculos
de Paccini, Meissner, Golgi e Krause); nas regiões dotadas de pêlos, encontra-se um
receptor adicional, denominado terminação nervosa folicular ou peripilosa, que
envolve a raiz dos pêlos (fig. 1.3). A princípio, supunha-se que cada um destes
diferentes tipos de receptores fosse sensível a apenas um tipo de estímulo. Entretanto,
por meio de experimentos criteriosamente elaborados, esta hipótese foi rejeitada. O
contra-exemplo mais famoso foi fornecido pelos resultados obtidos com a estimulação
tátil da córnea, uma região inervada apenas por terminações livres. Aplicando-se
estímulos mecânicos térmicos e dolorosos sobre esta parte do olho, as pessoas relatavam
todas as modalidades de sensação: pressão, frio, dor e calor.
A sensibilidade da pele varia de uma região do corpo para outra. Isto é, um estímulo
fraco, imperceptível em um determinado ponto da pele, pode ser suficientemente
intenso para ser percebido em outras regiões. De forma muito simplificada, podemos
dizer que a intensidade mínima necessária para que um estímulo possa ser percebido é
conhecida como limiar (no capítulo 2 você encontrará informações detalhadas a respeito
do estudo dos limiares do ser humano). Podemos afirmar, portanto, que quanto maior o
limiar menor a sensibilidade.
Na figura 1.4, encontram-se medidas de limiares, obtidas em diferentes regiões
cutâneas. Neste experimento, empregando um compasso, os pesquisadores
estimulavam, ao mesmo tempo, dois pontos da pele. Eles verificaram que em algumas
regiões do corpo, como a ponta da língua, por exemplo, as pessoas eram muito sensíveis
a este tipo de estimulação mecânica. Isto é, com uma distância minúscula de 1 mm entre
as duas pontas
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Figura 13. Alguns dos numerosos tipos de mecanorreceptores existentes tanto na pele
glabra (a) como na pele dotada de pêlos (b) foram ilustrados esquematicamente.
Terminações livres e corpúsculos de Pacini podem ser encontrados em ambos os tipos
de pele. No entanto, terminações nervosas foliculares ou peripilosas só ocorrem nas
regiões dotadas de pêlos (b). (Ilustração segundo Schmidt, 1980.)
lado, as mesmas pessoas só eram capazes de tais proezas quando a distância entre as
duas pontas do compasso atingia 70 mm. Trata-se, portanto, de uma região bem menos
sensível, uma vez que, nas situações experimentais em que a distância entre as duas
pontas do compasso era inferior a 7 cm, as mesmas eram percebidas como sendo uma
única ponta exercendo pressão sobre a pele.
Figura 1.4. Limiares para discriminação de dois pontos de estimulação mecânica sobre
a pele. Se a distância entre dois pontos de pressão sobre a pele é muito pequena,
percebemos apenas um ponto de pressão. Isto pode ser verificado utilizando um
compasso de duas pontas como está ilustrado em a. O gráfico de barras em b apresenta
limiares assim obtidos para diferentes regiões da pele. Regiões muito sensíveis, como a
ponta da língua, a ponta do dedo indicador e lábios, apresentam limiares baixos (os
resultados foram ampliados no canto direito da figura). Regiões menos sensíveis, como
o pescoço e o dorso, mostram limiares bem mais elevados. (Ilustração segundo Weber e
Landois, no livro de Schmidt, 1980.)
Na figura 1.5 encontra-se uma secção transversal através do córtex sensorial, mostrando
as diferenças de tamanho das áreas desta região cortical
Epiderme
Tecido
subcutâneo
Pele
b
.
Ponta da língua
Ponta do indicador
Lábios
Bordo da língua
Palma da mão
Fronte
Dorso da mão
Dorso do pé
Pescoço
Dorso
—
—
o
1 2 3 4 5mm
O 10 20 30 40 50 60 7Omm
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a língua, o pé, a ponta do dedo indicador e a palma da mão. Bem diversas são as
condições de regiões de pouca sensibilidade, como, por exemplo, o tronco, a perna e o
cotovelo. Esta representação distorcida da superfície corporal foi denominada de
homúnculo sensorial ou homúnculo de Penfleld em homenagem ao pesquisador que
descobriu este importante aspecto da diferença de sensibilidade tátil.
A sensibilidade cutânea é de extrema importância para a sobrevivência da espécie
humana. Permite-nos procurar abrigo do frio e calor, interagir fisicamente com o meio e
nossos semelhantes e evitar estímulos que possam causar injúria ao nosso corpo. Os
exaustivos estudos feitos por psicólogos dedicados ao desenvolvimento infantil não
deixam dúvidas quanto à importância da estimulação tátil adequada durante a infância.
Mesmo depois de adultos, homens e mulheres continuam buscando o contato com
determinados estímulos que lhes proporcionam prazer. Te,tcntunho disto são as
características táteis de determinados tecidos, corno a fc’fura da flanela e da lã angorá, a
maciez da seda e do algodão, o elevado número de produtos cosméticos e farmacêuticos
destinados a diminuir a aspereza da pele, e a proliferação das casas de massagem nos
grandes centros urbanos.
b)ferio
e maxilares
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Para o cérebro
• Extenso-receptor (terminações anulospirais)
Fibras motoras
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O órgão vestibular consiste em duas cavidades alojadas no osso temporal do crânio, nas
imediações da cóclea, que se encontra no ouvido interno. Há uma de cada lado da
cabeça e são repletas de fluido (endolinfa). Cada cavidade é constituída de duas partes
distintas: três canais semicirculares e duas estruturas saculiformes, o sáculo e o utrícolo.
As células receptoras encontram-se na cúpula de uma região dos canais semicirculares,
denominada ampola. Respondem a movimentos circulares e rotatórios da cabeça e os
impulsos nervosos resultantes da transdução propagam-se pelo nervo vestibular. Nas
regiões das máculas do sáculo e do utrícolo, encontram-se células receptoras que
respondem a movimentos retilíneos (para a frente — para trás; para cima — para baixo;
para a direita
— para a esquerda). Trata-se de células receptoras ciliadas, estimuladas através da
energia mecânica proporcionada pela inclinação de seus cílios mergulhados na
endolinfa. Esta é agitada com os movimentos da cabeça (fig. 1.7).
Quando o dentista aumenta ou diminui a inclinação do encosto da cadeira (aceleração
angular), são estimuladas as células receptoras dos canais semicirculares; quando, no
entanto, ele eleva a cadeira a uma certa distância do chão (aceleração linear), são
estimuladas as células receptoras do sáculo (sensíveis a movimentos verticais). Uma
parada brusca no veículo (aceleração linear) no qual viajamos estimula as células
receptoras do utrículo (mais sensíveis a movimentos horizontais). Obviamente, da
estimulação conjunta destes três tipos de células resulta a percepção de movimentos
muito sutis e complexos. Isto permitirá avaliar com precisão a posição da cabeça no
espaço, em cada momento.
1.7. Olfato
O sentido do olfato permite-nos distinguir uma série de substâncias químicas pelo seu
cheiro. As sensações olfativas são transmitidas por uma série de células sensoriais,
alojadas em uma pequena região do epitélio olfativo, que reveste a cavidade nasal (fig.
1.8a). Estas células são estjmuladas por uma mistura de ar e moléculas. Estes se
desprendem de objetos contidos em nosso ambiente. Isto é, a presença de um objeto-
estímulo, de uma pessoa ou de uma substância, como um perfume francês, só poderá ser
detectada por nosso olfato se algumas de suas moléculas atingirem as células sensoriais
olfatórias sensíveis a elas. Compreende-se, portanto, por que substâncias muito voláteis,
como, por exemplo, éter, álcool e gasolina são tão prontamente percebidas por estes
quimiorreceptores. A volatilidade de uma substância é necessária, porém não é
suficiente. E preciso também que suas moléculas sejam solúveis no muco que reveste a
região olfa a
Figura 1.7. a) O aparelho vestibular é formado por três canais semicirculares, sáculo e
utrículo. b) A ampliação no alto da figura mostra os mecanorreceptores, células ciliadas
que se encontram nas ampolas dos canais semicirculares e nas máculas do saculo e
utrículo. Nas ampolas, os cílios destas células reúnem-se formando a crista. Esta,
envolta por uma substância gelatinosa, dá origem à cúpula, que fica mergulhada na
endolinfa e oscila quando o líquido se agita em decorrência dos movimentos da cabeça.
Desta oscilação resulta a deformação dos cílios que excita as células receptoras,
desencadeando os impulsos nervosos que serão enviados para o cérebro. (ilustração a,
segundo Alpern, 1971.)
tória da cavidade nasal. Deste modo, podem entrar em contau’ com os cílios dos
receptores olfativos que ali se encontram mergulhados (fi. 1 8b).
Ampola
vestibular auditivo
Sáculo
Ducto coclear
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1.8. Gustação
Poro gustativo
Receptores gustativoS
Odor
Receptor olfativo
Cavidade nasal
Superfície da língua
Células-suporte
Para o cérebro
Fibras nervosas
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1.9. Audição
Quando você liga um rádio portátil, a membrana de seu alto-falante começa a vibrar.
Esta vibração é transferida para as moléculas de ar mais próximas. Estas, por sua vez,
transmitem a energia mecânica assim recebida para as moléculas vizinhas, permitindo a
propagação da energia a grandes distâncias. Se colocássemos o rádio em um recipiente
do qual fosse retirado todo o ar, deixaríamos de ouvir o som porque a vibração de seu
alto-falante não se propagaria no vácuo. O som se propaga em forma de ondas que se
deslocam no ar a uma velocidade de, aproximadamente, 340 metros por segundo, e de
forma mais rápida na água (fig. 1.11). Trata-se, portanto, de uma velocidade comparável
à dos modernos aviões a jato, com exceção dos supersônicos capazes de se deslocarem a
velocidades superiores à do som. As ondas sonoras podem ser divididas em ciclos. Sua
freqüência depende do número de ciclos por segundo — cps — (ou Hertz) e é
responsável pela diferença entre um tom grave e um tom agudo, uma nota Dó e uma
nota Mi. A nota Lá, usada para afinar os instrumentos
Para o cérebro
Nervo
glossofaríngeo’
Nervo facial
Ponta da língua
4 Um ciclo
Onda sonora
- tom puro
Figura 1.11. As ondas sonoras podem ser simpLes, como no caso dos tons puros, ou
complexas como a maioria dos sons que ouvimos no dia-a-dia. São medidas em ciclos
por segundo (cps ou Hertz).
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musicais, tem 400 ciclos por segundo. Tons de alta freqüência, acima de
700 cps, são percebidos como agudos. Tons de baixa freqüência, abaixo
de 700 cps, como graves. Quanto maior a freqüência de um tom, maior
a probabilidade de que seja percebido como agudo.
O nosso ouvido não é igualmente sensível a todos os tons. Somos mais sensíveis a tons
cuja freqüência oscila entre 20 e 20.000 ciclos por segundo. A sensibilidade não é a
mesma para todos os animais dotados de audição. Cães e morcegos, por exemplo, são
capazes de ouvir tons para os quais o ser humano é insensível. As ondas sonoras, vindas
de longe ou de perto, encontram nossas orelhas, penetram pelo canal auditivo e,
finalmente, atingem a membrana timpânica. Esta passa a vibrar na mesma freqüência
que a fonte sonora.
Nosso ouvido é constituído por três partes bem distintas: ouvido externo, médio e
interno (fig. 1.12). A orelha e o canal auditivo fazem parte do ouvido externo, que é
separado do ouvido médio pelo tímpano. No ouvido médio, encontra-se um conjunto de
três ossos muito pequenos conhecidos como ossículos. O primeiro ossículo, chamado
martelo, apóiase na membrana timpânica e transfere para os seguintes, denominados
bigorna e estribo, a vibração recebida. O último ossículo apóia-se sobre uma membrana
conhecida como janela oval, que separa o ouvido médio do ouvido interno. Ela é
responsável pela transferência da vibração para a região mais interna do ouvido. O
ouvido interno consiste de um canal repleto de líquido e enrolado como um caracol,
denominado canal coclear. Dentro deste canal, ao longo de toda sua extensão, encontra-
se a membrana basilar, com suas células ciliadas. Estas células são os receptores da
audição. Eles respondem à deformação, tração ou torção produzidas pela vibração do
líquido no qual estão mergulhados.
Diferentes tipos de fontes sonoras, por exemplo, campainhas, instrumentos musicais (de
corda, como o berimbau e o violão, ou aqueles dota-
Figura 1.12. a) O ouvido é composto de três partes: ouvido externo, ouvido médio e
ouvido interno. O ouvido externo consiste no pavilhão auditivo (orelha) e no canal
auditivo. Após penetrar no ouvido através destas estruturas, a onda sonora choca-se
contra a membrana do tímpano, que separa esta parte do ouvido médio. A trompa de
Eustáquio liga o ouvido médio à faringe, permitindo assim que a pressão do ar existente
nesta parte do ouvido seja igual à pressão do outro lado da membrana timpânica. As
vibrações provocadas pela onda sonora sobre o tímpano são transmitidas à cadeia dos
três ossículos (martelo, bigorna e estribo), que por sua vez as transmitem a outra
membrana, conhecida como janela oval, fronteira entre ouvido médio e ouvido interno.
Esta última parte do ouvido contém a côdea, uma estrutura tubular dentro da qual se
encontram outros tubos como o canal coclear, a rampa timpânica e a rampa vestibular.
b) As células receptoras localizam-se sobre a membrana basilar, que se estende através
de todo canal coclear. Trata-se de células ciliadas, cujos cílios, mergulhados na
endolinfa contida no canal, estendem-se até a membrana tectória. Os cílios encontram-
se, portanto, presos entre as duas membranas. A vibração das estruturas do ouvido,
causada pelo som, provoca a flexão, torção e tração dos cílios, resultando na excitação
das células receptoras e dando origem ao impulso nervoso que será enviado ao cérebro.
Observe que as vibrações sonoras são transmitidas através de um meio gasoso no
ouvido externo (ar), a seguir são transferidas para um meio sólido (ossículos) no ouvido
médio, e finalmente no ouvido interno propagam-se através de um meio líquido
(endolinfa). (Ilustração a, adaptada de McGuigan, 1974; b, adaptada de Mueller.)
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Freqüência
Figura 1.13. A curva do gráfico corresponde ao limiar absoluto da audição e mostra que
o ser humano não é igualmente sensível a diferentes tons (freqüências), uma vez que a
intensidade mínima necessária para que possam ser ouvidos (limiar) é grande para os
tons de freqüência muito baixa (20 Hz) e de freqüência muito alta (16.000 Hz). O
contrário ocorre com tons compreendidos em regiões intermediárias da faixa de
audibilidade (4.000 Hz), que são ouvidos com pouca intensidade, uma vez que é muito
acentuada a sensibilidade a este tipo de freqüência. A faixa designada “Região da fala”
corresponde ao conjunto de freqüências e intensidades das quais a voz humana se
compõe. Observe que as freqüências contidas na fala correspondem aos valores aos
quais somos mais sensíveis. (Ilustração adaptada de Schmidt, 1980.)
Nos grandes centros urbanos, o barulho é cada dia mais intenso. Esporadicamente,
surgem pesquisas feitas com seres humanos e animais, mostrando as conseqüências da
poluição sonora para a saúde física e mental. No ser humano, a poluição sonora é
responsável por distúrbios circulatórios gástricos e perda da audição. A saúde mental
pode ser afetada quando o indivíduo não consegue dormir o número mínimo de horas
necessárias para um repouso adequado, ou quando a poluição sonora o impede de
raciocinar, dificultando a execução de tarefas que exigem concentração. Disto pode
resultar um elevado grau de ansiedade que dificulta o ajustamento do sujeito ao seu
ambiente.
de ondas muito longas (como, por exemplo, ondas de rádio, televisão e infravermelho) e
ondas curtas (como, por exemplo, o ultravioleta, os raios X, raios gama e raios
cósmicos) (lâmina 1.1, ver p. 119). Apenas as ondas de 450 a 750 nm (namômetros) são
captadas e transduzidas pelos fotorreceptores do olho. Este pequeno conjunto de ondas
corresponde a aproximadamente 1/100 de toda a energia eletromagnética conhecida. As
ondas de 450 nm, quando captadas pelos receptores do olho, dão-nos a sensação de
azul. Diante de ondas um pouco mais curtas, temos a sensação de ver o violeta. Ondas
mais curtas ainda, da região do ultravioleta, não são percebidas, uma vez que nossa
córnea e nosso cristalino filtram estes comprimentos de onda. Além disso, os
fotorreceptores são pouco sensíveis a esta faixa do espectro.
Existe porém, entre os animais invertebrados, uma infinidade de espécies que possuem
receptores para esta faixa de espectro. Por exemplo, as abelhas, as formigas e outros
insetos. Ondas de 500 nm dão a sensação de verde e de 750 nm, de vermelho. As ondas
mais longas, denominadas infravermelho, não são captadas pelo olho. Elas
correspondem a ondas térmicas que estimulam termorreceptores da pele e dão origem à
sensação não de uma cor, mas de calor. Eis aí um dado intrigante: dois estímulos que,
fisicamente, correspondem a ondas eletromagnéticas muito semelhantes (quanto a
intensidade e comprimento de onda) nos proporcionam sensações muito diferentes —
um é responsável pela sensação de “vermelho”
1.14. O espectro de radiações eletromagnéticas pode ser dividido em uma região visível
e outras não visíveis. A parte inferior da figura mostra o espectro que é visível como luz
de várias cores e corresponde a uma região muito pequena do espectro total ilustrado na
parte superior da figura. Tanto ondas eletromagnéticas muito longas (ondas de rádio,
radar e infravermelho), como ondas muito curtas (raios gama, raios X e raios
ultravioleta) não são visíveis para o ser humano.
dB
100
80
60-
40
20
o
co
o
o
0
o
co
o,
O
• cl)
Regilo da tala
20
63
1.10. Visão
Muito Muito
longas curtas
Raios
x
Raios
gama
Espectro visível
Vermelho Laranja Amarelo Verde Azul Violeta
700 600 575 525 450 400
—4
Comprimento de onda (nm)
24
25
— —, —.—
— —
— —
— —
-
z
:-1-- E
z : ;: E
z :
‘E E
1 i.doo 1 4.000 16.000 Hz
1 1 1
1 1 Infra— I I Ultra— 1
Ondas de rádio
I 1 I
1 Radar 1 vermelho 1 1 violeta
1
e outro, pela de “calor”. Deve-se isto ao simples fato de serem captados e transduzidos
por receptores pertencentes a sistemas sensoriais muito
distintos.
o cérebro
Figura 1.15. O olho é um órgão muito complexo, composto de diversas partes, algumas
das quais são transparentes como a córnea, o humor aquoso contido na câmara anterior
do globo ocular, o cristalino e o humor vítreo, substância gelatinosa que ocupa toda a
câmara posterior. Depois que passou por estes elementos, a luz atinge e atravessa todas
as camadas da retina, uma vez que os fotorreceptores se encontram na última, adjacente
à membrana coróide. Esta é constituída por uma rede de vasos sanguíneos e encontra-se
entre a retina e a esclerótica, que é a estrutura mais externa, responsável pela forma
característica do globo ocular. Córnea e cristalino formam o sistema óptico responsável
pela focalização da imagem sobre a fóvea, a região mais delgada da retina. A fóvea
também é conhecida como mancha amarela ou mácula lútea. Há na região posterior do
globo ocular um pequeno orifício, por onde penetram vasos sanguíneos e fibras do
nervo óptico, conhecido como ponto cego, no qual não há receptores. O cristalino é
mantido na sua posição por um conjunto de delicadas fibras que partem de sua borda e
se inserem no músculo ciliar; são as fibras da zônula, estruturas responsáveis pela
rcomodação do cristalino. L.ogo à frente do cristalino encontra- se o conjunto de
músculos que formam a íris e a pupila, o orifício pelo qual a luz penetra no olho.
(Ilustração adaptada de Schmidt, 1980.)
“Teus olhos (ão negros, tão belos, (ão puros, de vivo luzir “Olhos encantados, olhos
cor do mar
sua coloração característica: azul, verde, castanho ou preto. A íris tem forma de disco.
No centro, há um orifício, por onde penetra a luz refletida dos objetos do ambiente. Esta
abertura, que parece uma pequena mancha preta, é a pupila. Quando a luz é muito
intensa, ela se contrai. Aumenta de diâmetro no escuro, chegando a ficar 7 vezes maior.
Este fenômeno é facilmente observável. Peça para um colega de íris clara olhar para
uma pare-
de ou folha de papel branca bem iluminada, enquanto você observa o tamanho da pupila
dele. A seguir, peça para ele cobrir os olhos abertos com as palmas das mãos por um
breve período de tempo e depois retirar rapidamente as mãos, enquanto permanece
olhando para o objeto claro. Você
elástica que, junto com a córnea, é responsável pela focalização precisa da imagem
sobre a retina, fenômeno denominado de acomodação. A acomodação da imagem de
objetos a diferentes distâncias é obtida pelas mudanças na espessura do cristalino. A
medida que as pessoas envelhecem, o cristalino perde a sua elasticidade. A sua
capacidade de acomodação
26
27
fica reduzida (presbiopia). No entanto, isto pode ser contornado com o emprego de
lentes corretivas capazes de restaurar a visão de objetos próximos. A leitura muito
freqüente e o trabalho com objetos muito próximos dos olhos pode causar problemas
semelhantes em pessoas jovens, O uso de óculos também é necessário quando ocorrem
deformações do globo ocular. Ele pode tornar-se achatado (miopia ou hipermetropia)
(fig. 1.16) ou apresentar uma córnea cuja curvatura não é perfeitamente esférica
(astigmatismo).
Atrás do cristalino, encontra-se a câmara posterior. Ela é formada pelo espaço interno
do globo ocular, ocupado por uma substância transparente e gelatinosa, o humor vítreo.
Quase toda a superfície interna desta câmara é revestida pela retina, formada pelas
células receptoras e outras células nervosas. A imagem dos objetos é focalizada com
maior precisão sobre um ponto da retina denominado fóvea. Este se apresenta como
uma pequena depressão, cujo diâmetro chega a ter um milímetro de extensão. E com
esta minúscula região do olho que vemos as cores e os detalhes das coisas que nos
cercam. Atrás da retina, encontra-se uma rede de vasos sangüíneos conhecida como
camada coróide. Finalmente, a camada branca e mais externa do olho, a esclerótica,
constituída de tecido de sustentação, é responsável pela forma característica do globo
ocular.
Na retina encontram-se diversos tipos de células. A camada de fotorreceptores é
formada pelas células nervosas sensíveis à luz. Na figura 1.17 você encontrará uma
ilustração esquemática da retina. Preste atenção a um detalhe interessante e muito
intrigante: após atravessar todas as estruturas transparentes do olho, a luz atinge
finalmente a retina; porém, antes de ser absorvida pelos fotorreceptores, terá que
atravessar também todas as camadas da própria retina, uma vez que os receptores estão
localizados na última camada e virados para trás. A primeira camada corresponde a
fibras nervosas que darão origem ao nervo óptico. A seguir, a luz atravessa a camada das
células ganglionares, amácrinas, bipolares e horizontais. Finalmente, na última camada
da retina, a luz é absorvida pelos fotorreceptores que ali se encontram. A reação
fotoquímica dos receptores dá origem a uma resposta neural, que é transmitida às
células bipolares. Estas, por sua vez, transmitem seus sinais às células ganglionares,
cujos axônios se agrupam. Formam, assim, o nervo óptico, que levará os impulsos
nervosos ao sistema nervoso central. As células amácrinas e horizontais proporcionam a
comunicação entre neurônios de uma mesma camada, permitindo uma sofisticada
elaboração da informação captada pelos receptores. Na realidade, a atividade da retina é
tão complexa que pode ser considerada um “minicérebro”
Depois de tomar conhecimento de um conjunto tão complexo e elaborado de estruturas,
talvez você se surpreenda com o fato de existir um ponto cego na retina, isto é, uma
região que não dispõe de receptores. Trata- se do local em que o nervo óptico e os vasos
sangüíneos chegam à retina. E conhecido como papua ou ponto cego. Com o auxílio do
desenho da figura 1.18 você poderá convencer-se da existência de seu ponto cego e
demonstrar a si mesmo que, em determinadas circunstâncias, uma pequena parte dos
estímulos que nos cercam não pode ser vista.
Um exame microscópico da retina mostra dois tipos de receptores:
cones (6 milhões) e bastonetes (120 milhões), devido à sua forma aproximadamente
cônica e cilíndrica, respectivamente. Os bastonetes localizam- se na periferia da retina e
são excelentes detectores de luz graças à rodop Olh
miope
Olho hipermetrope
Aproximando-se do objeto
28
29
Célula horizontal
i— Células bipolares
Células ganglionares
Fibras nervosas
Para o cérebro
Figura 1.18. Para você se convencer de que existe um ponto cego na retina do olho
direito, proceda da seguinte maneira: segure o livro com o seu braço estirado, feche seu
olho esquerdo e olhe fixamente para o ponto da figura. A seguir, aproxime lentamente o
livro de seus olhos. Você notará que, em dado momento, o passarinho desaparecerá
permanecendo, no entanto, as grades da gaiola. Isto ocorre porque o ponto cego
corresponde a uma pequena área da retina, sobre a qual agora incide a imagem do
passarinho, que não é percebido.
sina, substância fotossensível neles encontrada. Muito sensíveis à luz, são responsáveis
pela visão na penumbra (visão escotópica), onde a detecção de pequenas modificações
no nível de iluminação se torna importante. Se
quisermos saber a cor ou detalhes de um objeto que surge na periferia do nosso campo
visual, e cuja luz foi captada pelos bastonetes da periferia da retina, teremos que
movimentar os olhos de tal maneira que sua imagem seja focalizada, com precisão,
sobre a região central dos cones da fávea. Os receptores desta região, no entanto,
somente reagem quando a luz
Epitélio pigmentado
Bastonete
Fotorre Con ceptores
retiniano
Célula amácrina
Incidência da luz
30
31
Finalmente, o terceiro tipo de cone responde, principalmente, aos comprimentos longos
de onda, e a substância fotossensível nele encontrada foi denominada eritrolábio (do
grego: entro = vermelho; lábio, do verbo lambáno captador). Como o ser humano
possui três tipos de receptores para a visão de cores, seu sistema visual é denominado
tricomático. Já vimos que nos bastonetes apenas uma substância fotossensível é
encontrada (a rodopsina). Trata-se portanto de um sistema visual monocromático que
não participa da visão de cores. Conclui-se, portanto, que a retina do ser humano é
dotada de quatro tipos de receptores: os bastonetes e três tipos de cones.
Você certamente se recorda de ocasiões em que, depois de andar por uma rua ensolarada
e entrar em um cinema, a princípio você não consegue ver nada além da imagem
projetada na tela. Lentamente, é possível vislumbrar uma poltrona vazia. Somente muito
tempo depois, é possível ver outros objetos e pessoas a seu redor com maior clareza.
Passada uma hora, com os olhos completamente adaptados ao escuro, para grande
surpresa sua, você consegue ver com nitidez até mesmo pessoas distantes. Em
condições controladas de laboratório, é possível mostrar que os bastonetes precisam de
mais tempo do que os cones para atingir a sua sensibilidade máxima. Mas, uma vez
completamente adaptados ao escuro, sua sensibilidade à luz é mais pronunciada que a
dos cones. Isto quer dizer que os bastonetes reagirão diante de estímulos luminosos bem
mais fracos (de menor intensidade).
Na figura 1.19 encontram-se os resultados obtidos em uma situação experimental deste
tipo. Foram reunidas medidas obtidas em três situações distintas: projetando-se um
diminuto feixe de luz numa região do olho dotada tanto de cones como de bastonetes,
foi obtido o traço contínuo. Na realidade, este consiste em dois “degraus”: o superior
corresponde à adaptação ao escuro dos cones e o inferior à dos bastonetes. A linha
tracejada superior foi obtida projetando-se um feixe de luz sobre a fóvea. E a linha
tracejada inferior foi obtida projetando-se um feixe de luz sobre os bastonetes de uma
pessoa que não possuía cones; portanto, completamente cega a cores. Como se pode
verificar, a curva de dois “degraus” corresponde à adaptação ao escuro de uma região
mediana da retina, onde são encontrados tanto cones quanto bastonetes. Estes resultados
mostram que os dois tipos de receptores se comportam de forma bem distinta
no escuro.
1
O 5 10 15 20 25 30min
Período de adaptação ao escuro
Figura 1.19. Curvas de adaptação ao escuro. A linha contínua (a) corresponde ao curso
da adaptação ao escuro, numa região nas vizinhanças da fóvea de um indivíduo
possuidor de visão normal, em que são encontrados tanto cones como bastonentes.
Verifica-se que a curva é composta por duas partes bem distintas. A curva pontilhada (b)
corresponde à adaptação ao escuro da fóvea, região em que existem apenas cones.
Verifica-se que a curva corresponde perfeitamente ao primeiro degrau da curva anterior,
mostrando que a adaptação ao escuro inicial do olho humano é devida ao aumento de
sensibilidade dos cones, o que ocorre durante os primeiros 7 ou 8 minutos no escuro. A
linha tracejada (c) foi obtida com uma pessoa cuja retina era dotada apenas de
bastonetes. Isto é, desprovida de cones, era totalmente cega a cores (visão
monocromática). Verifica-se que esta curva corresponde perfeitamente à segunda parte
da primeira curva (a), demonstrando que a sensibilidade máxima do olho humano só é
atingida após 25 ou 30 minutos de adaptação ao escuro, ocasião em que estímulos de
pouquíssima intensidade podem ser vistos. Esta sensibilidade acentuada é devida à
adaptação dos bastonetes e ocorre muito tempo depois da adaptação inicial dos cones.
(Ilustração adaptada de Schmidt, 1980).
O que difere de uma pessoa para outra, diante de uma mesma situação de estímulos, é a
percepção. Ou seja, a seleção e interpretação dos dados sensoriais. Todo conhecimento
que temos de nosso próprio corpo e do ambiente, constituído tanto de nossos
semelhantes quanto de objetos inanimados, é fornecido por nossos órgãos dos sentidos.
Eles transformam diferentes tipos de energia (mecânica, térmica, eletromagnética etc...)
em energia eletroquímica, que chega ao nosso cérebro na forma de impulsos nervosos.
No cérebro, serão integradas as informações provenientes dos diversos órgãos
sensoriais. Isto, porém, não basta para nossa percepção do ambiente. Ela dependerá
também de nossa experiência passada, de nosso estado emocional e motivacional, bem
como de nossas atitudes, preconceitos e de nossas expectativas a respeito do futuro. O
filósofo Immanuel
6-
5-
4-
3-
2-
1—
0-
co
>
co
5)
5)
0
co
0
c
5)
c
32
33
Kant, pensando neste assunto, chegou à conclusão de que “nós não vemos as coisas
como elas são, porém como nós somos”.
E graças à integração de todas as informações provenientes de um dado estímulo que
pessoas portadoras de deficiências sensoriais, como, por exemplo, daltonismo ou
surdez, vivem ajustadas em seu ambiente. Uma pessoa daltônica, cujos cones estão
desfalcados de uma das substâncias fotorreceptoras, poderá, ocasionalmente, mostrar
dificuldades para discriminar dois objetos pela cor. Porém, raramente terá transtornos
maiores, uma vez que os objetos também diferem quanto ao brilho, forma, tamanho,
aspereza, temperatura e outras características. O mesmo ocorre com uma pessoa parcial
ou totalmente cega. Ela poderá perceber o espaço através da informação fornecida por
outras modalidades sensoriais como, por exemplo, a audição e o tato.
34
2
Psicofísica Medidas em percepção
A Percepção é uma disciplina da Psicologia com ênfase muito grande em investigações
científicas e em experimentos de laboratório e pesquisas de campo. Precisa, portanto, de
alguma forma, preocupar-se com as medidas e a quantificação de seus resultados. Em
geral, toda disciplina desenvolve técnicas específicas e especializadas para lidar com
seus problemas particulares de medida. Assim, também o campo da percepção tem suas
técnicas especiais de medida, geralmente estudadas sob a denominação de métodos
psicofi’sicos.
Inicialmente, os métodos psicofísicos foram desenvolvidos para uma disciplina
chamada Psicofísica. Como o próprio nome sugere, a Psicofísica procura relacionar
funcionalmente os estímulos ou eventos físicos e as sensações ou perceptos. De maneira
ampla, é este o objetivo da disciplina Percepção. Originou-se com Gustav Fechner
(1801-1887), um estudioso de Medicina, Física e Filosofia. Sua primeira preocupação
em Psicologia Experimental foi medir as sensações (os perceptos), de forma acurada,
em termos do referencial dos estímulos físicos. Mesmo que a Filosofia e a teoria
psicológica que fundamentaram os estudos de Fechner hoje somente possuam valor
histórico, os métodos psicofísicos desenvolvidos por ele são ainda amplamente
utilizados. Na verdade, transcendem o campo da Percepção (e da Psicologia
Experimental) inicialmente procurado: também são empregados em pesquisas de outras
ciências, como a Sociologia ou a Fisiologia.
De maneira mais abrangente, a Psicofísica busca a relação funcional entre as sensações
provocadas por estímulos de diferentes magnitudes ou valores. Se houvesse uma relação
simples e constante entre os valores físicos de um estímulo e as sensações provocadas, a
questão não apresentaria maiores problemas. Não é assim. Isto pode ser facilmente
intuído: em pri35
meiro lugar, as escalas físicas utilizadas para medir os estímulos são, em sua maioria,
até certo ponto arbitrárias. Podemos medir uma distância em centímetros ou polegadas
ou anos-luz; o brilho de uma lâmpada pode ser expresso em watts ou candeias ou
Lamberts, e assim por diante. A maioria das escalas utilizadas para medir um estímulo
físico é independente do observador humano. Mas há algumas notáveis exceções, como
o brilho de uma luz expressa em lumens ou o volume de um som expresso em decibéis
relativos à sensibilidade auditiva humana. Em segundo lugar, a sensação não
corresponde sempre ao estímulo físico de uma forma simples, a ponto de o observador
se dar conta disto: o mesmo observador olha o comprimento de uma escada deitada no
chão e a altura do telhado; tem a nítida sensação de que a distância é a mesma. Mas ao
encostar a escada à parede percebe que faltam alguns centímetros. Evidentemente, o
relógio não deixa de fazer tique-taque quando o afastamos do ouvido:
o estímulo físico continua presente, mas não há mais uma sensação correspondente. A
Psicofísica, em sua busca da relação entre o valor do estímulo físico e a sensação,
defronta-se, basicamente, com quatro questões. Estas podem ser distinguidas apenas
artificialmente, uma vez que em nosso comportamento habitual nos deparamos,
constantemente, com os quatro aspectos e os solucionamos de uma forma conjunta.
A primeira questão é: qual é a energia mínima (ou grandeza) que um estímulo deve ter
para provocar em nós uma sensação (ser percebido)? Isto é normalmente considerado
como um problema de sensibilidade absoluta, e o valor físico desta magnitude de
estímulo é chamado de limiar absoluto. Para que um médico possa detectar uma
mancha na radiografia dos pulmões de seu paciente, que tamanho ela precisa ter? Se o
filme estiver embaçado, será ainda mais difícil detectar a mancha: haverá elementos
perturbadores. Para o observador, o limiar absoluto apresenta, portanto, uma questão de
detecção.
A segunda questão diz respeito à sensibilidade diferencial, ou seja, quanto dois
estímulos precisam diferir entre si, para que provoquem sensações diferentes? A menor
diferença entre os valores físicos de dois estímulos, que provocam sensações diferentes
e que, portanto, podem ser discriminados, é chamada de limiar diferencial. Por
exemplo, o médico tem diante de si a radiografia dos pulmões. Ambos os pulmões estão
com uma mancha. Quanto uma mancha tem de ser maior que a outra para o médico
decidir qual dos dois pulmões está mais afetado? Para o observador, trata-se de uma
tarefa de discriminação. Ele precisa distinguir, isto é, discriminar, vários estímulos que
variam entre si quanto a um mesmo aspecto físico.
A terceira questão refere-se ao que representa, para o observador, uma tarefa de
reconhecimento. O estímulo, depois de detectado, precisa ser reconhecido ou
identificado. O médico detectou uma mancha na radiografia. Agora precisa identificar a
mancha. Trata-se de um tumor, uma infec ção
36
37
Séries de apresentação
Figura 2.1. Folha de registro, com dados, para a determinação de um limiar auditivo
pelo método por limites. Como valores de estímulos a serem apresentados, foram
escolhidos 10 valores, de modo que se tivesse certeza de que a menor intensidade (10
dB) nunca poderia ser ouvida, e a maior intensidade (100 dB), sempre. Desta forma, o
limiar auditivo absoluto necessariamente cai entre estes valores. As séries de
apresentação dos estímulos são alternadamente ascendentes e descendentes. As setas
indicam a direção de apresentação dos estímulos. Dez séries correspondem a um
número mínimo de séries, sendo que 10 a 12 valores discretos de estímulos devem ser
utilizados. As séries de apresentação são interrompidas na primeira inversão de
julgamento. Assim, numa série ascendente, os primeiros julgamentos serão “não ouço”
(—), até atingir-se um valor no qual o sujeito dirá “ouço” (+). Neste momento, a série
de apresentação pode ser interrompida, para se passar à próxima série. As séries não
devem ser iniciadas todas nos mesmos valores, para evitar que o sujeito simplesmente
inverta seu julgamento após um número fixo de apresentações. O limite de série
corresponde ao ponto médio numa inversão. O limiar é calculado pela média aritmética
dos limites de série. Pode-se, a fim de analisar o padrão de respostas do sujeito, obter
separada- mente o limiar para as séries ascendentes e descendentes, ou para a primeira e
segunda parte do experimento. A vantagem deste método está em sua simplicidade.
Talvez o maior inconveniente do método dos limites, tal como foi apresentado aqui, seja
o fato de que inúmeros estímulos apresentados na verdade não entram no cálculo do
limiar, prolongando desnecessariamente um experimento. Por esse motivo, Cornsweet
(1962) criou uma variante do método dos limites, denominada método da escada dupla.
Neste mé Valore
38
39
lo - -
20 - - - -
30 - - - - -
40 - - - - - -
50 + - - - - ÷ + - -
60 + - i- + - + - +
70 + + + + + + +
80 + + + + +
90 + + + +
100 + +
• 70÷70+80+60+70+80+60+90+70+80÷80+90÷70÷8O+80+90+70+80+60÷70
Limiar =
1.500
Limiar = 75 dB 20
Figura 2.2. Folha de registro com dados, para a determinação de um limiar absoluto
pelo método da “escada dupla”. Este método, derivado do método dos estímulos
constantes, também se vale de duas séries (a e b) em alternação simples (pode ser
também alternação aleatória). De cada série é apresentado um só valor. Se a resposta a
uma apresentação numa série a for “não”, a próxima apresentação para esta mesma série
a será de um valor imediatamente maior (mais intenso). Por outro lado, se a resposta for
“sim”, a próxima apresentação será de um valor imediatamente menor. Esta é a única
regra que governa os valores apresentados. E preciso lembrar ainda que as duas séries, a
e b, são totalmente independentes durante a apresentação. De forma análoga no método
dos limites, deve-se partir de 10-12 valores de estímulos, O número de séries deverá ser
acima de 30. O limiar é calculado pela média aritmética de todos os valores
apresentados, sem levar em conta se são de séries a ou b, ou se tiveram resposta “sim”
ou “não”, após o primeiro “contato” das duas séries. A vantagem deste método está no
número bem menor de apresentações do estímulo para determinação do limiar.
Consiste no segundo método clássico, ainda desenvolvido por Fechner. Neste método,
apresentam-se, repetidas vezes, valores de estímulos muito próximos ao suposto limiar
(que deve ser estimado previamente por algumas séries do método dos limites). Em
geral, escolhem-se por volta de 10 valores próximos ao limiar. Num experimento ideal,
os valores de menor magnitude serão subliminares (nunca serão percebidos no
experimento) e os de maior magnitude serão supraliminares (e serão percebidos em cada
tentativa em que forem apresentados). Cada valor de estímulo deve ser apresentado o
maior número de vezes possível (nunca menos de 10), de maneira aleatória. Determina-
se, então, a freqüência de percepção para cada valor. O limiar absoluto corresponderá ao
valor de estímulo que foi percebido 50% das vezes. Este valor pode ser estimado
estatistícamente ou determinado de forma gráfica, como mostra a figura 2.3, na qual se
apresenta a determinação de um limiar pelo método dos estímulos constantes.
O limiar determinado pelo método dos estímulos constantes seria muito preciso se a
resposta do sujeito dependesse unicamente do valor de estímulo apresentado. Mas isto,
infelizmente, não ocorre. Há outros fatores que influenciam a resposta do sujeito e nada
têm a ver com a intensidade do estímulo. O que mostra que um limiar absoluto não é tão
“absoluto” assim: é sempre “relativo” às outras condições que atuam sobre a resposta do
sujeito. Os outros fatores que influenciam a resposta do sujeito, e, portanto,
indiretamente, o limiar medido, são estudados pelo que se convencionou de teoria de
detecção de sinais.
O primeiro fator que influencia as respostas do sujeito é a sua motivação em dizer sim
(percebo o estímulo) ou não (não percebo o estímulo). Num experimento de detecção, o
sujeito, sabendo que o estímulo às vezes sub e às vezes supraliminar é apresentado em
cada tentativa, pode dizer sempre “sim”, simplesmente por se sentir motivado,
apresentando um limiar muito baixo e, assim, gabando-se de uma “supervisão” ou
“superaudição”. E claro que o experimentador perceberia imediatamente a artimanha do
sujeito e o repreenderia por sua falta de colaboração com o experimento. Uma maneira
de “pegar” o sujeito mais facilmente nesse comportamento pouco simpático, é
introduzir tentativas-armadilha, nas quais nenhum estímulo é apresentado. Se o sujeito
disser um “sim” numa tentativaarmadilha, estará desmascarado, e o experimentador
poderá “puni-lo” para extinguir este comportamento, pois, sem a punição, o sujeito
poderá continuar neste padrão de respostas. Por outro lado, se o experimentador resolver
punir somente as respostas “sim” às tentativas-armadilha, o sujeito poderá passar a
responder sempre “não”, só para esquivar-se de todas as punições. Assim, novamente, o
limiar medido não corresponderá ao real. O que o experimentador precisa fazer é punir
as respostas “sim” em tenta-
Séries
valores após cruzamento = Limiar =
40
41
b 100
90
80
70
60
E
a
a
o
o.
a
e
Sim
a
a
a
o
o.
a
a
Não
Figura 2.4. Resultados possíveis num experimento no qual o sujeito se depara com duas
situações: presença de um sinal (s) ou ausência deste sinal (ruído-n). Em cada tentativa
o sujeito deve dizer se o sinal foi apresentado ou não. A ausência de sinal é chamada de
ruído, uma vez que sempre ocorre alguma estimulação ou ruído de fundo que pode
provir da aparelhagem que produz o sinal, do ambiente externo ou do próprio sujeito
com suas expectativas. Há dois resultados desejáveis - o acerto e a rejeição correta - e
dois resultados indesejáveis - a omissão e o alarme falso. Observe e avalie se cada
resultado tem seu valor intrínseco, pois em determinadas situações os acertos podem ser
muito importantes, e as rejeições corretas-menos importantes, ou vice-versa. Ou, então,
os resultados são indesejáveis se possuem valores diferentes. Além dos valores
intrínsecos que os diferentes resultados possuem, pode- se criar valores artificialmente,
através de uma matriz de pagamento que pune e reforça diferencialmente os resultados.
As respostas do sujeito vão depender da matriz de pagamento.
a
a
a
‘o
c
a
a
a
a
a.
a
a
z
30
20
10
Limiar
10 20 30 40 50 60 70 80 90
Estimulação
Sinal lsl
Ruído ln)
42
43
10 20 30 40 50 60 70 80 90
1 n n n s 5 n s s s
2 n n s n s s s s s
3 n n n s n s s n s
4 n s n s n ri n s s
5 n n n ri s n s s s
6 ri n s n n n s s s
7 ri n n n s s s s s
8 n ri n n s s ri s s
9 n n n s s s s n s
10 n n ri n n s ri s 5
Omissão Rejeição
correta
2.2. Discriminação
A questão colocada pela discriminação é saber quanto dois estímulos devem diferir para
que sejam percebidos como diferentes. E preciso definir em que dimensão se dá a
diferença, pois duas luzes, apesar de terem a mesma cor, podem ter brilhos diferentes
ou, ao contrário, podem ter cores diferentes e brilhos iguais. E preciso fixar todas as
dimensões e variar apenas uma, como é feito nos experimentos de laboratório que
estudam problemas de discriminação. Nestes experimentos de discriminação, o
propósito geral é determinar o limiar diferencial, isto é, a mínima diferença, perceptível
pelo sujeito entre dois estímulos. Para tanto, utilizam- se um estímulo padrão e vários
estímulos de comparação, que são julgados como sendo mais intensos (maiores, mais
brilhantes, mais pesados etc.), iguais, ou menos intensos. Alguns estudos mostram que é
conveniente eliminar o julgamento de igualdade, pois este é muito susceptível às
instruções dadas aos sujeitos. Pelas instruções, o sujeito pode ser compelido a
Figura 2.5. Na teoria de detecção, considera-se que a situação normal, isto é, ausência
do estimulo, corresponde a uma situação de ruído n (noise em inglês). A presença de um
estímulo corresponde à situação de sinal (na verdade a soma de ruído + sinal). Cada
uma das situações provoca com certa probabilidade sensações ao longo do contínuo
sensorial, o que é representado em a. A tarefa do sujeito é diferenciar em cada tentativa
se se tratou de ruído (n) ou sinal (s). Esta diferenciação não é imediata, pois as duas
curvas têm uma zona de sobreposição, isto é, onde a mesma sensação poderia ser
interpretada tanto como n ou s. Nas figuras b e c estas zonas estão marcadas. Em b esta
zona é grande, pois a curva de n sobrepõe em grande parte a curva de s, ou seja, o sinal
pode ser diferenciado do ruído apenas com grande dificuldade. A distância entre as duas
curvas é chamada de d’. Na figura e, sinal e ruído são muito diferentes, isto é, provocam
sensações bem distintas. O valor de d’ conseqüentemente é grande. Do valor de d’
dependerá a facilidade com a qual o sujeito consegue distinguir o sinal do ruído. Mas
como em todos os casos existe uma zona de sobreposição onde os estímulos podem ser
confundidos, o sujeito procura estabelecer um critério (B) que fixa um valor de sensação
a partir do qual emitirá o julgamento “sim” (isto é, “sim, percebi o sinal”) e abaixo deste
valor emitirá o julgamento “não” (isto é, “não percebi o sinal’ trata-se portanto de um
ruído). As figuras d e e ilustram isto, mostrando uma situação de critério relaxado ( na
qual o sujeito julga muitos valores de sensação como provenientes do sinal, e portanto
comete muitos alarmes falsos. Ao contrário, numa situação de critério estrito (e), o
sujeito cometerá muitas omissões. Onde o sujeito vai posicionar seu critério depende de
uma série de fatores, como a proporção de situações de sinal/ruído, a valorização de
cada tipo de erro (omissão em alarme falso), as instruções que o sujeito recebe e sua
própria atitude com o experimento.
b
Distribuição do ruído
a
Distribuição de
1 + ruído
b Contínuo sensorial
e
Não...— —-Sim
— critério relaxado
= critério estrito
44
45
Séries de apresentação
dizer “igual” sempre que não puder definir exatamente se um estímulo é mais intenso
que o outro ou não (haverá muitas respostas “igual’ sempre que o sujeito estiver em
dúvida). Ou, então, poderá, dizer “igual” apenas quando tiver certeza de que os dois
estímulos são realmente iguais (haverá poucas respostas “igual”). Prefere-se, portanto,
fazer um experimento de “escolha forçada”, obrigando o sujeito a optar por “mais” ou
“menos” em cada tentativa. Os resultados de experimentos com escolha forçada se
mostram mais precisos e facilitam o cálculo do limiar diferencial.
Para a determinação do limiar diferencial podem ser utilizados os mesmos métodos
empregados na determinação de um limiar absoluto. Na figura 2.6, há um exemplo de
determinação de limiar diferencial pelo método dos limites, e na figura 2.7, um exemplo
de limiar diferencial calculado pelo método dos estímulos constantes, deixando claro
que o limiar diferencial é uma medida de variabilidade.
O ponto onde a probabilidade de julgamento “maior” ou “menor” é igual, isto é, 50%, é
denominado ponto de igualdade subjetiva (PIS). Corresponde ao valor que,
subjetivamente, parece ao sujeito ser igual ao estímulo padrão. A diferença entre o ponto
de igualdade subjetiva e o estímulo padrão é denominada erro constante. Admitia-se que
o erro constante surge porque o estímulo padrão e o estímulo de comparação não eram
julgados simultaneamente, mas sim, em geral, um após o outro. Quando um estímulo de
comparação é julgado, a “imagem mental” do estímulo padrão já se esvaneceu um
pouco. Por isto, o erro constante era chamado de erro de tempo. No entanto, a
explicação do esvanecimento da imagem do estímulo padrão se mostrou falsa: o erro de
tempo, ou erro constante depende, simplesmente, de fatores de configuração do
estímulo padrão e de comparação que não são controláveis pelo experimentador.
Os pontos onde a probabilidade de resposta “mais intenso” (ou “menos intenso”) é 25%
e 75% correspondem a valores que são discriminados com 50% de probabilidade, ou
seja, que são discriminados do estímulo padrão em 50% das apresentações, como pode
ser visto na figura 2.6. A distância entre estes dois pontos corresponde ao intervalo de
incerteza, cuja metade é o limiar diferencial, também denominado diferença apenas
perceptível (DAP). Portanto, o sujeito é capaz de discriminar dois estímulos que distam
entre si pelo menos uma DAP. A figura 2.8 apresenta duas curvas de discriminação, uma
de discriminação precária (limiar elevado) e outra de boa discriminação, mostrando que
a inclinação da curva de discriminação é um indicador do limiar de discriminação.
Vimos que o limiar diferencial é determinado em função de um estímulo padrão, que é
mantido constante no decorrer de um experimento. Parece óbvio que o valor do limiar
diferencial varia em função do estímulo padrão. Se, por exemplo, conseguimos
discriminar um peso de 1.000 g de outro de 1.100 g (limiar diferencial DAP = A 1 = 100
g), é óbvio que não conseguiremos discriminar 10.000 g de 10.100 g (A 1 = 100 g). Tal-
lx — x)2
LD desvio padrão dos limites de série = a = ‘4I 1 4,83
Figura 2.6. Determinação do limiar diferencial de intensidade luminosa pelo método
dos estímulos constantes. A intensidade luminosa está indicada em unidades arbitrárias,
O estímulo padrão (Sp) tem intensidade 25. Em cada apresentação os estímulos de
comparação (Sc) são comparados ao Sp e julgados como menos intensos (m) ou mais
intensos (M). No demais, o método é igual ao apresentado na figura 2.1 para a
determinação de um limiar absoluto. A média aritmética dos limites de série
corresponde agora ao ponto de igualdade subjetiva (PIS), que é o valor de estímulo que
em média parece para o sujeito ter a mesma intensidade que o Sp. A diferença entre PIS
e Sp dá o erro constante (EC). Neste exemplo em particular o EC é extremamente
grande, mostrando que possivelmente houve um erro entre o Sp e os Sc, provavelmente
decorrente da calibração do aparelho, ou, então, que o método de comparação deixava
os Se parecerem muito mais escuros. O limiar diferencial (LD) corresponde a alguma
medida de variabilidade dos limites de série. Para tanto há várias possibilidades, mas as
mais comuns são a semi-amplitude de variabilidade e o desvjo padrão dos limites de
série. Ambos os valores estão calculados acima. A semi-amplitude de variabilidade
corresponde à metade da diferença entre o maior e o menor valor dos limites de série, O
desvio padrão é calculado da maneira habitual.
vez precisemos de 11.000 g (A 1 = 1.000 g) para notar uma diferença de peso. Ernst
Heinrich Weber (1834) mostrou que havia uma relação constante entre o limiar
diferencial (A 1) e o valor de estímulo padrão (ou intensidade do estímulo 1), ou seja, A
1 = KI (K constante de proporcionalidade). Fechner denominou a relação K = A 1/1
fração ou constante de Weber. Ela corresponderia a uma função constante, ou seja, para
discriminar dois estímulos entre si, é preciso diferenciá-los por uma proporção
constante.
m
m
Limites de série 32,5 37,5 27,5 32,5 37,5 42,5 32,5 37,5 32,5 42,5
Ponto de Igualdade Subjetiva = limites de séries
n 10
Erro Constante = EC = PIS — Sp = 35,5 — 25,0 = 10,5 42,5 — 32,5
Limiar Diferencial = LD semiamplitude de variabilidade = = 5,0
2
46
47
5 m
10 m m m
m
15 m m m m
30 m M m m m m
35 M m M m M m M
40 M M M m M m
45 M M M M M
50 M M M M
Intensidade luminosa Sp
‘1
a,
‘o
a,
ai
‘1
a,
a,
ai
z
b%
100
80
60
40
20
5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
dade subjetiva (PIS) e erro constante (EC) pode ser feita matematicamente ou
simplesmente de forma gráfica. O PIS pode ser considerado o valor de abscissa no qual
as curvas (—) e (+) se cruzam, ou então o ponto máximo da curva (=). No caso, ambos
os valores são coincidentes e iguais a 25, o que resulta num EC = O (EC PIS - Sp). O
limiar diferencial pode ser tomado como o valor no qual o julgamento (=) seja
igualmente frequente aos julgamentos (+) e (—). No exemplo teremos LD = 25 - 14 =
11 ou LD = 36-25 11. No caso os valores são coincidentes, mas poderiam não ser se os
resultados não fossem simétricos. Neste caso pode-se tomar a média dos dois LDs
calculados. O experimento também pode ser feito permitindo-se ao sujeito apenas
julgamentos (+) e (—). Os cálculos e resultados são semelhantes. Neste caso, o LD é
determinado em função dos valores da abscissa que correspondem respectivamente a
25% e 75% de respostas (+) ou (—). Estas percentagens são arbitrárias, mas comumente
empregadas neste tipo de cálculo.
a
5 10 15 20 30
35 40 45 50
2
3
4
5
6
7
8
9
100
90
80
.2 70
E
60
a
a,
50
o
• 40
ri
Intensidade do estímulo
Intensidade
48
49
1 — — = = = = + + +
—
— = = = = = + + +
— — = — = + = + + +
—
— = = = = = = + +
— — = = = = + = + +
—
— — = = = = + + +
—
— — = = + = + = +
— — = = + = = + + +
—
— — = = = + + + +
—
10 — = = — = + = = +
— 100 90 40 20 10 O O O O O
%= O 10 60 80 80 80 70 30 20 O
%+ O O O O 10 20 30 70 80 100
Figura 29. A curva A (no caso uma reta) representa a fração de Weber ±j ideal, ou seja,
Figura 2.10. O limiar diferencial para um contínuo sensorial qualquer pode ser
determinado pela utilização de uma técnica da teoria de detecção de sinais,
apresentando-se o estímulo padrão (que corresponde ao ruído n) e o estímulo de
comparação (que se diferencia muito pouco do primeiro e corresponde ao sinal s). Em
seguida, o sujeito em cada tentativa deve dizer qual é o estímulo menor ou maior,
assumindo, por exemplo, 5 níveis de certeza: 1) se ele estiver absolutamente certo que é
menor; 2) se tem alguma certeza que é menor; 3) se não sabe; 4) se tem alguma certeza
que é maior e 5) se tem absoluta certeza que é maior. Cada um destes tipos e respostas
corresponde a um critério B (veja fig. 2.5). Em seguida, com estes dados traça-se
graficamente a relação entre a probabilidade dos alarmes falsos e acertos. Supondo-se
que o número de tentativas de sinal e ruído seja idêntico, e que o sujeito não consiga
discriminar os estímulos, a probabilidade de alarme falso é igual à probabilidade de
acertos p (alarme falso) p (acerto), e disto resultará a curva d’ = O da figura. Quanto
mais o sujeito conseguir discriminar os estímulos, tanto maior será o valor de d’ obtido.
O valor de d’ corresponde ao limiar diferencial.
tempo de reação de escolha, quando há, por exemplo, vários botões, e o sujeito deve
pressionar aquele que corresponde a determinado estímulo que, ao ocorrer, foi
discriminado de todos os outros. Seja qual for o paradigma experimental utilizado,
mostra-se que o tempo de reação diminui quanto mais diferenciáveis forem os estímulos
entre si. O leitor mesmo pode comprovar isto, medindo o tempo que leva para separar
um baralho, uma vez em naipes pretos e vermelhos e, na outra, em copas mais paus e
em ouros mais espadas. Na figura 2.11, são apresentados dados de discriminação de
comprimento de retas a partir do tempo de reação.
mulos, é preciso uma diferença muito maior que a prevista pela fração de Weber para
um sistema sensorial em particular. A situação é idêntica quando o estímulo padrão
atinge valores próximos ao limiar terminal (intensidade máxima à qual o aparelho
sensorial responde normalmente — com valores maiores de estímulo pode haver lesão
dos órgãos sensoriais, como na visão, ou dor, como na audição).
A discriminação também pode ser encarada do ponto de vista da teoria de detecção de
sinais, assim como o limiar absoluto (detecção), considerando que há tentativas nas
quais é apresentado apenas o estímulo padrão (ruído) ou o estímulo de comparação
(sinal). A figura 2.10 mostra um exempio com a devida explicação e as decorrêncías de
um experimento deste tipo.
Um outro modo de estudar a discriminação de estímulos é pelo tempo de reação. Esta é
uma das formas mais antigas de medição em Psicologia da Percepção. Foi amplamente
empregada por Herinann Helmholtz (1850) e por Wundt (1879). Pode-se diferenciar
dois tipos de tempo de reação: tempo de reação simples, quando há, por exemplo, um
botão que o sujeito deve pressionar sempre que discriminar um estímulo diferente, e
1,0
0,75
E
0
o
t
e
o
e
0
0
e
e
o
o.
Fração de Weber
0,50
0,25
1,0
LA LT
50
51
-.--_
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Diferença no comprimento (milímetros)
Figura 2.11. Neste experimento os sujeitos tinham que separar cartões em pilhas, de
acordo com o comprimento de duas linhas traçadas nos cartões. Uma das linhas sempre
media 45 mm, e a outra, sempre mais longa, media de 1 a 11 mm a mais. Mediu-se o
tempo total que o sujeito levava para fazer a separação de acordo com as diferenças de
comprimento. O tempo total corresponde à soma dos tempos de reação frente a cada um
dos cartões. Nitidamente se observa que quanto maior a diferença de comprimento, mais
rapidamente o sujeito consegue formar as pilhas, pois o tempo de reação frente a cada
cartão é menor.
2.3. Reconhecimento
O observador constantemente se depara com a tarefa de reconhecer, isto é, identificar
estímulos, saber do que se trata além de simplesmente detectar sua presença. O
interessante é que, muitas vezes, antes de reconhecer um estímulo, detecta-se sua
presença. Isto mostra que se trata, realmente, de dois processos distintos. Muitas vezes é
preciso, por exemplo, olhar por mais algum tempo antes de reconhecer o estímulo
detectado. Existe uma hierarquia da percepção. Há, inicialmente, a detecção do estímulo
e depois seu reconhecimento, sendo que mais energia é necessária para que se atinja o
estágio do reconhecimento.
Intuitivamente, pode-se concluir que o número de alternativas, isto é, o número de
diferentes estímulos possíveis determina a dificuldade de reconhecimento. Se o sujeito
sabe que apenas um tipo de estímulo pode ocorrer, e ele observa (detecta) algo, saberá
imediatamente que se trata daquele único estímulo que pode ocorrer. Mas, se existem
duas alternativas, há 50% de probabilidade de acertar ao acaso qual estímulo foi
detectado. Portanto, o reconhecimento é fácil. Se existem 100 alternativas, a pos-
e
52
g’ 50 a
o 48
ia
o.
a 46
a
e.
a
a
42
e
e. 40 E
52
53
54
55
seja o dobro, e assim por diante — veja fig. 2.12), obtêm-se funções do tipo R KS, onde
R é a sensação, S o estímulo julgado, K uma constante de proporcionalidade e n um
expoente constante para uma determinada dimensão sensorial, mas que assume valores
diversos para cada dimensão sensorial. A figura 2.13 mostra que a forma da função R =
KS pode variar bastante, conforme n < 1, n = 1 ou n > 1. A tabela 2.1 fornece uma
relação de sensações e valores de n correspondentes.
A diferença entre a escala de Fechner e a escala de Stevens pode ser definida no
seguinte sentido: a primeira diz que a razões (proporções) iguais de estímulos
correspondem djferenças iguais de sensações; a segunda afirma que a razões iguais de
estímulos correspondem iguais razões de sensação.
Na prática, podem-se obter escalas de razão (como também são chamadas as escalas de
Stevens) pela estimação direta de magnitude, como
foi explicado na figura 2.12, ou pelo método do fracionamento ou da mul 20
0
a
•0
4-
16
e
E
a
a
E
a
uJ
10
10
12
e,
14
/
/
S = 0,75 1 1,11
16
18 20
18
14
12
0
a
c
a
E
a
a
e
E
a
ul
ti)
o
a
a
E
a
a
E
a
a
.3
b
n=1
c
n< 1
Figura 2.13. a) Representação gráfica das 3 formas muito diferentes que a função de
potência de Stevens, S Kl1, pode assumir para diferentes contínuos físicos e diferentes
valores de n. Na curva A, n > 1, encontra-se o que ocorre, por exemplo, para o
julgamento de magnitude de choques elétricos. Na curva B, n = 1, encontra-se o que
ocorre, por exemplo, para o julgamento de compilmentos de linhas; na curva C, n < 1, o
que ocorre para o julgamento de brilho. b) Apresentação gráfica da função de Stevens
para quatro contínuos físicos diferentes que geram valores de n entre 3,6 (choque
elétrico) e 0,3 (brilho). Observe que agora ambas as escalas (escala física de magnitude
dos estímulos e escala das magnitudes julgadas) estão expressas em unidades
logarítmicas, de modo que as curvas de potência da forma S = Kl geram retas para
qualquer valor de n.
10
12
14
16
18
20
9,7
11,8
14,0
16,2
18,6
20,9
56
57
E
E
o
E
a.
E
o
Figura 2.14. O gráfico mostra os resultados de um experimento no qual o sujeito devia
estimar a pressão exercida por um peso sobre sua palma da mão através do
comprimento de linhas traçadas numa folha de papel. O procedimento era o seguinte: o
experimentador aplicava um dos pesos sobre a palma da mão do sujeito e lhe pedia para
traçar uma linha correspondente de qualquer comprimento. Em seguida, aplicava-lhe
um segundo peso sobre a palma da mão, e o sujeito traçava uma outra linha
correspondente ao peso, seguindo a regra de que ao dobro da pressão a linha deveria ter
o dobro de comprimento; se a sensação de pressão fosse apenas 1/3 da pressão da
primeira aplicação do peso, a linha também deveria ter apenas 1/3 do comprimento. Os
resultados do gráfico mostram que a curva correspondente é quase linear, pois tanto a
estimação de pressão como de comprimento de linhas resulta em funções de Stevens
com o expoente n próximo da unidade. Como foi explicada no texto, a estimativa da
magnitude entre modalidades sensoriais distintas resulta num coeficiente que
corresponde à relação entre os coeficientes das duas modalidades sensoriais.
80
70
60
50
40
30
20
10
100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000 Pressão (g*)
58
59
Brilho 0,3
Peso 1,4
3
Atenção
Todos sabem o que vem a ser “prestar atenção”. Ao receber esta ordem, o interlocutor
saberá o que deve fazer para “prestar atenção” e também que perceberá melhor os
estímulos aos quais estiver “prestando atenção”. Com isto talvez deixe de perceber
alguns outros estímulos presentes (aos quais não estará “prestando atenção”). Mas,
afinal, o que, exatamente, é esta “atenção”, que parece atuar tão diretamente sobre nossa
capacidade de perceber?
Nos primórdios da Psicologia científica, na mudança do século, os manuais de
Psicologia sempre traziam capítulos dedicados ao estudo da atenção. Mas, com a
difusão do “behaviorismo’ a atenção deixou de ter a antiga importância. Segundo os
behavioristas, atenção não é um comportamento, podendo ser inferida do
comportamento global apresentado pelo animal. Se um animal respondeu a um
estímulo, conclui-se que esteve atento a ele. Mas a atenção não pode ser definida,
simplesmente, como a capacidade de responder a um estímulo, ou percebê-lo. Vejamos,
por exemplo, o caso do estudante que está lendo um livro e liga o rádio. micialmente,
ele está lendo o texto e compreendendo o que lê. De repente, o rádio toca uma música
da qual gosta muito. Ele começa a acompanhar mentalmente a letra. A despeito disto,
continua lendo. Os estímulos que o estudante percebe continuam sendo os mesmos: de
um lado, as palavras do texto; do outro, a música. Mas algo mudou completamente: o
texto lido deixou de ser compreendido, pois sua atenção se deslocou do texto para a
música. Não é possível prestar atenção a um grande número de estímulos ao mesmo
tempo. Por isto, em geral não o fazemos. Quando estamos lendo, o estímulo principal
deve ser a informação visual; a informação auditiva do rádio deve ser, no máximo, um
“fundo musical”, como o avião que passa, as crianças que gritam na rua, o peso do
relógio de pul so
nosso próprio peso sobre a cadeira e a mordida do mosquito. Isto nos faz voltar ao que
foi dito no capítulo 1, onde mencionamos que há um limite na quantidade de
informação que pode ser processada ao mesmo tempo pelo nosso cérebro, o que
corresponde ao limite do canal de transmissão de informação.
3.1. Vigilância
Chamamos de vigilância ao estado de atenção mantida. Experimentalmente, isto é, em
laboratório, costuma-se estudar a vigilância, dando ao sujeito a tarefa de detectar um
sinal que ocorre de tempos em tempos. Os experimentos clássicos utilizam o “teste do
relógio de Mackworth”, onde o sujeito observa o movimento do ponteiro de um relógio
que avança aos saltos. Os saltos são iguais, mas, de tempos em tempos, ocorre um salto
duplo ao qual o sujeito deve responder apertando uma tecla. Este estímulo é muito
óbvio, de modo que qualquer falha de reconhecimento é uma questão de “atenção” e
não de “detecção”. Observa-se que, após aproximadamente 20 minutos, o desempenho
do sujeito passa por um máximo, estabilizando-se logo em seguida num valor
ligeiramente inferior. Quanto mais simples é a tarefa, mais rapidamente é atingido o
máximo, e menor será o nível de desempenho médio estabilizado que ocorre em
seguida. No entanto, este resultado não pode ser generalizado para todas as tarefas que
envolvem vigilância. Pois, quando estão envolvidos vários estímulos e respostas
diferentes, a queda de desempenho não ocorre após ter sido atingido um desempenho
máximo.
Outros estudos mostram que a vigilância muda com o estado de excitação do sujeito. Se
o sujeito ouve, por exemplo, um sinal acústico, um pouco antes do estímulo visual que
deve detectar, seu desempenho será significativamente melhor. O desempenho atingirá o
máximo se o estímulo de “aviso” ou de excitação for apresentado entre 200 a 500 m
antes do estímulo a ser detectado. Isto demonstra que a atenção é máxima dado um certo
grau de excitação do organismo. Este fato levou à formulação da lei de Yerkes-Dodson,
que estipula que o desempenho tem uma relação de Uinvertido com o nível de excitação
do sujeito, conforme é esquematizado na figura 3.1.
3.2. Atenção seletiva
Como já foi dito no item anterior, é difícil prestar atenção a um grande número de
estímulos simultaneamente. Apesar disto, podemos, na maioria das vezes, escolher
prontamente a que nós queremos prestar atenção. A isto chamamos de atenção seletiva.
Na visão, a seleção se dá, basicamente, através do posicionamento de nossos olhos, quer
pela orientação de nosso corpo ou cabeça, quer pelo direcionamento direto de nossos
olhos. Em geral, prestamos atenção àque 60
61
Nivel de excitação
Figura 3.1. O desempenho numa tarefa perceptiva aumenta com o nível de excitação
geral até atingir um máximo. Com níveis de excitação ainda maiores, o desempenho
decresce. Esta relação é conhecida como Lei de Yerkes-Dodson.
c
e
o.
E
e
e
e
• • • •
• • • .
• • • •
• • • •
• • •
• • •
•
• •
• •
• •
•
•
f e d c b a.
62
63
3.3. Tente sobrepor as duas partes da figura forçando seus olhos. Provavelmente você
não verá uma imagem fundida formada pela sobreposição das linhas horizontais e
verticais, mas sim a alternância entre os dois padrões. Isto ocorre pelo fato de os dois
padrões serem incompatíveis para uma fusão binocular.
postos frontalmente como nos seres humanos, a percepção de imagens completamente
diversas é constante. Certamente, seu sistema visual está programado para extrair
informações desta situação.
Já na audição, a situação é totalmente outra: apesar de igual integração entre os
estímulos recebidos em cada um dos ouvidos, essa integração é importante para indicar
a direção da origem do estímulo acústico. Assim, numa situação de estimulação
dicótica, isto é, estímulos diferentes em cada ouvido, o sujeito saberá relatar a
informação fornecida a cada ouvido separadamente. Além disso, poderá concentrar-se,
isto é, prestar atenção à estimulação recebida em cada ouvido separadamente. Uma
função primordial do sistema auditivo é separar a informação que atinge os dois
ouvidos. Isto ocorre graças a um processo de inibição de um ouvido sobre o outro,
processo que é hoje amplamente conhecido.
Uma série de experimentos empregando estimulação dicótica mostrou ser mais difícil
prestar atenção a uma seqüência de estímulos apresentada, alternadamente, a cada um
dos ouvidos, do que se toda ela fosse apresentada a um só. A função biológica desta
nossa capacidade de prestar atenção à informação proveniente de um só ouvido é
exatamente proporcionar-nos a opção de prestar atenção a estímulos provenientes de
uma fonte localizada, em detrimento de outros estímulos. Este é o conhecido fenômeno
da “reunião social” (cocktail-party problem). Numa reunião
64
65
social, podemos estar atentos à conversa de uma pessoa, apesar de inúmeras outras
falarem ao mesmo tempo, inclusive gritando ou falando muito mais próximas de nós.
Podemos também alterar nosso foco de atenção quantas vezes quisermos, apesar da
diversa localização da fonte, onde os estímulos tiveram origem. Este é o fator principal.
Outros, porém, também influenciam nosso comportamento de prestar atenção a estes
estímulos. Dentre eles, podemos destacar: o timbre (se é uma voz feminina ou
masculina) e o conteúdo (acompanhamos o conteúdo lógico do que está sendo dito).
O fato de o timbre influenciar a focalização da nossa atenção auditiva é claramente
demonstrado quando ouvimos uma orquestra ou uma banda de “rock”: podemos prestar
atenção, por exemplo, somente ao som do piano ou da guitarra elétrica, apesar da
execução dos instrumentos de corda ou da marcação da bateria. Numa orquestra, todos
os sons vêm aproximadamente do mesmo lugar; isto se torna mais evidente ainda num
toca- discos: todos os sons saem de um único alto-falante. Mesmo assim, podemos
prestar atenção unicamente ao piano ou à guitarra, guiados pelo seu timbre. De todos os
experimentos que utilizam a situação da “reunião social”, fica claro que o participante
consegue prestar atenção a uma “conversa” definida. Ao mesmo tempo, perde quase
toda informação das conversas paralelas. O curioso é que, no entanto, nem toda
informação das conversas paralelas é perdida: se, repentinamente, for dito o nome do
participante ou alguma outra palavra “especial” (o nome de uma pessoa que ele conheça
e na qual esteja especialmente interessado, um “palavrão” ou então um termo de seu
esporte preferido), ele toma consciência disto. Eventualmente, pode alterar seu foco de
atenção. Portanto, alguma informação das outras conversas é captada, mas não levada à
consciência, a menos que tenha um conteúdo especial (“interessante”).
Todo este sistema de atenção parece ter um significado muito grande para a
sobrevivência. Consideramos, por exemplo, um animal selvagem na floresta, à escuta:
ele precisa ter a capacidade de dirigir sua atenção auditiva aos ruídos do predador que se
aproxima, localizá-los espacialmente e acompanhar cada um destes ruídos. Mas, ao
mesmo tempo, precisa “desligar-se” dos inúmeros ruídos “normais” de uma floresta,
como aqueles provocados pelo vento nos galhos das árvores ou pelas águas do riacho. A
não ser que, repentinamente, outro ruído “especial” denote a presença de outro
predador, que agora deverá tornar-se o centro da sua atenção.
66
67
Figura 4.1. Existem dois tipos de fontes luminosas: fontes emissoras e fontes refletoras.
Fontes emissoras como o Sol, lâmpadas, fogo e vaga-lumes emitem sua própria luz. Sua
intensidade é medida em termos de iluminância. Fontes refletoras são todas as
superfícies capazes de refletir total Ou parcialmente a luz que sobre elas incide. Sua
intensidade é medida em termos de luminância. Esta depende tanto da intensidade da
luz incidente quanto da proporção de luz que é refletida pelo objeto.
Para estudar esta relação, geralmente são necessários experimentos que permitam um
controle rigoroso de todas as variáveis que participam desta capacidade perceptual. A
maioria dos experimentos feitos para estudar a percepção de brilho ou luminosidade ou
a constância de brilho ou luminosidade (esta e outras constâncias serão estudadas no
capítulo 8) obedece a um esquema básico que consiste em apresentar ao sujeito um
estímulo visual padrão de um determinado tom de cinza, isto é, deter-
Fonte emissora
Fonte refletora
68
69
Figura 4.2. Mudanças na percepção de brilho. Olhe para a página deste livro (a). Cubra
um olho com a lente de uns óculos escuros (b) e continue a leitura da página com os
dois olhos abertos. Você notará que a página parece mais escura. Agora retire os óculos
(e) e continue a leitura; você notará que a página parece mais clara ou mais brilhante.
Cubra novamente um olho com a lente dos óculos (d) e você verificará que novamente a
página parece mais escura. Deixe os óculos onde estão, e a seguir, com auxílio da sua
mão, cubra completamente o olho diante do qual se encontram os óculos escuros (e).
Apesar da menor quantidade de luz que chega a seus olhos (um está coberto), a página
parecerá mais clara. Retirando a sua (f) mão, você verificará que esta página do livro
parecerá mais escura apesar do aumento na quantidade total de luz que penetra seus
olhos.
minada luminosidade, e pedir que o compare com um conjunto de outros estímulos
visuais de comparação, que podem variar desde o branco até o preto, passando por todos
os tons de cinza intermediários da escala acromática. Trata-se de uma tarefa
relativamente simples quando a iluminação é a mesma para os dois tipos de estímulos
visuais, pois todos os sujei-
Vejamos agora como se procede para executar um experimento cujo principal objetivo é
estudar a percepção de luminosidade ou brilho.
No nosso ambiente normal, a mesma iluminação que atinge o objeto também incide
sobre o ambiente no qual este objeto se encontra inserido. Da comparação entre a
quantidade de luz refletida de cada objeto (“figura”) e aquela refletida pelo ambiente
(“fundo”) no qual se encontram, o sujeito pode extrair informações adicionais sobre o
objeto, isto é, seu albedo. O fundo desempenha o importante papel de referência, e isto
foi demonstrado em experimentos nos quais os sujeitos eram convidados a comparar o
estímulo padrão com os diversos estímulos de comparação sem que pudessem ver o
fundo, isto é, o ambiente no qual os estímulos se encontravam. Isto foi possível,
colocando entre o sujeito e a situação de estímulos um anteparo, ou tela de redução, que
obriga o sujeito a olhar para os estímulos através de um minúsculo orifício por onde
podia avistar apenas os estímulos (fig. 4.3). Nesta situação experimental, o julgamento
das pessoas foi feito levando em consideração a quantidade de luz refletida dos
estímulos e não seu albedo. Quando a tela era retirada, a percepção de brilho era
novamente quase perfeita.
Diante destes resultados experimentais surge a pergunta a respeito do papel da
aprendizagem nesta capacidade perceptiva. Um levantamento criterioso dos principais
experimentos realizados com o objetivo de verificar a influência da aprendizagem sobre
a percepção de luminosidade mostra que, aparentemente, trata-se de uma capacidade
perceptiva inata, que pouco
-‘
/
/\\
70
71
Conceitos Comentários
Figura 4.3. Ilustração esquemática de uma situação experimental, vista de cima, a) Sem
tela de redução (anteparo). b) Com tela de redução (anteparo). A: disco giratório branco;
B: discos giratórios branco e preto superpostos que permitem obtenção de diversos tons
de cinza para escolha daquele que parece igual ao disco A; TR: tela de redução; O:
observador; J:
janela.
depende da aprendizagem para ser aprimorada. De um ponto de vista ontogenético,
verifica-se que a percepção de luminosidade em crianças é muito semelhante à dos
adultos. Filogeneticamente, experimentos feitos com peixes, pintainhos e macacos
mostraram que a percepção de luminosidade nestes animais, como no ser humano,
também depende do albedo dos objetos. Estes resultados são muito convincentes nos
estudos feitos com pintainhos, animais que logo após a eclosão já possuem
comportamentos muito elaborados, como, por exemplo, sair em busca de alimento e
preferir bicar grãos claros. Estes animais foram criados em completa escuridão até
atingirem uma determinada idade e, em seguida, foram testados com grãos claros em
ambientes de pouca luminosidade e grãos escuros em ambientes fortemente iluminados.
Em todos os testes a que foram submetidos preferiram sempre os grãos claros,
demonstrando que possuíam uma capacidade inata de perceber a luminosidade do seu
alimento preferido.
Para evitar a interferência de pequenas manchas e marcas que porventura possam existir
sobre as superfícies dos papéis de várias tonalidades de cinza utilizados nos
experimentos a respeito de percepção de brilho, alguns pesci’i.,adores preferem
empregar um disco giratório que pode ser submetido a altas rotações e assim
proporcionar um estímulo visualmente homogêneo. Em 1929, Gelb fez um experimento
empregando este tipo de equipamento. Utilizou um disco completamente preto, sub-
metido a alta rotação, e iluminado por uma lâmpada, de tal forma que nenhuma outra
parte do ambiente, ou do fundo, pudesse beneficiar-se da iluminação proporcionada por
esta fonte luminosa. Os sujeitos eram convidados a se sentar bem em frente ao disco e a
responder a uma única pergunta: “Qual é a cor do disco?” Os sujeitos foram unânimes.
Todos responderam que sem sombra de dúvida o disco era branco. No entanto, quando
Gelb pegava um pequeno pedaço de papel branco e o segurava por alguns segundos na
frente do disco, os sujeitos, muito surpreendidos com o que viam, corrigiam-se
imediatamente afirmando que haviam se enganado; tinham absoluta certeza de que o
disco era preto. Quando Gelb retirava o pedaço de papel branco, afirmavam que não
sabiam muito bem o que estava acontecendo, mas estavam certos de que o disco voltara
à sua cor branca inicial. Todos os sujeitos foram incapazes de perceber a verdadeira cor
do disco, isto é, preta, na ausência do papel branco, ou seja sem um estímulo de
comparação. Não importa quantas vezes GeIb repetisse as duas situações experimentais,
os sujeitos não conseguiram aprender a perceber a luminosidade do disco preto
corretamente.
Outros estudos, feitos com crianças de diferentes idades e adultos, mostram que, se
houver alguma aprendizagem de percepção de luminosidade durante o desenvolvimento
do ser humano, ela está completa aos sete anos de idade. E importante ressaltar que o
mesmo não acontece com outras capacidades perceptivas, como, por exemplo, a
percepção de tamanho e sobretudo a percepção de forma, na qual a aprendizagem
desempenha um papel importantíssimo como veremos nos capítulos seguintes.
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72
73
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Percepção da cor
Antigamente, na época em que nossas bisavós criaram nossas avós, acreditava-se que o
bebê, ao nascer, era quase incapaz de ver. Supunha-se que o recém-nascido não
reconhecia fisionomias, tampouco distinguia formas e cores. Hoje em dia, em
conseqüência das pesquisas realizadas na área da psicologia do desenvolvimento
infantil, os conhecimentos a respeito das capacidades perceptivas do ser humano por
ocasião do seu nascimento estão mudando.
O trabalho realizado por inúmeros cientistas interessados no assunto mostra que, apesar
da acentuada imaturidade e do prolongado período de dependência pós-natal, o bebê
vem ao mundo bem mais preparado para perceber o que acontece ao seu redor do que
nossas bisavós, provavelmente, estariam propensas a acreditar. No capítulo 15 o
desenvolvimento perceptivo será discutido detalhadamente, mas podemos adiantar que
dentre os principais resultados experimentais encontram-se as demonstrações de que
nossa capacidade de perceber distância, profundidade, fisionomia e cor pode ser
verificada logo após o nascimento.
No princípio do século passado, Purkinje mostrou que nossa sensibilidade às cores se
modifica quando passamos do escuro para a claridade ou vice-versa. Na lâmina 5.1,
encontram-se as curvas obtidas nestas duas situações. Elas mostram que, no escuro
(visão escotópica), o olho é mais sensível aos verdes (devido à maior sensibilidade dos
bastonetes) e, no claro (visão fotópica), o olho é mais sensível ao amarelo (devido à
maior sensibilidade dos cones). Esta sensibilidade é conhecida como Efeito de Purkinje.
A percepção das cores foi alvo da atenção e curiosidade de numerosos estudiosos, que
em diferentes épocas da história da humanidade tentaram explicá-la. Seus esforços
resultaram na elaboração de teorias, algumas
das quais nos acompanham até hoje. Poetas, como Goethe, e físicos, como Newton,
emitiram suas opiniões a respeito da visão de cores. Após a descoberta, em 1666, de que
a luz solar, que é branca, na realidade é composta por todas as cores do espectro visível,
o próprio Isaac Newton formulou algumas das primeiras hipóteses segundo as quais
haveria no olho humano um receptor para cada cor. As contribuições mais valiosas
partiram, no entanto, de fisiólogos como Thomas Young, Hermann von Helmholtz e
Ewald Hering, autores das duas principais teorias sobre visão de cores.
A primeira, teoria de Young-Helmholtz, também conhecida como teoria tricromática ou
teoria componente, explica de forma satisfatória os resultados experimentais obtidos em
pesquisas que tinham como principal objetivo desvendar o papel dos receptores do olho.
A segunda teoria, de Hering, denominada teoria oponente, explica muito bem os
resultados experimentais obtidos em pesquisas que tomam como indicadores respostas
envolvendo atividade neural além do nível dos receptores propriamente ditos.
5.1. Teoria tricromática, componente ou de Young-Helmholtz
Segundo a teoria tricromática (Young-Helmholtz), não precisaríamos de um receptor
para cada cor, como havia sugerido Newton; apenas três tipos de receptores seriam
suficientes para o ser humano perceber todas as cores do espectro visível, desde o
violeta até o vermelho. Thomaz Young e Hermann von Helmholtz chegaram a esta
conclusão a partir de um conjunto de experimentos de percepção visual criteriosamente
controlados, com os quais conseguiram demonstrar que, misturando luzes de apenas três
cores (azul, verde e vermelho), as pessoas relatavam ver todas as cores do espectro.
Diante disto, desenvolveram a teoria segundo a qual o ser humanos deveria possuir três
tipos diferentes de fotorreceptores: especializados em luzes de comprimentos de onda
curtos, como o azul, intermediários, como o verde, e especializados em luzes de
comprimentos de onda longos, como o vermelho.
Somente um século e meio depois, em 1964, foram publicados os primeiros resultados
experimentais obtidos com receptores da fóvea (cones) de retinas humanas, por duas
equipes de pesquisadores norte-americanos:
a primeira formada por MacNichol, Marks e Dobelle (fig. 5.1), a segunda, por Brown e
Wald. De acordo com estes autores, os cones sensíveis ao azul possuem uma substância
fotossensível denominada cianolábio (ciano em grego quer dizer azul), nos cones
sensíveis ao verde há uma substância denominada clorolábio e nos cones sensíveis ao
vermelho encontra-se uma substância denominada eritrolábio (“cloro” e “entro” são
prefixos de origem grega que significam verde e vermelho, respectivamente). Estas
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pesquisas relatam apenas três tipos de cone, não sendo encontrados cones sensíveis às
cores intermediárias, como cor de jerimum (cor de laranja) ou azul-piscina. Como então
somos capazes de perceber todas as demais cores?
Se você observar atentamente os resultados reproduzidos na figura 5.1 e na lâmina 5.2,
verificará que na realidade existem três tipos de cones que absorvem
“preferencialmente” luzes de uma determinada cor (comprimento de onda). Por
exemplo, o cone especializado em azul absorve preferencialmente luzes de 450 nm, e
absorve com eficiência cada vez menor luzes cujos comprimentos de onda se afastam
deste valor, isto é, luzes cada vez mais violáceas (comprimentos de onda mais curtos)
ou mais esverdeadas (comprimentos de onda mais longos). Isto quer dizer que os
comprimentos de onda intermediários também são absorvidos por estes três tipos de
receptores, só que menos prontamente, pois precisam de intensidades maiores para
produzir o mesmo efeito neural.
Figura 5.]. Absorção espectral (ou sensibilidade espectral) de cones em retinas de seres
humanos (parênteses abertos) e macacos (números). Os resultados foram obtidos através
da microespectrofotometria e mostram que, apesar de serem projetadosf!ashes de luz de
quase todas as cores (comprimentos de onda) do espectro visível, os cones absorvem
preferencial- mente três cores (Azul - 445 nm; Verde - 535 nm; Vermelho - 570 nm).
Verificou-se também que cada um dos cones estudados absorvia preferencialmente
apenas uma destas três cores (comprimentos de onda), o que prova a existência de
apenas três tipos de cores na retina. Luzes de cores intermediárias são absorvidas menos
prontamente por um (ou mais) destes três receptores. Isto pode ser visto pela forma
característica das curvas e pela considerável superposição de algumas delas. Baseado
em dados de Marks ei ah, 1964 (no livro de Alpern, 1971) e MacNichol, 1964 (no livro
de Robinson, 1977).
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50 -
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76
77
Figura .5.2. Respostas de uma única célula nervosa do cérebro (núcleo geniculado
lateral) de um macaco. Estas respostas foram obtidas inserindo-se um minúsculo
microeletrodo no neurônio, enquanto o animal anestesiado recebia, através dos olhos
mantidos abertos, os estímulos visuais de diferentes cores. E fácil observar que os
registros correspondem a uma célula de atividade oponente do sistema vermelho-verde.
Trata-se de um neurônio cuja atividade espontânea (no escuro) é de aproximadamente 6
ou 7 impulsos. No entanto, quando o olho é estimulado com luz vermelha (633 nm) sua
atividade aumenta, chegando a dobrar o número de impulsos nervosos. Por outro lado,
diante de estimulação com luz verde (533 nm), sua atividade diminui drasticamente,
chegando a uma inibição quase total.
quando, uma luz verde (533 nm) incide sobre o olho do macaco, acontece exatamente o
contrário: as descargas do neurônio cessam quase que completamente, isto é, ocorre
uma inibição da atividade eletro fisiológica da célula nervosa, O mesmo tipo de registro
foi encontrado para células com atividade oponente para azul-amarelo.
Comprimento
Cor de onda nm Luz acesa Escuro
1 III Ii
465
480
Verde 533
563
586
603
Vermelho 633
667
706
78
79
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1 1 II 1111111 II J II a
1 III iii 1111 a 1 III L_
ii - ii iii 1 ii__i__I_.
11 —-
81
los de cores diferentes, foi possível determinar que distinguem as diferentes cores e têm
preferências bem determinadas, pois passam mais tempo olhando para as cores de
comprimento de onda longo, isto é, as chamadas cores quentes. Por meio da
eletroencefalografia (potenciais evocados), é possível registrar a atividade de uma dada
região do cérebro. Assim, quando o olho de um ser humano adulto é estimulado
sucessivamente com numerosos estímulos visuais, cada um de uma cor, observa-se uma
resposta característica na região do córtex occipital (área sensorial primária da visão).
Quando se faz o mesmo tipo de registro com bebês recém-nascidos, obtém-se,
aproximadamente, o mesmo tipo de resultado, indicando que a estrutura neural da visão
de cores, aparentemente, já está pronta quando nascemos. Significa que não precisamos
aprender a discriminar as cores. O que aprendemos, mais tarde, é denominar as cores de
acordo com os padrões da nossa cultura. Desta forma, um esquimó tem cerca de 10
nomes distintos para diferentes tonalidades de branco, que nós brasileiros aglomeramos
entre o “branco” e o “gelo”. Para descrever tonalidades intermediárias, recorremos a
adjetivos, sufixos e outros artifícios de linguagem, a fim de poder transmitir a nossa
percepção: falamos de um branco “sujinho” ou de um gelo “claro” ou “muito clarínho”.
Para o ouvinte, obviamente, estas explicações .nem sempre serão muito úteis.
Pense, por um momento, na seguinte afirmação: “ a arara é azul”. Quando fazemos
declarações deste gênero a respeito das cores dos objetos que se encontram em nosso
ambiente, não temos consciência de que na realidade ocorre uma série de coisas muito
interessantes entre a luz do Sol (que é branca, portanto, composta de todos os
comprimentos de onda do espectro visível) que incide sobre as penas da arara, a luz que
é refletida da superfície do corpo da ave e a minha afirmação de que o animal “é azul”.
Na realidade, o que se verifica é que, de todos os comprimentos de onda que incidem
sobre as penas da arara, todas as cores são absorvidas pelas penas, exceto a cor azul, que
é refletida e atinge minha retina quando observo o animal. Quando misturamos nossas
tintas para pintar, estamos misturando diversos pigmentos que têm a capacidade de
absorver uma parte das luzes do espectro e refletir outras. Já vimos que misturando três
cores de luzes — azul, verde e vermelha — obtém-se uma luz branca (lâmina 5.3a). O
mesmo não acontece, porém, se misturarmos nossas tintas azul, amarela e vermelha,
porque desta vez estamos misturando substâncias químicas (pigmentos) que têm
propriedades próprias, e o resultado será uma tinta de cor preta. Estas três (azul, amarelo
e vermelho) são as cores primárias (lâmina 5.3b). Para obter uma tinta de cor branca,
precisamos de um pigmento que tenha a capacidade de refletir todos (ou quase todos) os
comprimentos de onda da luz solar. A cor que percebemos como preta é precisamente a
quase ausência de luz refletida da superfície de um objeto.
Vamos refletir a respeito dos termos empregados para designar as cores. Percebemos de
imediato que temos apenas quatro termos básicos: vermelho, amarelo, verde e azul.
Temos ainda dois termos relativamente distintos: marrom e violeta. Existem algumas
cores que são designadas pela combinação dos termos acima mencionados, como, por
exemplo, azul-esverdeado, verde-azulado, amarelo-esverdeado e assim por diante. Um
grande número de matizes são descritos através da comparação com objetos
característicos, como, por exemplo: azul-celeste, verde-garrafa, amarelo-ouro,
vermelho-tijolo e cor de areia. Deve-se ter em mente, porém, que este tipo de
designação não está completamente livre de ambigüidades, pois os “objetos
característicos” podem ser incomuns, não existir ou apresentar coloração diferente em
diferentes regiões geográficas. A designação “cor de laranja”, usual nos Estados do sul
do Brasil é freqüentemente substituída por “cor de jerimum” no nordeste, pois nesta
região as laranjas, além de menos freqüentes, têm usualmente uma coloração amarelo-
esverdeada.
Por outro lado, dar nomes cientificamente corretos às cores sempre foi um problema
difícil, e dentre as propostas mais importantes para uma solução encontra-se a sugestão
dada em 1915 por um retratista americano de nome Albert Munseli. Ele criou um
sistema de representação tridimensional de cores que permite incorporar as variáveis
brilho, matiz e saturação. O brilho refere-se à intensidade de cor. O matiz refere-se ao
comprimento de onda e é a característica do estímulo que percebemos como cor; a
saturação refere-se à pureza da cor. Tomemos o cor-de-rosa como exemplo: vermelho e
cor-de-rosa têm o mesmo matiz, isto é, a mesma cor, o que os distingue é sua saturação,
pois o cor-de-rosa é um vermelho diluído. O sólido elaborado por Munsell assemelha-se
a uma laranja de 20 gomos, na qual cada gomo é reservado para uma determinada cor
que pode variar de saturação, dependendo da distância a que ela se encontra do eixo
central onde se concentram os tons mais acinzentados (menos saturados). Variações no
brilho, que é outra variável das cores, são ordenadas de baixo para cima em cada gomo
e dependem da quantidade de branco ou preto que foi adicionado à cor.
Aproximadamente a mesma representação foi adotada por Geldard quando elaborou o
fuso de cor mostrado na figura 5.3. Na lâmina 5.4, encontra-se um círculo de cores, ou
círculo cromático, contendo as cores do espectro solar e a púrpura, que não faz parte
deste espectro.
5.5. “Ver cores com as mãos” — Uma capacidade extra-sensorial?
Depois que duas repórteres americanas divulgaram o caso de uma camponesa russa que
era capaz de discriminar cores com as mãos, verificou- se que muitas pessoas possuíam
esta mesma capacidade, para a qual não
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Verde
Figura 5.3. Uma forma simples do fuso de cor. A dimensão de brilho é representada
pelo eixo vertical, que vai do branco ao preto, passado por todos os cinzas
discrimináveis. A saturação da cor é representada pelo raio do círculo central e seu
perímetro representa o matiz. E no perímetro do fuso que se encontram todos os
comprimentos de onda do espectro visível (cores), bem como as púrpuras que são cores
não espectrais resultantes da mistura de cores das extremidades do espectro (violeta e
vermelho). Trata-se, portanto, de cores que não são monocromáticas.
teloso conseguiu demonstrar que não se tratava de poderes misteriosos que estas pessoas
possuíam. Seu primeiro cuidado foi medir a quantidade de calor que era absorvida ou
refletida de superfícies de diferentes cores. A seguir, comparou estas medidas com os
limiares diferenciais para temperatura e descobriu que a diferença entre a quantidade de
calor refletida por uma superfície vermelha e uma superfície azul é muito maior que o
limiar diferencial médio para temperatura do ser humano. Isto é, os receptores de
temperatura da palma da mão têm sensibilidade suficiente para perceber o calor
refletido pelos objetos. Depois que foram demonstradas as propriedades do sistema
sensorial envolvido, o assunto passou da percepção extra-sensorial para a percepção
sensorial.
havia uma explicação. Não se encontrava na pele destas pessoas nada que
Branco
Preto
.
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85
6
Percepção de espaço, distância, profundidade e tamanho
O espaço que nos cerca e os objetos nele contidos podem ser percebidos através de
várias modalidades sensoriais. Por exemplo, você está lendo uma revista em seu quarto.
De repente, ouve o choro de um bebê. O choro persiste. Você resolve ir até o berço
instalado em outro quarto para ver o que aconteceu. Lá, você se depara com uma
pequena criatura muito infeliz, que rapidamente se aloja em seus braços. Por meio da
visão você pode comparar o bebê com o tamanho do berço e o comprimento de seus
braços. Desta forma, avalia corretamente o tamanho do rebento. O corpo do bebê exerce
pressão sobre a pele de seus braços e, para mantê-lo aconchegado em seu colo, os
músculos dos seus braços se contraem. Esta pressão e contração fornecem informações
adicionais a respeito do peso e tamanho do pequeno chorão. Ao afagá-lo, você sente a
maciez da sua pele e verifica que sua temperatura está normal. Ao beijar-lhe a cabeça,
sente aquele cheirinho característico de bebê novo.
Neste exemplo, as informações foram captadas e transduzidas por, pelo menos, quatro
modalidades sensoriais: audição, visão, tato e olfato. Pela audição você tomou
conhecimento da presença do bebê chorão. A intensidade do som permitiu avaliar a
distância a que se encontrava, isto é, se estava dentro da casa, no quintal ou no vízinho.
A direção do som, por sua vez, forneceu informações sobre o local da residência em que
o bebê se encontrava. Através destas informações auditivas, você foi capaz de
identificar, com precjsão, uma parte do espaço ao seu redor. Avaliou alguns dos
elementos nele contidos como, por exemplo, o local e a distância a que se encontrava a
fonte sonora, e então deu início a uma seqüência de comportamentos que culminaram
com a sua presença diante do berço. Através da visão, olfato e tato você pôde coletar
mais informações a respeito do estado físico e emocional do bebê: não estava ferido
(visão), não
havia vomitado (visão e olfato), não estava molhado (visão, tato e olfato)
e não estava com febre (tato). Suas conclusões seriam bem diferentes se
o bebê fosse membro da família dos seus vizinhos e estivesse acomodado
na casa adjacente à sua. Nestas circunstâncias, as informações seriam, provavelmente,
apenas auditivas.
Freqüentemente, procuramos enriquecer nossas informações a respeito de objetos que
nos cercam estimulando, adequadamente, o maior número possível de orgãos sensoriais.
Há pessoas que, ao comprar arroz e feijão, no mercado ou na feira, não se contentam em
olhar o produto. Antes de escolher o “melhor”, pegam os grãos na mão e os examinam
com o tato, para verificar a sua consistência. Muitos dão uma cheiradinha; outros, no
entanto, só conseguem decidir-se depois de morder um grão. Neste capítulo,
analisaremos separadamente a percepção visual, auditiva, tátil e olfativa do espaço. E
preciso lembrar, no entanto que, em nosso dia-a-dia, todos os órgãos dos sentidos estão
simultânea e constantemente fornecendo um rico e complexo conjunto de informações a
respeito do espaço que nos cerca, bem como do tamanho e distância das coisas nele
contidas e, obviamente, de seu significado.
6.1. Percepção visual do espaço
Para compreender melhor os aspectos visuais da percepção espacial, podemos iniciar
nosso estudo com situações mais simples. Dediquemos nossa atenção a apenas duas
dimensões do espaço: a verticalidade (para cima — para baixo) e a horizontalidade
(esquerda — direita). O exame destes aspectos bídimensionais do espaço permite
avaliar a largura, altura, forma e tamanho de figuras e objetos. O ser humano, no
entanto, vive em um mundo tridimensional, onde a percepção da espessura ou
profundidade dos objetos e a distância que deles nos separa também é fundamental.
Veremos mais adiante a delicada relação entre a percepção visual do espaço bi e
tridimensal, a percepção da contração e relaxamento de nossos músculos e a percepção
do equilíbrio de nosso corpo.
6.1.1. Percepção do espaço bidimensional
De 1930 a 1960, Witkin e outros pesquisadores realizaram uma série de experimentos
que consistiam, basicamente, em pedir às pessoas que colocassem uma haste na posição
vertical. A princípio, isto parecia muito simples. Mas começou a ganhar complexidade à
medida que novas condições experimentais foram sendo investigadas. Por exemplo: a
presença ou
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ausência de outros estímulos visuais além da haste vertical; a orientação espacial destes,
como paredes e molduras verticais ou inclinadas; a variação das condições posturais,
acomodando os sujeitos em cadeiras inclinadas; a alteração da estimulação
proprioceptiva, pela força centrífuga e gravitacional resultante da rotação do cubículo
em que o sujeito se encontrava. Estes experimentos mostraram que nossa percepção de
verticalidade e horizontalidade (espaço bidimensional) é resultante da interação entre
fatores visuais e proprioceptivos.
Os indícios visuais são predominantes. Porém, à medida que são removidos, a
percepção do espaço bidimensional passa a depender, cada vez mais, da estimulação
proprioceptiva resultante da contração dos músculos e do equilíbrio ou desequilíbrio do
corpo. E mais ou menos como diz o velho ditado “quem não tem cão, caça com gato”.
Um resultado adicional, encontrado nestas pesquisas sobre percepção do espaço,
mostrou uma relação entre características de personalidade e a maior ou menor
dependência de indícios visuais ou proprioceptivos. Pessoas extrovertidas tendem a
basear-se mais em indícios externos fornecidos pela visão, para colocar a haste na
posição vertical. Pessoas introvertidas utilizam, predominantemente, indícios fornecidos
pelo próprio corpo, através das sensações proprioceptivas.
A contribuição dos indícios proprioceptivos torna-se evidente quando tentamos nos
locomover num recinto completamente escuro. Apalpando aqui e ali, conseguimos
recolocar em sua posição vertical correta móveis e objetos derrubados, tendo como
único ponto de referência nossa própria postura e sensação de equilíbrio. Se você quiser
testar sua capacidade de perceber a verticalidade de objetos, experimente, com os olhos
venda- dos, recolocar na posição vertical um quadro anteriormente desalinhado na
parede. A incrível interação entre indícios visuais e proprioceptivos pode ser avaliada
nos relatos de pessoas que foram submetidas à gravidade próxima de zero, isto é,
ficaram sem peso como os astronautas no espaço. A princípio, elas têm dificuldades de
orientar-se, mas acabam se adaptando a um ambiente no qual tudo flutua.
Documentários filmados durante os vôos espaciais e a caminhada dos astronautas na
Lua mostram claramente esta capacidade de adaptação.
Nervo óptico
Tróclea
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89
1
b
Você já pensou como deve ser o mundo visual das galinhas? Cavalos e algumas espécies
de aves e peixes possuem olhos voltados para duas regiões completamente diferentes do
ambiente. Disto resultam duas imagens retinianas bem distintas. Elas têm em comum
apenas uma pequena parte do campo visual situada bem à sua frente. No ser humano, no
entanto,
os olhos estão na frente da cabeça, ambos voltados para o mesmo campo visual. A
distância relativamente pequena (aproximadamente 6,5 cm) entre as duas pupilas dá
origem a duas imagens retinianas levemente discrepantes. Para avaliar a magnitude das
diferenças, faça a seguinte tentativa:
pegue um lápis, feche um olho, e com o outro olhe para um objeto a uma certa distância,
como um quadro na parede, por exemplo. A seguir estenda seu braço. Tente alinhar o
lápis, de tal forma que ele cubra uma parte específica do quadro. Permaneça imóvel
nesta posição. Agora, feche o olho que estava aberto e abra aquele que estava fechado.
O que acontece? Parece que o lápis mudou de posição em relação ao quadro, o que não
é verdade, pois o seu braço permanece firme e imóvel no mesmo lugar. Comece a
piscar, fechando e abrindo os olhos alternadamente. Você verá o lápis “pulando” de um
lado para o outro. Isto ocorre porque cada olho recebe uma imagem um pouco diferente
dos mesmos objetos, isto é, há uma discrepância entre as duas imagens. Esta
discrepância é conhecida como disparidade bin ocular, disparidade retiniana ou
estereopsia. E precisamente da desigualdade das imagens projetadas nos dois olhos que
o cérebro extrai a informação sobre a que distância o objeto se encontra do obser
Acomodaçã
para longe
ciliar
90
91
(‘/:
dq,o
vador. Isto pode ser comprovado com o auxílio de aparelhos conhecidos como
estereoscópios. O efeito é obtido tirando-se duas fotos do mesmo objeto, no mesmo
momento, com duas máquinas fotográficas colocadas a 6,5 cm uma da outra, ou seja, à
mesma distância de um olho para o outro. As duas fotos levemente desiguais são
colocadas no estereoscópio, que projeta imagens separadas e diferentes em cada olho.
Portanto, o observador encontra-se numa situação semelhante àquela verificada durante
a visão normal. Da diferença entre a estimulação, resulta a impressão de profundidade.
6.1.2.3. Indícios monoculares
Além dos indícios musculares e binoculares, há uma série de outros que permitem a
percepção de espaço quando a observação é feita com um olho apenas. Os denominados
indícios monoculares são comumente utilizados quando se deseja criar a percepção de
espaço em fotografias, desenhos e pinturas. O cinema e a televisão, que nada mais são
do que a projeção de imagens em telas, recorrem a estes recursos com muita freqüência.
E difícil imaginar que, em outras eras da civilização ocidental, os artistas não tivessem
conhecimento de muitas normas hoje consideradas elementares. L.eonardo Da Vinci
(1452-1519), durante o Renascimento, foi responsável pela primeira descrição detalhada
da perspectiva, um dos indícios monoculares de distância. Dentre os vários indícios
monoculares, destacaremos alguns, como: tamanho relativo dos objetos, perspectiva
linear, gradiente de textura e densidade, superposição ou interposição, luz e sombra,
perspectiva aérea e paralaxe de movimento (fig. 6.4).
Figura 6.4. Alguns dos principais indícios monoculares de distâncias. Tamanho
relativo: objetos de mesmo tamanho colocados a diferentes distâncias projetam imagens
de diferentes tamanhos sobre a retina - os próximos produzem imagens grandes e os
distantes, imagens pequenas. Isto é, o tamanho relativo da imagem retiniana pode
proporcionar informações sobre a distância a que o objeto se encontra. Uma imagem
pequena pode significar um objeto grande distante ou um objeto pequeno próximo.
Perspectiva linear: paralelas sâo retas que nâo se encontram. Porém, os trilhos da
ferrovia e as marcas dos pneus na auto-estrada parecem convergir à distância no
horizonte. Esta convergência aparente de paralelas é um dos sinais dos quais nosso
cérebro extrai informações a respeito da distância. Gradiente de textura: sempre que
nos deparamos com numerosos elementos semelhantes formando uma superfície como
ladrilhos, tacos ou pedras no chão, aqueles que estão próximos projetam imagens
retinianas maiores que os distantes. Esta diferença progressiva das imagens retinha- nas
proporciona um gradiente de textura no qual os elementos distantes parecem
gradativamente menores e mais numerosos. Superposição: dados dois objetos, se um
oculta parcial- mente o outro, este é percebido como estando mais próximo. Luz e
sombra: a maioria das fontes luminosas encontra-se no alto conferindo um conjunto
característico de luz e sombras ao ambiente. Em geral a parte superior dos objetos é
mais brilhante, havendo sombra na parte inferior. Se você virar o livro de cabeça para
baixo, provavelmente a “bola” sobre a caixa parecerá uma cavidade, e a cavidade
parecerá uma bola pendurada no teto. Perspectiva aérea: objetos muito distantes
parecem embaçados e azulados.
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formam um gradiente de textura em que objetos distantes são encontrados nas regiões
do solo cujas projeções retinianas são pequenas. Nas regiões do solo que projetam
imagens maiores, estarão os objetos mais próximos.
Além das modificações na textura, é preciso lembrar que, na forma dos elementos da
superfície, também ocorrem modificações aparentes, conforme as regras da perspectiva
descritas anteriormente. Voltemos ao chão do corredor da sua Faculdade: além de
parecerem menores e mais numerosos à distância, os ladrilhos (tacos ou pedras) que são
quadrados (ou retangulares) parecem possuir uma forma trapezóide. Ou seja, o lado
mais distante do ladrilho projeta uma imagem menor na retina do que o lado mais
próximo de você.
O gradiente de textura da superfície varia de acordo com a sua inclinação, fornecendo
informações importantes sobre subidas e descidas de ruas, rampas e estradas e a
presença de despenhadeiros ou degraus. Quando a superfície do chão é muito lisa,
uniforme e mal iluminada, é difícil perceber degraus. Por esta razão, é prudente
acrescentar faixas coloridas ou de material contrastante, para criar um gradiente de
textura e assim evitar acidentes.
E preciso não esquecer que estamos estudando cada um destes indícios, separadamente,
com o intuito de conhecê-los melhor. Porém, quando nos movimentamos em nosso dia-
a-dia, todos eles operam em conjunto, proporcionando-nos meios de julgar o ambiente
pronta e precisamente.
• Superposição, interposição ou oclusão
Há uma lei da Física que afirma, muito acertadamente, que dois objetos não podem
ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo. Na retina, as imagens dos objetos de um
mundo de três dimensões são projetadas sobre uma superfície de apenas duas
dimensões, na qual não existe a dimensão da profundidade. A informação sobre a
distância e a profundidade é preservada por meio da oclusão parcial de uma imagem
pela outra. Se estivermos observando três ou quatro objetos enfileirados à nossa frente,
o primeiro projetará sobre nossa retina uma imagem que encobrirá parcialmente o
segundo. Este, por sua vez, ocultará uma parte do seguinte, e assim sucessivamente.
Esta interposição, superposição ou oclusão proporciona um forte indício para a
percepção da distância relativa entre objetos.
• Luz e sombra
No mundo em que vivemos, a iluminação vem quase sempre de cima, do Sol, da Lua ou
das luminárias do teto. Iluminação colocada em outras regiões do ambiente proporciona
efeitos surpreendentes e por ve 94
95
preste atenção ao seguinte detalhe: objetos próximos, como postes, árvores, portões e
porteiras, parecem movimentar-se rapidamente no sentido contrário ao seu. Ao passo
que edifícios, casas e colinas distantes, além do seu ponto de fixação visual, parecem
deslocar-se lentamente com você, isto é, no mesmo sentido. Esta aparente discrepância
entre o movimento de objetos próximos e distantes fornece importantes indícios sobre a
profundidade do espaço em que você se encontra. E denominada de paralaxe de
movimento. Se, por outro lado, você não quiser esperar até seu embarque em um
veículo, tente a seguinte experiência imediatamente: pegue dois lápis; segure um com a
mão esquerda, próximo de seu rosto; o outro com a mão direita e com o braço bem
esticado à sua frente. Olhe fixamente para o lápis próximo e mova a sua cabeça de um
lado para o outro, sem perder o lápis de vista. Observe o que acontece com o lápis
distante: ele parece mover-se na mesma direção que a sua cabeça. Agora faça o mesmo,
olhando fixamente para o lápis distante. Mova novamente a cabeça de um lado para o
outro. Você verá que, desta vez, o lápis próximo, para o qual você não estava olhando,
desloca-se na direção contrária ao movimento lateral da sua cabeça.
A paralaxe de movimento pode ser considerada o principal indício de profundidade,
pois está presente em recém-nascidos mesmo antes que estes possam coordenar os
movimentos de seus olhos. Adultos que possuem apenas uma vista funcional valem-se
do mesmo indício, como é possível verificar pela movimentação característica de sua
cabeça quando querem julgar a distância. E utilizada também por animais, como, por
exempio, galinhas e cavalos, dotados de olhos cujos campos visuais são separados ou
têm pouca ou nenhuma sobreposição.
No transcorrer deste capítulo, analísamos a percepção do espaço bi e tridimensional
separadamente. E óbvio, no entanto, que a percepção do espaço que nos circunda
depende da interação de todos os indícios. Seguramente, esta riqueza tão grande de
indícios visuais contribui para a sobrevivência e formidável adaptação do ser humano
sobre o planeta.
6.2. Percepção auditiva do espaço
Já vimos, no exemplo de nosso bebê chorão do princípio do capítulo, que a percepção
do espaço é proporcionada por diversas modalidades sensoriais. Vimos o importante e
complexo papel desempenhado pela percepção visual. Vale a pena acrescentar mais
alguns detalhes úteis sobre a percepção auditiva do espaço.
Por meio do sistema auditivo, muitos objetos e elementos do ambiente podem ser
detectados, localizados e identificados, permitindo que sua natureza e trajetória no
espaço sejam prontamente percebidas. Você, certamente, ainda se recorda da
importância de possuirmos dois olhos e do fa 96
97
parte das pessoas portadoras de deficiências visuais. Elas se utilizam do eco de seus
próprios passos para obter informação sobre a presença de objetos próximos. Neste
caso, os ecos desempenham um papel importante em sua locomoção. Um mecanismo de
orientação espacial semelhante é utilizado pelos morcegos enquanto voam. Através do
eco de sons gerados por eles mesmos, caçam mjnúsculos insetos. Evitam colisões com
objetos do ambiente, voando com espantosa agilidade e precisão. O “sonar” provoca eco
no meio líquido e permite detectar, com auxílio de aparelhos especiais, cardumes e
objetos submersos. Na Medicina, sua aplicação oferece a oportunidade de obter
informações sobre as características e funcionamento de estruturas anatômicas, como o
coração e os órgãos genitais do feto, muito antes de seu nascimento. Desta forma, o
médico avalia o desenvolvimento do feto e, também, os pais são auxiliados na escolha
do nome e da cor do enxoval do bebê. A ecografia é uma descrição muito útil da forma e
funcionamento do coração. O ser humano não tem receptores adequados para captar os
sons empregados no sonar. Estes são emitidos e captados por aparelhos especiais que os
transformam em estímulos visuais.
A percepção auditiva é apenas um aspecto da complexa percepção
espacial do ser humano. Informações audiovisuais a respeito de objetos
e pessoas são comparadas com informações táteis, cinestésicas, olfativas
e gustativas. Portanto, quanto mais abundantes forem as informações,
maior a probabilidade de um julgamento correto do espaço e dos objetos
nele contidos.
6.3. Percepção espacial tátil
Dizem que “tamanho não é documento”. Convém lembrar, no entanto, que a pele é o
maior de nossos órgãos sensoriais. E prontamente empregada pelo bebê recém-nascido,
ao iniciar sua interação com o ambiente. De certa forma, a pele se assemelha à retina do
olho e à cóclea do ouvido. Nos três órgãos sensoriais, os receptores encontram-se
agregados, um ao lado do outro, em uma superfície sobre a qual incide a energia
existente no ambiente. Por meio da visão e da audição, freqüentemente tomamos
conhecimento de objetos muito distantes, como, por exemplo, um avião a grande
altitude. As vezes, o tato também nos auxilia a perceber melhor objetos distantes. E o
que ocorre quando passamos em frente de uma geladeira cuja porta está entreaberta. O
ar frio que sai da fresta é prontamente percebido pelos receptores térmicos da pele. A
intensidade da temperatura permitirá avaliar se estamos próximos ou distantes do
aparelho. Quando adormecemos sobre a esteira, na praia ou na beira da piscina, os
receptores térmicos não permitirão que o sol seja esquecido. De um mo 98
99
do geral, no entanto, o tato fornece informações sobre objetos que já estão em contato
com nossa pele. Um exame mais detalhado pode fornecer informações importantes a
respeito da temperatura, forma e tamanho do objeto. O tato contribui para tomarmos
consciência de nosso próprio corpo, auxiliando-nos a discriminar o “Eu” do “Não Eu”,
isto é, diferenciar nosso corpo dos demais objetos do ambiente.
A interação entre tato e cinestesia permite a obtenção de informações importantes e
detalhadas sobre objetos próximos, ao alcance da mão. Percebendo a temperatura, a
textura dos tecidos que nos envolvem e a posição de nossos braços, mãos e dedos,
somos capazes de puxar o lençol e descartar o cobertor, sem precisar acender a luz do
quarto nas noites quentes de verão. O tato permite discriminar um do outro. Através da
cinestesia, afastamos o cobertor indesejável a uma distância adequada de nosso corpo. A
percepção do espaço imediato e distante é perfeita, graças à sofisticada interação
múltipla das modalidades sensoriais.
6.4. Percepção olfativa do espaço
Enquanto escrevíamos estas linhas, sentimos o cheirinho da carne assando sobre a brasa
da churrasqueira de um de nossos vizinhos. Com um leve movimento de cabeça, foi
fácil localizar a fonte do conhecido odor:
estava na direção do quintal. Portanto, sem sair do gabinete, foi possível tomar
conhecimento de objetos relativamente distantes, como a churrasqueira, carvão e carne
de casas vizinhas. A intensidade do cheiro permitiu avaliar a distância do churrasco.
Para maiores informações sobre a localização exata, forma, cor e tamanho do churrasco,
precisamos da visão. Para saber se o tempero estava bom, bastou felicitar o vizinho
aniversariante e aceitar o prato que nos ofereceram. Estava delicioso! Temos duas
narinas pelas quais o odor das substâncias penetram. Portanto, se o odor está sendo
propagado por uma brisa que vem da direita para a esquerda, atingirá primeiramente
uma narina e, depois de fração de segundos, a outra. Como na audição, o resultado é
uma diferença temporal entre a estimulação olfativa proveniente dos receptores. Porém
nós não percebemos dois cheiros; percebemos um odor que vem de um lado. Isto é, a
discrepância temporal entre os estímulos permite perceber a localização da fonte de
estimulação. Através do olfato, recebemos informações sobre determinadas
características qualitativas do espaço, imediato e distante. Por exemplo, podemos
avaliar se o local em que nos encontramos é arejado ou se está abafado, se a água da
piscina contém cloro, se há ou não vazamento de gás no fogão. Estas informações a
respeito do espaço e dos objetos nele existentes são fundamentais para a nossa
sobrevivência. Não poderiam ser fornecidas pela visão e audição. ,.--
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100
sível porque respondemos a uma relação entre objetos. Isto é, objetos e demais
elementos do ambiente, próximos do objeto observado, determinam a nossa percepção
de seu tamanho. Disto se aproveitam diretores de cinema, televisão, teatro e companhias
de propaganda, confeccionando mobília e outros objetos de grandes dimensões, para dar
a impressão de que o personagem da história é muito pequeno. Quando o efeito
contrário é desejado, ou seja, proporcionar-nos a impressão de que determinado modelo
de automóvel ou poltrona é grande e espaçoso, esses objetos são inseridos entre outros
objetos pequenos, ou, então, são contratados apresentadores muito charmosos, porém de
baixa estatura. Já vimos que um dos indícios de tridimensionalidade do espaço, o
gradiente de textura, informa sobre a que distância se encontram partes diferentes de
grandes superfícies, como o solo e as paredes, uma vez que os seus elementos, como
pedras e tijolos, localizados a grandes distâncias, projetam imagens retinianas muito
pequenas.
A conhecida ilusão visual de Ebbinghaus, apresentada na figura 6.5, ilustra claramente a
importância da relação entre elementos diversos do ambiente. Consiste de dois círculos
de igual tamanho; um circundado por círculos pequenos e outro por círculos grandes. Os
círculos pequenos e suas respectivas imagens retinianas proporcionam indícios de
objetos distantes; as imagens retinianas dos círculos grandes proporcionam indícios de
objetos próximos. Conseqüentemente, os dois círculos centrais iguais são percebidos
como sendo de tamanhos diferentes, pois este julgamento é produto da interação entre
todos os elementos presentes na figura.
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102
103
7
Percepção da forma
Em todos os objetos que percebemos visualmente, o que mais nos chama a atenção e o
que nos parece mais importante é a sua forma. Em geral, quando solicitados a descrever
um objeto, definimos em primeiro lugar sua forma, só depois descrevemos sua cor, seu
brilho e, talvez, por último vamos nos referir a um seu possível movimento. Por ordem
de importância, esta é a seqüência que as qualidades de um objeto têm para nós. Mas de
modo algum corresponde à seqüência da percepção mais elementar à mais complexa.
Como veremos no capítulo 11, referente à percepção de movimento, é este o percepto
mais primitivo. Muitos animais apenas vêem um objeto quando está em movimento. A
habilidade que os seres humanos têm em olhar para um objeto estacionário e perceber
até os mínimos detalhes de sua forma é reservada apenas aos animais que se encontram
nas posições mais elevadas na escala filogenética. A habilidade de ver formas
estacionárias envolve um alto grau de atividade e desenvolvimento cortical. Certamente,
envolve algumas das funções mais complexas do sistema visual.
Ao estudar percepção de forma, o pesquisador de comportamento se preocupa
basicamente com um problema: como é que um objeto em nosso campo visual — com
seus inúmeros elementos constituintes (ângulos, contornos, áreas contínuas, padrões
repetitivos, curvas etc.) projetados pelo sistema ótico sobre a retina — passa a ser visto
como um objeto integrado, dotado de significado? Em outras palavras, como emerge a
forma (no sentido mais amplo possível), a partir dos elementos constituintes do objeto?
Este problema único pode receber explicações em várias abordagens, num primeiro
instante completamente diferentes, mas que talvez se unam, um dia, sob uma teoria
única. Aqui abordaremos apenas duas linhas de ataque ao problema de percepção
(visão) de forma: uma tomando
105
entre si, até que cheguem a combinações quase únicas, como uma pata de macaco ou,
até, a face específica do experimentador. Se, de um lado, já podemos entender como se
forma, da combinação de várias células simples, uma de campo complexo, por Outro
lado ainda nos são totalmente desconhecidos os circuitos neurais para obter as
combinações mais específicas. Entretanto, inúmeros trabalhos de pesquisa da atualidade
abordam o problema.
Vamos recordar: da simples projeção da imagem ótica (luminosa) sobre os receptores da
retina, é extraída a forma como um todo, pelas sucessivas convergências da informação,
gerando combinações (padrões) únicas. Sobreposta a esta convergência existe também
uma divergência do fluxo de informação visual. A convergência se evidencia pelo fato
de que o objeto, como um todo, estimula um grande número de neurônios da retina e, ao
nível do córtex ínfero-temporal, neurônios individuais são responsáveis pela percepção
da forma deste objeto. Por outro lado, devido à divergência, nos primeiros elos de
integração, o local de estimulação da retina é importante. No entanto, nos níveis
corticais superiores, a localização já não importa mais. Na verdade, a divergência é
muito maior que a convergência, pois o número de receptores na retina é bem inferior
ao número de neurônios visuais no córtex visual e no córtex de integração poli-
sensorial.
Na figura 7.1 estão representadas, esquematicamente, a convergência e a divergência
neural do sistema visual, que leva à análise e à percepção integral das formas.
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Esta segunda abordagem, que procura explicar como ocorre a percepção de formas, é
totalmente oposta à primeira, pois não parte de dados fisiológicos do sistema visual mas
sim, partindo de perceptos de formas, procura, pela formulação de certas regras, mostrar
como se chegou
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108
109
4. fechamento — os elementos são agrupados de modo que o todo forme uma figura
fechada.
A figura 7.2 ilustra, através de exemplos clássicos, estes princípios da Gestalt. Sua
insuficiência para explicar a percepção de uma forma complexa, como a pata de um
macaco, parece óbvia. Para um estudo mais pormenorizado da percepção, sob o ponto
de vista da Gestalt, é interessante combinar estes vários princípios e observar a
rivalidade entre eles. A figura 7.3 ilustra a rivalidade entre o princípio de proximidade e
de similaridade: na medida em que os elementos semelhantes se afastam um do outro,
deixa-se de perceber colunas de elementos iguais para perceber fileiras de elementos
diferentes, mas próximos entre si. Este exemplo mostra como as leis atuam em
conjunto, proporcionando a percepção de um padrão global.
Há uma terceira maneira de analisar a percepção de formas, sem reduzir o sistema
visual ao nível fisiológico, nem enquadrar em princípios ou leis as maneiras que temos
para agrupar elementos de um percepto:
verificar como, de modo geral, ocorre a percepção de uma forma, quando um
observador olha para um objeto.
Um elemento básico necessário para a percepção de uma forma visual é a presença de
um contorno. Este poderia ser definido como uma variação, ou alteração abrupta de
luminância, em nosso campo visual. Uma área completamente envolta por um contorno,
em geral é vista como uma forma distinta (ou figura). Contornos, ou seja, variações
repentinas de luminância no campo visual, são necessários para que ocorra percepção de
qualquer forma. São bastante conhecidos os estudos feitos com campos homogêneos,
muitas vezes designados pela palavra alemã Ganzfeld, nos quais o sujeito não percebe
coisa alguma. Por exemplo, bolas de pinguepongue são ótimos difusores de luz.
Permitem que nossos olhos recebam uma iluminação homogênea, sem a possibilidade
de vermos formas ou contornos. Se cobrirmos nossos olhos com metades dessas bolas e
olharmos para uma luz vermelha, verificaremos que esta cor se esvanecerá, em poucos
minutos, tornando-se um campo incolor. Se sobre cada bola traçarmos uma linha escura,
introduzindo, portanto, um contorno em nosso campo visual, a cor se manterá por muito
mais tempo. Na verdade, somente desaparecerá quando a própria linha se dissolver no
campo homogêneo. A cegueira provocada por campos extensos de neve não é nada mais
que um exemplo natural deste fenômeno.
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Figura 7.2. Exemplos de princípios de “Boa Forma” da Gestalt. a) Por “agrupamento”,
os pontos são reunidos e separados em quatro grupos distintos. b) Por “similaridade”, o
quadrado de elementos (visto como um todo por “agrupamento”) é separado em quatro
quadrados menores, cujos elementos se juntam por “similaridade”. c) A “boa
continuidade” faz o observador ver uma figura fechada e uma linha curva. d) As três
figuras são vistas como um círculo, quadrado e triângulo pela lei do “fechamento’ que
faz o observador ignorar as interrupções nos lados destas figuras.
ELILILILIEI
ii•i••
DE LI LI
Figura 7.3. Pela lei da proximidade devemos ver colunas verticais de elementos. Pela
lei da sim ilaridade devemos ver carreiras horizontais. E possível construir esta figura
de tal maneira que as distâncias horizontais e verticais possam ser alteradas. Com uma
figura destas, torna-se possível determinar exatamente a distância entre os elementos,
para que as duas leis atuem com igual força. Neste caso o sujeito verá uma oscilação
entre os dois perceptos.
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Mas por que é necessário um contorno para que ocorra visão de formas? Já
respondemos no princípio deste capítulo. Dissemos que a função mais primitiva do
sistema visual é a percepção de movimento e que, na verdade, a percepção de formas
estáticas é uma conquista da evolução fi logenética
Quando há algum contorno em nosso campo visual, a movimentação contínua de nossos
olhos (nistagmo) transforma a variação de iluminação numa variação temporal para
cada sítio da retina. Isto ativa o sistema visual e permite a visão contínua do contorno, O
contorno é
visto como estando parado, devido a processos que veremos no capítulo dedicado à
visão de movimento. Se não houver variação de iluminação no campo visual (isto é, um
contorno), por mais que ocorra movimentação dos olhos, a estimulação visual não
adquire uma variação temporal, o que leva à desativação do sistema visual. E o que
ocorre no Ganzfeld.
Uma linha pode ser considerada a forma mais simples, isto é, um único contorno que
divide o campo visual em duas partes. Mas a maioria dos objetos com que nos
deparamos no nosso dia-a-dia são compostos por unidades integradas, que chamamos de
figuras. Figura é, portanto, um grupo integrado de contornos. Nossa experiência pessoal
mostra que a percepção de figuras é básica. Ou seja, a percepção de uma figura, na
maioria das vezes, impõe-se ao observador, destacando-se do restante a que chamamos
de fundo. O livro em cima de uma mesa é percebido como uma figura e o tampo da
mesa como o fundo; o tampo da mesa, por sua vez, é figura em relação ao chão. Estas
sensações se impõem de maneira inquestionável. Mas nem sempre o problema é tão
simples, como pode ser visto na figura 7.4, que mostra o clássico exemplo do vaso e dos
dois perfis de Rubin. Este tipo de figura é chamada de reversível. Olhando-a por algum
tempo, veremos alternadamente os dois perfis ou o vaso, isto é, alternadamente, partes
diferentes de nosso campo visual se tornam figura ou fundo. Em outras palavras, às
vezes será figura a região branca e o fundo será a região preta; e às vezes acontecerá o
inverso. Nunca veremos simultaneamente as duas regiões como figuras! O contorno,
que define a figura como dissemos acima, será visto sempre fazendo parte da região
que, naquele momento, vemos como figura.
Figura 7.4. a) O famoso vaso de Rubin, que pode ser visto como sendo um vaso sobre
um fundo branco ou como dois perfis sobre um fundo escuro. Os dois perceptos podem
flutuar entre si, se olharmos demoradamente. Mas também podemos “querer” ver um ou
outro. b) Figura modificada por Gombrich, enfatizando tanto o vaso através das flores
como as faces pelas orelhas. Se mantivéssemos apenas um destes indícios, o percepto
correspondente tornar- se-ia bem mais pronunciado e estável.
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112
113
Recentemente, receberam muita atenção figuras que não possuem contornos reais, isto
é, são determinados por uma variação abrupta de luminância, assim como havíamos
definido contornos no princípio. São figuras que possuem contornos subjetivos, pois
seus contornos sobressaem de uma região totalmente homogênea. As figuras 7.6 e 7.7
mostram alguns exemplos. E fácil verificar que os contornos subjetivos podem ser retos,
curvos, podem aparecer numa região clara ou escura e delimitar uma figura com ou sem
significado. Na verdade, ainda não se conhece exatamente o mecanismo que faz
surgirem os contornos subjetivos. Supõe-se que, de alguma forma, o mecanismo de
percepção de contornos é ativado pelos elementos contidos no padrão da figura,
eliciando contornos subjetivos. Normalmente, são os contornos que determinam a
figura. Aqui, no entanto, é a figura que determina os contornos. Neste fato,
provavelmente, reside a explicação de sua origem: trata-se de figuras tão “óbvias”, que
se impõem ao sujeito. Este vê contornos inexistentes, mas que deveriam existir para
completar a figura. Os contornos subjetivos guardam muitas propriedades dos contornos
verdadeiros, como pode ser visto na figura 7.8.
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Figura Z8. Dois exemplos que mostram que os contornos subjetivos agem como linhas
reais. Em a, a ilusão de Poggendorff, que faz as linhas oblíquas parecerem
desencontradas, é provocada pelas duas linhas subjetivas paralelas induzidas pelos três
semicírculos negros. Em b, a ilusão de Ponzo, que faz a linha vertical direita (próxima
ao vértice) parecer mais longa que a esquerda, é produzida dentro de um triângulo de
contornos subjetivos.
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115
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