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mas de suas configurações nas letras do rock nacional dos anos 80. Outrossim, deve-se
assinalar ainda que tais representações são aqui concebidas como mediações de uma cons-
telação ampla de valores que parece fazer parte do conjunto do imaginário da juventude
neste período. Ademais, embora o presente estudo não tenha dedicado qualquer atenção
às formas de recepção ou fruição daqueles produtos culturais por parte do público jovem,
o que demandaria uma outra ordem de investigação distinta do que está sendo proposto
discussão levada a efeito nos capítulos anteriores: em primeiro lugar, com respeito ao
unilateral, diz também respeito ao fato de ser este segmento jovem o que compõe o grande
público daquilo que pode ser caracterizado como o maior fenômeno comercial em
inicial para a escolha das bandas foi, prioritariamente, embora não exclusivamente, o de
sua figuração na Parada do Leitor da revista Bizz - que, de resto, confirma o que é
revelado por outras fontes de informação sobre os hits de sucesso. Contudo deve ficar
claro, desde o início, que só neste ponto é que se procurou fazer alguma referência aos
aspectos mercadológicos do fenômeno musical do rock. Visto que se está tratando, neste
rock.
considerar o fato de que não se está tratando este fenômeno musical como seguindo a
e onde quer que se tenha manifestado, o rock tem sido marcado por uma grande variedade
de estilos, com ramificações diversas, muitas vezes distintas entre si; mas, também, por
uma série de fusões, que é o que tem dado prosseguimento ao forte dinamismo deste
gênero musical. Ainda mais por ele se encontrar, em sua multiformidade, associado a
uma pluralidade de grupos e/ou movimentos juvenis; quando não surgem diretamente
destes grupos. Conforme ficou definido, tomou-se apenas o procedimento da análise das
Por outro lado, talvez seja conveniente lembrar que são bem anteriores as manifes-
regionais e das bandas do rock pauleira e progressivo e, por fim, a grande explosão do
do seu surgimento nos EUA. O Brasil vivia sob o signo da modernização, inspirado na
arrancada desenvolvimentista de JK, com o seu lema dos “50 anos em 5”. O avanço
país, são alguns dos motivos de certo clima de euforia então reinante. Ao mesmo tempo,
Brasil. No plano musical, além das primeiras manifestações do rock, este período vai
das classes médias: potencialmente o setor que corresponderia à expansão em novos pa-
drões do consumo de bens duráveis que então se acelerava, e isso incluía o consumo dos
partir de tais transformações, estes setores ainda compartiam uma moral fortemente
encontrou seu primeiro e principal meio de difusão em massa. O filme Rock Around the
Clock, lançado aqui em meados dos anos 50, tem sido apontado como o marco inicial de
dificuldade inicial de difusão do rock em efervescência nos EUA, já que os primeiros hits
deste gênero não haviam sido gravados em gravadoras de grande porte, levou a que os
produtores brasileiros gravassem outras versões (ainda em inglês) de algumas das canções
que haviam obtido maior sucesso: é o caso da canção homônima ao já referido filme, em
que a interpretação de Bill Haley é substituída pela de Nora Ney; e esse será o caso,
também, de outros artistas como, por exemplo, Cauby Peixoto. O ano de 1959 é, contudo,
aquele em que Cely Campello lança a sua versão em português da música Stupid Cupid,
de Neil Sedaka e Greenfield, obtendo grande sucesso e abrindo maior espaço para o rock
no Brasil. Agora, não se trata de simples covers do rock americano, na forma como o fez
Nora Ney; tratava-se, isto sim, de versões em português daquelas músicas: que fez crescer
autor das versões, espécie de letrista que fazia para o português as adaptações de hits
Jorge.
Após o sucesso de Cely Campello com Estúpido Cupido, é a vez de outros nomes
Brasil e o público jovem; visto que Nora Ney, por exemplo, estava mais para o que se
canções eram versões ingênuas, marcada de forte romantismo e tímida rebeldia: tudo ao
sabor de certa aura de Brasil moderno, cujo entusiasmo se inspirava no american way of
life do pós-guerra - este é, aliás, um período de grande presença, entre nós, dos produtos
Após a saída de cena de Cely Campello, que troca a carreira de cantora por um
casamento, esta primeira fase do rock no Brasil declina, após ter estado no ar em
daquela fase inicial do rock ainda ecoa na voz de Ronnie Cord com Rua Augusta.
Também neste momento, vai se delineando uma nova safra de cantores que, ainda
marcada pelo rock dos anos 50, já incorpora toda uma influência do que surgia, no plano
inicial nos EUA: trata-se, em particular, do fenômeno dos Beatles. Em 1965 um programa
de televisão vai ao ar, comandado por três jovens, e se torna o marco principal deste novo
rior, os empresários decidem investir ainda mais em uma cultura juvenil de consumo, e o
programa faz grande sucesso. Os pilotos do jovem guarda são Roberto Carlos, batizado
Após um rápido e fracassado namoro com a bossa nova, gravando a música João
e Maria, em que parecia imitar João Gilberto, Roberto Carlos começa a emplacar o
das músicas comportava ainda as versões dos hits do rock internacional, conservando-se
nesta fase a figura oculta do letrista das versões, embora já fosse maior o número de
Roberto e Erasmo. Em sua predominância, as letras das músicas revelavam uma forma
ainda branda de rebeldia que, embora desprovida de uma crítica social mais ampla, ou da
situações nem sempre em total acordo com tais convenções: a exemplo do beijo em
de vista do visual, a rebeldia se expressava nas gírias, nos cabelos, nas roupas (à moda
dos Beatles).
No plano cultural mais amplo, o Brasil vivia certa polarização entre o que se consi-
derava como arte engajada e o que era visto como arte meramente de consumo. O público
universitário e a intelligentsia do país acusava, por isso mesmo, a jovem guarda de aliena-
para com a jovem guarda, surge o que ficou conhecido como “canção de protesto”,
considerada como a que melhor atendia aos princípios da arte conscientizadora e a que
desde as mudanças ocorridas a partir de 1930; a ditadura militar significava, neste campo,
relação ao avanço das comunicações, constata-se que este é o momento de seu maior grau
contradição que não conseguia superar: a do convívio da crítica social em mediação com
inevitavelmente faziam parte. Nesse sentido, a tropicália parece indicar outra solução para
esta questão:
“o trabalho dos tropicalistas não fazia distinção, assim, entre o emprego das
técnicas, tornadas possíveis pela situação industrial e o envolvimento comercial e a
crítica da sociedade e da produção artística. Não lhes era possível apropriar-se dos
recursos eletrônicos e, ao mesmo tempo, separar-se do sistema de produção que
lhes oferecia esses recursos” (Favaretto, op. cit., p.98).
guarda e com a ascensão do movimento tropicalista, que leva a efeito, de modo muito
mais complexo e radical, alguns dos elementos estéticos de consumo já contidos na jovem
reconhecer, também, a dicotomia criada entre política e estética e entre cultura engajada
técnicos de produção; fundindo estilos que vão do iê, iê, iê da jovem guarda ao pop mais
Celestino, passando pelas inovações da bossa nova; mantendo ligações com as referências
Oficina), as artes plásticas (Oiticica); a tropicália fez emergir uma situação absolutamente
uma posição alternativa entre a MPB e a jovem guarda; como, indo além disso, o levou a
importância nesse sentido); mas, inclusive, a elaborar uma letra que combinava crítica
social, curtição (ver Favaretto, op.cit.), paródia (no sentido da carnavalização em Bakhtin)
concreta).
confronto seja com relação ao pensamento militante e de esquerda, que não assimilou a
sua problematização das mediações entre contestação e consumo; seja com relação à
direita, que não via com bons olhos a sua postura provocativa em relação aos padrões de
violentamente histérico, bem como, contra a conjuntura política do país. A certa altura do
seu discurso, assinalando a falsa dicotomia entre o político e o estético, Caetano diz: “se
vocês forem em política como são em estética, estamos feitos”. Pouco tempo após esse
No final deste mesmo ano de 1968, o Brasil vai ser o palco de um maior endureci-
de cidadania de qualquer brasileiro - tudo isso regido pela Lei de Segurança Nacional.
artistas, intelectuais e políticos aos meios de expressão, gerando uma grave situação de
aberto para o rock nacional, através do seu principal representante: o grupo Mutantes. No
com os tropicalistas de toda aquela agitação, não podem ser considerados como apêndice
Domingo no Parque, o grupo logo vai ser confundido com o movimento subsequente da
tropicália, participando ativamente de todo o processo: tanto das gravações dos tropicalis-
tas, quanto gravando músicas deles. A rigor, ao passo que os Mutantes sofriam de uma
Não é exagero afirmar que são os Mutantes o divisor de águas que abre caminho
rock entre o antes da tropicália e o depois. Além dos Mutantes, contudo, toda uma
tropicália, vão fazer parte deste desbunde o poeta Torquato Neto, um dos ideólogos
daquele movimento, e Gal Costa, com discos como “Gal Fa-Tal”. Ao lado de Torquato
Neto, vão figurar poetas como Waly Salomão, Rogério Duarte e outros, pioneiros de uma
como a poesia dos anos 70 (poesia de mimeógrafo, marginal, alternativa, etc.): em que
irão, também, se sobressair os nomes de Chacal, Bernardo Vilhena, Chico Alvim, Cacaso,
anos 70, com uma forte presença da intervenção do Estado no processo de agenciamento
levou a que poetas, jornalistas, intelectuais e artistas em geral, optassem por formas
de cinema, teatro, música. Será, em parte, nesses circuitos, que surgirá uma leva
mercado, imprimirão a história do rock dos anos 70 no Brasil - tão relevante isso que,
convém lembrar, algumas das figuras mais importantes do rock atual, compositores e
letristas, tiveram seu início justamente no rock e na poesia alternativa dos anos 70.
grupos de rock, a maioria dos quais, até, permaneciam no underground, sem qualquer
apoio da mídia e gozando de um grande alheamento por parte do grande público. Duas
relação ao progressive rock e ao heavy metal, com bandas como Genesis, Yes, Pink
Floyd, Led Zeppelin, Rolling Stones e Emerson, Lake and Palmer, por exemplo - esse era
o caso de grupos como os Mutantes (em sua nova trajetória), O Terço, Vímana, O Som
Nosso de Cada Dia, Made in Brazil e muitos outros, alguns dos quais sequer chegariam
a ter um registro de seu trabalho em vinil. Um aspecto desses grupos era a velocidade
com que surgiam e logo desapareciam de cena. Poucas bandas, como o heavy Made in
Brazil ou como o Joelho de Porco, que desenvolvia uma linha debochada de crítica do
pos que procediam pela fusão do rock a diversos estilos de características mais locais e/ou
regionais; alguns, mesmo, mantendo uma grande proximidade com a MPB. É o caso do
rock rural de Sá, Rodrix e Guarabira, onde se fundia o rock com um tipo de ritmo mais
caipira; é o caso, também, dos Novos Baianos, que tinham um nível bem mais sofisticado
cavaquinhos, além dos teclados, embalavam a fusão do rock a ritmos como o samba, o
frevo, o choro; é o caso, ainda, da fusão de estilos musicais nordestinos com elementos
do rock: no disco censurado do Ave Sangria, liderado por Marco Polo, no disco “Vivo!”
de Alceu Valença, nos primeiros trabalhos de Ednardo e do Pessoal do Ceará. Numa linha
de fusão do rock com a MPB, que reunia ingredientes bem mais próximos do que fora a
de artistas como Walter Franco, Tom Zé (que teve importante presença no tropicalismo),
Jards Macalé, Jorge Mautner e Luiz Melodia - que, em todo caso, não tinham o apoio
necessário da mídia.
Numa fulgurante mas fugaz trajetória, fundindo estilos da MPB e dos ritmos
latinos aos do rock, encontra-se o fenômeno comercial mais significativo da época neste
campo da expressão musical: os Secos & Molhados. Também para Rita Lee, ex-Mutantes
que já vinha percorrendo carreira solo, o lançamento do disco “Fruto Proibido” será o
tomará uma dimensão ainda maior com o disco “Rita Lee”, do final da década de 70 -
maior êxito comercial da cantora até então: trata-se de um disco que difere bastante dos
seus trabalhos anteriores, pela sua ênfase num pop mais descartável, sob a influência dos
solo, Rita já se havia inscrito na história do rock no Brasil, com alguns dos mais
importantes resultados musicais da discografia nacional desse gênero: com destaque para
Um outro trabalho singular será desenvolvido por Raul Seixas: mais fiel ao rock
tudo isso regado por uma grande dosagem de elementos psicodélicos e do esoterismo;
notadamente, em sua parceria com Paulo Coelho - que já havia feito parceria com Rita
Lee. De longe, Raul parece ser o cantor de rock que mais enfrenta problemas com a
censura nesse período - além de esoterismo, suas letras se compõem de punjante crítica
impedem de obter sucesso frente ao grande público: inclusive com relação ao público
jovem dos anos 80. Aliás, tanto Raul Seixas quanto Rita Lee têm mantido sucesso de
público até hoje e, mesmo depois de sua morte, o “Raul Rock Club” talvez permaneça
Como já se fez referência, os MCM no Brasil lograram ter, nas últimas décadas, a
sua mais significativa e vertiginosa expansão, pondo o país entre os principais mercados
possibilitando uma grande expansão da indústria eletrônica entre nós. Como acentua
Miceli (1984),
O autor observa a tendência a que áreas que possibilitam grandes retornos de capi-
tal passem ao controle das grandes empresas privadas formadoras da indústria cultural;
“gêneros e eventos culturais” que não conseguem sobreviver pela exclusiva operação de
mercado, dependendo dos subsídios do governo (p.3). Apesar disso, o autor não deixa de
considerar que a iniciativa privada também tem apoiado consideravelmente, a partir dos
anos 80, “as atividades culturais no Brasil” (com o financiamento nas áreas do livro, do
disco, do espetáculo, do teatro, da dança, das artes plásticas etc.). No que se refere,
disco, com um domínio sobre 70% das vendas no “mercado interno do ramo” (idem).
segunda metade dos anos 70 é palco, de um lado, da hegemonia dos já consagrados nomes
da MPB emergidos dos festivais da canção desde os anos 60, assim como, das baladas
românticas de cantores como Fagner, Joana, Simone. De outro lado, assiste-se à grande
difusão de um tipo de variação do funk, música negra americana, que ficou conhecida
como disco-music ou discotheque. Divulgada a partir dos EUA, este gênero fez sucesso
em todo o mundo, tendo sua principal difusão em massa no Brasil com a música Saturday
Paralelo a isso, vê-se surgir toda uma movimentação de música negra no Brasil
fortemente influenciada pela grande difusão da soul music americana entre nós. No Rio
grande adesão do público na ida aos bailes do que foi denominado de Black Rio. Aliás,
esse movimento foi essencial para a divulgação dos trabalhos de artistas como Tim Maia,
Luiz Melodia, Jorge Ben, Cassiano e outros. Uma característica musical do Black Rio era
a fusão de elementos da Soul music com ritmos do samba, do funk e, até, ritmos caribeños.
caracterizar como bailes funk: agora com características completamente distintas do que
brasileira da época, tendo já sido alvo de análises específicas, como é o caso do estudo
feito por Vaz (1988). Aqui, interessa apenas fazer menção ao conjunto de trabalhos
voz ao indivíduo marcado por processos de exclusão; por fim, experimentação e fusão de
vários estilos e formas musicais e poéticas mais tradicionais ou de base mais erudita. Com
musical mais unificado. Na realidade, seus trabalhos são bastante distintos entre si, sendo
que as características acima especificadas, não visaram discriminar sua maior ou menor
presença nesse ou naquele trabalho; mas, tão somente, informar o universo componente
daquela produção musical em conjunto. Os principais nomes desse “grupo paulista” são:
Arrigo Barnabé (e sua banda “Sabor de Veneno”), Itamar Assumpção (com a banda “Isca
80 a “lira” vincula seu selo a uma empresa fonográfica de grande porte. Por outro lado,
80, é a ressonância do movimento punk e das tendências subsequentes do new wave inter-
nacionais (esta última é uma expressão criada pelos empresários do disco com fins merca-
punk, que reagiu com a sua radical no wave - conforme encarte Guia do Rock da Revista
no final da década de 70, pouco tempo após seu surgimento na Inglaterra. Contudo, no
âmbito da música, o ano de 1982 parece ser o marco inicial para a divulgação do trabalho
das primeiras bandas surgidas desde 78 em São Paulo: o primeiro disco punk, reunindo
as bandas Olho Seco, Inocentes e Cólera, é lançado como produção independente pelo
selo “Punk Rock”. Trata-se do disco “Grito Suburbano”. Daí, seguiu-se a toda uma
proliferação de bandas de estilo punk, além de festivais cujo objetivo era uma maior
Voluntários da Pátria, Mercenárias e outros são os nomes das novas bandas - das quais
um bom número figurará no cenário do rock da década de 80. Sendo esse o caso,
inclusive, de bandas que acederam ao grande circuito da mídia como os grupos Ira e
dos punks, pode-se falar que houve um significativo alheamento dos MCM num primeiro
fundamental para a conquista de espaço na mídia. Ao que tudo indica, aqueles circuitos
quanto tinham conquistado uma importante adesão por parte de uma sensível parcela do
público jovem. Particularmente, no caso do punks, tratava-se, ainda, de vencer toda uma
onda de manifestações de intolerância por parte dos “guardiães” da moralidade pública,
grande mídia. Um deles seria o MPB-Shell, do qual participaram alguns dos representan-
tes dos “novos” direcionamentos tomados pela música mais sintonizada com o que foi
aqui caracterizado por cultura juvenil: por exemplo, com a participação no festival de
nomes como Arrigo Barnabé, Eduardo Dusek e Gang 90 & Absurdetes. Outro seria o
trabalhos do que viria a ser caracterizado como rock dos anos 80 (como, por exemplo, o
hit do Rádio Táxi Dentro do Coração). Outro, ainda, seria o de espaços um pouco mais
alternativos, como no caso do Circo Voador e seu vinil “Rock Voador”, coletânea de
1982. É a partir de tais espaços que as “novas” manifestações do rock começam a ganhar
status de grande circuito da mídia, com os primeiros hits nas paradas e a corrida das
O caminho aberto com Perdidos na Selva, pela Gang 90 & Absurdetes do DJ Júlio
Barroso, com seu estilo new wave, marcará predominantemente o momento inicial da
grande explosão do rock brasileiro na década de 80. Talvez seja no Rio de Janeiro onde
isso se torna mais visível; sobretudo, com o grande estouro de Você não soube me amar,
o primeiro hit da Blitz. A partir daí, será a vez de Kid Abelha e Abóboras Selvagens,
Ritchie, Lulu Santos, Sempre Livre, Barão Vermelho, Lobão e outros, como os Paralamas
do Sucesso, originária de Brasília. Em São Paulo, a banda Magazine de Kid Vinil emplaca
com um hit que narra o cotidiano de um Office Boy na música Sou Boy, seguido do grande
completa. No primeiro caso, atesta-se que, finalmente, algo de novo havia surgido no
cenário musical após um longo período de hegemonia dos “astros consagrados da MPB”,
afirma-se que o fenômeno não passa de mais uma “febre” comercial de pura redundância
que nos remeteria a um período de new iê, iê, iê, de nova jovem guarda.
econômica do país, cuja ponta do iceberg remonta à recessão a nível mundial iniciada nos
meta era construir a imagem de Brasil-potência, essa situação vai levar o país a enfrentar
o problema de ter a maior dívida tanto externa quanto interna em toda a sua história. Tanto
mais quando o quadro de recessão mundial leva os países credores a restringirem as cotas
pagamento de juros sobre a dívida). Tudo isso gerou o que os economistas consideram
Toda essa situação contribuiria para o isolamento político das forças que continua-
suas forças de expressão e luta em diversos setores de sua representação. Nestes termos
eleições diretas para governador já no início dos 80. A campanha pelas “Diretas-Já” para
reivindicadas, levam o país a uma transição para o regime civil, pela via indireta do
econômicos, iniciados com o Cruzado, e da onda de corrupção política que veio à tona
importante adesão de parte da juventude; que muito contribuiu para o avanço dos
do rock no período pode ser analisada para além dos critérios de mercadologia; podendo
ser apreendido em termos das formas mediadas de representação dos discursos - que estão
longe de atender a um único itinerário estético-político (como foi dito), mas que, no inte-
termos de mediações do que foi situado anteriormente na forma de uma cultura e discurso
juvenis; ou seja, em termos de certas formas e tendências assumidas pela juventude nas
surgida a partir de meados dos anos 80, quando esse estilo musical sofre grande modifica-
ção tanto no plano do discurso, quanto no âmbito empresarial. Neste último caso, a
realização do “Rock in Rio” pode ser apontado como um exemplo demonstrativo de que
o rock brasileiro havia dado sinais de ampla vitalidade e aceitação por parte do público
jovem, notadamente com a figuração de algumas bandas nacionais ao lado dos mega-
além do eixo Rio-São Paulo. É o caso de Brasília, com bandas como Legião Urbana,
Capital Inicial, Plebe Rude; é o caso, também, do Rio Grande do Sul, com os Engenheiros
com alguns exemplos. Mas é o caso, ainda, do apoio empresarial a uma proliferação de
bandas em São Paulo, Rio e demais capitais. Algumas dessas bandas surgiram, mesmo,
78, a extinta banda Aborto Elétrico; ao passo que o grupo Ira! de São Paulo representa
uma das mais antigas formações do “novo” rock. Com efeito, esse é o quadro que vê
surgir e se afirmar outros grupos como Titãs, Metrô, Biquini Cavadão e muitos outros,
como o RPM, de longe o maior sucesso de público já obtido pelo rock nacional em todos
os tempos.
contundência crítica das letras no tocante à crise de valores e de legitimação nas socie-
identificar no rock brasileiro uma das mais significativas formas de expressão e crítica da
juventude à realidade nacional do período. Veja-se, nesse sentido, o que demonstram as
canções Desordem de Sergio Britto, Marcelo Fromer e Charles Gavin para o lp “Jesus
não tem dentes no país dos banguelas” do Titãs e Veraneio Vascaína de Flávio Lemos e
cotidiano se apresenta como uma realidade caótica e de ordem opressiva, em que o Estado
não têm respeitada a sua cidadania. Ademais, as instituições sociais são apresentadas
sociedade civil ações espontaneístas que, em si, não contribuem para uma mudança do
quadro geral:
particularmente entre aqueles que, como diz o verso, “nascem com instinto assassino”:
Cuidado, pessoal, lá vem vindo a veraneio/ toda pintada de preto, branco, cinza
e vermelho/ com números do lado, e dentro dois ou três tarados/ assassinos
armados, uniformizados/ veraneio vascaína vem dobrando a esquina/ Porque
pobre quando nasce com instinto assassino/ sabe o que vai ser quando crescer
desde menino/ ladrão para roubar ou marginal para matar/ “Papai, eu quero
ser policial quando crescer”/ Se eles vêm com fogo em cima é melhor sair da
frente/ tanto faz, ninguém se importa se você é inocente/ com uma arma na
mão eu boto fogo no país/ e não vai ter problema, eu sei, estou do lado da lei.
Com efeito, o mais importante para o propósito desse trabalho é que: 1) esses
aspectos apontam para o fato de que não se trata aqui de uma simples reprodução dos
próprio daquele produto cultural no Brasil atual; 2) que a potencialidade crítica expressa
no fenômeno em pauta tem se manifestado apesar das formas de padronização por que
passa esse mesmo produto, visto que também se encontra alinhado ao amplo processo
comercial de consumo da lógica da cultura industrial. Com efeito, o que se quer é chamar
a atenção para o fato de que tal mediação crítica da realidade só pode ser elaborada nesse
contexto, no âmbito das próprias mediações que essa música rock estabelece com os
mero fenômeno de moda. Cabe, isso sim, uma mais atenta observação sobre as formas de
pela música do rock, como já foi largamente esclarecido. Sendo o rock uma das produções
vivendi jovem e adolescente, mostra-se ele, também, como uma das manifestações artísti-
cas em que o fenômeno urbano se expressa como referente central. Por certo, um tal pro-
pósito não representa qualquer novidade em relação ao espaço a que está circunscrito. De
modos distintos em ênfases e abordagens, um sem número de estudos já se fez em termos
dado singular do que se deve buscar aqui é o de apreensão das imagens e representações
tação enquanto discurso juvenil na sociedade brasileira das últimas décadas e de seu in-
que se diga, quando se fala em representação juvenil do cotidiano urbano brasileiro, leva-
de sua existência nele. Exemplo disto pode ser encontrado nos seguintes versos de Música
de que há um discurso em parte desta manifestação musical que aponta para um veio
cotidiano urbano, de sua representação como referente narrado por aquele tipo de música
que, na forma como se expressa e como se pode apreendê-la, demonstra ter uma relativa
sintonia com o que se denominou acima como universo adolescente e jovem. Sendo
assim, será sob o signo das imagens dialéticas de Benjamin, que se irá traçar um roteiro
de modo a perseguir o cotidiano em sua representação nos discursos das letras do rock.
conta todo um conjunto de processos heterogêneos por que passam os indivíduos nas
sociedades complexas. Mas não se está querendo, portanto, ter como ponto de partida a
considera-se ainda como de uma maior validade e de mais extrema necessidade, aqui,
respeito às mudanças por eles vividas de um ponto de vista especificamente etário, não
uma ordem estritamente psico-biológica, não dedicando suficiente atenção para com os
representação de alguns desses elementos em, por exemplo, Silvia Pfeifer de Fausto
Observe-se as letras:
A situação narrada pela música toma a forma de uma sociedade no futuro, ainda
que a narrativa esteja no presente. Trata-se de um mundo regido pela imagem, em que a
ficção parece substituir a realidade num absoluto simulacro e em que o próprio invisível
espiritual” para os habitantes do mundo da narrativa, a não ser a fascinação que os levam
a viver “mundos que só existem no desejo”. Mundos artificiais transmitidos por telões
em show de realidade patrocinada, que todos voltam os olhos para a manequim número
um: Silvia Pfeifer. O lugar descrito pela narrativa encontra-se dominado por gigantescas
Uma característica dessa canção é o fato de ela ser falada e não cantada, assumindo
a música uma aparência de fundo, com sua figuração basicamente eletrônica e de sonori-
dade espacial: como nas trilhas sonoras de filmes de ficção sobre a exploração do universo
cósmico. Inclusive, em sua crítica a um cotidiano dominado pela tecnologia, a letra confi-
gura a imagem de um mundo pós-moderno em que, tal como em Blade Runner, o caçador
de andróides (de Ridley Scott), gigantescos telões compõem o cenário citadino. Aliás,
cotidianas que envolvem o sexo e o crime, parece ser a tônica do trabalho “Império dos
mundo cotidiano. É o que pode ser observado, ainda, nos fragmentos seguintes de
Noite estrelada, uma loura condenada dirige sua Ferrari vermelha à beira de
um abismo/ canadense./ Noite estrelada, uma loura condenada dirige sua
Ferrari vermelha equipada com antena pa-/ rabólica. Ela gira o dial da TV
MUNDIAL: imagens americanas, imagens sul-americanas, ima-/ gens
européias, imagens africanas, imagens asiáticas, imagens oceânicas, imagens
antárticas./ Ela abandona as imagens mundiais e vira o rostinho pra esquerda
observando o Oceano/ Pacífico, um território marítimo reservado para
inofensivos testes bélicos da OTAN. Futuros/ foguetes intercontinentais
explodem pacificamente no horizonte pacífico./ Cabeleira loura entremeada
por tranças de poliuretano vermelho, boca carnuda ideal pra/ batom forte,
escorpião tatuado na base da espinha, coxas de quem faz jazz imensos olhos/
azuis. (...)/ Viviane Vancouver é a mais famosa fotógrafa hiperrealista do
mundo. Usou toda rara sensibilidade sádica pra transformar atentados
terroristas, crimes passionais, desastres ecológi-/ cos, catástrofes industriais,
conflitos de rua, acidentes cirúrgicos nas mais terríveis naturezas-/ mortas que
nenhum pintor jamais ousou transar. Essa loura de sensualidade over sente, é
ator-/ mentada por uma nostalgia da matéria bruta da qual o homem e a
mulher são os acidentes/ mais famosos. As revistas mundiais pagam milhares
de dólares para ter as fotos de Viviane/ Vancouver publicadas em alto relêvo.
Mas o FBI descobriu que Viviane estava se excedendo/ na sua fissura por
naturezas-mortas. Estava pagando pessoas pra mutilar, matar, se matar,/
explodir lugares. (...)
(Facada leite-moça, Fausto Fawcett e Carlos Laufer.)
Debaixo do bairro japonês/ nos porões da Liberdade/ entre pântanos de
esmalte e lixeiras de sucata cosméticas (...)/ um piloto de rallies subterrâneos
vai trepando (...)/ com uma narcótica andróide nissei (...)/ com a bateria no fim
(...)
(Andróide nissei, Fawcett e Laufer.)
Um mecânico negão eletricista sai na noite de São Paulo provocando
Poltergeists/ com micro-Atari,/ micro-computer/ micro-tv fora do ar (...)
(Santa Clara Poltergeist, Fawcett e Laufer.)
Em Disneylândia, a simultaneidade das situações e dos acontecimentos tomam a
(1993), em que “um estrato social desterritorializado” emerge “ao lado das realidades
nacionais e de classe” (p.291). Também com Guattari (1992), como já se viu antes, pode-
individual e coletiva no CMI (vide epígrafe acima). Em ambos os autores, esse processo
formação social e econômica atuais de base muito mais policentrada. Aliás, é em sua
forma nômade do tipo de subjetividade atuais, em que “tudo circula (...) e, ao mesmo
tempo, tudo parece petrificar-se, permanecer no lugar” (p.169). Para Ortiz, ainda, “uma
mundial como “território que transcende as partes que o constituem” (idem). Construída
sob uma forma que lembra um informe noticiário, a letra Disneylândia pode muito bem
processo atual de “mega-sociedade” que poderiam compor aquela letra. Sendo assim,
Como já se deixou claro noutro lugar, acredita-se que se possa estabelecer alguma
relação dialógica entre elementos da vida cotidiana narrados por certo discurso da letra
do rock (elementos esses aqui arbitrados como característicos das sociedades atuais, mais
Na medida em que se possa identificar este diálogo, bem como, caracterizar a sua
o presente trabalho se dá como tendo atingido sua meta: visto que, assim, se mostra como
indicador de uma representação dialógica entre elementos enunciados pela letra de uma
canção de consumo (o rock) e o que se apresenta como uma espécie de cartografia dese-
serve para ilustrar o fato deste estudo ter, na grande explosão do rock no Brasil dos anos
80, notadamente, em sua versão mais nitidamente marcada de um discurso orientado para
urbano, o seu centro de interesse. Por seu turno, necessário se faz esclarecer que, quando
juvenis, tem-se atenção especial para a forma como se manifesta neste discurso o que se
do urbano. Desta feita, dos nomes do rock nacional aqui tomados como referência para
estudo, poder-se-ia partir para uma classificação do que seriam versões sobre o amor,
sobre o comportamento social padrão, sobre política etc. Em lugar disso, contudo, partiu-
social. Pelo que se pode ver, a complexidade do fenômeno do rock no Brasil da década
de 80, que não deve ser reduzida a pura mercadologia, pode, também, ser traduzido a
partir da questão de este gênero musical manter certa relação e não alheamento entre os
sociedade civil no conjunto da sociedade brasileira naquele momento, com suas lutas pela
redemocratização do país e por mudanças mais efetivas nos cenários social e político:
escolha das letras de música esteve orientado, principalmente, por este último fator - ainda
frustrações vividas por aquelas mesmas motivações de luta (como já se fez referência
anteriormente).
Um dos primeiros hits do rock neste período é uma crítica debochada da falta de
cidadania do povo brasileiro que não podia se fazer representar, e em cujo discurso parece
se afirmar o que se pretende negar: que somos um povo inútil, que necessita das tutelas
quais não conseguimos solucionar. Claro que, como todo texto poético, trata-se de um
discurso ambíguo, ainda mais por sua característica irônica. Inclusive, com os problemas,
Trata-se da versão de um dos principais grupos de rock do período, o Ultraje à Rigor, para
A gente não sabemos escolher presidente/ a gente não sabemos tomar conta da
gente/ a gente não sabemos nem escovar os dentes/ e vivem pensando que nós
é indigente/ inútil, a gente somos inútil./ A gente faz carro e não sabe guiar/ a
gente faz trilho e não tem trem pra botar/ a gente faz filho e não consegue criar/
a gente pede grana e não consegue pagar/ inútil, a gente somos inútil./ A gente
faz música e não consegue gravar/ a gente escreve livro e não consegue
publicar/ a gente escreve peça e não consegue encenar/ a gente joga bola e não
consegue ganhar/ inútil, a gente somos inútil.
sociedade mais ética e democrática, encontra-se a música Que País é Este, escrita por
Russo desde o ano de 1978, quando fazia parte da extinta banda Aborto Elétrico, de Brasí-
lia. A música só foi gravada em 87, no terceiro disco do Legião Urbana, uma coletânea
do que não havia sido gravado nos trabalhos anteriores da banda. Trata-se de um discurso
indignado, cujo título é uma referência à famosa frase de Francelino Pereira, então repre-
sentante governista da ditadura militar, e que foi bastante ironizada pelos jornais alternati-
vos de esquerda e anárquicos na época - por ser um governista o formulador de uma tal
Nas favelas, no Senado/ sujeira pra todo lado/ ninguém respeita a Constituição/
mas todos acreditam no futuro da nação/ que país é este/ no Amazonas, no
Araguaia, na Baixada Fluminense/ Mato grosso, nas Geraes e no Nordeste tudo
em paz/ na morte eu descanso mas o sangue anda solto/ manchando os papéis,
documentos fiés/ ao descanso do patrão/ que país é este/ Terceiro Mundo se
for/ piada no exterior/ mas o Brasil vai ficar rico/ vamos faturar um milhão/
quando vendermos todas as almas/ dos nossos índios em um leilão./ Que país é
este.
A certa altura do release sobre esta música, que consta no encarte do disco, se diz
que ela
“nunca foi gravada antes porque havia a esperança de que algo iria realmente mudar
no país, tornando-se a música então totalmente obsoleta. Isto não aconteceu e ainda
é possível se fazer a pergunta do título, sem erros. Jimmy Page dizia que o bom do
rock é que não se aprende na escola. Outros atacam: ‘para ser roqueiro basta pendu-
rar uma guitarra no pescoço e sair por aí, fazendo a música mais primária do
mundo’. Oras, mas é este mesmo o espírito da coisa! O ataque continua: ‘o rock é
isso mesmo, um bate-estaca, a coisa mais elementar que existe, mais primitiva,
menos inventiva que pode acontecer. O rock não é novidade, é uma imposição, é
uma ditadura. É um sistema estético com a intenção de embotar a cabeça do jovem.
Sim, pois se você fica com aquele bate-estaca o dia inteiro na cabeça, você se
esquece da realidade que o cerca, das coisas realmente importantes’. Dois apartes
aqui. Realmente o rock não pode ser novidade já que é uma forma musical que
nasceu em 1955, tem mais de trinta anos portanto. Bate-estaca ou não, juvenil ou
não, preste atenção à letra de ‘Que País é Este’. Não nos parece coisa de quem se
esquece da realidade que o cerca. Comparar o rock com ditadura? Que país é este?
Quem é Jimmy Page?”
Também duas outras canções podem ser apresentadas como algo situado nesta
dimensão da crítica ética à insolvência política e moral do país. Interessante notar que
este tipo de discurso vai ter sua principal ascendência a partir do recrudescimento da crise
grande parte, são discursos pessimistas e sem perspectiva aparente, que findam por
assumir a forma de um discurso dos excluídos: só que de uma perspectiva ambígua, em
que ora se está identificado com o “bandido” ou “desviante”, para o qual não parece haver
saída; ora com os cidadãos excluídos de qualquer forma de participação, para quem as
próprio Estado e de instâncias afins. Também aqui, se pode identificar um tipo de discurso
de tratar a situação, das canções Brasil (de Cazuza, Israel e Romero) e Plic-Plic (de
Brandão e Paes):
Não me convidaram/ pra essa festa pobre/ que os homens armaram/ pra me
convencer/ a pagar sem ver/ toda essa droga/ que já vem malhada/ antes d’eu
nascer/ não me ofereceram/ nem um cigarro/ fiquei na porta/ estacionando os
carros/ não me elegeram/ chefe de nada/ o meu cartão de crédito/ é uma
navalha/ Brasil/ mostra a tua cara/ quero ver quem paga/ pra gente ficar assim/
Brasil/ qual é o teu negócio/ o nome do teu sócio/ confia em mim./ Não me
sortearam a garota do Fantástico/ não me subornaram/ será que é o meu fim/
ver TV a cores/ na taba de um índio/ programada pra só dizer sim/ grande
pátria desimportante/ em nenhum instante/ eu vou te trair.
A música Brasil vai revelar a existência clara de dois mundos: aquele integrado
consciência na qual, ao mesmo tempo que denuncia um tal processo de segregação social,
assume formas e valores do banditismo como recurso crítico para ironizar tanto a “vida
bandida” dos excluídos, quanto a prática do banditismo oficial de uma política fisiológica.
Respectivamente, nas passagens em que se diz: “o meu cartão de crédito/ é uma navalha”
e “não me subornaram/ será que é meu fim”. Neste último caso, fazendo-se referência a
quadro de crise social vivida pela sociedade como um todo. Diz a canção:
Você quer ser bom rapaz, mas ninguém te leva a sério/ se virar um “marginal”
querem te ver no cemitério./ se for preso tá ferrado; vai dançar na mão dos
“hôme”:/ se correr eles te pegam, se ficar eles te comem. Se aplique!!!/ Você
vive de biscate; não se toca que tá mal: teu salário vem do bicho que faz
carnaval./ Sindicatos não entendem teu trabalho realista./ Teu suor tá num
baralho: isca de polícia!/ Já tentou ser operário, mas foi logo demitido/
(acidentes de trabalho são assuntos proibidos)/ se virar um comunista, não te
aceitam no partido; quem não gosta do trabalho se pirar, vira bandido - se
aplique!!!/ A comida custa cara... desemprego é normal;/ na escola não tem
vaga; não tem hospital!/ Você culpa todo mundo, mas não sabe fazer nada./ A
preguiça te perturba como uma piada./ Teu salário é uma merreca, o teu
trampo é prá leão;/ tua vida muito brega tá cheia de confusão/ todo dia pensa
em greve, toda noite toma um porre,/ teu país tá numa “bad” e qualquer dia
você morre! Se aplique!!!/ Você grita por diretas; depois vota num careta:/ a
política te agrada como uma punheta./ Você age como bicho; vive numas de
que é fera;/ mal nutrido e deprimido nem a droga te acelera./ E com toda
malandragem, o teu cheque não tem fundo./ Prá você não há jeton, nem chalé
no Lago Sul./ Se tivesse educação tua vida tava a mil;/ tua fome tinha nome;
tua guerra era civil - se aplique!!!
serve muito mais para situá-la como personagem múltipla de uma realidade polifônica. É
nesse sentido que a personagem é apresentada ora como biscateiro ou contraventor, ora
- “você grita por diretas; depois vota num careta” -, apático - “a política te agrada como
uma punheta” -, mas, também, militante incompreendido - “sindicatos não entendem teu
básicos, ausência de assistência escolar e hospitalar, baixos salários, etc. Restando, assim,
como ponto de fuga, o porre, a droga: a personagem pensa em greve, mas, se aplica.
Também a existência de outro mundo, o dos privilégios, é mostrado pela música, quando
se refere ao sistema de moradia e do recebimento de jetons a que tem direito a elite política
de Brasília - e, dos quais, a personagem encontra-se excluída. Mas tudo isso se encontra
realidade seria outra. É o que a música leva a intuir quando afirma: “Se tivesse educação
tua vida tava a mil; tua fome tinha nome; tua guerra era civil”. Mas, sem isso, “se
aplique!!!”
Com efeito, crê-se não se está exagerando o aspecto relacionado a fatores que
traduzem elementos críticos com implicações de questões ligadas ao mundo de uma ética
social; visto que se está ciente de que isto não pode ser afirmado enfaticamente de um
certo” - aliás, digno de nota é a ironia dos versos de Léo Jaime em sua versão a Rock’n’roll
E, diga-se de passagem, uma vez mais, a abertura política e a expansão de uma cultura do
consumo no Brasil são, por sua vez, amplamente favoráveis à recente explosão do rock
no país. Outrossim, claro está que em nenhum momento se pretendeu afirmar a existência,
que, ao mesmo tempo em que se afirma um universo utópico desejante, cai-se numa
ênfase no presente como esperança possível a um existir: a partir disso, o cotidiano das
ruas se apresenta como parâmetro único da própria existência do mundo presente, em que
norteadores do discurso das letras do rock; sendo, por excelência, uma forte componente
do mundo das representações do imaginário juvenil hoje. Dois dos exemplos mais
gregária, ora como exercício da solidão, encontra-se nas músicas Nós de Frejat e Cazuza
como isso se dá nas respectivas músicas; em certo sentido, tradutoras de uma carac-
Mas não é só isso/ o dia também morre e é lindo/ quando o sol dá a alma/ prá
noite que vem/ alma vermelha, que eu vi/ vê, são tantas histórias/ que ainda
temos que armar/ que ainda temos que amar/ por enquanto cantamos/ somos
belos, bêbados cometas/ sempre em bandos de quinze, vinte/ tomamos cerveja,
e queremos carinho/ e sonhamos sozinhos/ e olhamos as estrelas prevendo o
futuro/ que não chega/ não, não é só pensar no fim/ nas profecias/ é pensar que
um dia/ sob algum luar/ vou te mandar um recado/ baby, um reggae bem
gingado/ alucinado de amor/ amassado num guardanapo/ prá rirmos dos
loucos, sábios e mendigos/ e dos palhaços noturnos/ o sal da terra ainda arde e
pulsa/ aqui neste instante/ e olhamos a lua, e babamos nos muros/ cheios de
desejo.
A provisoriedade do tempo é algo constante em muitas das canções do rock nacio-
nal deste período. Da mesma forma em que se afirma a juventude e toda uma existência
Cazuza e Renato Russo: como é o caso de Ritual, música de Frejat e Cazuza (“prá que
sonhar/ a vida é bela e cruel despida/ tão desprevenida e exata/ que um dia acaba”); como
também, de Tempo Perdido de Renato Russo (“todos os dias quando acordo, não tenho
mais o tempo que passou/ mas tenho muito tempo: temos todo tempo do mundo (...)/
somos tão jovens”). Ao que parece, ainda, a noção de tempo é o que provoca a derrocada
utópica, ameaçando o desejo, que se reafirma num realismo cotidiano sem ilusões e de
Contra todos e contra ninguém/ o vento quase sempre nunca tanto diz/ estou
só esperando o que vai acontecer/ tenho pedras nos sapatos/ onde os carros
estão estacionados/ andando por ruas quase escuras/ os carros passam/ as ruas
têm cheiro de gasolina e óleo diesel/ por toda plataforma/ você não vê a torre/
tudo errado mas tudo bem/ tudo quase sempre como eu quis/ sai da minha
frente que agora eu quero ver/ não me importam os seus atos/ eu não sou mais
um desesperado/ se eu ando por ruas quase escuras/ as ruas passam.
Ademais, a forma do discurso pode, por vezes, assumir uma característica de com-
tipo específico de fenômeno que finda por afirmar uma insatisfação não claramente
identificada (talvez seja com o mundo consumista da família), a qual corresponderia uma
violência em despropósito: em que os símbolos do status quo vividos são detonados por
uma fúria dominada de um sentimento destrutivo, que tende a afirmar o caráter de uma
social: neste caso, a negação do establishment se faz com o uso das próprias armas e
Papai morreu/ mamãe também/ estou sozinho/ não tenho ninguém/ essa vida
me maltrata/ estou virando um psicopata/ quebrei as janelas/ da minha casa/
eu rasguei a roupa/ da empregada/ esta vida me maltrata/ estou virando um
psicopata/ quero soltar bombas no Congresso/ eu fumo Hollywood para o meu
sucesso/ sempre assisto à Rede Globo/ com uma arma na mão/ se aparece
Francisco Cuoco/ adeus televisão.
mudança social ou, mesmo, individual; quanto a demonstração de uma apatia, decepção,
este último aspecto, uma canção do rock traduz-se no exemplo mais claro disso. É o caso
de um conceito instrumental que possa atribuir, em todo caso, um significado para a vida.
Agora, o mundo enunciado encontra-se povoado de signos cujos significantes não mais
possuem significados; e aqueles que tentaram algo, amargaram o peso de suas investidas,
pagando muito caro por isso: com os heróis mortos por overdose, resta apenas a
constatação do controle do poder pelos inimigos. Num estado total de desânimo com
das festas e/ou à neutralidade de se manter “em cima do muro”. e, mesmo em relação à
Apatia, tédio, monotonia de vida, também fazem parte do cotidiano narrado pela
música Tédio, composta por Bruno, Sheik, Miguel e Álvaro para o Biquini Cavadão, no
LP “Cidades em Torrente”:
Sabe esses dias em que horas dizem nada?/ e você nem troca o pijama, preferia
estar na cama/ o dia, a monotonia tomou conta de mim/ é o tédio, cortando os
meus programas esperando meu fim/ sentado no meu quarto/ o tempo voa/ lá
fora a vida passa,/ e eu aqui à toa/ eu já tentei de tudo mas não tenho remédio/
pra livrar-me desse tédio/ vejo um programa que não me satisfaz/ leio um
jornal que é de ontem, pois pra mim tanto faz/ já tive esse problema, sei que o
tédio é sempre assim/ se tudo piorar, não sei do que sou capaz/ tédio, não tenho
um programa/ tédio, esse é o meu drama/ o que corrói é o tédio/ um dia eu fico
sério/ me atiro desse prédio.
dança, expresso, em sua multiformidade, como instância negadora dos valores do esta-
período militar, sua versão mais intensificada e autoritária. É, neste momento, que se
representações com a qual as letras estabelecem mediação e referência. A rigor, uma tal
mesmo em suas características de maior apatia e ceticismo, onde parece não mais se
não se deposita uma maior crença no futuro, uma tal constelação pode ser observada em
seu aspecto de negação do establishment; ainda que o faça em termos cinicamente indivi-
dualista e, em sua maioria, autocomplacente: fundado num nadismo inoperante, que faz
políticos, sociais, entre outros). O pressuposto básico disso é que tais imagens dialéticas
e ambigüidade próprias” (como se viu no capítulo anterior). Nestes termos, dos sistemas
cotidiano urbano brasileiro em algumas das produções musicais do rock nos anos 80,
discurso, nas letras de Fanzine, de Arnaldo Brandão e Tavinho Paes, para o disco
Antunes, para o lp “Õ Blésq Blom” do Titãs. Em Fanzine, cujo título (neologismo de fan
e magazine) faz referência a publicações de tipo artesanal que circulam entre fãs, assume-
se uma forte conotação anárquica do desejo, desde a construção fragmentária dos seus
versos até o próprio nonsense que eles apresentam em muitos dos enunciados. Após
referência à música Televisão do Titãs (que diz, em seu primeiro verso: “A televisão me
deixou burro, muito burro demais”) e ao famoso livro de Baudelaire, este rock apresenta
o fanzine como o espaço de uma nova linguagem atualmente. Veja-se o que diz a letra:
Ninguém fica burro demais só porque viu tv./ As flores do mal são cogumelos
de neon glacê./ A juventude tem um tempo certo pra se corromper./ O
anarquismo é o anjo-da-guarda de todo prazer./ E tome zine, zine, zine (em
papel xerox):/ o futuro é preto-e-branco e todo branco, preto pode ter./ E tome
zine, zine, zine (em papel xerox)/ vem do fanzine, o novo papo; a nova onda;
novo ABC!!!/ A camisinha anti-aids fez a deusa vênus virar punk/ o cantor de
yê-yê-yê comportado é um cafajeste junk.../ chegou a hora do alimento ser todo
natural/ os vermes da terra, apreciam um corpo legal!/ E tome zine.../ No país
da Xuxa, os vampiros usam fio-dental.../ A ditadura justifica o bem,
praticando o mal.../ Um dia, as palavras não vão, deslizar pela boca.../ A utopia
vai ser a loucura de um guru pôrra-loca./ E tome zine.../ Desejo quando não se
arrisca é provocação.../ A liberdade faz gato e sapato da proibição!!!/ A beleza
dá a volta ao mundo e a chuva cai.../ Meu amor cabe em 3 versos de um hay-
kay:/ e tome zine!
Em Racio Símio, jogo de palavras que tanto faz referência ao uso da razão quanto
à forma craniana do macaco, tem-se uma letra de base experimental construída rigorosa-
das quais são ditos populares ou, mesmo, trechos de canção popular e slogans publicitá-
rios: com efeito, o que se obtém dessa música é igualmente um discurso marcado de uma
pluralidade de vozes, capazes de alterar completamente o senso em que muito dessas
O anão tem um carro com rodas gigantes/ Dois elefantes incomodam muito
mais/ Só os mortos não reclamam/ Os brutos também mamam/ Mamãe eu
quero mamar/ Eu não tenho onde morar/ Moro aonde não mora ninguém/
Quem tem grana que dê a quem não tem/ raciosímio/ Quem esporra sempre
alcança/ Com Maná adubando dá/ Ninguém joga dominó sozinho/ É dos
carecas que elas gostam mais/ A soma dos catetos é o quadrado da hipotenusa/
Nem tudo que se tem se usa/ raciosímio/ Os cavalheiros sabem jogar damas/
Os prisioneiros podem jogar xadrez/ Só os chatos não disfarçam/ Os sonhos
despedaçam/ A razão é sempre do freguês/ Eu não tenho onde morar/ Moro
aonde não mora ninguém/ Quem como prego sabe o cu que tem/ raciosímio.
Nesse sentido, não é demais reforçar a questão fundamental para este trabalho, no
que se refere à circunscrição do seu estudo a apenas o rock explosivo dos anos 80: o fato
implicam apenas no anseio à volta ao Estado de Direito, mas, inclusive, a uma completa
que procure identificar como as formas de protesto e de luta aqui mediatizadas parecem
se ligar, mesmo, a uma dialética que aponta para o fato de que, assim como a luta política
da sociedade civil.
Isto posto, pode-se melhor compreender porque: se, por um lado, a abertura polí-
no país, como já se fez alusão; por outro, as frustrações no âmbito da esfera política e
obstaculizador das condições de consumo real, possibilitou uma maior abertura, nos
MCM, a uma crítica direta, aguçada, desabusada e quase sem metáforas na linguagem
desse rock no Brasil, inclusive, numa perspectiva de negação do sistema social tal como
ficou configurado anteriormente fazer parte de uma cultura juvenil, na forma de uma
sintoma agudo da crise social naquele momento; período em que, ao contrário de outros
segmentos culturais, o rock vive seu primeiro grande boom comercial, com um nítido
Neste período, pode-se identificar uma ampla incidência no discurso das letras
para a crítica, entre outras, da falência e autoritarismo das instituições do Estado e demais
instituições sociais (família, escola, igreja). No bojo dessa crítica, surge, também, uma
drogas etc.; da violência urbana; da ordem social em geral. No que diz respeito a este
Scandurra para o lp “Vivendo e não aprendendo” do Ira! Nas duas últimas estrofes, se
canta:
Tal como foi dito, o teor da crítica no rock assume tanto a forma de um puro
situações que não permitem a distinção clara daqueles pólos: tornando o discurso do rock
dominante, são, neste contexto, pensados em termos de sua tendência a praticar um veio
mudança da ordem social estabelecida (bem como, pela afirmação de uma postura ou
valores sociais dominantes). Fica claro, assim, que esses elementos estão sendo
tiplicidade de formas de representação crítica no discurso das letras. Para este momento,
bastaria lembrar algumas dessas formas, no que se refere à desobediência civil, ao anar-
respectivamente, os das músicas Lugar Nenhum (de Antunes, Gavin, Fromer, Britto e
Bellotto), gravado pelo Titãs no LP “Jesus não tem dentes no país dos banguelas” e
Não sou brasileiro/ não sou estrangeiro/ não sou de nenhum lugar,/ sou de
lugar nenhum/ não sou de São Paulo, não sou japonês./ Não sou carioca, não
sou português/ não sou de Brasília, não sou do Brasil./ Nenhuma pátria me
pariu./ Eu não tô nem aí./ Eu não tô nem aqui.
Uma das características desse discurso pode ser identificada em seu propósito em
mento total da “mãe-pátria”. Aliás, essa recusa parece ter, em seus versos finais, uma
Coca-Cola pode-se ver uma forma de desobediência civil, quando se afirma a completa
alteração das regras do jogo, em que agora toda uma “geração”, crescida e amadurecida,
se a letra:
A expressão “geração coca-cola” faz alusão a uma situação social vivida no Brasil
político da ditadura militar pós-64: período em que crescem os “filhos da Revolução”, tão
Santos (1987) vai afirmar que, ao contrário do que poderia ocorrer num real processo
modelo cívico aos seus próprios desmandos: “Numa democracia verdadeira, é o modelo
Não bastasse isso, o autor vai demonstrar que, mesmo atualmente, a crise econô-
primeiro momento, chega-se aos termos atuais de uma “cidadania atrofiada”, em que os
indivíduos não se apresentam como cidadãos, mas como consumidores usuários: sendo
que, como tais, exercitam uma cidadania amplamente estratificada e desigual, entendida
aqui mais pelo fator “riqueza” que pelo princípio dos “direitos essenciais” de “homens
livres” (Haguette apud Santos, op.cit., p.12). E diz, mais uma vez, o autor em relação ao
processo brasileiro:
brasileiros”, pode-se constatar esse hiato entre cidadão e consumidor, quando diz a letra:
Comprei uma coca/ cadê o sorriso?/ gastei dinheiro/ e fiquei liso/ cale a boca e
consuma/ cale a boca e consuma/ você não tem o direito de duvidar/ comprei
de tudo/ a prestação/ o SPC/ é o meu caixão/ cale a boca e consuma/ cale a boca
e consuma/ você não tem o direito de duvidar/ consumidor que não reclama/
paga filé e come banana/ cale a boca e consuma/ cale a boca e consuma/ você
não tem o direito de duvidar.
Fazendo eco ao debate levado a efeito por teóricos como Lefebvre, Baudrillard,
Heller, Mészaros, a propósito de uma sociedade dirigida ao consumo, o autor vai contra-
indivíduo que não exerce a sua cidadania se apresenta como “o consumidor mais-que-
perfeito”, pela razão oposta à do primeiro caso. É o que diz o autor em uma passagem de
suma importância:
“O consumo, sem dúvida, tem sua própria força ideológica e material. Às vezes,
porém, contra ele, pode-se erguer a força do consumidor. Mas, ainda aqui, é neces-
sário que ele seja um verdadeiro cidadão para que o exercício de sua individualidade
possa ter eficácia. Onde o indivíduo é também cidadão, pode desafiar os
mandamentos do mercado, tornando-se um consumidor imperfeito, porque
insubmisso a certas regras impostas de fora dele mesmo. Onde não há o cidadão,
há o consumidor mais-que-perfeito. É o nosso caso” (p.41).
Em Esse mundo que eu vivo, de Lobão e Vilhena (LP “Vida Bandida”) e Comida
de Antunes, Fromer e Britto (LP “Jesus não tem dentes no país dos banguelas”), pode-se
dade de mercado que tudo expõe à venda; quanto a reivindicação coletiva, expressa na
figura “a gente”, do respeito a uma mais ampla satisfação das necessidades, que não se
restringe à comida, à bebida, ao dinheiro: posto que também se tem necessidade da arte,
E, no segundo caso:
Bebida é água/ comida é pasto. você tem sede de que?/ você tem fome de que?/
A gente não quer só comida,/ a gente quer comida, diversão e arte./ A gente
não quer só comida,/ a gente quer saída para qualquer parte./ A gente não quer
só comida,/ a gente quer bebida, diversão, balé./ A gente não quer só comida,/
a gente quer a vida como a vida quer./ A gente não quer só comer,/ a gente
quer comer e quer fazer amor./ A gente não quer só comer,/ a gente quer
prazer pra aliviar a dor./ A gente não quer só dinheiro,/ a gente quer dinheiro
e felicidade./ A gente não quer só dinheiro,/ a gente quer inteiro e não pela
metade.
do rock brasileiro, deve considerar que ele visa exprimir o sentido de um elo mediador
recente, como já foi apresentado no início deste capítulo, mantém muito das
Eu sei que já faz muito tempo/ que a gente volta aos princípios/ tentando
acertar o passo/ usando mil artifícios/ mas sempre alguém tenta um salto/ e a
gente é que paga por isso/ Fugimos pras grandes cidades/ bichos do mato em
busca do mito/ de uma nova sociedade/ escravos de um novo rito/ mas se tudo
deu errado/ quem é que vai pagar por isso?/ Eu não quero mais nenhuma
chance/ eu não quero mais revanche/ A favela é a nova senzala/ correntes da
velha tribo/ e a sala é a nova cela/ prisioneiros nas grades do vídeo/ e se o sol
ainda nasce quadrado/ e a gente ainda paga por isso/ eu não quero mais
nenhuma chance/ eu não quero mais revanche/ Um café, um cigarro, um trago/
tudo isso não é vício/ são companheiros da solidão/ mas isso foi só no início/
hoje em dia somos todos escravos/ quem é que vai pagar por isso?
em seus rituais de busca do mito de uma sociedade renovada pela técnica, que se espelha
“prisioneiros nas grades do vídeo” que “transforma” salas de estar em uma nova cela. E
“velha tribo”, sendo a favela a nova expressão da senzala. E frente a este quadro geral, só
nos restaria a solidão, da qual “somos todos escravos” hoje. Mas, frente à dimensão dessa
da música : “Eu não quero mais nenhuma chance/ eu não quero mais revanche”.
Primata (de Britto, Fromer, Reis e Pessoa). Na primeira canção, à polaridade civilização
vs. barbárie ou, também, mundo ordenado vs. submundo, criou-se, paralelamente, a
polaridade entre dois tipos de classificação das figuras animais: a dos animais
Bichos/ saiam dos lixos./ Baratas,/ me deixem ver suas patas./ Ratos,/ entrem
nos sapatos/ do cidadão civilizado./ Pulgas,/ que habitam minhas rugas./
Oncinha pintada,/ zebrinha listrada,/ coelhinho peludo,/ vão se foder!/ Porque
aqui na face da terra/ só bicho escroto é que vai ter!/ Bichos escrotos, saiam
dos esgotos./ Bichos escrotos, venham enfeitar/ meu lar,/ meu jantar,/ meu
nobre paladar.
de bens que, capaz de destruir violentamente o meio-ambiente e o próprio espaço que ele
constrói, encontra-se regido pela ética individualista de um mundo cruel em que cada um
deve se voltar para si mesmo, com prévia consciência de que Deus está contra todos.
Desde os primórdios/ até hoje em dia/ o homem ainda faz/ o que o macaco
fazia/ eu não trabalhava, eu não sabia/ que o homem criava e também destruía/
homem primata/ capitalismo selvagem/ ô ô ô/ Eu aprendi/ a vida é um jogo/
cada um por si/ e Deus contra todos/ você vai morrer e não vai pro céu/ é bom
aprender, a vida é cruel/ Eu me perdi na selva de pedra/ eu me perdi, eu me
perdi./ I’m a cave man/ A young man/ I fight with my hands/ with my hands/
I am a jungle man, a monkey man/ concrete jungle!
sentido de sua contraposição aos valores do establishment, percebe-se que eles se encon-
tram, entre outros aspectos não relevados aqui, relacionados entre si e em sintonia com a
o rock (como uma expressão da cultura urbana) e certos elementos próprios do mundo de
incluído); quanto, de outro lado, como já se disse, também é capaz de afirmar a existência
uma dimensão crítico-emancipatória do discurso, cuja proposição faz eco ao que Jameson
defende como sendo a articulação de uma hermenêutica negativa com uma hermenêutica
estudo. E, mesmo quando se sabe que o discurso do rock, assim como muito do mundo
mesmo, caótica, nos termos de uma caracterização da cultura pós-moderna; ainda assim,
pertinência caso seja considerado os termos do que Foster (op. cit.) e Huyssen (op. cit.)
lia (de Antunes e Belloto), gravado no disco “Cabeça Dinossauro” e Só as mães são
felizes (de Frejat e Cazuza), que consta do LP “Exagerado” de Cazuza. Em seu aspecto
geral, ambas as canções procedem por um discurso que opõe o universo regrado da
família (na concepção que se tem dela como espaço de garantia de uma base emocional
universo familiar é tido, na concepção elaborada por esse discurso, como acentuadamente
limitado e que não permite aos indivíduos ampliar o conjunto de suas experiências, nem,
neurose; onde, em lugar de favorecer uma base de apoio emocional dos indivíduos,
capitula-os como ponto de fuga e de aprisionamento pelo qual eles se protegem das
ameaças do mundo externo. Isto pode ser visto ironicamente nas imagens formadas pelos
Família, família/ papai, mamãe, titia/ família, família,/ almoça junto todo dia,/
nunca perde essa mania./ Mas quando a filha quer fugir de casa/ precisa
descolar um ganha-pão/ filha de família se não casa/ papai, mamãe, não dão
nenhum tostão./ Família ê/ família á/ família./ Família, família/ vovô, vovó,
sobrinha./ Família, família/ janta junto todo dia,/ nunca perde essa mania./
Mas quando o nené fica doente/ procura uma farmácia de plantão/ o choro do
nené é estridente/ assim não dá pra ver televisão./ Família ê/ família á/ família./
Família, família/ cachorro, gato, galinha./ Família, família,/ vive junto todo
dia,/ nunca perde essa mania./ A mãe morre de medo de barata/ o pai vive com
medo de ladrão/ jogaram inseticida pela casa/ botaram um cadeado no portão./
Família ê/ família á/ família.
música Só as mães são felizes estrutura seu discurso, não pela apresentação da família,
mas pela configuração do mundo da rua, do qual a família, aqui expressa na figura
materna, seria o contraponto. Aliás, essa música apresenta em seu discurso um caráter
Você nunca varou/ a Duvivier às cinco/ nem levou um susto/ saindo do Val
Improviso/ era quase meio dia/ no lado escuro da vida/ nunca viu Lou Reed/
“Walkin’on the wild side”/ nem Melodia transviado/ rezando pelo Estácio/
nunca viu Allen Ginsberg/ pagando um michê no Alaska/ nem Rimbaud pelas
tantas/ negociando escravas brancas/ você nunca ouviu falar em maldição/
nunca viu um milagre/ nunca chorou sozinha num banheiro sujo/ nem nunca
quis ver a face de Deus./ Já freqüentei grandes festas/ nos endereços mais
quentes/ tomei champagne e cicuta/ com comentários inteligentes/ mais tristes
que os de uma puta/ no Barbarella às quinze prás sete/ reparou como os velhos/
vão perdendo a esperança/ com seus bichinhos de estimação e plantas/ já
viveram tudo/ e sabem que a vida é bela/ reparou na inocência cruel das
criancinhas/ com seus comentários desconcertantes/ adivinham tudo/ e sabem
que a vida é bela/ você nunca sonhou/ ser currada por animais/ nem transou
com cadáveres/ nunca traiu o teu melhor amigo/ nem quis comer a sua mãe/ só
as mães são felizes.
esfera: são elas Rádio Blá, de Lobão e Arnaldo Brandão (gravada por Lobão e pelo Hanói-
Legião). Em Rádio Blá, pode-se identificar uma crítica do comportamento sexual dentro
Mentiras, jogos de sedução, usados como forma de manipulação, recalque dos desejos:
feminina a que se refere a letra - vivendo-se, assim, uma dimensão afetiva altamente
aspecto, com o feminismo ou com qualquer processo de uma manifestação real liberação
Ela adora me fazer de otário/ para entre amigas/ ter o que falar/ é a onda da
paixão paranóica/ praticando sexo/ como jogo de azar/ uma noite ela me disse/
quero me apaixonar/ como quem pede desculpas a si mesmo/ a paixão não tem
nada a ver com a vontade/ quando bate é o alarme de um louco desejo/ não dá
para controlar,/ não dá/ não dá pra planejar/ eu ligo o rádio/ e blá, blá/ eu te
amo/ Sua vida burguesa é um romance/ um roteiro de intrigas/ pra Felini
filmar/ cercada de drogas, de amigos inúteis/ ninguém pensaria que ela quer
namorar/ reconheço que ela me deixa inseguro/ sou louco por ela e não sei o
que falar/ o que eu quero é que ela quebre a minha rotina/ que fique comigo e
deseje me amar.
Em A Dança, uma verdadeira constelação de elementos encontra a sua prefigura-
Não sei o que é direito/ só vejo preconceito/ e a sua roupa nova/ é só uma roupa
nova/ você não tem idéias/ p’rá acompanhar a moda/ tratando as meninas/
como se fossem lixo/ ou então espécie rara/ só a você pertence/ ou então espécie
rara/ que você não respeita/ ou então espécie rara/ que é só um objeto/ p’rá
usar e jogar fora/ depois de ter prazer./ Você é tão moderno/ se acha tão
moderno/ mas é igual a seus pais/ é só questão de idade/ passando dessa fase/
tanto fez e tanto faz./ Você com as suas drogas/ e as suas teorias/ e a sua
rebeldia/ e a sua solidão/ vive com seus excessos/ mas não tem mais dinheiro/
p’rá comprar outra fuga/ sair de casa então/ então é outra festa/ é outra sexta-
feira/ que se dane o futuro/ você tem a vida inteira/ você é tão esperto/ você
está tão certo/ mas você nunca dançou/ com ódio de verdade./ Você é tão
esperto/ você está tão certo/ que você nunca vai errar/ mas a vida deixa marcas/
tenha cuidado/ se um dia você dançar./ Nós somos tão modernos/ só não somos
sinceros/ nos escondemos mais e mais/ é só questão de idade/ passando dessa
fase/ tanto fez e tanto faz./ Você é tão esperto/ você está tão certo/ que você
nunca vai errar/ mas a vida deixa marcas/ tenha cuidado/ se um dia você
dançar.
autonomia pessoal. Isto pode ser observado em músicas de praticamente todas as bandas
“Legião Urbana”) se canta: “Não estatize meus sentimentos/ p’ra seu governo,/ o meu
vamos invadir sua praia”, da banda Ultraje a Rigor, observa-se a questão da autonomia
posta num tom bastante peculiar à banda, o do deboche. A situação apresentada na música
é a de um jovem vivendo uma condição bastante singular: aquela em que um quadro geral
pais, leva este jovem a se queixar de que nestas condições de harmonia e consumo, não
vai poder crescer, amadurecer, enfim, criar uma identidade própria. Alguns versos desta
Meus dois pais me tratam muito bem (...)/ Meus dois pais me dão muito carinho
(...)/ Meus dois pais me compreendem totalmente (...)/ Meus dois pais me dão
apoio moral (...)/ Minha mãe ainda me deu essa guitarra/ ela acha bom que o
filho caia na farra/ E o meu carro foi meu pai que me deu/ filho homem tem
que ter um carro seu (...)/ Me dão dinheiro pra eu gastar com a mulherada/ Eu
realmente não preciso mais de nada/ Meus pais não querem, que eu fique legal/
Meus pais não querem, que eu seja um cara normal/ não vai dar, assim não vai
dar/ Como é que eu vou crescer sem ter com quem me revoltar (...)/ Pra eu
amadurecer sem ter com quem me rebelar (...)
voz do excluído, na forma como já foi acima apresentado no exemplo de outras canções.
Disparo contra o sol/ sou forte, sou por acaso/ minha metralhadora cheia de
mágoas/ eu sou um cara/ cansado de correr/ na direção contrária/ sem pódium
de chegada ou beijo/ de namorada/ eu sou mais um cara/ mas se você achar/
que eu estou derrotado/ saiba que eu ainda estou rolando os dados/ porque o
tempo não pára/ dias sim, dias não/ eu vou sobrevivendo/ sem um arranhão/
da caridade de quem/ me detesta/ a tua piscina está cheia de ratos/ suas idéias
não correspondem aos fatos/ o tempo não pára/ eu vejo o futuro repetir o
passado/ eu vejo um museu de grandes novidades/ o tempo não pára/ Eu não
tenho data pra comemorar/ às vezes, os meus dias são de par em par/
procurando agulha no palheiro/ nas noites de frio é melhor nem nascer/ nas de
calor, se escolhe: é matar ou morrer/ e assim nos tornamos brasileiros/ te
chamam de ladrão, de bicha, maconheiro/ transformam um país inteiro num
puteiro/ pois assim se ganha mais dinheiro.
Outra canção que parece afirmar, de modo significativo, um discurso revelador da
letra, onde se observa a presença nítida da categoria tempo, através da qual se identificam
é pôr-se à margem “desse mundo escuro e sujo”, afirmando a coragem de amar e da não
que a humanidade encontra-se menos utópica, menos delirante; e que não aprendeu,
sequer, as questões básicas para um existir mais liberto. Por isso, se denuncia o grande
vício da esperança, e o cuidado necessário frente as suas traições; mas, logo se afirma que
não se deve deixar dominar pelas decepções a se enfrentar. É o que se pode observar
abaixo:
dente nas manifestações do rock, atualmente, no Brasil da década de 90, pode-se fazer
veteranas bandas dos anos 80, que já sobrevivem a uma década de grande sucesso de
público (Titãs, Paralamas do sucesso, Legião Urbana, Lobão e outras); quanto pelo
surgimento de novos nomes no cenário musical do rock - aliás, com trabalhos bastante
esforço tal de suas configurações atuais, que em muito fugiria aos objetivos iniciais do
presente trabalho. Por certo, muitos dos aspectos aqui apresentados a respeito do rock da
década de 80, podem ser observados como características do processo atual; contudo, há
um novo contexto de aspectos que exigiria a atenção para com “novos” elementos em
muito necessários à análise do rock dos anos 90. E isto levaria a um outro trabalho,
no Brasil, fica-se aqui com a citação de um hit recente de uma das mais importantes
bandas surgidas desde a década de 80: Legião Urbana. Trata-se da canção Perfeição
está sendo chamado de cultura juvenil; e que se expressa por mediações em formas de
Por certo, as interpretações elaboradas aqui não têm qualquer propósito de esgotar
leiro. Longe disso, pretendeu-se não mais que apresentar um quadro bastante limitado de
elementos daquele universo; que, todavia, pudesse ser favorável à identificação de certa
de sua configuração crítica com o processo das mediações estabelecido, como se disse,
para análises diversas e que se teve de proceder por uma significativa redução do mesmo;
além da omissão de nomes e trabalhos que figuram por sua enorme importância no
uma conclusão definitiva do processo; mas, sim, de apreendê-la no âmbito de sua própria
parcialidade e transitoriedade. De resto, acredita-se ser as letras aqui apresentadas repre-
sentativas de certa tendência do discurso do rock ora em evidência; tendo, por isso
por se considerar tais ponderações, que se pretendeu finalizar este capítulo com os últimos