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Assis
2017
Assis
2017
SUMÁRIO
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1.1 – Afinal, quem são os Agentes Comunitários de Saúde?............................................... 7
3 – Considerações Finais.......................................................................................................19
Referências Bibliográficas....................................................................................................21
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2001). Frente o sucesso da estratégia dos ACS no Ceará, em 1991, o Ministério da Saúde
(MS) em parceria com secretários estaduais e municipais criaram o Programa Nacional de
Agente Comunitário da Saúde (PNACS) e posteriormente o Programa de Agentes
comunitário de saúde (PACS) com o objetivo de reduzir os indicadores de morbimortalidade
infantil e materna em função da seca no Nordeste Brasileiro (BARROS, 2010) e
concomitantemente, como destaca Nogueira (2000), fomentar o mercado de trabalho daquela
região.
Em 1994 foi criado o Programa de Saúde da Família (PSF), onde integrado ao PACS
(TOMAZ, 2002), possuíam o objetivo de dar continuidade à produção de saúde em caráter
universal, contrastando com modelo de saúde que vinha sendo utilizada na saúde anterior ao
SUS. Tal modelo delimitava a saúde pública a campanhas de vacinação, controle de endemias
e garantia a assistência à saúde por meio de alguns poucos hospitais especializados nas áreas
de psiquiatria e tuberculose. O poder público concentrava a produção de saúde através do
Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) onde se prestava
assistência em saúde aos seus associados, ou seja, os trabalhadores com “carteira assinada” e
seus dependentes, o restante da população era atendido, na condição de uma caridade, por
instituições filantrópicas. (SOUZA, 2002). Dessa forma, o acesso aos serviços de saúde
possuía um caráter segregacionista em contraste ao caráter universal do SUS.
Com a função de fomentar a saúde como um direito social e universal, o PSF possui
como sua principal tecnologia a Atenção Básica (Atenção Primária de Saúde). De acordo com
a Secretária de Políticas de Saúde (2000), a prioridade a Atenção Básica não ocorre apenas em
função do custo ou da simplicidade da tecnologia, mas em consideração ao entendimento dos
profissionais da saúde acerca do caráter fundamental da ferramenta para o SUS, caráter este
pautado na prevenção e na promoção de saúde. Nesse sentido, segundo Levcovitz et al (1996),
a PSF promove um modelo de atenção que objetiva reconhecer a saúde como um direito de
cidadania. Este reconhecimento deve ser traduzido em serviços integrais, e principalmente,
humanizado. Tal modelo de atenção concebia a família como foco, possibilitando que as
equipes tivessem uma compreensão maior sobre o processo saúde/doença e de intervenções
além das práticas curativas. Dessa forma, a PSF possuía como ponto básico o estabelecimento
de vínculos entre os profissionais da saúde e as famílias atendidas. (MARZARI et al, 2011).
Em 1996, com a Norma Operacional Básica do SUS (NOB/96), a PSF se transforma
em Estratégia da Saúde da Família (ESF) e em conjunto com o PACS são instituídos como
eixos estruturantes do SUS. Um dos objetivos da NOB/96 é definido por Levcovitz (2001):
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“A promoção e reorganização do modelo de atenção à saúde, adotando-se
como estratégia principal a ampliação de cobertura do Programa de Saúde
da Família (PSF) e Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS)
através da criação de um incentivo financeiro de acordo com a população
efetivamente coberta pelos programas e da incorporação dos procedimentos
relacionados aos programas no custeio federal da atenção básica”.
(Levcovitz E, et al, 2001; p 279.)
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“No entanto, as narrativas do ACS indicam percepções de pouco
investimento gerencial no seu desenvolvimento pessoal e fortalecimento
profissional, apesar de ser ele, justamente, o porta-voz de uma política
pública que visa mobilizar potencialidades da população para assumir
tanto as ações preventivas, quanto participar das ações curativas em
matéria de cuidados de saúde. Ele é o responsável por identificar nas
comunidades “faveladas” as iniciativas cotidianas, os projetos de saúde,
as parcerias para aprender e ensinar para a vida e o bem-estar, mas ele não
se sente recebendo apoio para seu próprio desenvolvimento pessoal e
fortalecimento profissional. Como situar e entender essa contradição
básica?” (Zanchetta, 2005, p.1/2)
Atualmente no Brasil existem 260,7 mil ACS espalhados por todos os estados
brasileiros, segundos dados de 2017 do Ministério da Saúde. O ACS compõe uma equipe
interdisciplinar da ESF composta por um médico, um enfermeiro, um auxiliar ou técnico de
enfermagem e cinco ou seis ACS. Onde estes são responsáveis, cada um, por uma micro-área
em que a população não deve ser superior a 750 pessoas (BRASIL, 2011). Segundo Silva e
Dalmaso (2006) as motivações que levam um indivíduo a se tornar um ACS são a
possibilidade de um trabalho remunerado; poder ajudar a população tida como “carente”; e
por fim, a possibilidade do aprendizado e da profissionalização no campo de trabalho da
enfermagem.
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Em 2017, a PNAB foi revisada e alterada em diversos pontos influentes ao trabalho do
ACS. Segundo a portaria n° 2.436 de 21 de setembro de 2017, a presença do ACS como
profissional e integrante da Atenção Básica pode não ser obrigatória. Pois, na nova PNAB, é
permitido que o município receba as verbas repassadas pelo governo federal ao instalar, o que
é chamado de “Equipes de Atenção Básica”, compostas por, no mínimo, um médico, um
enfermeiro e técnicos de enfermagem. Outra mudança ocorreu em relação às diretrizes do
trabalho dos ACS, uma série de funções que antes eram específicas dos ACS ou dos Agentes
Comunitários de Endemias (ACE), foram unificadas em um corpo de funções integradas às
duas categorias. Além disso, foram acrescidas novas funções aos ACS como: realizar
curativos, aferir pressão e temperatura, entre outras, desde que estes possuam formação para
tal. De acordo com o manifesto da ABRASCO (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) em
conjunto com a CEBES (Centro Brasileiro de Estudos da Saúde) e a ENSP/Fiocruz (Escola
Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca) de 27 de Julho de 2017, esta reformulação coloca
em cheque a presença dos ACS como integrante da atenção básica.
Cada agente em consonância com a sua comunidade, pode trazer aspectos culturais
muito próprios, afinal, cada equipe de saúde carrega em seu trabalho valores, crenças e
características singulares de seu meio. Nesse sentido, há diversas situações em que a área da
saúde ainda não desenvolveu um saber sistematizado ou instrumentos para resolvê-las, como
as relações familiares, o contato com a situação de vida precária que trazem risco a saúde dos
indivíduos, e a posição do ACS frente às desigualdades sociais e a busca por cidadania.
(SILVA E DALMASO, 2002). Tais situações revelam lacunas e fazem com que os ACS
busquem saná-las a partir do senso comum proveniente de suas experiências e crenças. Tais
fenômenos abrem margem para uma singularidade profissional destacada por Marzari et al
(2011).
Nesse sentido, ao trazermos à tona a pergunta: “quem são os ACS?” percebe-se que a
partir do recorte da literatura estudada é possível captar perfis muito restritos a realidade
cultural própria dos 270,6 mil ACS que compõe os serviços de saúde no Brasil. Mas, mesmo
com tais limitações, temos como objetivo compreender: por quais vias se contratam os ACS;
seu papel dentro do ambiente interdisciplinar da ESF; como esse ACS se sente em relação ao
vínculo comunitário; e por fim, quais as formas de superarmos as lacunas existentes entre a
teoria e a prática do ofício. O objetivo destes eixos de análise são refletir criticamente acerca
das tensões existentes nestas relações. Para exemplificar tais tensões e disparidades trazemos
mais uma vez Zanchetta et al (2005):
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“[…] para a comunidade deveria ser a alimentação; para os ACS, ofertas e
oportunidades de emprego, promoção de bem-estar social, alfabetização,
saneamento, educação e saúde; para os profissionais do CMS,
informações sobre cuidados de saúde preventiva e controle de condições
clínicas através de orientações à saúde.”
(Zanchetta MS et al, 2005, p.6)
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A partir da promulgação da lei n° 12.994 de 17 de Junho de 2014, visava-se reverter à
fragilidade de direitos na contratação dos ACS nos serviços públicos, bem como instituir o
piso salarial profissional e as diretrizes para o plano de carreira dos ACS, dessa forma, vedou-
se a contratação temporária ou terceirizada destes trabalhadores, salvo na hipótese de combate
a surtos epidêmicos. (BRASIL, 2014). Entretanto, segundo Simas e Pinto (2017) as
contratações por fundações, organizações da sociedade civil de interesse público,
organizações sociais e consórcios intermunicipais, ainda são formas de contratação adotadas
pelos gestores de saúde em algumas regiões do país.
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A respeito desta integração, corroboramos com os apontamentos de Peduzzi (2001)
que estabelece alguns critérios para eficácia da produção de saúde da equipe interdisciplinar: a
comunicação entre os diferentes profissionais da equipe; as articulações das ações; o
reconhecimento das diferenças técnicas entre os trabalhadores; o questionamento das
desigualdades estabelecidas entre os diversos trabalhos e o reconhecimento da autonomia e da
independência de cada profissional. No que concerne ao ACS, sua função particular na
articulação com os outros profissionais da ESF é decodificar as demandas da população e as
traduzir para a equipe de saúde, criando assim estratégias de encaminhamento das resoluções.
(MARZARI et al, 2011)
A partir de um dos apontamentos de Peduzzi (2001) - “a independência de cada
profissional” - podemos refletir acerca do compromisso da gestão em saúde com a classe dos
ACS no que tange a formação e como isso influencia nas demais relações com os
profissionais da ESF. Segundo Zanchetta et al (2005) existe uma ambiguidade sentida pelos
próprios ACS, ao passo que os profissionais da ESF os cobram por uma autonomia constante,
os ACS sentem-se carentes de apoio para desenvolver tal autonomia.
Em função disso, de acordo com Gomes et al (2009), um das soluções para se
estabelecer tal autonomia seja o enfoque numa educação que a estimule, e que vá além da
concepção bancária – a qual “educação é um ato de depositar, transferir e transmitir valores e
conhecimentos para seres de adaptação e ajustamento, passivos, ingênuos, acríticos e
possuidores de um poder criativo mínimo” (FREIRE, 1987) – ou seja, um modo de educar
que empodere o trabalhador e que esteja implicada com os valores do SUS. Pois, segundo
Costa et al (2013) os ACS que se sentem mais apropriados em relação aos princípios do SUS
apresentam maiores participações em ações comunitárias.
Todavia, Gomes et al (2009) em sua pesquisa com os ACS de Cajuri – MG
demonstrou que há inadequação do nível de apreensão e conhecimento destes princípios pelos
trabalhadores, ou seja, os ACS, apesar de se sentirem enquadrados como trabalhadores do
SUS, não conseguem vislumbrar a integração do PACS e ESF dentro da rede de saúde (Rosa
et al, 2004), tal fato diminui a eficácia da produção de saúde em rede e das trocas entre
trabalhadores da ESF, bem como, reduz as possibilidades de possíveis promoções de ações
intersetoriais objetivadas por ACS. Portanto, acreditamos que a ênfase em uma formação
crítica e que gere autonomia, além de trazer uma maior presença dos ACS nas ações
comunitárias, também diminuiria os índices de ansiedade quando o ACS compara seu
conhecimento com o dos outros profissionais da ESF, como apontou Nunes et al (2002).
Diante do exposto, percebemos que a deficiência na formação do ACS vai de encontro a
uma das atribuições de seu trabalho presente na PNAB (2011): “Desenvolver atividades de
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promoção à saúde, de prevenção das doenças e de agravos, e de vigilância à saúde, por meio
de visitas domiciliares e de ações educativas individuais e coletivas nos domicílios e na
comunidade, mantendo a equipe informada a respeito daqueles em situação de risco”. Como é
possível educar acerca da saúde e transmitir as informações ao restante da equipe da ESF, sem
vislumbrar a integração do PACS e ESF? Ou mesmo, sem um ponto de vista crítico na
vigilância a saúde?
Outra reflexão importante a ser feita no que concerne à relação entre os ACS e a
gestão pública é a respeito das “ações intersetoriais”. Embora uma das características
presentes na PNAB (2011) em “Do Processo de Trabalho das Equipes de Atenção Básica”
(item 4.2) seja “Desenvolver ações intersetoriais, integrando projetos e redes de apoio social
voltados par o desenvolvimento de uma atenção integral” (sub item X), diversos estudos
revelam que um dos principais motivos para o que o ACS não consiga cumprir com suas
atribuições, são as limitadas condições socioeconômicas das famílias acompanhadas
(NUNES, et al 2002; ZANCHETTA et al, 2005). Segundo Zanchetta et al (2005), os
profissionais de saúde se sentem impotente diante da miséria, o desemprego, a falta de higiene
e a fome, entre outras situações as quais deveriam ser da responsabilidade de outros setores
públicos do governo, ou seja, sentem-se paliativos frente a uma situação catastrófica de
violações de direitos.
É notório que o ACS tem um papel fundamental na conexão de dois mundos distintos:
a comunidade e seus traços culturais particulares, e a equipe de saúde norteada pelo
conhecimento científico. De acordo com as atribuições da profissão ACS definidas pelo MS
na PNAB (2011), existem especificamente duas delas que pretendemos destacar: a primeira
diz que o ACS deve orientar a família para o uso correto dos serviços de saúde; e a segunda
diz que o ACS deve orientar o serviço de saúde daquele território sobre a dinâmica
social/familiar ali existente, tais atribuições identificam o movimento bidirecional desses
profissionais (NUNES et al, 2002). Os ACS, portanto, decodificam as necessidades da
comunidade ao passo que têm como objetivo prevenirem riscos e promoverem a saúde com
uma linguagem adequada ao entendimento da população. Outro ponto positivo desta relação é
que em diversas vezes, em função da burocracia dos dispositivos de saúde para o acesso de
um especialista, em função da autonomia de seu trabalho e do vínculo com a comunidade, o
ACS configura-se como o primeiro contato dos indivíduos quando estes possuem alguma
necessidade em saúde (MARZARI et al, 2011).
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A lei 10.507 de 2002 deu início à regulamentação da profissão dos ACS, porém em 2006
esta lei foi revogada e substituída pela lei 11.350 que trazia novas diretrizes e regras para a
contratação e manutenção do trabalho do ACS no Brasil. O Art. 6º desta lei estabelece que o
ACS deva residir no território em que trabalhará. Tal regra tem por finalidade, segundo Nunes
et al (2002), o aumento da eficácia das ações de educação em saúde, em função do ACS
compartilhar o mesmo contexto social, cultural e linguístico, além de facilitar o
desenvolvimento de estratégias mais eficazes no âmbito da adesão às recomendações médicas
(NUNES et al, 2002). Porém, salienta Marzari et al (2011) que, embora o ACS resida na
mesma comunidade que a população atendida, isso não garante facilidade na criação de
vínculos necessários a produção de saúde, pois há muitos moradores que não compreendem
qual o papel daquele profissional na comunidade. As resistências podem manifestar-se desde
o não acolhimento dos comportamentos ensinados, como a recusa de receber o ACS em casa.
Esta resistência revela que, nesses casos, não existe um diálogo entre o saber popular e o
saber médico que permita refletir como ambos podem contribuir para o bem-estar das
pessoas, ou seja, por um lado, é fato que algumas práticas populares fazem mal a saúde do
ponto de vista biomédico, mas por outro, é necessária a compreensão de que tais práticas
estão inscritas no contexto cultural daquela comunidade (NUNES et al, 2002), e devem ser
levadas em consideração na relação entre ACS e comunidade.
Com fins de exemplificar a dificuldade do trabalho do ACS ser permeado apenas pelo
eixo biomédico e as dificuldades da criação de vínculos a partir dessa abordagem, segundo
Gomes et al (2009) as orientações dos ACS de Cajuri – MG, em sua maioria são feitas de
forma individualizada, centrada nas questões médicas e na prevenção de alguns riscos em
específico, ou seja, uma abordagem focalista e de uso estrito do saber biomédico que
desconsidera dinâmica familiar e o contexto histórico-social do processo saúde-doença.
(GOMES et al, 2009; SILVA e DALMASO, 2002) Esta relação estritamente biomédica
deslegitima vivências e experiências próprias dos sujeitos acerca da sua própria saúde, além
de ser vertical e unidirecional e produzida como se não prescindisse da cooperação do sujeito
ali cuidado, ou seja, como se adesão ao tratamento acontecesse automaticamente a partir da
“iluminação” técnica sobre o problema. (MERHY et al, 2009). Dessa forma, concebemos que
tal abordagem encontra sérias dificuldades no que concerne a aceitação da comunidade para
tais orientações estritamente técnicas, pois, segundo Silva e Dalmaso (2002), estas correm
maiores riscos de serem percebidas como intervencionismo exagerado dos ACS na vida dos
indivíduos. Além disso, está abordagem é oposta a possibilidade da criação de vínculos, bem
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como do atendimento humanizado como consta nas atribuições comuns aos profissionais da
ESF presente na PNAB (2011).
No sentido de reiterar uma produção de saúde alicerçada com os princípios do SUS e
sintonizada com o conceito de saúde da OMS: “saúde é o estado do mais completo bem-estar
físico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidade” (OMS, 1948), resgatamos
Merhy et al (2009) com o objetivo de mostrar um outro paradigma de cuidado e de produção
de saúde que, através de um trabalho vivo em ato, não restrito ao saber medicalizador, mas
com o aporte das tecnologias leves.
Para Merhy et al (2009), no encontro entre médico/trabalhador da saúde e usuário, o
trabalhador utiliza a “caixa de ferramentas tecnológicas”. As ferramentas tecnológicas
representam saberes materiais e imateriais envolvidos no conjunto de ações que o profissional
em relação ao usuário pode utilizar na interseção do processo de produção de saúde. São três
tipos de tecnologias: as tecnologias duras fazem referência aos procedimentos terapêuticos e
diagnósticos (exames, utilização de medicações e outros equipamentos); as tecnologias leve-
duras são os saberes que permitem que o médico apreenda o mundo e necessidades do usuário
a partir de um ponto de vista específico, ou seja, dos saberes bem definidos da clínica e da
epidemiologia. Já a terceira caixa de ferramentas, as tecnologias leves traz a noção de uma
produção de vínculo entre profissional e usuário mediante a escuta, o interesse, a construção
de vínculos, de confiança e que possibilite captar a singularidade e o contexto cultural por
parte do usuário, ou seja:
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Marzari (2007), o ACS deve ter um perfil que englobe as perspectivas relacionadas à
percepção e sensibilidade acerca do território, ou seja, o agente precisa possuir uma visão
macro de sua comunidade.
Tais questões trazidas até o momento fazem recortes de dois modos de fazer saúde
específicos: um estritamente técnico e bancário; e um outro que vai além da técnica e se
baseia no encontro e na criação de vínculos entre técnico e usuário. Porém, além dessas
duas dimensões, segundo Silva e Dalmaso (2006) há uma dimensão política, que
transcende o campo da saúde e se direciona a organização da comunidade, ou seja, busca
entender e transformar as condições sociais da comunidade. Nesse sentido, Gomes et al
(2009) chama a atenção para o que está além da necessidade de identificar e definir as
demandas em saúde: o ACS deve ter uma formação que o permite identificar as condições
institucionais para viabilizar as ações e caminhos a se percorrerem para lidar com os
problemas resultantes da pobreza e da desigualdade social presentes no cotidiano
brasileiro.
Tais fatos demonstram o quanto o ACS é um trabalhador genérico, e corrobora
acerca do que aponta Nogueira et al (2000), as funções dos ACS “transcendem o campo da
saúde, na medida em que, para serem bem realizadas requerem atenção a múltiplos
aspectos das condições de vida da população, situado no âmbito daquilo que se
convenciona chamar de ação intersetorial”. Diante disso, reiteramos a importância de um
olhar crítico dos trabalhadores da saúde acerca da realidade a sua volta, para que se façam
cumprir os princípios gerais da atenção básica, e possibilite cobrar as diferentes esferas do
governo suas respectivas responsabilidades acerca dos processos de prevenção e promoção
de saúde.
Diante do exposto, percebemos que há uma dimensão para além daquela
estritamente técnica que reduz a saúde a procedimentos biomédicos. Portanto,
consideramos demonstrar o quão importante é o planejamento e execução dos gestores
públicos das esferas governamentais, estaduais e municipais, numa formação não bancária
e que esteja de acordo com uma produção de saúde baseada no ato do cuidado e nos
princípios do SUS, pois como já demonstramos aqui, segundo Costa et al (2013), os ACS
que possuem maior compreensão dos princípios do SUS, também possuem mais
participação em ações comunitárias, ou seja, a ação dos ACS na comunidade transpassa o
campo da saúde, e corrobora com a noção de um trabalhador sui generis. (NOGUEIRA et
al, 2000). Entretanto, como enxergar além dos “saberes clínicos científicos que a medicina
do corpo de órgãos do século XIX construiu como forma de ver e falar do sofrimento
humano, em geral, tanto na medicina como na saúde pública”? (MERHY et al, 2009)
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2. Buscando superações: A Educação Permanente
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Por um lado, a extrema objetivação e a focalização do olhar e da ação
sobre o corpo biológico deixam de lado muitos outros elementos que são
constitutivos da produção da vida e que não são incluídos, trabalhados,
tanto na tentativa de compreender a situação, como nas intervenções para
enfrentá-la. Mais ainda, a busca objetiva do problema biológico tem
levado a que a ação do profissional esteja centrada nos procedimentos,
esvaziada de interesse no outro, com escuta empobrecida. Assim, as ações
de saúde têm perdido sua dimensão cuidadora e, apesar dos contínuos
avanços científicos, elas têm perdido potência e eficácia.
(Merhy, E.E, 2009, p.2)
Nesse sentido, para construirmos um novo modo de fazer saúde é necessário que os
trabalhadores dos diversos serviços de saúde (inclui-se aqui os gestores) estejam empenhados
num processo criativo e de constante reflexão das práticas individuais e coletivas, bem como
dos resultados destas. Segundo Merhy et al (2009), este processo produz trabalho vivo em
ato, ou seja, um modo de trabalho onde utiliza-se certa autonomia para refletir e agir na
resolução das demandas em saúde. Pois, o sujeito em suas atividades produtivas, tende
sempre a encontrar maneiras de exercitar sua autonomia e criatividade, caso contrário, o
trabalho gera desinteresse e desmotivação. (MERHY et al, 2009). A partir do exposto, nos
questionamos de que forma é possível instigar e articular a autonomia do sujeito à perspectiva
reflexiva e crítica da realidade?
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burocratização dos serviços de saúde, além de buscar ampliação da autoestima e a capacidade
de reflexão dos trabalhadores. (BRASIL, 2014). Sua principal estratégia é a problematização
das situações enfrentadas no cotidiano em coletivos através de espaços de diálogos, rodas de
conversa e mapeamento de fluxos de processos, para na potência desses encontros,
desenvolverem em conjunto um novo saber. Tal processo gera um movimento instituínte de
novas práticas (BRASIL, 2014), e possibilita o desenvolvimento de outras metodologias que
favoreçam o protagonismo da relação trabalhador em saúde e usuários do serviço. A educação
permanente produz trabalho vivo em ato, ou seja, estimula o processo de aprendizagem no ato
do trabalho rompendo com a educação bancária criticada por Paulo Freire (1987) e fazendo
do professor, não mais um depositário, mas um catalisador do processo de reflexão.
(BRASIL, 2014). É justamente através deste processo contínuo e crítico sobre a prática diária
do trabalhador em saúde que a teoria e prática se unem, gerando então o desenvolvimento de
novas aprendizagens e novas práticas que vão ao encontro de uma mudança no paradigma de
cuidado.
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priorizar o vínculo e o acolhimento nas relações, além de estimular a criatividade exigida para
enfrentar os obstáculos impostos pela situação de vulnerabilidade que comprometem a saúde
dos indivíduos. (AVELAR, 2014; GOMES et al, 2010).
Considerações Finais
O Sistema Único de Saúde (SUS) institui como eixo estruturante de sua política, a
tecnologia da atenção primária com enfoque na estratégia da prevenção e da promoção da
saúde onde o ACS possui um papel fundamental, a união de dois mundos distintos: a
comunidade e o serviço de saúde. Nesse sentido, é de extrema importância pensar sobre
como este trabalhador percebe as tensões entre a teoria e a prática de seu trabalho nos
diferentes espaços (a comunidade, o serviço de saúde e sua formação). Portanto, a partir
dos eixos de análise deste trabalho pudemos conceber uma série de características e
entraves no trabalho do ACS e diante disso, formular algumas hipóteses com o intuito de
potencializar as ações desse trabalhador. É importante salientar que todas as soluções
trazidas neste trabalho vão ao encontro das cartilhas e da PNAB (2011). Em função disso,
salientamos que o cumprimento da política, tal como, foi instituída supre os descompassos
apresentados neste trabalho. Em decorrência disso, o não cumprimento é um possível
sintoma da falta de entendimento e comprometimento dos gestores públicos acerca da
importância desse ator social na transformação dos paradigmas da saúde em direção a um
modelo de cuidado menos hospitalista, e mais preventivo e promotor de saúde.
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O modo como se dão as relações entre trabalhadores da saúde do sistema público e
da comunidade ainda carregam uma série de resquícios do modelo flexneriano de saúde
onde o usuário do serviço é visto de forma fragmentada, além de não ser considerado como
sujeito dotado de consciência sobre seu processo de adoecimento. Ou seja, o trabalhador da
saúde emite a ordem, e o sujeito atendido deve atendê-la sem q3uestioná-la. Tal processo
invalida, descaracteriza a autonomia do sujeito, bem como sua subjetividade (onde se
engloba suas crenças, seus valores e visão de mundo). Tal processo demonstra-se, um tanto
quanto ineficaz em muitos casos e é a partir desta ineficácia e endurecimento do modo de
fazer saúde que buscamos nos direcionar para encontrarmos formas mais eficazes de
cuidar.
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