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A Europa que desperdiçou 1989

Timothy Garton Ash | 08 de novembro de 2009



1989 foi o maior ano da história mundial desde 1945. Em política internacional, ele
mudou tudo. Conduziu ao fim do comunismo na Europa, da União Soviética, da Guerra
Fria e do curto século 20. Abriu as portas à unificação alemã, a uma União Europeia
historicamente sem precedente, estendendo-se de Lisboa a Talin, à ampliação da Otan, a
duas décadas de supremacia americana, à globalização e à ascensão da Ásia. A única
coisa que ele não mudou foi a natureza humana.
Em 1989, os europeus propuseram um novo modelo de revolução, não violenta,
“de veludo”, questionando o exemplo de violência de 1789 que durante dois séculos foi o
que a maioria das pessoas achava que era uma revolução. Em vez de jacobinos e
guilhotina, eles ofereceram às pessoas poder e negociações numa mesa redonda.
Com a impressionante renúncia de Mikhail Gorbachev ao uso da força (um
exemplo luminoso da importância do indivíduo na história), um império detentor de
armas nucleares, que para muitos europeus parecera tão duradouro e sólido como os
Alpes, não apenas porque possuía aquelas armas de destruição total, simplesmente
desapareceu, silenciosa e repentinamente. [...]
O epicentro de 1989 foi a Europa entre o Reno e os Urais, e foi ali que ela mais
mudou. Nenhum vizinho da Polônia hoje o era em 1989. Aliás, muitos Estados e algumas
fronteiras da Europa Oriental são hoje mais novos que os da África. A vida de todo
homem, mulher e criança mudou além de qualquer reconhecimento — e em nenhum
lugar mais que na antiga República Democrática Alemã, cujo atestado de óbito foi escrito
há 20 anos num dia 9 de novembro, com a derrubada do Muro de Berlim.
Num plano mais próximo, temos as histórias dos jovens — checos, húngaros e
alemães-orientais — nascidos em 1989, que estão se agarrando às chances de liberdade e
desfrutando delas; e dos muitos, mais velhos e menos favorecidos, que, por virem
passando por maus bocados desde então se tornaram raivosos e desiludidos. No extremo,
temos a dança global das velhas e das novas superpotências. Potencialmente, elas agora
são três: Estados Unidos, China e União Europeia (UE). [...]
Num ensaio na New York Review of Books recentemente republicado no jornal
The Guardian, sugeri que 1989 foi o melhor ano da história europeia. É uma pretensão
ousada, e os leitores são convidados a apontar um ano melhor. Mas duas décadas depois,
e em meus momentos mais sombrios, 1989 às vezes me parece o último e tardio
florescimento de uma rosa muito velha. Evidentemente, alcançamos algumas grandes
coisas desde então. Ampliamos a UE . Temos (ou pelo menos alguns de nós têm) uma
moeda europeia única. Temos a maior economia do mundo. No papel, a Europa parece
bem. Mas a realidade política é muito diferente.
Esta não é a Europa de coração grande com a qual visionários como Vaclav Havel
sonharam em 1989. É a Europa do outro Vaclav, Vaclav Klaus, assinando o Tratado de
Lisboa com os dentes rangendo após arrancar pequenas concessões provincianas. É a
Europa de David Cameron, que na defensiva estreiteza nacional de sua visão europeia, é
realmente bastante representativo do europeu contemporâneo. [...] Mergulhado no
narcisismo das pequenas diferenças, apenas meio desperto para o mundo de gigantes que
emergem ao redor, o político médio da França, Alemanha ou Polônia pouco melhorou.
Assim, depois de 20 anos, a questão com a qual nós europeus nos deparamos é
esta: conseguiremos recapturar algo da ousadia estratégica e da imaginação histórica de
1989? Ou deixaremos que outros moldem o mundo enquanto nos acomodamos, como
Hobbits, em nossos buracos nacionais e fingimos que não há gigantes caminhando sobre
nossas cabeças?

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