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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

“JULIO DE MESQUITA FILHO”

FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS DE ASSIS

Desafios e Superações dos Trabalhadores de Saúde Pública com o Território:


Revisão Bibliográfica

Pedro Wilson Fonseca Junior

Prof. Dr. Sílvio Yasui

Assis
2017

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA


“JULIO DE MESQUITA FILHO”

FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS DE ASSIS

Desafios e Superações dos Trabalhadores de Saúde Pública com o Território:


Revisão Bibliográfica

Relatório de pesquisa realizado junto ao


departamento de Psicologia Social e
Educacional como finalização da pesquisa
fomentada pelo PIBIC/CNPq 2017-2018

Pedro Wilson Fonseca Junior

Prof. Dr. Sílvio Yasui

Assis
2017
SUMÁRIO

1 - Contexto Histórico da Política Nacional de Agentes Comunitários............................... 4

2
1.1 – Afinal, quem são os Agentes Comunitários de Saúde?............................................... 7

1.2 – A contratação do ACS e sua relação com a ESF.......................................................... 8

1.3 – O ACS e a Comunidade.............................................................................................. 12

2 – Buscando Superações: A Educação Permanente........................................................... 16

3 – Considerações Finais.......................................................................................................19

Referências Bibliográficas....................................................................................................21

1. O contexto da política nacional de Agentes Comunitários da Saúde

Para refletirmos acerca do trabalho dos agentes comunitário de Saúde (ACS), é


necessário retomamos o surgimento da estratégia dos agentes comunitários de Saúde no Brasil
dentro do Sistema Único de Saúde (SUS) e contextualizamos as transformações das políticas
de saúde no Brasil. Embora desde o fim da década de 1970 existam propostas semelhantes ao
da implementação de agentes comunitários para as demandas em saúde (ROSA et al, 2012), a
primeira experiência de implementação do Programa aconteceu em 1987 no Ceará – NO e
impactou positivamente aquela realidade em comparação com o restante do Brasil. (BRASIL,

3
2001). Frente o sucesso da estratégia dos ACS no Ceará, em 1991, o Ministério da Saúde
(MS) em parceria com secretários estaduais e municipais criaram o Programa Nacional de
Agente Comunitário da Saúde (PNACS) e posteriormente o Programa de Agentes
comunitário de saúde (PACS) com o objetivo de reduzir os indicadores de morbimortalidade
infantil e materna em função da seca no Nordeste Brasileiro (BARROS, 2010) e
concomitantemente, como destaca Nogueira (2000), fomentar o mercado de trabalho daquela
região.
Em 1994 foi criado o Programa de Saúde da Família (PSF), onde integrado ao PACS
(TOMAZ, 2002), possuíam o objetivo de dar continuidade à produção de saúde em caráter
universal, contrastando com modelo de saúde que vinha sendo utilizada na saúde anterior ao
SUS. Tal modelo delimitava a saúde pública a campanhas de vacinação, controle de endemias
e garantia a assistência à saúde por meio de alguns poucos hospitais especializados nas áreas
de psiquiatria e tuberculose. O poder público concentrava a produção de saúde através do
Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) onde se prestava
assistência em saúde aos seus associados, ou seja, os trabalhadores com “carteira assinada” e
seus dependentes, o restante da população era atendido, na condição de uma caridade, por
instituições filantrópicas. (SOUZA, 2002). Dessa forma, o acesso aos serviços de saúde
possuía um caráter segregacionista em contraste ao caráter universal do SUS.

Com a função de fomentar a saúde como um direito social e universal, o PSF possui
como sua principal tecnologia a Atenção Básica (Atenção Primária de Saúde). De acordo com
a Secretária de Políticas de Saúde (2000), a prioridade a Atenção Básica não ocorre apenas em
função do custo ou da simplicidade da tecnologia, mas em consideração ao entendimento dos
profissionais da saúde acerca do caráter fundamental da ferramenta para o SUS, caráter este
pautado na prevenção e na promoção de saúde. Nesse sentido, segundo Levcovitz et al (1996),
a PSF promove um modelo de atenção que objetiva reconhecer a saúde como um direito de
cidadania. Este reconhecimento deve ser traduzido em serviços integrais, e principalmente,
humanizado. Tal modelo de atenção concebia a família como foco, possibilitando que as
equipes tivessem uma compreensão maior sobre o processo saúde/doença e de intervenções
além das práticas curativas. Dessa forma, a PSF possuía como ponto básico o estabelecimento
de vínculos entre os profissionais da saúde e as famílias atendidas. (MARZARI et al, 2011).
Em 1996, com a Norma Operacional Básica do SUS (NOB/96), a PSF se transforma
em Estratégia da Saúde da Família (ESF) e em conjunto com o PACS são instituídos como
eixos estruturantes do SUS. Um dos objetivos da NOB/96 é definido por Levcovitz (2001):

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“A promoção e reorganização do modelo de atenção à saúde, adotando-se
como estratégia principal a ampliação de cobertura do Programa de Saúde
da Família (PSF) e Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS)
através da criação de um incentivo financeiro de acordo com a população
efetivamente coberta pelos programas e da incorporação dos procedimentos
relacionados aos programas no custeio federal da atenção básica”.
(Levcovitz E, et al, 2001; p 279.)

Apesar do lançamento do PACS em 1991 e da NOB/96, apenas em 1997 o MS


promulgou a Portaria 1886/GM a qual trazia as normas e diretrizes dos ACS e frisava
importância do ACS na consolidação dos princípios do SUS (CORRÊA, PFEIFFER, LORA,
2010), além de apresentar conceitos chaves da atuação do ACS como “educação”,
“promoção” e “prevenção”. Em outras palavras, a referida portaria incute sobre o ACS o
objetivo de transmitir uma educação preventiva e promotora de saúde, levando em
consideração o perfil socioeconômico da comunidade, bem como seus traços culturais e
religiosos (BRASIL, 1997).
A criação da Estratégia de Saúde da Família (ESF), portanto, norteou-se a partir de
uma concepção de saúde direcionada a produção social de saúde, baseada no cuidado, na
atenção primária e nas práticas sanitárias de vigilância, além de estruturar o SUS para a
redução do “hiato entre os direitos sociais constitucionalmente garantidos e a efetiva
capacidade de oferta dos serviços públicos associados aos mesmos” (BRASIL, 1997).
Com o objetivo de reunir e revisar as normas e diretrizes das políticas públicas
referentes à atenção básica, o MS promulgou, em 2006, a Política Nacional de Atenção Básica
(PNAB), cujo texto foi revisado em 2011 e em 2017. Na política encontram-se mais detalhes
acerca da atuação dos ACS, bem como sobre a atuação de cada técnico que compõe o quadro
de profissionais da ESF. O movimento de articulação dos dispositivos de saúde, de acordo
com a PNAB, possuía a intenção de articula-los em referência aos eixos transversais da
universalidade, integralidade e equidade e organizar um novo marco de descentralização e
controle social da gestão. (BRASIL, 2011)
A partir dessa contextualização, conclui-se que o PACS e a ESF possuem como
objetivo reorganizar a atenção básica e não apenas aumentar a extensão de cobertura do SUS.
(TOMAZ, 2002), e que as normas e diretrizes da PNAB devem ser norteadoras para o
trabalho do ACS. Entretanto, questionamos alguns paradoxos existentes entre as diretrizes e
funções deste trabalhador presentes na PNAB (2011) e a realidade de sua profissão. Nosso
questionamento vai ao encontro do que Zanchetta (2005) aponta em sua pesquisa com os ACS
que trabalham em favelas da área metropolitana do RJ:

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“No entanto, as narrativas do ACS indicam percepções de pouco
investimento gerencial no seu desenvolvimento pessoal e fortalecimento
profissional, apesar de ser ele, justamente, o porta-voz de uma política
pública que visa mobilizar potencialidades da população para assumir
tanto as ações preventivas, quanto participar das ações curativas em
matéria de cuidados de saúde. Ele é o responsável por identificar nas
comunidades “faveladas” as iniciativas cotidianas, os projetos de saúde,
as parcerias para aprender e ensinar para a vida e o bem-estar, mas ele não
se sente recebendo apoio para seu próprio desenvolvimento pessoal e
fortalecimento profissional. Como situar e entender essa contradição
básica?” (Zanchetta, 2005, p.1/2)

Percebemos a partir da PNAB (2011), que a educação em saúde possui um papel


fundamental no ofício do ACS com a comunidade, porém reiteramos a indagação da citação
acima, com o objetivo de demonstrar, nos eixos de análise deste trabalho as lacunas na
formação educacional dos profissionais, e outras questões que impedem o processo de
trabalho dos ACS tal como instituído pela PNAB. Tais lacunas, como destaca Marzari et al
(2011), levam o agente a construir uma singularidade profissional a qual independe de
incentivos ou cobranças pelos órgãos responsáveis de sua formação, porém cria disparidades
quando o profissional compara seu saber com os outros trabalhadores da equipe (NUNES et
al, 2002) e o obriga a utilizar do senso comum para sanar entraves do cotidiano.
Vislumbramos, portanto, refletir sobre o perfil dos ACS, tal como os desafios e as tensões
entre a teoria e a prática que constituem o cotidiano destes trabalhadores.

1.1 - Afinal, quem são os Agentes Comunitário de Saúde?

Atualmente no Brasil existem 260,7 mil ACS espalhados por todos os estados
brasileiros, segundos dados de 2017 do Ministério da Saúde. O ACS compõe uma equipe
interdisciplinar da ESF composta por um médico, um enfermeiro, um auxiliar ou técnico de
enfermagem e cinco ou seis ACS. Onde estes são responsáveis, cada um, por uma micro-área
em que a população não deve ser superior a 750 pessoas (BRASIL, 2011). Segundo Silva e
Dalmaso (2006) as motivações que levam um indivíduo a se tornar um ACS são a
possibilidade de um trabalho remunerado; poder ajudar a população tida como “carente”; e
por fim, a possibilidade do aprendizado e da profissionalização no campo de trabalho da
enfermagem.

6
Em 2017, a PNAB foi revisada e alterada em diversos pontos influentes ao trabalho do
ACS. Segundo a portaria n° 2.436 de 21 de setembro de 2017, a presença do ACS como
profissional e integrante da Atenção Básica pode não ser obrigatória. Pois, na nova PNAB, é
permitido que o município receba as verbas repassadas pelo governo federal ao instalar, o que
é chamado de “Equipes de Atenção Básica”, compostas por, no mínimo, um médico, um
enfermeiro e técnicos de enfermagem. Outra mudança ocorreu em relação às diretrizes do
trabalho dos ACS, uma série de funções que antes eram específicas dos ACS ou dos Agentes
Comunitários de Endemias (ACE), foram unificadas em um corpo de funções integradas às
duas categorias. Além disso, foram acrescidas novas funções aos ACS como: realizar
curativos, aferir pressão e temperatura, entre outras, desde que estes possuam formação para
tal. De acordo com o manifesto da ABRASCO (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) em
conjunto com a CEBES (Centro Brasileiro de Estudos da Saúde) e a ENSP/Fiocruz (Escola
Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca) de 27 de Julho de 2017, esta reformulação coloca
em cheque a presença dos ACS como integrante da atenção básica.

Cada agente em consonância com a sua comunidade, pode trazer aspectos culturais
muito próprios, afinal, cada equipe de saúde carrega em seu trabalho valores, crenças e
características singulares de seu meio. Nesse sentido, há diversas situações em que a área da
saúde ainda não desenvolveu um saber sistematizado ou instrumentos para resolvê-las, como
as relações familiares, o contato com a situação de vida precária que trazem risco a saúde dos
indivíduos, e a posição do ACS frente às desigualdades sociais e a busca por cidadania.
(SILVA E DALMASO, 2002). Tais situações revelam lacunas e fazem com que os ACS
busquem saná-las a partir do senso comum proveniente de suas experiências e crenças. Tais
fenômenos abrem margem para uma singularidade profissional destacada por Marzari et al
(2011).
Nesse sentido, ao trazermos à tona a pergunta: “quem são os ACS?” percebe-se que a
partir do recorte da literatura estudada é possível captar perfis muito restritos a realidade
cultural própria dos 270,6 mil ACS que compõe os serviços de saúde no Brasil. Mas, mesmo
com tais limitações, temos como objetivo compreender: por quais vias se contratam os ACS;
seu papel dentro do ambiente interdisciplinar da ESF; como esse ACS se sente em relação ao
vínculo comunitário; e por fim, quais as formas de superarmos as lacunas existentes entre a
teoria e a prática do ofício. O objetivo destes eixos de análise são refletir criticamente acerca
das tensões existentes nestas relações. Para exemplificar tais tensões e disparidades trazemos
mais uma vez Zanchetta et al (2005):

7
“[…] para a comunidade deveria ser a alimentação; para os ACS, ofertas e
oportunidades de emprego, promoção de bem-estar social, alfabetização,
saneamento, educação e saúde; para os profissionais do CMS,
informações sobre cuidados de saúde preventiva e controle de condições
clínicas através de orientações à saúde.”
(Zanchetta MS et al, 2005, p.6)

1.2 A contratação do ACS e sua relação com a ESF

Para iniciarmos a discussão a respeito da relação entre ACS e a gestão pública


escolhemos tratar daquilo que vincula o ACS ao seu trabalho: as formas de contratação. É
visível na literatura estudada (SANTOS et al, 2011; ZANCHETTA, 2003) que existe uma
defasagem na regulamentação da profissão, mesmo está sendo regulamentada desde 2002, a
partir da lei n° 10.501. Segundo Santos et al (2011) ainda há contratos de caráter precários e
muitos sem garantias trabalhistas. Este fato, segundo Zanchetta (2003) demonstra uma
contradição: embora os ACS sejam “porta-voz de uma política pública que visa mobilizar
potencialidades da população para assumir tanto as ações preventivas, quanto participar das
ações curativas em matéria de cuidados de saúde”, os gestores em saúde não consideram os
ACS como uma categoria permanente e essencial para o desenvolvimento da ESF e da
consolidação das diretrizes do SUS. Segundo Santos et al (2011), este descaso afeta o
processo de trabalho do ACS de forma que este se sente descompromissado, desmotivado e
inseguro frente seu ofício, dessa forma, quem também sente – direta e indiretamente – o
descaso dos gestores em saúde com a classe dos ACS é a população, de maioria pobre, que
demanda desta produção em saúde. Com o objetivo de colocar luz sobre os possíveis
contratos os quais podem se estabelecer entre as secretarias municipais de saúde e os ACS,
destaca Nogueira et al (2000):

“A relação de trabalho do ACS pode ser de emprego formal,


regulada por dispositivos legais tais como a Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT) e o regime jurídico dos servidores públicos estatutários
do município; também pode ser de autonomia formal, como é o caso dos
membros de uma cooperativa, cujo trabalho está regulamentado por lei
específica; ou pode ser de emprego informal ou “prestação de serviço”,
caso em que recebe apenas o valor nominal de seu salário,
desacompanhado das obrigações sociais previstas em lei.”
(Nogueira RP et al, 2000, p. 16)

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A partir da promulgação da lei n° 12.994 de 17 de Junho de 2014, visava-se reverter à
fragilidade de direitos na contratação dos ACS nos serviços públicos, bem como instituir o
piso salarial profissional e as diretrizes para o plano de carreira dos ACS, dessa forma, vedou-
se a contratação temporária ou terceirizada destes trabalhadores, salvo na hipótese de combate
a surtos epidêmicos. (BRASIL, 2014). Entretanto, segundo Simas e Pinto (2017) as
contratações por fundações, organizações da sociedade civil de interesse público,
organizações sociais e consórcios intermunicipais, ainda são formas de contratação adotadas
pelos gestores de saúde em algumas regiões do país.

Dentre a bibliografia pesquisada, percebemos diversas nuances no que tange o ACS e


sua relação com outros trabalhadores da ESF, segundo Nunes et al (2002), em sua pesquisa
qualitativa acerca dos ACS em áreas urbanas e rurais de cinco municípios da Bahia – BA,
revela que podem existir algumas desarmonias nesta relação: primeiramente destaca-se que o
saber biomédico traz orgulho ao ACS e prestígio na comunidade, no sentido de ter agregado,
além do saber popular, um outro saber. Porém, por outro lado, gera-se ansiedade quando o
ACS compara este conhecimento com o conhecimento do restante da equipe interdisciplinar
da ESF. Além disso, ainda segundo Nunes et al (2002), quando existe, em um determinado
território, apenas o PACS e implanta-se posteriormente, uma ESF, a chegada desta equipe de
saúde pode inibir a autonomia dos ACS, bem como ocorrem casos em que há disputa do
prestígio social causando assim certa tensão na produção em saúde.
Esta desarmonia entre diferentes áreas técnicas é uma tensão constatada entre as
diretrizes do ofício e a prática do mesmo, pois em “Das atribuições dos membros das equipes
de atenção básica” (item 4.3) presente na PNAB (2011) diz que uma das características deste
processo deve ser o “Realizar trabalho interdisciplinar e em equipe, integrando áreas técnicas
e profissionais de diferentes formações” (sub item XIII). Além desse ponto em específico,
existem outros onde se destaca a valorização, e o fomento a autonomia de cada categoria
profissional dentro do ambiente de trabalho da ESF, com o objetivo de um fazer saúde
interdisciplinar.
Contudo, também houve evidências (MARZARI et al, 2011) de que a chegada da ESF
no território amplia o poder de resolutividade dos ACS, trazendo assim mais prestígio social
aos trabalhadores. Nestes casos, tais relações revelam a importância da existência de
diferenças técnicas dentro da equipe da ESF, pois segundo Marzari et al (2011), tal fato não
deve ser visto como negativo, mas como uma característica que universalize o atendimento,
onde cada membro da equipe interdisciplinar analisa os fatos cotidianos de uma forma
totalizante a partir das particularidades de seus conhecimentos técnicos.

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A respeito desta integração, corroboramos com os apontamentos de Peduzzi (2001)
que estabelece alguns critérios para eficácia da produção de saúde da equipe interdisciplinar: a
comunicação entre os diferentes profissionais da equipe; as articulações das ações; o
reconhecimento das diferenças técnicas entre os trabalhadores; o questionamento das
desigualdades estabelecidas entre os diversos trabalhos e o reconhecimento da autonomia e da
independência de cada profissional. No que concerne ao ACS, sua função particular na
articulação com os outros profissionais da ESF é decodificar as demandas da população e as
traduzir para a equipe de saúde, criando assim estratégias de encaminhamento das resoluções.
(MARZARI et al, 2011)
A partir de um dos apontamentos de Peduzzi (2001) - “a independência de cada
profissional” - podemos refletir acerca do compromisso da gestão em saúde com a classe dos
ACS no que tange a formação e como isso influencia nas demais relações com os
profissionais da ESF. Segundo Zanchetta et al (2005) existe uma ambiguidade sentida pelos
próprios ACS, ao passo que os profissionais da ESF os cobram por uma autonomia constante,
os ACS sentem-se carentes de apoio para desenvolver tal autonomia.
Em função disso, de acordo com Gomes et al (2009), um das soluções para se
estabelecer tal autonomia seja o enfoque numa educação que a estimule, e que vá além da
concepção bancária – a qual “educação é um ato de depositar, transferir e transmitir valores e
conhecimentos para seres de adaptação e ajustamento, passivos, ingênuos, acríticos e
possuidores de um poder criativo mínimo” (FREIRE, 1987) – ou seja, um modo de educar
que empodere o trabalhador e que esteja implicada com os valores do SUS. Pois, segundo
Costa et al (2013) os ACS que se sentem mais apropriados em relação aos princípios do SUS
apresentam maiores participações em ações comunitárias.
Todavia, Gomes et al (2009) em sua pesquisa com os ACS de Cajuri – MG
demonstrou que há inadequação do nível de apreensão e conhecimento destes princípios pelos
trabalhadores, ou seja, os ACS, apesar de se sentirem enquadrados como trabalhadores do
SUS, não conseguem vislumbrar a integração do PACS e ESF dentro da rede de saúde (Rosa
et al, 2004), tal fato diminui a eficácia da produção de saúde em rede e das trocas entre
trabalhadores da ESF, bem como, reduz as possibilidades de possíveis promoções de ações
intersetoriais objetivadas por ACS. Portanto, acreditamos que a ênfase em uma formação
crítica e que gere autonomia, além de trazer uma maior presença dos ACS nas ações
comunitárias, também diminuiria os índices de ansiedade quando o ACS compara seu
conhecimento com o dos outros profissionais da ESF, como apontou Nunes et al (2002).
Diante do exposto, percebemos que a deficiência na formação do ACS vai de encontro a
uma das atribuições de seu trabalho presente na PNAB (2011): “Desenvolver atividades de

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promoção à saúde, de prevenção das doenças e de agravos, e de vigilância à saúde, por meio
de visitas domiciliares e de ações educativas individuais e coletivas nos domicílios e na
comunidade, mantendo a equipe informada a respeito daqueles em situação de risco”. Como é
possível educar acerca da saúde e transmitir as informações ao restante da equipe da ESF, sem
vislumbrar a integração do PACS e ESF? Ou mesmo, sem um ponto de vista crítico na
vigilância a saúde?
Outra reflexão importante a ser feita no que concerne à relação entre os ACS e a
gestão pública é a respeito das “ações intersetoriais”. Embora uma das características
presentes na PNAB (2011) em “Do Processo de Trabalho das Equipes de Atenção Básica”
(item 4.2) seja “Desenvolver ações intersetoriais, integrando projetos e redes de apoio social
voltados par o desenvolvimento de uma atenção integral” (sub item X), diversos estudos
revelam que um dos principais motivos para o que o ACS não consiga cumprir com suas
atribuições, são as limitadas condições socioeconômicas das famílias acompanhadas
(NUNES, et al 2002; ZANCHETTA et al, 2005). Segundo Zanchetta et al (2005), os
profissionais de saúde se sentem impotente diante da miséria, o desemprego, a falta de higiene
e a fome, entre outras situações as quais deveriam ser da responsabilidade de outros setores
públicos do governo, ou seja, sentem-se paliativos frente a uma situação catastrófica de
violações de direitos.

1.3 O ACS e a Comunidade

É notório que o ACS tem um papel fundamental na conexão de dois mundos distintos:
a comunidade e seus traços culturais particulares, e a equipe de saúde norteada pelo
conhecimento científico. De acordo com as atribuições da profissão ACS definidas pelo MS
na PNAB (2011), existem especificamente duas delas que pretendemos destacar: a primeira
diz que o ACS deve orientar a família para o uso correto dos serviços de saúde; e a segunda
diz que o ACS deve orientar o serviço de saúde daquele território sobre a dinâmica
social/familiar ali existente, tais atribuições identificam o movimento bidirecional desses
profissionais (NUNES et al, 2002). Os ACS, portanto, decodificam as necessidades da
comunidade ao passo que têm como objetivo prevenirem riscos e promoverem a saúde com
uma linguagem adequada ao entendimento da população. Outro ponto positivo desta relação é
que em diversas vezes, em função da burocracia dos dispositivos de saúde para o acesso de
um especialista, em função da autonomia de seu trabalho e do vínculo com a comunidade, o
ACS configura-se como o primeiro contato dos indivíduos quando estes possuem alguma
necessidade em saúde (MARZARI et al, 2011).

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A lei 10.507 de 2002 deu início à regulamentação da profissão dos ACS, porém em 2006
esta lei foi revogada e substituída pela lei 11.350 que trazia novas diretrizes e regras para a
contratação e manutenção do trabalho do ACS no Brasil. O Art. 6º desta lei estabelece que o
ACS deva residir no território em que trabalhará. Tal regra tem por finalidade, segundo Nunes
et al (2002), o aumento da eficácia das ações de educação em saúde, em função do ACS
compartilhar o mesmo contexto social, cultural e linguístico, além de facilitar o
desenvolvimento de estratégias mais eficazes no âmbito da adesão às recomendações médicas
(NUNES et al, 2002). Porém, salienta Marzari et al (2011) que, embora o ACS resida na
mesma comunidade que a população atendida, isso não garante facilidade na criação de
vínculos necessários a produção de saúde, pois há muitos moradores que não compreendem
qual o papel daquele profissional na comunidade. As resistências podem manifestar-se desde
o não acolhimento dos comportamentos ensinados, como a recusa de receber o ACS em casa.
Esta resistência revela que, nesses casos, não existe um diálogo entre o saber popular e o
saber médico que permita refletir como ambos podem contribuir para o bem-estar das
pessoas, ou seja, por um lado, é fato que algumas práticas populares fazem mal a saúde do
ponto de vista biomédico, mas por outro, é necessária a compreensão de que tais práticas
estão inscritas no contexto cultural daquela comunidade (NUNES et al, 2002), e devem ser
levadas em consideração na relação entre ACS e comunidade.
Com fins de exemplificar a dificuldade do trabalho do ACS ser permeado apenas pelo
eixo biomédico e as dificuldades da criação de vínculos a partir dessa abordagem, segundo
Gomes et al (2009) as orientações dos ACS de Cajuri – MG, em sua maioria são feitas de
forma individualizada, centrada nas questões médicas e na prevenção de alguns riscos em
específico, ou seja, uma abordagem focalista e de uso estrito do saber biomédico que
desconsidera dinâmica familiar e o contexto histórico-social do processo saúde-doença.
(GOMES et al, 2009; SILVA e DALMASO, 2002) Esta relação estritamente biomédica
deslegitima vivências e experiências próprias dos sujeitos acerca da sua própria saúde, além
de ser vertical e unidirecional e produzida como se não prescindisse da cooperação do sujeito
ali cuidado, ou seja, como se adesão ao tratamento acontecesse automaticamente a partir da
“iluminação” técnica sobre o problema. (MERHY et al, 2009). Dessa forma, concebemos que
tal abordagem encontra sérias dificuldades no que concerne a aceitação da comunidade para
tais orientações estritamente técnicas, pois, segundo Silva e Dalmaso (2002), estas correm
maiores riscos de serem percebidas como intervencionismo exagerado dos ACS na vida dos
indivíduos. Além disso, está abordagem é oposta a possibilidade da criação de vínculos, bem

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como do atendimento humanizado como consta nas atribuições comuns aos profissionais da
ESF presente na PNAB (2011).
No sentido de reiterar uma produção de saúde alicerçada com os princípios do SUS e
sintonizada com o conceito de saúde da OMS: “saúde é o estado do mais completo bem-estar
físico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidade” (OMS, 1948), resgatamos
Merhy et al (2009) com o objetivo de mostrar um outro paradigma de cuidado e de produção
de saúde que, através de um trabalho vivo em ato, não restrito ao saber medicalizador, mas
com o aporte das tecnologias leves.
Para Merhy et al (2009), no encontro entre médico/trabalhador da saúde e usuário, o
trabalhador utiliza a “caixa de ferramentas tecnológicas”. As ferramentas tecnológicas
representam saberes materiais e imateriais envolvidos no conjunto de ações que o profissional
em relação ao usuário pode utilizar na interseção do processo de produção de saúde. São três
tipos de tecnologias: as tecnologias duras fazem referência aos procedimentos terapêuticos e
diagnósticos (exames, utilização de medicações e outros equipamentos); as tecnologias leve-
duras são os saberes que permitem que o médico apreenda o mundo e necessidades do usuário
a partir de um ponto de vista específico, ou seja, dos saberes bem definidos da clínica e da
epidemiologia. Já a terceira caixa de ferramentas, as tecnologias leves traz a noção de uma
produção de vínculo entre profissional e usuário mediante a escuta, o interesse, a construção
de vínculos, de confiança e que possibilite captar a singularidade e o contexto cultural por
parte do usuário, ou seja:

“A transformação dos serviços de saúde, portanto, é possível a partir de


mudanças no processo de trabalho, desde que se permita que o trabalho
vivo, que opera a partir do conhecimento e das relações estabelecidas entre
os próprios trabalhadores e destes com os usuários seja o fator
determinante na organização e operacionalização dos
serviços/estabelecimentos. Este é o terreno das tecnologias leves, capazes
de conduzir a processos de mudanças na micropolítica da organização dos
serviços de saúde.”
(Merhy E.E et al,1997, p,121.)

No que tange aos ACS, consideramos indispensável à produção de vínculos entre


profissional e usuário, para que seja possível processos de saúde baseados no ato do
cuidado. Além disso, estes trabalhadores devem desenvolver habilidades específicas para a
construção e manutenção da qualidade da assistência prestada como: uma boa
comunicação com a população; bom relacionamento interpessoal com a equipe; senso de
organização e constante vigilância em saúde (FRAGA, 2011). Somado a isso, segundo

13
Marzari (2007), o ACS deve ter um perfil que englobe as perspectivas relacionadas à
percepção e sensibilidade acerca do território, ou seja, o agente precisa possuir uma visão
macro de sua comunidade.
Tais questões trazidas até o momento fazem recortes de dois modos de fazer saúde
específicos: um estritamente técnico e bancário; e um outro que vai além da técnica e se
baseia no encontro e na criação de vínculos entre técnico e usuário. Porém, além dessas
duas dimensões, segundo Silva e Dalmaso (2006) há uma dimensão política, que
transcende o campo da saúde e se direciona a organização da comunidade, ou seja, busca
entender e transformar as condições sociais da comunidade. Nesse sentido, Gomes et al
(2009) chama a atenção para o que está além da necessidade de identificar e definir as
demandas em saúde: o ACS deve ter uma formação que o permite identificar as condições
institucionais para viabilizar as ações e caminhos a se percorrerem para lidar com os
problemas resultantes da pobreza e da desigualdade social presentes no cotidiano
brasileiro.
Tais fatos demonstram o quanto o ACS é um trabalhador genérico, e corrobora
acerca do que aponta Nogueira et al (2000), as funções dos ACS “transcendem o campo da
saúde, na medida em que, para serem bem realizadas requerem atenção a múltiplos
aspectos das condições de vida da população, situado no âmbito daquilo que se
convenciona chamar de ação intersetorial”. Diante disso, reiteramos a importância de um
olhar crítico dos trabalhadores da saúde acerca da realidade a sua volta, para que se façam
cumprir os princípios gerais da atenção básica, e possibilite cobrar as diferentes esferas do
governo suas respectivas responsabilidades acerca dos processos de prevenção e promoção
de saúde.
Diante do exposto, percebemos que há uma dimensão para além daquela
estritamente técnica que reduz a saúde a procedimentos biomédicos. Portanto,
consideramos demonstrar o quão importante é o planejamento e execução dos gestores
públicos das esferas governamentais, estaduais e municipais, numa formação não bancária
e que esteja de acordo com uma produção de saúde baseada no ato do cuidado e nos
princípios do SUS, pois como já demonstramos aqui, segundo Costa et al (2013), os ACS
que possuem maior compreensão dos princípios do SUS, também possuem mais
participação em ações comunitárias, ou seja, a ação dos ACS na comunidade transpassa o
campo da saúde, e corrobora com a noção de um trabalhador sui generis. (NOGUEIRA et
al, 2000). Entretanto, como enxergar além dos “saberes clínicos científicos que a medicina
do corpo de órgãos do século XIX construiu como forma de ver e falar do sofrimento
humano, em geral, tanto na medicina como na saúde pública”? (MERHY et al, 2009)

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2. Buscando superações: A Educação Permanente

Em vários pontos desta pesquisa destacamos, direta e indiretamente, a necessidade


do investimento das diferentes esferas do governo em formas de suprirem as lacunas
existentes nas práticas dos ACS. É notória a existência de uma grande expectativa sobre
estes trabalhadores para que alcancem os espaços em que os serviços de saúde não
alcançam, ou seja, para que cumpram o objetivo de ser o elo entre a comunidade e os
dispositivos de saúde pública. Como destaca Zanchetta (2005), o ACS é “o porta-voz de
uma política pública que visa mobilizar potencialidades da população para assumir tanto as
ações preventivas, quanto participar das ações curativas em matéria de cuidados de saúde”.
Nesse sentido, o ACS tem grande responsabilidade para um processo de transformação
social e de uma mudança paradigmática no campo da saúde. Entretanto, este processo é
lento e demanda esforços em conjunto não apenas dos trabalhadores da saúde, mas também
a partir de medidas intersetoriais. Ou seja, o ACS não deve ser um super-herói (TOMAZ,
2002), mas o resultado de uma estratégia que necessita estar em permanente construção,
assim como a prática de trabalho dos profissionais dentro do campo da saúde.
Segundo Marzari et al (2011), é possível pensarmos em dois perfis de agentes: o
primeiro seria como um promotor de conscientização, mobilização e organização social da
comunidade. Este agente estaria apto a discutir sobre as relações do entre os fatores
político-sociais mais abrangentes no processo saúde-doença. O segundo perfil, concebe um
agente sanitário com formação técnica, que dirige seu trabalho a partir de respostas as
demandas individuais de saúde definidos pela sua unidade responsável. De acordo com
Silva e Dalmaso (2002), o ACS concebe-se como um organizador do acesso à saúde, além
de um fiscalizador das demandas em saúde da comunidade. Portanto, para objetivar esse
papel o ACS deve estar sensível ao contexto cultural do meio e de como este contexto se
articula com o processo saúde-doença, ultrapassando a perspectiva estritamente biomédica
e incorporando saberes diversos que o habilite nessa interação contínua com as famílias
(NUNES et al, 2002; GOMES et al, 2009). Um ACS atuante apenas na dimensão sanitária e
fiscalizadora não basta, pois:

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Por um lado, a extrema objetivação e a focalização do olhar e da ação
sobre o corpo biológico deixam de lado muitos outros elementos que são
constitutivos da produção da vida e que não são incluídos, trabalhados,
tanto na tentativa de compreender a situação, como nas intervenções para
enfrentá-la. Mais ainda, a busca objetiva do problema biológico tem
levado a que a ação do profissional esteja centrada nos procedimentos,
esvaziada de interesse no outro, com escuta empobrecida. Assim, as ações
de saúde têm perdido sua dimensão cuidadora e, apesar dos contínuos
avanços científicos, elas têm perdido potência e eficácia.
(Merhy, E.E, 2009, p.2)

Nesse sentido, para construirmos um novo modo de fazer saúde é necessário que os
trabalhadores dos diversos serviços de saúde (inclui-se aqui os gestores) estejam empenhados
num processo criativo e de constante reflexão das práticas individuais e coletivas, bem como
dos resultados destas. Segundo Merhy et al (2009), este processo produz trabalho vivo em
ato, ou seja, um modo de trabalho onde utiliza-se certa autonomia para refletir e agir na
resolução das demandas em saúde. Pois, o sujeito em suas atividades produtivas, tende
sempre a encontrar maneiras de exercitar sua autonomia e criatividade, caso contrário, o
trabalho gera desinteresse e desmotivação. (MERHY et al, 2009). A partir do exposto, nos
questionamos de que forma é possível instigar e articular a autonomia do sujeito à perspectiva
reflexiva e crítica da realidade?

A educação, portanto, é o instrumento que possui a capacidade de “corrigir o


descompasso entre a orientação da formação, o desenvolvimento dos profissionais do campo
de saúde e os princípios e as diretrizes do SUS” (BRASIL, 2014). Contudo, é necessário
elucidarmos acerca de que educação, propomos para sanar tal descompasso, afinal, como nos
ensina Paulo Freire (1989), o ser humano só pode ser compreendido dentro de seu contexto,
apenas ele pode ser sujeito de sua própria formação e só se desenvolve por meio da reflexão
sobre seu lugar no mundo. Ainda, nesse sentido, segundo Roschke (1997), o aprendizado pode
ser comparado a um movimento dialético de evolução em espiral, que transforma as estruturas
cognitivas para que seja possível a realização de processos novos e cada vez mais complexos,
dessa forma, o saber nunca se esgota e é sempre transitório, portanto, é necessário este esteja
em permanente construção através da autonomia e da reflexão do sujeito sobre seus atos e seu
lugar no mundo.

A Educação Permanente (EP) é uma proposta ético-político-pedagógica que visa


instigar a aprendizagem no próprio processo de trabalho e diminuir a alienação, bem como a

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burocratização dos serviços de saúde, além de buscar ampliação da autoestima e a capacidade
de reflexão dos trabalhadores. (BRASIL, 2014). Sua principal estratégia é a problematização
das situações enfrentadas no cotidiano em coletivos através de espaços de diálogos, rodas de
conversa e mapeamento de fluxos de processos, para na potência desses encontros,
desenvolverem em conjunto um novo saber. Tal processo gera um movimento instituínte de
novas práticas (BRASIL, 2014), e possibilita o desenvolvimento de outras metodologias que
favoreçam o protagonismo da relação trabalhador em saúde e usuários do serviço. A educação
permanente produz trabalho vivo em ato, ou seja, estimula o processo de aprendizagem no ato
do trabalho rompendo com a educação bancária criticada por Paulo Freire (1987) e fazendo
do professor, não mais um depositário, mas um catalisador do processo de reflexão.
(BRASIL, 2014). É justamente através deste processo contínuo e crítico sobre a prática diária
do trabalhador em saúde que a teoria e prática se unem, gerando então o desenvolvimento de
novas aprendizagens e novas práticas que vão ao encontro de uma mudança no paradigma de
cuidado.

Em 2004, o MS promulgou a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde


(EPS). Essa nova política, segundo Barros et al (2010), “rompeu com a lógica centralizada e
descendente da oferta de cursos padronizados, favorecendo transformações como a
democratização institucional, o uso de metodologias participativas para discutir a realidade, o
enfrentamento criativo das situações de trabalho e o trabalho em equipes matriciais.” Na
PNAB (2011), a responsabilidade da promoção da EP compete ás secretárias estaduais de
Saúde e ao distrito federal em articulação com as secretárias municipais. Um ponto
importante a ser destacado é que, segundo França et al (2017), uma das principais
dificuldades apontadas pelos gestores em saúde na liberação dos recursos financeiros para
EPS são de natureza administrativa, e de conteúdo jurídico-legal, ou seja, os gestores
encontram uma série de dificuldades jurídicas e administrativas para executar os recursos
financeiros em ações de EPS, e assim, o investimento é devolvido ao MS.

Apesar da criação da Política de Educação Permanente em Saúde no ano de 2004,


apenas em 2012 o MS coordenou um processo de planejamento participativo para a
elaboração de um Plano de Educação Permanente em Saúde do MS 2013 (PEP 2013) com a
perspectiva de inclusão de todos os trabalhadores. (BRASIL, 2014) Neste movimento, o MS
buscou parceria de associações e Universidades e propôs uma nova agenda “Educação
Permanente em Movimento no MS” com o objetivo de “fortalecer a Educação Permanente
como dispositivo estratégico da gestão do aprendizado no trabalho, com o trabalho e para o
trabalho” (BRASIL, 2014). No que concerne ao ACS, à educação permanente é uma forma de

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priorizar o vínculo e o acolhimento nas relações, além de estimular a criatividade exigida para
enfrentar os obstáculos impostos pela situação de vulnerabilidade que comprometem a saúde
dos indivíduos. (AVELAR, 2014; GOMES et al, 2010).

Acreditamos, portanto, que o fortalecimento constante e o cumprimento por parte do


MS e dos gestores de saúde da agenda de Educação Permanente dentro do contexto dos ACS
é de fundamental importância para a transformação das relações de trabalho em saúde
segundo os dois eixos aqui apontado: a relação dos ACS com outros profissionais e a relação
dos ACS com a comunidade. A educação permanente é uma estratégia com o objetivo de
instigar a reflexão do trabalhador da saúde a partir do encontro com o outro trabalhador, com
outras metodologias e outras formas de fazer saúde. Ou seja, a EP aposta na micropolítica do
trabalho vivo em ato que permite ao profissional poder ouvir, cuidar e criar vínculos, pois “a
extrema objetivação e a focalização do olhar e da ação sobre o corpo biológico deixam de
lado muitos outros elementos que são constitutivos da produção de vida e que não incluídos,
trabalhados, tanto na tentativa de compreender a situação, como nas intervenções para
enfrentá-la” (MERHY, et al, 2009).

Considerações Finais

O Sistema Único de Saúde (SUS) institui como eixo estruturante de sua política, a
tecnologia da atenção primária com enfoque na estratégia da prevenção e da promoção da
saúde onde o ACS possui um papel fundamental, a união de dois mundos distintos: a
comunidade e o serviço de saúde. Nesse sentido, é de extrema importância pensar sobre
como este trabalhador percebe as tensões entre a teoria e a prática de seu trabalho nos
diferentes espaços (a comunidade, o serviço de saúde e sua formação). Portanto, a partir
dos eixos de análise deste trabalho pudemos conceber uma série de características e
entraves no trabalho do ACS e diante disso, formular algumas hipóteses com o intuito de
potencializar as ações desse trabalhador. É importante salientar que todas as soluções
trazidas neste trabalho vão ao encontro das cartilhas e da PNAB (2011). Em função disso,
salientamos que o cumprimento da política, tal como, foi instituída supre os descompassos
apresentados neste trabalho. Em decorrência disso, o não cumprimento é um possível
sintoma da falta de entendimento e comprometimento dos gestores públicos acerca da
importância desse ator social na transformação dos paradigmas da saúde em direção a um
modelo de cuidado menos hospitalista, e mais preventivo e promotor de saúde.

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O modo como se dão as relações entre trabalhadores da saúde do sistema público e
da comunidade ainda carregam uma série de resquícios do modelo flexneriano de saúde
onde o usuário do serviço é visto de forma fragmentada, além de não ser considerado como
sujeito dotado de consciência sobre seu processo de adoecimento. Ou seja, o trabalhador da
saúde emite a ordem, e o sujeito atendido deve atendê-la sem q3uestioná-la. Tal processo
invalida, descaracteriza a autonomia do sujeito, bem como sua subjetividade (onde se
engloba suas crenças, seus valores e visão de mundo). Tal processo demonstra-se, um tanto
quanto ineficaz em muitos casos e é a partir desta ineficácia e endurecimento do modo de
fazer saúde que buscamos nos direcionar para encontrarmos formas mais eficazes de
cuidar.

Nesse sentido, as dificuldades e obstáculos do ACS para cumprir com as normas e


diretrizes da PNAB pode ser consequência de uma série de fatores, dentre eles, a escassez
de investimento em medidas intersetoriais, o não investimento e planejamento, por parte
das esferas governamentais, em política de educação permanente e por fim, na tentativa de
sanar as lacunas da formação e das medidas intersetoriais, o ACS se vê obrigado a utilizar
do senso comum, ou reproduzir práticas estritamente técnicas de saúde, e que como
supracitado, são avessas a criação de vínculos e de outros modos de cuidado.

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