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Até por sua própria natureza de sistema-árvore -que se amplia a partir de pontos de difusão,
nódulos, que ordenadamente estabelecem hierarquias de organização e navegação, possibilitando
que os mais diversificados usuários e consumidores possam encontrar o seu espaço de
acolhimento e encontro-, a internet é uma representação palpável das democracias ocidentais, que
caminham cada vez mais para a criação de guetos e a compartimentação dos grupos humanos.
As tecnologias de conversação dão acesso e vazão a um número nunca visto de usuários
simultâneos e interconectados. Nunca se falou tanto e se disse tão pouco.
Ao invés de facilitar o contato entre as pessoas na cidade, ela o substitui. Onde a conversação se
dá baseada apenas em conversação, as possibilidades de erros de comunicação, ruído e mesmo
fofoca são gigantescas. Criam-se nuvens de mal-entendidos que, com a mesma velocidade com
que se formam, se dissipam. Simulação de comunicação.
Compactação
Com relação à escuta, a multiplicação dos equipamentos que num primeiro momento ofereciam
uma qualidade baixa na gravação e reprodução digital hoje oferece a qualidade que o dinheiro de
cada um puder comprar, sem restrições. Essa miniaturização e compactação com que operam se
reverteria em uma maior capacidade e qualidade na experiência musical do consumidor.
No entanto alguns aspectos de sua utilização chamam a atenção. O caso dos fones de ouvido, do
tocador portátil, por exemplo. Além de nocivo ao aparelho auditivo, os fones isolam a pessoa do
ambiente externo.
Assim, a atrofia da escuta se verifica em dois pontos: tomando os sites na internet como fonte
provedora de informação musical, a experiência da descoberta de músicos, estilos, grupos por
meio da própria presença em shows, apresentações, se restringe; sendo direcionada apenas para
aqueles grupos bem cotados nos sites de download.
É uma ilusão achar que as pessoas, em sua grande maioria, navegam na internet em busca do
desconhecido -muito pelo contrário.
O segundo ponto que gera atrofia na escuta é fisiológico mesmo. O massacrante número de horas
em que o indivíduo passa colado aos fones de ouvido diminui a capacidade quantitativa e
qualitativa da percepção sonora. O músculo do ouvido, literalmente, se enrijece.
Esses pontos são coabitantes de um ambiente que se renova em velocidade extrema. A reflexão
sobre certos temas deve ser levantada, longe das arenas do marketing e do negócio. Seria
ingênuo perguntar: não devíamos nos aproximar e apropriar das novas tecnologias com os olhos e
ouvidos mirados na educação dos sentidos ?
Livio Tragtenberg é compositor, além de criador e diretor da Orquestra de Músicos das Ruas de
São Paulo. É autor de "Música de Cena" (Perspectiva), entre outros.