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Segurança do Paciente

e Prática Médica

Sylvio Valença de Lemos Neto


Luis Antonio dos Santos Diego
Julio Cezar Mendes Brandão
João Henrique Silva
Antônio Fernando Carneiro
EDITORES
Sylvio Valença de Lemos Neto
Luis Antonio dos Santos Diego
Julio Cezar Mendes Brandão
João Henrique Silva
Antônio Fernando Carneiro

Segurança do Paciente
e Prática Médica

SBA
Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Rio de Janeiro
2014
Segurança do Paciente e Prática Médica
Copyright© 2014, Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer sistema, sem prévio consentimento da SBA.

Diretoria
Sylvio Valença de Lemos Neto
Oscar César Pires
Ricardo Almeida de Azevedo
Sérgio Luiz do Logar Mattos
Antônio Fernando Carneiro
Erick Freitas Curi
Getúlio Rodrigues de Oliveira Filho
Comissão de Qualidade e Segurança em Anestesia
Luis Antonio dos Santos Diego
Julio Cezar Mendes Brandão
João Henrique Silva
Coordenação técnica
Maria de Las Mercedes Gregoria Martin de Azevedo
Projeto gráfico, diagramação e capa
Marcelo de Azevedo Marinho
Revisão bibliográfica
Teresa Maria Maia Libório
Auxiliar técnico
Marcelo de Carvalho Sperle

Ficha catalográfica
S678s Segurança do Paciente e Prática Medica / Editores: Sylvio Valença de Lemos Neto, Luis Antonio dos
Santos Diego, Julio Cezar Mendes Brandão, João Henrique Silva e Antônio Fernando Carneiro
Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA, 2014.
128 p.; 25cm.; ilust.

ISBN 978-85-98632-28-5
Vários colaboradores.
1. Anestesiologia – Estudo e ensino. I. Sociedade Brasileira de Anestesiologia. II. Lemos Neto,
Sylvio Valença de. III. Carneiro, Antônio Fernando. IV. Diego, Luis Antonio dos Santos . V.
Brandão, Julio Cezar Mendes. VI. Silva, João Henrique.

CDD - 617-96

O conteúdo desta obra é de inteira responsabilidade de seu(s) autor(es).


Produzido pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia.
Material de distribuição exclusiva aos médicos anestesiologistas.
Produzido em outubro/2014

Sociedade Brasileira de Anestesiologia


Rua Professor Alfredo Gomes, 36 – Botafogo - Rio de Janeiro – RJ
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Tel: (21) 3528-1050 – Fax: (21) 3528-1099
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EDITORES
Sylvio Valença de Lemos Neto
•• TSA-SBA - Presidente da Sociedade Brasileira de Anestesiologia;
•• Instrutor Corresponsável pelo CET/SBA S.Anest.Inst.Nac.de Câncer - INCA;
•• Diretor do HCI - Inst.Nac.de Câncer - INCA.

Luis Antonio dos Santos Diego


•• TSA-SBA - Presidente da Comissão de Qualidade e Segurança em Anestesia da SBA;
•• Professor da Universidade Federal Fluminense e do Mestrado Profissional em ATS do Instituto Nacional de
Cardiologia (INC-MS);
•• Doutor em anestesiologia pela UNESP, Botucatu, SP.

Julio Cezar Mendes Brandão


•• TSA-SBA - Secretário da Comissão de Qualidade e Segurança em Anestesia da SBA;
•• Preceptor da residência médica de anestesiologia da Universidade Federal de Sergipe.

João Henrique Silva


•• TSA-SBA - Membro da Comissão de Qualidade e Segurança em Anestesiologia – SBA;
•• Instrutor Corresponsável pelo CET/SBA do SANE/MEC;
•• Coordenador de anestesia do Hospital Moinhos de Vento.

Antônio Fernando Carneiro


•• TSA-SBA – Diretor do Departamento de Defesa Profissional – SBA;
•• Prof. Vice Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás;
•• Doutor em Medicina pela Santa Casa de São Paulo;
•• Responsável pelo CET/SBA do Hospital CRER.

AUTORES
Airton Bagatini
•• TSA-SBA - Presidente do Conselho Superior da SBA;
•• Instrutor Corresponsável pelo CET/SBA do SANE;
•• Gestor do Centro Cirúrgico do Hospital Ernesto Dornelles de Porto Alegre - RS.

Antônio Fernando Carneiro


•• TSA-SBA – Diretor do Departamento de Defesa Profissional – SBA;
•• Prof. Vice Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás;
•• Doutor em Medicina pela Santa Casa de São Paulo;
•• Responsável pelo CET/SBA do Hospital CRER.

Camila da Silva Landgraf


•• Médica Anestesiologista do Hospital Municipal de São José dos Campos, SP;
•• Médica Anestesiologista do Hospital Pimentas de Bom Sucesso, Guarulhos, SP.

Carla Vasconcelos Cáspar Andrade


•• Presidente da Sociedade de Anestesiologia do Estado do Espírito Santo;
•• Certificado de Área de Atuação em Dor.

Carlos Eduardo David de Almeida


•• Doutorando em Anestesiologia pela Faculdade de Medicina de Botucatu/UNESP.

Cassiana Gil Prates


•• Mestre em ciência médica;
•• Gerente de risco do Hospital Ernesto Dornelles de Porto Alegre - RS.
Erick Freitas Curi
•• TSA-SBA - Diretor do Departamento Administrativo da SBA;
•• Doutor em Anestesiologia pela Faculdade de Medicina de Botucatu/UNESP;
•• Presidente da Febracem - Federação Brasileira de Cooperativas de Especialidades Médicas.

Fabiana Aparecida Penachi Bosco Ferreira


•• TSA-SBA - Instrutora Corresponsável pelo CET/SBA Hosp.Clín.Univ.F.de Goiás;
•• Prof.ª Adjunta Depto Cirurgia FMUFG/GO.

Fabiane Cardia Salman


•• Gerente Médica - Relacionamento Médico e Gestão do Corpo Clínico - Hospital Alemão Oswaldo Cruz, SP
•• Pós-graduação em Gestão da Qualidade em Serviços e Sistemas de Saúde - Hospital Albert Einstein (HIAE), SP
•• Post-graduate Diploma in Administration Health Policy & Management - Fundação Getulio Vargas, SP
•• Gestão da Inovação para a Competitividade - Fundação Getúlio Vargas, SP

Gastão Fernandes Duval Neto


•• Professor doutor, TSA-SBA, PhD; Presidente da Comissão de Saúde Ocupacional da SBA;
•• Chair of the professional wellbeing committee of WSFA.

João Henrique Silva


•• TSA-SBA - Membro da Comissão de Qualidade e Segurança em Anestesia da SBA;
•• Instrutor Corresponsável pelo CET/SBA do SANE/MEC;
•• Coordenador de anestesia do Hospital Moinhos de Vento.

Julio Cezar Mendes Brandão


•• TSA-SBA - Secretário da Comissão de Qualidade e Segurança em Anestesia da SBA;
•• Preceptor da residência médica de anestesiologia da Universidade Federal de Sergipe.

Luis Antonio dos Santos Diego


•• TSA-SBA - Presidente da Comissão de Qualidade e Segurança em Anestesia da SBA;
•• Professor da Universidade Federal Fluminense e do Mestrado Profissional em ATS do Instituto Nacional de
Cardiologia (INC-MS);
•• Doutor em anestesiologia pela UNESP, Botucatu, SP.

Marisa Santos
•• Médica. Doutorado em epidemiologia;
•• Coordenadora do Núcleo de Avaliação de Tecnologias e do Mestrado Profissional em ATS do Instituto Nacional
de Cardiologia (INC-MS).

Murillo Bomfim Dalul


•• Médico em Especialização do CET/SBA do Hospital CRER de Goiânia.

Natália Luisa Lemes Garcia


•• Médica em Especialização do CET/SBA do Hospital CRER de Goiânia.

Oscar César Pires


•• TSA-SBA – Vice-Presidente da SBA;
•• Responsável pelo CET/SBA do Hospital Municipal de São José dos Campos;
•• Professor Doutor da Universidade de Taubaté.

Rodrigo Cavalcante Carlos de Carvalho


•• Médico em Especialização do CET/SBA do Hospital CRER de Goiânia.
APRESENTAÇÃO
A Comissão de Qualidade e Segurança da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA)
e a Diretoria de Defesa Profissional tiveram, mais uma vez, a oportunidade de apresentar
outros aspectos importantes da segurança do paciente que não foram contemplados no
primeiro livro sobre o tema, publicado em 2012, com a possibilidade de atualização abran-
gente, inclusive da legislação vigente.
Considerando essas premissas, o capítulo inicial, “A Segurança do Paciente e a Saúde
Ocupacional”, de autoria do próprio diretor de defesa profissional da SBA, estabelece o vín-
culo entre o bem-estar biopsicossocial do profissional e a garantia do exercício profissional
em toda a sua potencialidade e exigência. Não há como o anestesiologista bem exercer seu
mister, proporcionando segurança ao paciente no período perioperatório, se ele próprio
não estiver seguro e em sintonia com os fundamentos da especialidade.
A anestesiologia é considerada a especialidade que mais contribui e se organiza em tor-
no da segurança do paciente. Mas não só o profissional é foco desse bem-estar. O vínculo
entre bem-estar e humanização com a segurança do paciente é ressaltado no capítulo su-
cessivo, “Segurança, Humanização e Bem-estar”.
Os capítulos seguintes procuram apresentar ao anestesiologista tópicos atualizados
sobre o tema central. O Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), publi-
cado pelo Ministério da Saúde, em 2013, é comentado em seus aspectos mais relevan-
tes e úteis para o profissional que está inserido na prática assistencial e, muitas vezes,
não teve a oportunidade de bem compreender suas exigências e como elas podem ser
benéficas para ele próprio, e não apenas mais uma regulação estatal sem consistência
na prática diuturna.
O tema da notificação de eventos adversos, também muito útil ao anestesiologista,
vem com uma contribuição para a criação de um possível sistema eficaz que permita uma
análise de dados efetiva, a qual abastecerá as diretivas da própria SBA, das regionais e
de todas aquelas instituições investidas da missão de orientar, alertar e até fomentar a
segurança do paciente e o gerenciamento de risco. Sem informações fidedignas sobre
os eventos adversos em anestesia não há como se delinear um programa de qualidade e
segurança que atenda a suas reais necessidades. Sabe-se que a infecção hospitalar, o erro
de medicamentos e outros eventos adversos inseridos no escopo do projeto “Cirurgias
Seguras Salvam Vidas” (Lista de Verificação Cirúrgica) estão sempre presentes e, por
conseguinte, mereceram capítulos distintos.
O prontuário do paciente como barreira para sua segurança não poderia deixar de ser
abordado, uma vez que um bom prontuário, bem preenchido, seja em meio físico ou eletrô-
nico, é uma das melhores barreiras a eventos adversos evitáveis.
Ainda considerando a elaboração de um sistema de ensino e desenvolvimento de exper-
tise nos princípios da segurança do paciente para o anestesiologista, é discutida a impor-
tância da simulação realística na atualidade e sua atual inserção nas instituições de ensino.
Esse tópico está em perfeita sintonia com o treinamento no gerenciamento de crise que
ocorre, por exemplo, em situações inesperadas e de grande impacto, como catástrofes que
envolvem o centro cirúrgico ou tomar decisões em situações críticas como em caso de
incêndio etc.
Por fim, a presente publicação tem seu fim com três capítulos que pretendem abrir no-
vos caminhos e discutir um futuro possível. A interseção com a “Avaliação Tecnológica em
Saúde e Segurança do Paciente”, seus atuais critérios, regulação e, principalmente, a entre-
ga da inovação à prática assistencial com segurança e real efetividade, é apresentada. Esse
tema é indissolúvel daqueles que se seguem: “Pesquisa e Desenvolvimento em Segurança
do Paciente em Anestesia” e “O Futuro em Segurança no Bloco Cirúrgico”.
A Sociedade Brasileira de Anestesiologia, ao investir na segurança do paciente, de-
monstra o quão respeita, acima de tudo, o exercício ético da especialidade e o profissio-
nal centrado no paciente. O capítulo sobre esses princípios éticos, que finda esta reunião
de temas relacionados à segurança do paciente, relembra a todos o princípio hipocrático
primum non nocere.

Luis Antonio dos Santos Diego


Julio Cezar Mendes Brandão
João Henrique Silva
Comissão de Qualidade e Segurança
em Anestesia da SBA
SUMÁRIO
Prefácio.....................................................................................................................................................09

Capítulo 1
Segurança em Anestesia e Responsabilidade Educacional da SBA...................................................11
Antônio Fernando Carneiro, Fabiane Cardia Salman e Natália Luísa Lemes Garcia

Capítulo 2
Segurança do Paciente e Saúde Ocupacional.......................................................................................15
Antônio Fernando Carneiro e Fabiana Aparecida Penachi Bosco Ferreira

Capítulo 3
Bem-estar Ocupacional em Anestesiologia: Humanização e Segurança..........................................19
Gastão Fernandes Duval Neto

Capítulo 4
O Programa Nacional de Segurança do Paciente e o Anestesiologista.............................................31
Luis Antonio dos Santos Diego

Capítulo 5
Construção de um Sistema de Relato de Eventos Adversos em Anestesia........................................39
Julio Cezar Mendes Brandão

Capítulo 6
Segurança Biológica no Armazenamento de Produtos Anestésicos..................................................47
Camila da Silva Landgraf, Antônio Fernando Carneiro, Oscar César Pires, Rodrigo Cavalcante Carlos
de Carvalho e Murillo Bomfim Dalul

Capítulo 7
O Papel do Anestesiologista na Medicina Perioperatória: Prevenção da Infecção do Sítio
Cirúrgico..................................................................................................................................................51
Fabiana Aparecida Penachi Bosco Ferreira e Antônio Fernando Carneiro

Capítulo 8
A Utilização Segura de Medicamentos e o Anestesiologista..............................................................61
Fabiane Cardia Salman

Capítulo 9
Lista de Verificação Cirúrgica (Checklist) na Prática Anestesiológica.............................................69
Airton Bagatini e Cassiana Gil Prates

Capítulo 10
Identificação do Paciente e o Uso do Prontuário como Barreiras Efetivas da Segurança em
Anestesia ..................................................................................................................................................75
João Henrique Silva

Capítulo 11
A Importância da Simulação com Foco na Segurança do Paciente em Cirurgia .............................85
João Henrique Silva
Capítulo 12
Como Praticar a Segurança do Paciente no Centro Cirúrgico em Situações de Catástrofe...........93
Erick Freitas Curi, Carla Vasconcelos Cáspar Andrade e Carlos Eduardo David de Almeida

Capítulo 13
Avaliação de Tecnologia em Saúde e a Segurança do Paciente – Qual a interface?..........................97
Luis Antonio dos Santos Diego e Marisa Santos

Capítulo 14
O Futuro da Segurança nas Instituições de Saúde.............................................................................105
Airton Bagatini e Cassiana Gil Prates

Capítulo 15
Aspectos éticos da segurança do paciente em anestesia....................................................................121
Julio Cezar Mendes Brandão
PREFÁCIO
A definição de prefácio é dada a um texto introdutório de uma obra (livro), onde o prefaciador
descreve de forma sucinta o objetivo da obra, sua estrutura, conteúdos e conclusão.
Obedecendo aos princípios clássicos desse conceito, este livro é mais uma contribuição da
Sociedade Brasileira de Anestesiologia na busca incessante de eficácia nas medidas e ações de se-
gurança dos procedimentos anestésicos cirúrgicos.
A anestesiologia estabeleceu, nos últimos anos, um modelo de segurança para a redução dos
riscos e a morbimortalidade cujas estratégias, pelo alto índice de sucesso, outras especialidades
poderão seguir. A consequência da diminuição dos eventos adversos veio principalmente pela
melhoria da monitoração, criação e adoção de rotinas, pelo aprimoramento de novas técnicas e
criação de programas de gestão de segurança.
Sugiro ao associado que, ao ler Segurança do paciente e prática médica, imagine que todas
as palavras contidas nestes capítulos estariam copilando os dizeres de Hipócrates: Primum non
nocere (antes de tudo não cause dano, não prejudique o paciente).
É possível aprender um pouco de medicina conhecendo-se sua história, evolução e mudança de
cultura de uma forma geral. Estes novos conceitos de segurança tratam de temas atuais, de impor-
tância mundial, foco de atenção dos pacientes, com regulamentação governamental e prioridade
das fundações e sociedades de especialidades.
Entendemos que não é com a leitura desta obra que o associado vai obter todo conhecimento
de segurança ao seu alcance, uma vez que priorizamos aspectos essenciais como segurança de me-
dicamentos, riscos profissionais, programas nacionais de segurança, infecção e sua interação com
a anestesia e a importância da Sociedade Brasileira de Anestesiologia nesse contexto. Entretanto,
serve como semeadura de pensamentos e ideias que germinarão na consciência de cada profis-
sional instigando a todos a buscar os caminhos do conhecimento, o que nos aproxima daquele
princípio sagrado da medicina: “Aplicarei os tratamentos para o bem do doente segundo o meu
poder de entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém” (Juramento de Hipócrates,
460–377 a.C.).
Por isso, o livro Segurança do paciente e prática médica deve estar bem próximo de todos
os anestesiologistas que, diante de qualquer dúvida na prática diária de suas anestesias, possam
tê-lo como um dicionário, dando um significado teórico especial de ensino e aprendizado de
nossa especialidade.
Em suma, trata-se de obra útil e da melhor qualidade. Destina-se aos que se interessam pela
anestesia e buscam a segurança como meta em seus procedimentos.
Seu valor é inestimável, principalmente pelo seu corpo de editores, pela assistência incansável
da comissão de qualidade e segurança em anestesia da SBA e finalmente pela ação de sua diretoria
que não mediu esforços para garantir a sua edição.

Prof. Dr. Antônio Fernando Carneiro


Diretor do Departamento de Defesa Profissional da SBA

Dr. Sylvio Valença de Lemos Neto


Presidente da SBA

Prefácio | 9
Capítulo 01

Segurança em Anestesia
e Responsabilidade
Educacional da SBA
Antônio Fernando Carneiro
Fabiane Cardia Salman
Natália Luísa Lemes Garcia
Segurança em Anestesia e Responsabilidade Educacional
da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA)

A palavra “segurança” tem origem no latim, na qual significa “sem preocupações” e cuja etimo-
logia sugere o sentido “ocupar-se de si mesmo”.
A segurança do paciente – dimensão da qualidade do cuidado de saúde – configura-se
como um tema de pesquisa amplamente estudado no cenário mundial. Estima-se que um a
cada dez pacientes internados em hospitais sejam vítimas de algum tipo de erro ou evento
relacionado à assistência e que, na maioria das situações, esses erros seriam passíveis de me-
didas preventivas.
A segurança do paciente tem sido considerada um atributo prioritário da qualidade dos siste-
mas de saúde do mundo. Sem dúvida, isso tem ocorrido por causa da contribuição de estudos epi-
demiológicos, que evidenciaram os efeitos indesejáveis da assistência à saúde causados por falhas
de qualidade. As notícias sobre erro, negligência, evento adverso e uma atenção à saúde insegura
causaram e causam grande alarme social e se espalharam por todos os âmbitos da sociedade, inclu-
sive entre os próprios profissionais de saúde.
A importância de gerenciar riscos se encontra em uma escala mais elevada atualmente, por
causa da crescente complexidade da epistemologia dos eventos que podem prejudicar a segu-
rança do paciente e a instituição. Nesse contexto, não são apenas os gestores que gerenciam
as ações, e sim todos os profissionais que fazem parte desse processo, no qual identificam,
mapeiam e monitoram riscos para atingir a excelência, preocupando-se com a segurança e a
satisfação do cliente.
Ao identificar riscos que afetam a segurança do paciente, surge a necessidade de analisá-los,
o que consiste em um processo sistemático de identificação, avaliação e tratamento das possíveis
perdas que afetam a saúde do cliente, assim como ocasionam a diminuição da clientela e da renta-
bilidade, bem como a perda de capital, prestígio profissional e imagem do estabelecimento.
Especificamente, as atividades nesse sentido podem focar o monitoramento de problemas de
segurança, a reação e solução dos problemas identificados por meio de monitoramento e o pla-
nejamento da segurança pela implantação sistemática de boas práticas de segurança, tudo isso
favorecido por um clima ou cultura benéfica em relação a esses esforços entre os profissionais
da organização.
A necessidade do fortalecimento de uma cultura de segurança em nível nacional constitui
medida fundamental da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA) para o processo de melhoria
da segurança do paciente no contexto hospitalar.
A SBA considera que os pacientes têm o direito à expectativa de que estarão seguros e prote-
gidos contra quaisquer danos durante o tratamento médico, e a anestesiologia desempenha papel
fundamental na melhoria de sua segurança no período perioperatório.
A Comissão de Qualidade e Segurança em Anestesia da SBA (CQSA/SBA), que integra a Di-
retoria de Defesa Profissional, tem por finalidade estimular, entre os anestesiologistas brasileiros,
ações que resultem na melhoria contínua da qualidade e da segurança nos processos de atendimen-
to ao paciente no período perioperatório, por meio de gestão eficiente dos riscos; conhecimento;
pesquisa; ética e responsabilidade social.
Além do empenho nacional da SBA, a diretoria ampliou seu relacionamento com a Fede-
ração Mundial de Sociedades de Anestesiologia (WFSA), na qual participa com um membro

12 | Segurança do Paciente e Prática Médica


em seu comitê executivo, devido à presidência do Comitê de Bem-Estar Ocupacional e ainda
participa dos Comitês de Educação e de Publicações. O Brasil é um dos países que compõem
a Aliança Mundial para a Segurança do Paciente, estabelecida pela Organização Mundial de
Saúde (OMS) desde 2004. Instituir medidas que aumentem a segurança do paciente, a quali-
dade dos serviços de saúde e o aperfeiçoamento da prática segura torna-se meta e prioridade
dessa parceria.
Em busca do aperfeiçoamento e da atualização de seus associados, a CQSA/SBA desenvol-
veu uma proposta nacional de indicadores de qualidade e segurança de anestesia. Também foi
realizada a recomendação para a implantação de um sistema de relatos de eventos adversos pela
SBA, sendo desenvolvido um método de registros de complicações por meio do gerenciamento de
anestesias dos médicos residentes.
O desenvolvimento desse sistema perpassa, necessariamente, pelo conhecimento da nature-
za, extensão e magnitude dos eventos adversos e incidentes em serviços de saúde relacionados à
anestesia. Em outras palavras, resulta na implantação de um conjunto de ações para minimizar ao
máximo a ocorrência de eventos adversos, erros e incidentes.
Esse conjunto de ações deve ser direcionado para a prevenção daqueles riscos evitáveis; para os
que não são, devem ser tomadas as medidas necessárias, a custos aceitáveis.
Com o intuito de disseminar conceitos e informações relacionadas ao tema, a CQSA redigiu,
em 2012, o livro Qualidade e Segurança em Anestesia, sendo responsável pela redação de capítulos,
revisão e editoração. Esse livro envolveu inúmeros autores, participantes de várias comissões e
comitês da SBA, de diversos estados brasileiros, incluindo profissionais de outros setores profis-
sionais (farmácia).
Em 2014, o livro Segurança em Anestesia vem solidificar e aperfeiçoar a busca do conhecimen-
to, mudando conceitos e estabelecendo novos paradigmas na cultura de segurança. Segundo o
conceito clássico de Horton e Hunt, cultura “é todo complexo que inclui conhecimento, crença,
arte, moral, direitos, costumes e outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como
membro da sociedade”. É tudo que é socialmente aprendido e compartilhado pelos membros de
uma sociedade.
A SBA tem desenvolvido, portanto, cursos, material informativo e folders focados na educação
e orientação dos pacientes e familiares em relação à assistência anestésica.
A Sociedade Brasileira de Anestesiologia, por meio de seu planejamento estratégico, não
tem medido esforços na busca da melhoria da segurança e apoia totalmente o desenvolvimen-
to, a disseminação e o treinamento em segurança do paciente. A Comissão de Qualidade e
Segurança participou ativamente na elaboração e aplicação, nos últimos anos, de temas sobre
qualidade e segurança em anestesia em todas as jornadas oficiais da SBA e congressos nacio-
nais e internacionais.
Outro aspecto inovador da SBA na parte científica sobre segurança foi a elaboração de
videoaulas para médicos em especialização, que permitiram a democratização do ensino para
todos os centros de treinamento, por meio de aulas via internet, promovendo, inclusive, inte-
ratividade entre o especializando e os renomados palestrantes convidados para ministrar as
aulas do programa.
A implantação da cultura da segurança, aliada à estratégia nacional para a coleta harmo-
nizada de indicadores em serviços de saúde, favorece o gerenciamento do risco e melhora a
qualidade da assistência, reduzindo a exposição ao dano de pacientes submetidos à anestesia e
no período perioperatório.

Segurança em Anestesia e Responsabilidade Educacional da SBA | 13


Referências bibliográficas:
1. Agency for Healthcare Research and Quality. Patient Safety Indicators. Disponível em: http://www.ahrq.gov/. Acesso em
ago 2014.
2. Brennan TA, Leape LL, Laird NM. Incidence of adverse events and negligence in hospitalized patients. Results of the Harvard
Medical Practice Study I. N Engl J Med, 1991;324:370-376.
3. Donabedian A. The quality of medical care. Science, 1978;200:856-64.
4. Gallotti RMDG. Eventos Adversos – o que são? Rev Assoc Med Bras, 2004;50:109-26.
5. Florence G, Calil SJ. Uma nova perspectiva no controle dos riscos da utilização de tecnologia médico-hospitalar. MultiCiência
[periódicos na internet], 2005;5:1-14. Disponível em: http://www.multiciencia.unicamp.br/art04_5.htm
6. Jha A (ed.) Summary of the Evidence on Patient Safety: Implications for Research. World Health Organization, 2008. Disponí-
vel em: http://whqlibdoc.who.int/publications/2008/9789241596541_eng.pdf
7. Kohn L, Corrigan J, Donaldson M. To err is human: building a safer health system. Washington, DC, Committee on Quality of
Health Care in America, Institute of Medicine, National Academy Press, 2000.
8. Mendes W, Martins M, Rozenfeld S et al. The assessment of adverse evenst in hospitals in Brazil. Int J Qual Health Care,
2009;21:279-84.
9. Saturno PJ. Seguridad del Paciente. La Seguridad del Paciente integrada em La Gestión de La Calidad. Diseño y Monito-
rización de indicadores. Manual del Master em Gestión de La Calidaden losServicios de Salud. Módulo VI: Seguridad del
Paciente. Murcia: Universidad de Murcia, 2008.

14 | Segurança do Paciente e Prática Médica


Capítulo 02

Segurança do Paciente e
Saúde Ocupacional
Antônio Fernando Carneiro
Fabiana Aparecida Penachi Bosco Ferreira
Segurança do Paciente e Saúde Ocupacional

Desde a demonstração de William Morton, no Hospital Geral de Massachussets (EUA), em


16 de outubro de 1846, onde oficialmente foi realizada a primeira intervenção cirúrgica com anes-
tesia geral, em que o cirurgião presente, o renomado John Collins Warren, extraiu do paciente
submetido ao experimento de Morton um tumor de glândula submandibular e uma parte da
língua, ao não se ouvir nenhuma manifestação de sofrimento por parte do doente, foi constatado
que haviam descoberto e provado perante inúmeros médicos e demais profissionais um meio de
anestesiar um ser humano.
Com essa descoberta, os pacientes que necessitavam de procedimentos cirúrgicos teriam nova
perspectiva de assistência para seu bem-estar. Começava, assim, uma nova era, a anestesia.
Sendo a vida um bem indisponível e a saúde um bem inalienável, o ato médico deve prever a
saúde do paciente, seu bem-estar físico e psíquico, assim como o respeito a seus interesses.
O Código de Ética Médica refere que a medicina é uma profissão que está a serviço da saúde do
ser humano e deve ser alvo de toda a atenção do profissional. O médico exercerá sua profissão com
autonomia, buscando sempre o bem-estar social, psíquico, físico e intelectual.
O médico se empenhará para obter a melhor adequação do trabalho ao ser humano, com a
eliminação e o controle dos riscos à saúde inerentes às atividades laborais, bem como buscará os
altos padrões do serviço médico, assumindo sua responsabilidade em relação à saúde pública, à
educação sanitária e à legislação referente à saúde.
Ainda sob esse prisma, o médico, em instituição pública ou privada, em condições de trabalho
indignas ou prejudiciais à própria saúde ou à do paciente, bem como à dos demais profissionais,
deve abdicar e comunicar sua decisão ao Conselho Regional de Medicina.
A anestesiologia, como uma especialidade multidisciplinar, não foge à regra e apresenta uma
série de características próprias na clínica diária. Ela tem um ritmo de trabalho intenso que,
altera o estilo de vida do profissional e causa importante desgaste físico e mental, caracterizado
pelo sofrimento diante de grandes demandas e jornadas excessivas de trabalho. O primeiro pro-
fissional a chegar e geralmente o último a sair; estresse de iniciar o procedimento; urgências e
emergências que se sucedem durante todos os dias são algumas facetas que podem explicar essa
diferença na especialidade.
A correlação entre a saúde ocupacional dos anestesiologistas e o índice de incidentes críticos
em anestesiologia clínica está bem evidenciada, tendo a fatiga como o principal fator. Outros ele-
mentos – atividade profissional, ensino e estresse no ambiente de trabalho – podem desencadear
alterações funcionais que merecem a atenção das entidades médicas e associativas envolvidas.
Os médicos são treinados para exercer suas funções e direcionar sua atenção inteiramen-
te para o paciente. Mas, na maioria das vezes, esses profissionais se esquecem de cuidar de si
mesmos. Dessa forma, a Sociedade Brasileira de Anestesiologia deve estar atenta a esse fato
e estimular ações que visem à prevenção de acidentes e à promoção da saúde ocupacional
do especialista.
Diante desse cenário, a SBA tem se mostrado atenta na defesa dos interesses profissionais
do anestesiologista e, ao mesmo tempo, proativa na vanguarda de uma prática criteriosa, ética
e humana da especialidade. A entidade vem atuando com medidas educacionais, visando ao
ensino e ao aprendizado, e mantendo a relação médico–paciente e médico–instituição mais
harmoniosa e saudável.

16 | Segurança do Paciente e Prática Médica


A entidade desenvolve ferramentas para sua missão institucional – congregar os anestesiolo-
gistas no Brasil –, promovendo continuamente a formação, atualização técnico-científica e imple-
mentação de ações de defesa profissional e fomentando o comprometimento da especialidade com
a comunidade médica e a sociedade em geral.
O objetivo da instituição é dar ao anestesiologista suporte necessário para a execução das
mais eficientes práticas que garantam a qualidade e a segurança de seu exercício profissional e a
redução da morbimortalidade relacionada a todas as atividades que permeiam suas atribuições
de médico.
A Comissão de Saúde Ocupacional (CSO) e a Comissão de Qualidade e Segurança em Aneste-
sia (CQSA) atingiram a maturidade com seus objetivos claros e predeterminados, como a criação
de trabalhos e projetos que diminuem a morbimortalidade dos procedimentos anestésicos cirúr-
gicos e, em uma vertente paralela, a segurança do profissional, que busca bem-estar ocupacional,
profilaxia e abordagens terapêuticas de patologias psíquicas e físicas, com base em evidências
científicas publicadas.
Após essas ampliações na segurança do anestesiologista, medidas de políticas preventivas con-
juntas devem ser tomadas: educação; informação; divulgação; identificação dos anestesiologistas
em risco potencial de drogadição; gestão do estresse ocupacional; adaptação dos cronogramas
de trabalho; controle rígido e contínuo das medicações psicoativas; políticas de respaldo para o
anestesiologista e sua família.
A anestesiologia ainda está longe de garantir segurança e evitar riscos profissionais plenamente
a seus clientes. Fatos como aumento da renda, suporte por parte do Código de Defesa do Consu-
midor, aumento do rigor e melhoria do relacionamento técnico com o cliente são determinantes
nesse caso.
O incremento da especialização e os avanços tecnológicos na medicina, embora tenham
proporcionado maior segurança na prática de atos médicos, paradoxalmente, aumentaram a com-
plexidade e o risco das intervenções clínicas, além do distanciamento e da impessoalidade entre
médico e cliente.
À medida que os clientes se tornam cada vez mais informados e suas expectativas crescem, a
única maneira para que o atendimento possa sobreviver e prosperar é oferecendo comprometi-
mento com a qualidade.
Um sistema de gestão de segurança e saúde ocupacional promove um ambiente de traba-
lho seguro, saudável e harmonioso. Ao gerenciar o espectro de riscos relacionados ao pessoal
no ambiente de trabalho, será possível que sua organização controle os custos com seguros e
aumente o desempenho de suas funções, tendo como conceito final o bem-estar do paciente
e do médico.

Referências bibliográficas:
1. Bagatini A, Silva MS, Azevedo MMGM. Sociedade Brasileira de Anestesiologia: 65 Anos de História. Rio de Janeiro,
SBA, 2013.
2. Brasil. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.931/2009. Código de Ética Médica. Diário Oficial da União, 13 out 2009.
3. Duarte NMC. Recomendações da Sociedade Brasileira de Anestesiologia: nova abordagem para antigos desafios. Rev Bras
Anestesiol, 2011;61:531-2.
4. Duval Neto GF (Editor). Bem-Estar Ocupacional em Anestesiologia. Brasília, Sociedade Brasileira de Anestesiologia /
CFM, 2013.
5. Meneses JAG. Dilemas bioéticos na prática da anestesia. Rev Bras Anestesiol, 2001;51:426-30.
6. Sociedade Brasileira de Anestesiologia. Estatuto, Regulamentos e Regimentos. Disponível em: http://www.sba.com.br/
normas_e_orientacoes/legislacao.asp

Segurança do Paciente e Saúde Ocupacional | 17


Capítulo 03

Bem-estar Ocupacional
em Anestesiologia:
Humanização e Segurança
Gastão Fernandes Duval Neto
Bem-estar Ocupacional em Anestesiologia:
Humanização e Segurança

Conceitos e Considerações
Iniciamos este capítulo com alguns conceitos/considerações que facilitam a compreensão do
tema em pauta.
“Os que têm saúde mental são aqueles capazes para o amor e o trabalho”1,2 , Freud.
Trabalhar é meio de prover sustento para o corpo e a alma. No trabalho, passamos a vida,
desenvolvemos nossa identidade, experimentamos situações, construímos relações, realizamos
nosso espírito criativo. E é também no trabalho que adoecemos.
A relação saúde e trabalho é objeto de estudo há vários anos, por vários autores3-7. Na era mo-
derna, a organização científica da atividade laboral8,9 – por meio de seus instrumentos de controle,
disciplina e fragmentação das tarefas – retirou do trabalhador (médico) a visão da totalidade do
processo, que, no fim, revela o fruto de seu trabalho. Nesse estado de alienação, perde-se o sentido
sensível do trabalho, que, então, frequentemente, se torna atividade penosa, não gratificante, cujo
retorno financeiro nunca é suficiente, ainda mais ao se considerar que os salários/ganhos dificil-
mente compensam o tempo de vida despendido. O que se ganha não paga o que se perde...
O trabalho na área da saúde tem um custo elevado para seus profissionais10. O ambiente insa-
lubre, o regime de turnos, os plantões extensos em tempo e frequência, as baixas remunerações, o
contato muito próximo com os pacientes, que mobiliza emoções e conflitos inconscientes, tornam
esses trabalhadores particularmente suscetíveis ao sofrimento psíquico e ao adoecimento, por
causa de sua atividade profissional.
Entretanto, apesar da importância desses aspectos (muitos deles inerentes à profissão), é cada
vez mais evidente que a organização do trabalho e seu modelo de gestão concentram os principais
fatores psicossociais relativos ao ambiente laboral presentes no adoecimento dos trabalhadores
da saúde11. Não à toa, em 2004, quando da implantação da Política Nacional de Humanização
(PNH), do Ministério da Saúde, elegeram-se os processos de trabalho e gestão como os principais
alvos das ações humanizadoras com as quais se pretende mudar a cultura institucional da atenção
à saúde para usuários e trabalhadores12 . Dos princípios norteadores da PNH destacam-se três
que sustentam as necessárias mudanças na organização do trabalho e gestão na saúde13:
• fortalecimento do trabalho em equipe multiprofissional, para fomentar a transversalidade;
• compromisso com a democratização das relações de trabalho;
• valorização dos profissionais da rede de assistência médica, com o estímulo de processos
de educação permanente.
No sentido contrário à realidade atual da maioria dos serviços de saúde, em que os trabalha-
dores pouco participam da gestão dos serviços, a PNH propõe como diretrizes essenciais para a
humanização das práticas de saúde a gestão participativa, a educação permanente e o redimensio-
namento do trabalho para a produção de subjetividades. Não se trata mais de pintar paredes e fazer
brinquedotecas ou recuperar a teoria do vínculo. Ainda que tudo isso seja muito importante para
a melhoria do espaço e das relações humanas, não haverá humanização se não houver profundas
mudanças na forma do fazer institucional referentes à gestão e à organização do trabalho, para
resgatar o protagonismo, a dignidade, o respeito e a sensibilidade dos trabalhadores, que se deseja
ver aplicados no cuidado aos pacientes14.

20 | Segurança do Paciente e Prática Médica


Humanização
O processo de redução do efeito negativo que o ambiente exerce sobre o indivíduo médico pode
ser considerado como humanização. Atualmente, a avaliação do ambiente ocupacional e de seus
efeitos negativos na saúde dos trabalhadores dessa área deve ser considerada essencial e trivial.

Bem-estar Ocupacional
O bem-estar ocupacional em medicina foi definido pela Organização Mundial da Saúde, em
2005, como: “A percepção individual do médico de sua posição na vida, incluída em um contexto
cultural e em um sistema de valores no qual sejam ponderadas suas relações de gratificação, expec-
tativa, conceito e críticas pessoais.”15
Por outro lado, outra definição pode ser aplicada ao termo: “Como eu me sinto mentalmente, fi-
sicamente e psicologicamente em cada momento de todos os dias, relativamente a minha atividade
ocupacional, a minhas relações de convivência e ao meio ambiente profissional no qual convivo?”
A maneira de responder a essa questão pode ser por meio de análise introspectiva sobre suas
individuais dificuldades e frustrações no manejo das situações ocupacionais consideradas es-
tressantes ou se você já se sente evoluindo para uma síndrome depressiva psicogênica por estar
constantemente submetido a condições ocupacionais vividas como estressantes especificamente
por você (caráter da individualidade na capacidade de percepção do estresse ocupacional).
Nesse sentido, é importante salientar alguns aspectos atuais da prática médica. Em saúde
ocupacional do médico, por causa da massificação do atendimento médico (volume de trabalho),
torna-se extremamente difícil a execução de estudos de elevada qualidade científica e, por conse-
guinte, atitudes efetivas na relação entre trabalho e trabalhador da medicina. Por outro lado, o
detalhado conhecimento dessa relação é de extremo interesse para o desenvolvimento de políticas
que visem à manutenção de um alto nível de bem-estar ocupacional para os trabalhadores da área
da saúde, com redução do impacto negativo do ambiente ocupacional do médico sobre sua saúde
física e psíquica.

Qualidade de Vida Ocupacional (QVO)


A manutenção de um nível digno de qualidade de vida ocupacional (QVO) vem se tornando
cada vez mais importante com o passar do tempo. Com as mudanças na cultura trabalhista, os
conceitos tradicionais de trabalho em medicina vêm se transformando significantemente nos úl-
timos tempos, para contemplar exigências da prática profissional de forma ética e eficiente, tanto
perante os profissionais como os pacientes.
Nessas circunstâncias, tanto a qualidade do ambiente ocupacional como o bem-estar
ocupacional devem ser valorizados pelas “instituições” com poder executivo e/ou consultivo
sobre a atividade de profissionais na área da saúde. As referidas instituições devem aperfei-
çoar medidas e atitudes que alterem positivamente a prática médica, de maneira globalizada
e eficiente.
A qualidade de vida ocupacional está relacionada com as necessidades mentais, físicas, psico-
lógicas e espirituais dos profissionais e deve se basear em um manejo filosófico que visa à elevação
do bem-estar ocupacional (físico e psíquico) do profissional, acompanhado de significantes mu-
danças na cultura organizacional laboral.
A definição de qualidade de vida ocupacional enfatiza diferentes pontos de vista. Alguns estu-
diosos da matéria focalizam suas bases no tema Trabalhador x Ambiente de Trabalho, enquanto
outros se concentram somente no estado de bem-estar ocupacional do profissional.

Bem-estar Ocupacional em Anestesiologia: Humanização e Segurança | 21


Considerando a condição humana, a QVO pode ser definida como “um processo pelo qual
uma instituição responde às necessidades de seus empregados, através do desenvolvimento de
mecanismos regulamentares trabalhistas que permitam a participação ativa deles no desenho de
suas atividades profissionais”16.
A QVO é um conceito que apresenta um grande número de elementos inter-relacionados,
que incluem:
1. Compensação apropriada, adequada e justa, incluindo elementos como remuneração
pelo cumprimento de exigências trabalhistas regulamentares, devendo ser socialmente
justa, caracterizada pelo estabelecimento de salários semelhantes aos dos outros pro-
fissionais que realizam o mesmo tipo de função, bem como benefícios, pagamentos e
acesso a direitos trabalhistas.
2. Aposentadoria semelhante à dos profissionais de mesmo nível.
3. Estabelecimento de um ambiente de trabalho seguro e saudável, considerando condições
físico-ambientais como luminosidade, temperatura e coloração, além de segurança ergo-
nômica e o cumprimento da adequada extensão das jornadas de trabalho.
4. Suporte ao desenvolvimento de capacidades individuais, como autocontrole e autonomia,
para promover a elaboração de projetos e planificações de aprimoramento de inovações
das atividades profissionais.
5. Desenvolvimento de sistemas de seguro pessoal e profissional.
6. Promoção da integração social: cooperativa e/ou organizacional; senso de equipe; promo-
ções e avanços em oportunidade de crescimento profissional.
7. Desenvolvimento de senso constitucionalista: imunidade pessoal; igualdade de direitos;
direitos humanos; privacidade; liberdade de expressão; ambiente democrático; participa-
ção em decisões; direito de defesa e legislação trabalhista.
8. Liberdade de escolha do estilo de vida – equilíbrio na correlação entre dedicação ao traba-
lho e à família; vida privada e tempo de lazer.
9. Enfatizar a relevância social: responsabilidades sociais das instituições; efeitos da instituição
nos empregados; desenvolvimento da imagem coorporativa; fomento da produtividade;
qualificação dos recursos humanos; desenvolvimento de atividades culturais e artísticas.
Muitos modelos têm sido desenvolvidos para mensurar a qualidade da vida ocupacional, e
alguns indicadores têm sido incluídos nesses modelos, como produtividade; ambiente físico e
material (luminosidade, poluição sonora, ergonomia); competitividade entre os participantes do
sistema; correlação entre o número de trabalhadores versus trabalho a ser desenvolvido; valoriza-
ção da opinião dos membros do sistema. Entre esses modelos podem ser citados os desenvolvidos
por Walton17, Hackman18, Fernandes19 e Timossi20.
A literatura atual evidencia fatores que influenciam a QVO, entre os quais um de relevante
significância é o nível de estresse ocupacional (distresse ocupacional), que, além de alterar de ma-
neira definitiva a saúde orgânica do médico, muda a saúde psíquica e a comportamental, fato que
resulta na alteração da segurança do paciente anestésico-cirúrgico.
A percepção da elevação patológica do estresse psicológico (distresse) tem características
subjetivas, isto é, o mesmo padrão de estresse é percebido de maneira diferente por indivíduos
distintos (características de subjetividade) submetidos a ele.
O ambiente ocupacional e as instituições são potenciais fatores geradores de pressão psíquica
nos profissionais da área da saúde.

22 | Segurança do Paciente e Prática Médica


Características do estresse ocupacional excessivo21
• A percepção psíquica do estresse possui características de subjetividade, e o mesmo
fator de estresse pode ser percebido de maneira distinta por diferentes profissionais,
principalmente em sua intensidade – características de individualidade (como
visto anteriormente).
• Instituições, regimentos, diretrizes e ambientes de trabalho são fonte permanente
de pressão psicológica para o médico anestesiologista.
• O estresse ocupacional permanente pode resultar em consequências psicológicas,
fisiológicas e comportamentais graves, com sérias repercussões na segurança do
paciente cirúrgico.

Consequências do distresse ocupacional no anestesiologista


• Alteração do sono – fadiga.
• Síndromes depressivas – burnout.
• Dependência química – álcool, opioides, tranquilizantes, cocaína.
• Suicídio – overdose.

Definição interativa de fadiga


É uma sequência de eventos que representa a interação contínua patológica entre o profissional
médico (caráter físico e/ou psíquico) e seu ambiente ocupacional.
A fadiga ocupacional (também chamada de exaustão, cansaço, letargia, estafa, apatia, prostra-
ção, esgotamento e lassidão) pode ser diferenciada em nível físico e psíquico.
A fadiga física do médico anestesiologista pode ser definida como a incapacidade de manter o
pleno funcionamento de suas habilidades técnico-científicas normais, tornando-se evidenciada
durante o exercício intenso da prática clínica, podendo variar do estado geral de letargia até a
sensação específica de grande exaustão física. Em paralelo, a fadiga mental (disfunção cognitiva)
é vista como o principal agente causador de erro médico e/ou incidentes críticos provocados pelo
anestesiologista na prática clínica19.
A fadiga psicogênica pode se manifestar sob a forma de sonolência, com incapacidade de con-
centração, resultando na inabilidade do profissional em realizar avaliações clínicas e tomar deci-
sões rápidas diante de situações muitas vezes emergenciais. Na atualidade, esse estado psíquico
causa impacto negativo no desempenho dos médicos anestesiologistas e, de maneira direta, coloca
a segurança dos pacientes anestésico-cirúrgicos em risco21.

Fatores de impacto da fadiga ocupacional em anestesiologistas na segurança


dos pacientes cirúrgicos
• Lapsos de atenção e incapacidade de manter a vigilância clínica.
• Redução da motivação.
• Dificuldade de solucionar problemas clínicos.
• Confusão mental e de raciocínio.
• Elevado grau de irritabilidade.
• Lapsos de memória.

Bem-estar Ocupacional em Anestesiologia: Humanização e Segurança | 23


• Dificuldade de comunicação.
• Lento processamento das informações médicas.
• Elevação na latência de reação racional e motora.
• Indiferença psíquica ou perda de empatia.
A correlação entre a fadiga ocupacional dos servidores da área da saúde (anestesiologistas)
e a incidência de eventos adversos (incidentes críticos) está substancialmente documentada na
literatura, em numerosos estudos, o que indica que a prática médica excessivamente extensa em
duração e nível de estresse contribui para elevados níveis de fadiga, com redução da produtividade
e efetividade do trabalho desse grupo de profissionais.
Os estudos enumerados a seguir mostram resultados baseados em evidências médicas que
confirmam essa correlação:
• Institute of Medicine: Sleep disorders and sleep deprivation: an unmet public health problem.
March 21, 2006, http://www.iom.edu/Reports/2006/Sleep-Disorders-and Sleep-Depriva-
tion-An-Unmet-Public-Health- Problem.aspx (accessed May 3, 2011).
• Institute of Medicine: Resident duty hours: enhancing sleep, supervision and safety. December 15,
2008, http://www.iom.edu/Reports/2008/Resident-Duty-Hours-Enhancing-Sleep-Supervision
-and-Safety.aspx (accessed May 3, 2011);
• Institute of Medicine: Keeping patients safe: transforming the work environment of nurses. Wa-
shington, DC: National Academy Press, November 3, 2003, http://iom.edu/Reports/2003/
Keeping-Patients- Safe-Transforming-the-Work-Environment-of- Nurses.aspx (accessed May
3, 2011);
• Philibert I: Sleep loss and performance in residents and nonphysicians: a meta-analytic exami-
nation. Sleep, 2005;28:1392-1402;
• Levine AC, Adusumilli J, Landrigan CP: Effects of reducing or eliminating resident work shifts
over 16 hours: a systematic review, Sleep, 2010;33:1.043-53;
• Hughes RG, Rogers, AE. Are you tired? Sleep deprivation compromises nurses’ health – and
jeopardizes patients. American Journal of Nursing, March 2004;104(3).

Visto de forma objetiva, a fadiga médica em anestesiologistas representa a incapacidade de o


indivíduo continuar a exercer sua atividade profissional de maneira efetiva (queda da performance
clínica), com o comprometimento de suas potencialidades mentais (cognitivas) e físicas (técni-
cas). Como anteriormente visto, a fadiga tem características de individualidade e é expressa como
um fenômeno de difícil e inequívoca identificação, consequentemente, de complexa avaliação e
abordagem clínica. Além disso, possui características acumulativas e, muitas vezes, apresenta
sintomatologia insidiosa.
A fadiga ocupacional é considerada fator latente etiológico de aumento da prevalência do erro
médico, propiciando a ocorrência de incidentes críticos que, às vezes, resultam em graves reper-
cussões frequentemente evitáveis.
O estudo da fadiga ocupacional, em ambiente experimental ou clínico, é altamente complexo
por causa de sua natureza multifatorial, isto é, essa patologia é influenciável por diferentes tipos
de personalidade e pela possibilidade de sobreposição de outras condições patológicas associadas,
como síndrome de burnout, dependência química, idealização de suicídio e estresse psicogêni-
co elevado. Contudo, a necessidade de conhecer o referido fenômeno e as melhores formas de
controlá-lo na prática médica é de fundamental importância nos dias atuais.

24 | Segurança do Paciente e Prática Médica


No que se refere à fadiga ocupacional, secundária a longas horas de trabalho em medicina, al-
guns países estão adotando medidas com vistas à profilaxia e/ou correção do problema. Como um
exemplo disso, a Associação de Anestesiologistas da Irlanda e Grã-Bretanha produziu um docu-
mento, com 25 laudas, especificamente para lidar com esse problema, em que faz recomendações
sobre a questão da manutenção da saúde ocupacional dos membros das equipes e da segurança dos
pacientes anestésico-cirúrgicos22 . Da mesma forma, o Colegiado Australiano e Neozelandês de
Anestesiologistas produziu uma declaração sobre a fadiga ocupacional, na qual os princípios e as
responsabilidades específicas são individualmente definidos para anestesiologistas e instituições
responsáveis pelo desempenho da prática médica, entre as quais os departamentos de anestesia e
as direções clínicas e técnicas de hospitais, com o objetivo de reduzir a fadiga e também os erros
médicos resultantes dela 23.
A carga horária (plantões e rotina clínica) exercida por residentes tem sido motivo de vários
estudos. Com pertinência, o Conselho de Acreditação para a Educação Médica de Graduação
americano implementou restrições na carga horária de médicos em treinamento clínico básico
(residência médica), limitando os plantões em, no máximo, 30 horas e a jornada de trabalho sema-
nal, em 80 horas. Estudos subsequentes a essa atitude evidenciaram que os riscos para a segurança
dos pacientes cirúrgicos e pessoais para o médico continuaram elevados, principalmente para os
residentes com plantões superiores a 24 horas22,23.
Em setembro de 2010, o conselho referido anteriormente publicou uma versão final das
novas diretrizes, que se tornaram efetivas nos Estados Unidos em julho de 2011 (www.
acgme-2010standards.org)24 .
Em artigo publicado em novembro de 2007 no Joint Commission Journal on Quality and Patient
Safety, foi concluído que as evidências médicas sugerem, de maneira enfática, que as jornadas de
trabalho e os plantões prolongados elevam significantemente a incidência de fadiga ocupacional
nos profissionais da área da saúde, com consequente diminuição da performance profissional e
queda da própria segurança, bem como a do paciente cirúrgico. Esse artigo relatou que os residen-
tes que trabalham em regimes tradicionais, isto é, plantões recorrentes de 24 horas25:
• causaram 36% a mais de eventos adversos preveníveis quando comparados com os que
trabalharam em regime de não mais de 16 horas consecutivas;
• apresentaram cinco vezes mais erros diagnóstico em relação aos outros;
• apresentaram o dobro de fuga de atenção no desempenho de sua atividade clínica durante
a noite;
• sofreram 61% mais de acidentes perfurocortantes após sua 20a hora consecutiva de plantão;
• experimentaram 1,5 a 2 desvios padrões negativos em sua performance quando compa-
rados à própria performance em repouso;
• reportaram intensa fadiga no momento do estabelecimento dos eventos críticos que resul-
taram na morte do paciente.
Em 2009, outro estudo identificou elevação no número de complicações durante a execução
noturna de procedimentos médicos por profissionais com menos de seis horas de sono contínuo26.
Com base nas informações científicas anteriormente descritas, os membros da American Joint
Commission recomendam algumas atitudes para as instituições responsáveis pelo controle da
qualidade da prática médica, para, sobretudo, diminuir os riscos correlatos, fruto da fadiga ocu-
pacional nesse grupo de profissionais (pelo regime rotineiro de trabalho e pelas características
dos plantões), entre os quais incidentes críticos e erros médicos potencialmente evitáveis, para
proteger os pacientes cirúrgicos. Entre as referidas recomendações, podemos enfatizar26,27,28:

Bem-estar Ocupacional em Anestesiologia: Humanização e Segurança | 25


• alertar os diretivos das instituições envolvidas com a assistência médica, de maneira
protocolar e com base epidemiológica científica, para os riscos da fadiga ocupacional,
salientando, inclusive, a necessidade de adequação de jornadas de trabalho e plantões,
tanto na periodicidade como na extensão de horas trabalhadas, respeitando os limites da
saúde ocupacional de cada indivíduo e elevando a segurança do paciente tratado em sua
instituição médica;
• enfatizar, em todas as oportunidades possíveis, a correlação, baseada cientificamente com
evidências expressas na literatura atual, entre a fadiga ocupacional consequente do estres-
se psicogênico e as consequências sobre o cuidado de pacientes anestésico-cirúrgicos;
• estimular a participação efetiva de todos os membros da equipe para, democraticamente,
estabelecer características rotineiras de jornada de trabalho e de plantões; essa ação visa
permitir a projeção de regimes de trabalho que minimizem a prevalência de fadiga ocupa-
cional e suas consequências;
• criar, nas estruturas de suporte institucionais ao trabalho médico, um plano de atenção às
situações de fadiga ocupacional de seus componentes, como o estabelecimento de fóruns
de discussão e geração de mecanismos que resultem em ações reais e efetivas sobre o tema;
• diminuir o uso constante de cafeína durante o atendimento médico;
• estabelecer, de forma rotineira, pequenos períodos de repouso durante o atendimento
médico (não mais que 45 minutos);
• valorizar, para a equipe médica, a importância da “higiene do sono” (qualidade), por
meio da prática de ioga ou da leitura extramédica antes de dormir, evitando bebida alco-
ólica, café, nicotina e alimentação excessiva, que impactam negativamente na qualidade
do sono;
• promover oportunidades para os membros da equipe médica (anestesiologistas) expres-
sarem sua opinião e proporem soluções em prol da qualidade da saúde ocupacional no
ambiente de trabalho;
• criar uma avaliação sistemática para determinar os níveis de estresse ocupacional e de
suporte especializado para profissionais com alterações na saúde;
• criar sistemas de apoio financeiro no caso de impedimento temporário à prática médica
por problemas de saúde ocupacional.

Conclusões29,30,31,32,33,34,35,36,37,38.
Para que as instituições estabeleçam uma prática médica em prol da anestesiologia humaniza-
da, de elevado nível ético e segura para os pacientes anestésico-cirúrgicos, alguns alertas devem
ser levados em consideração.

Alertas éticos - responsabilidade própria dos anestesiologistas


Canadian Medical Association Code of Ethics “Responsibilities to Oneself ”29.
Promover e manter a própria saúde física/psíquica, além do bem-estar ocupacional:
• solicitar o auxílio de colegas ou profissionais especializados para solucionar problemas
pessoais que interfiram na performance clínica;
• proteger e incrementar a saúde e o bem-estar ocupacional, identificando fatores geradores
de estresse durante a prática clínica e a própria vida, estabelecendo estratégias para abor-
dar os referidos fatores.

26 | Segurança do Paciente e Prática Médica


American Society of Anesthesiologists “Guidelines for the Ethical Practice of Anesthesiology”30.
Os anestesiologistas têm a responsabilidade ética de:
• obter e manter a competência e o conhecimento na especialidade é o objetivo primário de
todos os anestesiologistas; essa responsabilidade não termina com o fim da residência ou
a certificação pelas instituições vigentes (American Board of Anesthesiology ou Sociedade
Brasileira de Anestesiologia).
• reconhecer que o controle da excelência da qualidade da prática clínica em anestesiologia
requer a manutenção da capacidade física/psíquica em plena normalidade.
Todas as especialidades médicas estão relacionadas com um grau de estresse ocupacional. En-
tretanto, no caso da anestesiologia, esse fenômeno é significantemente mais elevado em relação
às outras.
A prática clínica tem se tornado cada vez mais segura, o que faz com que a expectativa de pacien-
tes e familiares seja de permanente sucesso com relação os procedimentos anestésico-cirúrgicos,
incluindo aqueles extremamente complexos realizados em enfermos graves e idosos. Esse tipo de
expectativa eleva mais o nível de estresse ocupacional dos profissionais dessa especialidade. Esses
fatores incentivam a demanda jurídica contra o anestesiologista oriunda de pacientes, familiares,
colegas ou instituições.
A prática da anestesiologia está caracterizada no motto da Canadian Anesthesiologists Society:
science, vigilance, compassion.
O anestesiologista do século 21 é idealizado pela população como um expert, atualizado por
meio da literatura médica, da prática baseada em evidências; como um profissional constantemen-
te vigilante em relação a seu paciente, que mantém uma atitude de compaixão por todos os seres
humanos submetidos a sua atenção profissional.
Além das demandas enumeradas anteriormente, o anestesiologista está sujeito a fatores estres-
santes adicionais, como imprevisíveis e excessivas horas de trabalho, poucos períodos de descanso,
exposição frequente ao perigo da toxicidade (agentes inalado) e radiação, poluição auditiva e perda
do contato com a luz natural.
Outro fator que gera intenso estresse ocupacional, embora raro, é a ocorrência de morte ou
evento crítico em pacientes durante anestesia clínica. Esse estresse fica mais exacerbado quando
não existia a probabilidade de morte ou o paciente era previamente hígido (cirurgia plástica esté-
tica, por exemplo). O anestesiologista pode se ver envolvido nestas situações em várias oportuni-
dades, mesmo não estando preparado para elas: reanimação cardiorrespiratória e procedimentos
invasivos, entre outras.
Frequentemente, o impacto psicogênico dessas situações é internalizado pelo profissional, fato
que pode resultar em sequelas crônicas e acumulativas, como ansiedade e depressão. A maioria
das instituições de atendimento à saúde não possui suporte ao anestesiologista submetido a casos
como esse.
A fadiga é um dos fatores mais prevalentes geradores de estresse ocupacional em anestesiologistas.
A Association of Anesthetists of Great Britain and Ireland (AAGBI) estabeleceu que “Todo
anestesiologista é responsável por promover uma efetiva e segura anestesia, mantendo-se alerta
para os problemas de fadiga ocupacional”.
Muitas analogias têm sido feitas entre o anestesiologista e os pilotos de empresas aéreas,
embora, no que se refere ao limite de horas trabalhadas, a realidade da maioria dos países é não
possuir legislação sobre o regime de trabalho (horas trabalhadas) para os anestesiologistas, como

Bem-estar Ocupacional em Anestesiologia: Humanização e Segurança | 27


acontece com os pilotos. Movimentos devem ser desenvolvidos no sentido de estabelecer, através
de instituições representativas, um modelo de regime de trabalho que evite a fadiga ocupacional
nesse grupo de profissionais.
Outro aspecto que dever ser salientado é o envelhecimento do anestesiologista, que resulta
na evidente diminuição das capacidades física, mental e sensorial. Esse fato deve ser contraba-
lançado pela experiência adquirida pelos mais velhos. Deve ser salientada a existência de grande
variabilidade interpessoal no processo de envelhecimento. Torna-se evidente que os idosos podem
cooperar muito nas anestesias de cirurgias eletivas ou na formação de residentes, sendo poupados
de anestesias extremamente desgastantes, como um aneurisma dissecante torácico realizado às
duas da madrugada.
A AGGBI recomenda que “os regimes de plantão devem ser revistos após 55 anos de idade”38.
Além do descrito anteriormente, os anestesiologistas são mais suscetíveis a vários tipos de
patologia em relação às outras especialidades médicas:
• drogadição e suicídio – embora os profissionais representem apenas 3% de toda a comu-
nidade médica, estão entre 20-30% dos médicos dependentes químicos;
• comparados com internistas, os anestesiologistas apresentam uma prevalência mais ele-
vada de suicídio (RR 1.45).
Simplificando, a responsabilidade ética na promoção e manutenção do bem-estar ocupacional
do anestesiologista pode ser considerada em DUAS grandes áreas:
• responsabilidade individual;
• responsabilidade institucional.

Responsabilidades individuais
• Ter atenção aos pontos frágeis de sua saúde que podem impactar em sua performan-
ce profissional.
• Estar alerta à qualidade do bem-estar ocupacional.
• Procurar auxílio especializado se alterações em sua saúde forem detectadas.
• Ter cuidado com o fenômeno da fadiga ocupacional, principalmente se resultar em prática
clínica insegura (informar à instituição ou ao departamento responsável).
• Evitar regimes de trabalho que resultem em fadiga.
• Aceitar o limite ou a modificação de seu regime de trabalho se ele puser em risco a segu-
rança dos pacientes.
• Ter seguro (suporte) no caso de impedimento da prática médica por alteração da saúde ou
do bem-estar ocupacional.

Responsabilidades institucionais
O termo instituição refere-se às autoridades da área da saúde ou da administração de hospi-
tais, faculdades e/ou departamentos de anestesiologia que possuam influência executiva na prática
da especialidade, visando a seu bom desempenho em um ambiente saudável.
As instituições:
• deverão ter controle e uma abordagem efetiva na promoção do bem-estar ocupacional do
anestesiologista que comtemplem as diferentes necessidades dos profissionais (caráter
de individualidade);

28 | Segurança do Paciente e Prática Médica


• devem ter um sistema de suporte ao anestesiologista que procura auxílio para o bem de sua
saúde física ou psíquica;
• devem promover a assistência à saúde do médico de maneira confidencial;
• devem propiciar a assistência, se possível em outra estrutura que não a de origem, do pro-
fissional enfermo;
• não deverão ser obrigadas a promover suporte ao anestesiologista que se nega ao atendi-
mento proposto;
• deverão promover um ambiente ocupacional compatível com a manutenção do bem-estar
ocupacional dos profissionais atuantes na área – períodos de repouso; alimentação saudá-
vel; ambientes de repouso adequados e sequência de plantões que não resultem em fadiga;
• deverão ter um protocolo de suporte à equipe médica (anestesiologistas) que esteja
envolvida em atendimento que resultou em morte de paciente ou na geração de inci-
dentes críticos;
• deverão proteger, por meio de propostas de regime de trabalho adequados a cada situação
em especial, os anestesiologistas portadores de deficiência que conseguem realizar a práti-
ca médica com segurança.

Pensamento final: Estar ciente de um problema é o primeiro passo


para resolvê-lo!

Referências bibliográficas:
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30 | Segurança do Paciente e Prática Médica


Capítulo 04

O Programa Nacional de
Segurança do Paciente e
o Anestesiologista
Luis Antonio dos Santos Diego
O Programa Nacional de Segurança do Paciente
e o Anestesiologista
O Brasil compõe a Aliança Mundial para a Segurança do Paciente, proposta no âmbito da
Organização Mundial da Saúde em 2004 e, desse modo, firmou o compromisso de adaptar os servi-
ços de saúde no país às premissas de redução de risco no setor. No início do mês de abril de 2013, o
Ministério da Saúde publicou a Portaria nº 529, que apresenta o Programa Nacional de Segurança do
Paciente (PNSP)1. Em seguida, a Anvisa também publicou a Consulta Pública nº 9, com a qual a SBA
contribuiu, com possíveis ações de vigilância sanitária para a segurança do paciente em serviços de
saúde que resultou, posteriormente, na Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 36/2013.
Ambas podem ser consideradas um marco importantíssimo na política de segurança do
paciente em nosso país, já que apontam para ações de qualificação do cuidado em saúde em
todos os estabelecimentos assistenciais de saúde (EAS; art. 2º do PNSP) e, para tanto, preten-
dem apoiar a implementação de iniciativas direcionadas à segurança do paciente, por meio das
gerências de risco e de núcleos de segurança do paciente, a serem instituídos nos EAS, os quais
deverão, entre outras ações, promover a elaboração de protocolos, guias e manuais de segurança
do paciente na instituição, além de monitorar a prática segura por meio de indicadores, esti-
mular o maior envolvimento de pacientes e familiares no cuidado e, por fim, ser o embrião da
cultura da segurança na instituição.
Assim, sobressai, na referida portaria, a urgência de se criar uma “cultura da segurança”, na qual
todas as partes envolvidas assumem responsabilidades pela própria segurança, pela segurança de
seus colegas, pacientes e familiares, o que denota consonância com o conceito atual de abordagem
sistêmica dos incidentes, ou seja, um olhar mais abrangente. O engajamento de profissionais, pa-
cientes e familiares na prevenção de incidentes evita muitos processos de responsabilização civil.
Observa-se o reconhecimento de que a ocorrência de erros é mais consequência do que causa,
e é uma realidade, em qualquer atividade humana, principalmente nas mais complexas, como mui-
tos procedimentos realizados na área da saúde. Estratégias organizacionais relacionadas à gestão
da qualidade e da segurança vão favorecer a compreensão da causa raiz dos incidentes e, por fim,
permitir a articulação de ações preventivas. A cultura da segurança deve, portanto, ser prioritária,
ou seja, sobrepujar valores financeiros e operacionais (art. 3º, item V, alínea “c” da portaria 529/13),
de tal forma que o risco de dano ao paciente seja reduzido a um mínimo aceitável (art. 4º, item I).
Também foi criado o Comitê de Implementação do PNSP (CIPNSP), com a finalidade de pro-
mover ações que visem à melhoria da segurança do paciente, entre elas a proposição e validação
de protocolos em diversas áreas e setores, inclusive na anestesiologia (art. 7º, item 1, alínea b). A
Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA), historicamente comprometida com esses princípios,
há muito vem participando de ações direcionadas ao estudo e à melhoria da segurança no Brasil,
como na participação da elaboração da Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.802, de
dezembro de 2006. Outras atividades da SBA podem ser conferidas no portal da sociedade2 .
As ações no âmbito do ensino em diversos níveis da área da saúde – técnico, graduação e pós-gra-
duação – são também contempladas no PNSP. Desse modo, os futuros profissionais não mais terão que
aguardar a inserção no mercado de trabalho para conhecer os princípios que norteiam a qualidade e a
segurança do paciente e virem, então, a perceber que a cultura da segurança nos EAS está, irremediavel-
mente, indissociável da prática assistencial. De novo, a SBA se mostra pioneira: há cerca de três anos, o
programa dos centros de ensino e treinamento já apresenta esse tópico aos médicos em especialização
(ME), além de prover material pedagógico apropriado (também disponível no portal da SBA)3.

32 | Segurança do Paciente e Prática Médica


A comunicação é primordial e as ações devem ser divulgadas a todos: profissionais, gestores,
usuários do setor de saúde e sociedade (art. 5º, item V). A SBA vem, nos últimos três anos, esti-
mulando a inclusão de temas relacionados à segurança do paciente em diversos eventos científicos
promovidos pelas regionais. Foram inúmeras as atividades didáticas que contemplaram o tema e,
a cada ano, observa-se o crescente número de anestesiologistas presentes e interessados.
Depreende-se, portanto, que a anestesiologia brasileira, representada pela SBA e suas regionais,
corrobora os princípios exibidos no PNSP. Orgulhamo-nos também em ver ratificados, na forma
da “lei”, valores que há muito nos sãos caros e, por que não dizer, a essência da própria existência
como especialidade médica.
Ao se pensar em melhoria da qualidade, nenhuma iniciativa é fácil de avaliar e, principalmente,
medir, uma vez que o conceito de qualidade dependerá de quem e como olha o produto ou serviço.
A complexidade na saúde, com a especialização de processos cada vez maior, assim como a cres-
cente inovação e incorporação tecnológica, só vem dificultar ainda mais possíveis normatizações.
Por causa dessas questões, a segurança, a centralidade no paciente e o respeito a seus direitos vêm
ganhando maior espaço na prática assistencial e nos estudos em gestão.
O conceito proposto por Ruciman (anestesiologista australiano) et al 3 sobre segurança do
paciente, “redução, a um mínimo aceitável, do risco de dano desnecessário associado ao cui-
dado de saúde”, sempre esteve presente no ensino e na prática da anestesiologia. Entretanto,
a nova ordem social desloca desse profissional boa parte das ações e ferramentas necessárias
para a boa prática da especialidade. O anestesiologista não mais exercerá bem seu mister se
não participar ativamente da gestão da qualidade e da segurança institucional – comparti-
lhando eventos, discutindo processos mais seguros no ambiente cirúrgico e nos setores nos
quais também atua – e não estiver mais presente nas decisões em que pacientes e familiares
venham a ser envolvidos diretamente.

O PNSP como aglutinador de ações de segurança do paciente


A implantação do PNSP foi precedida do Seminário Nacional para a Implantação do PNSP,
evento programado pelo comitê de implementação do programa. Estavam presentes diversos
líderes da gestão de saúde nas três esferas de atuação (municipal, estadual e federal), inclusive
os 56 hospitais participantes da Rede Sentinela, já há tempos atuantes em ações de segurança
do paciente, por meio de ferramentas de gerência de risco. A RDC 2/2010 4 , da Anvisa, passou a
exigir dos EAS a monitorização sistemática e o gerenciamento de risco das tecnologias em saúde,
visando à diminuição de eventos adversos, além da prática de notificação desses eventos e de quei-
xas técnicas ao Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (Sistema de Notificações de Vigilância
Sanitária, Notivisa). A busca ativa por informações sobre o comportamento de produtos da saúde
que possam ter desvios da qualidade ou eficiência terapêutica, no caso de medicamentos, bem
como por material de uso diagnóstico e terapêutica de apoio é fundamental. A hemovigilância
procura eventos adversos que envolvem procedimentos transfusionais no receptor, imediatos ou
nas 24 horas subsequentes, como reação hemolítica aguda; febre não hemolítica; reações alérgicas;
contaminação etc. A farmacovigilância atua na identificação de reações adversas a medicamentos
(RAM), ou seja, qualquer efeito que possa determinar dano ao paciente em doses terapêuticas e uso
habitual. Também deve se ocupar de identificar a ocorrência de alterações físico-químicas, possí-
veis adulterações e até falsificações e outros problemas que possam vir a determinar insegurança
na utilização de fármacos, como rotulagem e identificação. A tecnovigilância também procura
desvios da segurança sanitária de equipamentos, artigos, materiais etc. na pós-comercialização. A
notificação é, acima de tudo, um compromisso com os pacientes.

O Programa Nacional de Segurança do Paciente e o Anestesiologista | 33


O Núcleo de Segurança do Paciente
O caput do artigo 4º da RDC 36 determina que a “direção dos serviços de saúde deve constituir
o Núcleo de Segurança do Paciente (NSP) e nomear sua composição, conferindo aos membros au-
toridade, responsabilidade e poder para executar as ações do Plano de Segurança do Paciente em
Serviços de Saúde”, mas, logo no primeiro parágrafo, propõe um atalho que poderá ser seguido por
diversas instituições, ou seja: “A direção do serviço de saúde pode utilizar a estrutura de comitês,
comissões, gerências, coordenações ou núcleos já existentes para o desempenho das atribuições
do NSP.” Sem dúvida, muitos hospitais já possuem setores de qualidade, comissões ativas de revi-
são de prontuários e óbitos etc., nos quais poderá germinar o NSP.
Quaisquer atividades que envolvem qualidade e segurança necessitam do comprometimento
da alta direção. Apesar de ser uma determinação legal, a criação e a efetiva atuação do NSP serão
tão mais fáceis e mais bem aplicáveis se as lideranças institucionais compreenderem que a intenção
da resolução tem alicerces genuínos na ética e na melhoria da prática gerencial. Assim, os líderes
devem seguir as recomendações do artigo 5º e prover “recursos humanos, financeiros, equipamen-
tos, insumos e materiais” e “determinar um profissional responsável pelo NSP, com participação
nas instâncias deliberativas do serviço de saúde”. Convém lembrar que representantes da direção
médica, enfermagem, farmácia, gerência de risco, gerência administrativa e residência médica
também venham a ter assento no NSP. No caso de a instituição já se encontrar em níveis avança-
dos da cultura da segurança, também pode participar do NSP representante de usuários, como
associação de pacientes, por exemplo.
Os Quadros 1 e 2 relacionam, respectivamente, os princípios-diretrizes e as competências dos
NSP estabelecidos na RDC 36.
Quadro 1 – Princípios e diretrizes do NSP
I - Melhoria contínua dos processos de cuidado e do uso de tecnologias da saúde.
II - Disseminação sistemática da cultura de segurança.
III - Articulação e integração dos processos de gestão de risco.
IV - Garantia das boas práticas de funcionamento do serviço de saúde.

Quadro 2 – Competências do NSP


I - Promover ações para a gestão de risco no serviço de saúde.
II - Desenvolver ações para a integração e a articulação multiprofissional no serviço de saúde.
III - Promover mecanismos para identificar e avaliar a existência de não conformidades nos processos e
procedimentos realizados e na utilização de equipamentos, medicamentos e insumos, propondo ações preventivas
e corretivas.
IV - Elaborar, implantar, divulgar e manter atualizado o Plano de Segurança do Paciente em Serviços de Saúde.
V - Acompanhar as ações vinculadas ao Plano de Segurança do Paciente em Serviços de Saúde.
VI - Implantar os Protocolos de Segurança do Paciente e realizar o monitoramento de seus indicadores.
VII - Estabelecer barreiras para a prevenção de incidentes nos serviços de saúde.
VIII - Desenvolver, implantar e acompanhar programas de capacitação em segurança do paciente e qualidade em
serviços de saúde.
IX - Analisar e avaliar os dados sobre incidentes e eventos adversos decorrentes da prestação do serviço de saúde.
X - Compartilhar e divulgar para a direção e os profissionais do serviço de saúde os resultados da análise e a
avaliação dos dados sobre incidentes e eventos adversos decorrentes da prestação do serviço de saúde.
XI - Notificar ao Sistema Nacional de Vigilância Sanitária os eventos adversos decorrentes da prestação do serviço
de saúde.
XII - Manter sob sua guarda e notificar à autoridade sanitária, quando requisitado, as notificações de eventos
adversos.
XIII - Acompanhar os alertas sanitários e outra comunicação de risco divulgada pelas autoridades sanitárias.

34 | Segurança do Paciente e Prática Médica


A elaboração do Plano de Segurança do Paciente (PSP)
O Plano de Segurança do Paciente em Serviços de Saúde (PSP), que deverá ser elaborado pelo
NSP, tem por objetivo o estabelecimento de estratégias e a elaboração do plano de ação para a
execução das determinações apresentadas na RDC 36, considerando as atividades desenvolvidas
em cada instituição. O Quadro 3 relaciona esses objetivos:
Quadro 3 – Estratégias e ações de gestão de risco, conforme as atividades desenvolvidas pelo
serviço de saúde
I - Identificação, análise, avaliação, monitoramento e comunicação dos riscos no serviço de saúde, de forma
sistemática.
II - Integração dos diferentes processos de gestão de risco desenvolvidos nos serviços de saúde.
III - Implementação de protocolos estabelecidos pelo Ministério da Saúde.
IV - Identificação do paciente.
V - Higiene das mãos.
VI - Segurança cirúrgica.
VII - Segurança na prescrição, no uso e na administração de medicamentos.
VIII - Segurança na prescrição, no uso e na administração de sangue e hemocomponentes.
IX - Segurança no uso de equipamento e material.
X - Registro adequado do uso de órteses e próteses quando esse procedimento for realizado.
XI - Prevenção de queda de paciente.
XII - Prevenção de úlceras por pressão.
XIII - Prevenção e controle de eventos adversos em serviços de saúde, incluindo infecções relacionadas com a
assistência à saúde.
XIV - Segurança nas terapias nutricionais enteral e parenteral.
XV - Comunicação efetiva entre os profissionais do serviço de saúde e os serviços de saúde.
XVI - Estimular a participação do paciente e dos familiares na assistência prestada.
XVII - Promoção do ambiente seguro.

Sendo o NSP o responsável pelo monitoramento dos incidentes e eventos adversos, o art. 10º
da RDC 36 determina que “a notificação dos eventos adversos (...) deve ser realizada mensalmente
pelo NSP, até o 15º (décimo quinto) dia útil do mês subsequente ao mês de vigilância, por meio
das ferramentas eletrônicas disponibilizadas pela Anvisa”. E ainda: “Os eventos adversos que evo-
luírem para óbito devem ser notificados em até 72 (setenta e duas) horas a partir do ocorrido.” Em
contrapartida, a própria Anvisa se compromete, em articulação com o Sistema Nacional de Vigi-
lância Sanitária, a monitorar os dados sobre eventos adversos notificados pelos serviços de saúde;
divulgar relatório anual sobre eventos adversos com a análise das notificações realizadas pelos
serviços de saúde e acompanhar, junto com as vigilâncias sanitárias distrital, estadual e municipal,
as investigações sobre os eventos adversos que evoluíram para óbito.

Plano de Segurança do Paciente (PSP)


A elaboração do PSP vai além da simples exigência legal estabelecida na RDC 36. Deve o gestor
compreender que essa é uma oportunidade de a instituição elaborar uma cultura da segurança, apon-
do nesse documento os princípios de segurança condizentes com a missão e visão da organização.
Desde a alta direção e a administração até os profissionais que atuam na assistência ou se relacionam
diretamente com os pacientes e familiares, todos deverão ter conhecimento do que foi construído
de modo colaborativo, preferencialmente. Os diversos setores deverão fazer parte do plano institu-
cional, muito embora também poderão apresentar seus planos setoriais que coloquem em evidência

O Programa Nacional de Segurança do Paciente e o Anestesiologista | 35


alguns processos mais específicos. À elaboração e implementação do PSP, que devem utilizar ferra-
mentas de gestão, como o 5W3H, o NSP seguirá seu acompanhamento por meio de outros métodos
de gestão da qualidade, como a utilização do ciclo PDCA (Plan, Do, Check, Act)5.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estabeleceu seis metas internacionais de segurança
do paciente, reconhecidas internacionalmente, para a promoção da melhoria da segurança do
paciente na assistência. As metas estão relacionadas com identificação e comunicação; cirurgia
segura; vigilância dos medicamentos e risco de quedas e infecção e, portanto, também fazem parte
do plano de segurança do paciente e nele devem ser inseridas e ter indicadores apropriados.

Protocolo para Cirurgia Segura


O Ministério da Saúde, a Anvisa e a Fiocruz publicaram, em julho de 2013, o Protocolo
para Cirurgia Segura, com a finalidade precípua de reduzir a ocorrência de incidentes e eventos
adversos, além da mortalidade cirúrgica, principalmente pela implementação da Lista de Veri-
ficação Cirúrgica. Também nesse protocolo se define segurança anestésica como o “conjunto
de ações realizadas pelo anestesiologista, que visa à redução da insegurança anestésica por meio
da inspeção formal do equipamento, da checagem dos medicamentos e do risco anestésico do
paciente antes da realização de cada cirurgia”, conforme estabelecido no Manual de Cirurgia
Segura da OMS.
São definidos também as estratégias de monitoramento e os indicadores referidos à aplicação
desse protocolo, que deverão ser informados ao Núcleo de Segurança (Quadro 4).
Quadro 4 – Estratégias de monitoramento e indicadores
• Percentual de pacientes que receberam antibiótico como profilaxia no momento adequado.
• Número de cirurgias em local errado.
• Número de cirurgias em paciente errado.
• Número de procedimentos errados.
• Mortalidade cirúrgica intra-hospitalar ajustada ao risco.
• Taxa de adesão à lista de verificação.

Conclusão
O PNSP determina ações contundentes que podem modificar a questão da segurança do pa-
ciente no contexto da saúde no Brasil. São diversas as obrigações que envolvem as instituições
responsáveis, como o próprio Ministério da Saúde e outros organismos que atendem ao SUS, as
operadoras de saúde, os estabelecimentos assistenciais de saúde, os profissionais de saúde e toda
a comunidade, especialmente os representantes de grupos de pacientes e dos cidadãos em geral.
A adequação dos requisitos às peculiaridades locais e como a gestão – nas diversas instâncias
do sistema de saúde – vai perceber a importância do programa e interceder nas zonas de influência
dependerão da maior rapidez com que as medidas venham a se mostrar úteis e efetivamente redu-
zir danos relacionados à segurança do paciente.
O anestesiologista encontra, nesse momento de implantação dos Núcleos de Segurança do
Paciente, uma oportunidade de participação ativa na gestão da qualidade e segurança nos estabe-
lecimentos assistenciais de saúde.
A anestesiologia, especialidade que é, desde sua origem, a essência da segurança perioperatória,
não deve se eximir de participar da estrutura que ora se apresenta no bojo do PNSP, pois poderá,
simultaneamente, muito contribuir e muito aprender.

36 | Segurança do Paciente e Prática Médica


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O Programa Nacional de Segurança do Paciente e o Anestesiologista | 37


Capítulo 05

Construção de um Sistema
de Relato de Eventos
Adversos em Anestesia
Julio Cezar Mendes Brandão
Construção de um Sistema de Relato de Eventos
Adversos em Anestesia
Eventos adversos são lesões ocorridas de forma não intencional, causadas por condutas mé-
dicas, e não pela evolução natural da doença. Tais eventos podem ser determinantes para o pro-
longamento da internação e o agravamento da doença inicial e podem aumentar a morbidade e a
mortalidade do paciente no ambiente hospitalar e após a alta.
Um dos maiores obstáculos para se definir a frequência com que ocorre uma reação adversa é a
subnotificação das suspeitas. Em se tratando das reações adversas relacionadas ao uso de medicação,
outro problema é a incerteza em se estimar o número de pacientes que fazem uso de determinado
medicamento. Um dos vieses se dá proporcionalmente, pela detecção mais frequente dos eventos ad-
versos mais graves, já que os não graves são pouco notificados e, muitas vezes, passam despercebidos.
No ano de 1998, as reações adversas a medicamentos foram apontadas como a quarta causa
mais frequente de morte nos Estados Unidos, superada apenas por infarto do miocárdio, câncer e
acidentes vasculares cerebrais. Esses eventos são habitualmente passíveis de prevenção. Os even-
tos adversos no campo de medicamentos causaram aumento significativo na duração e no custo da
hospitalização, com prolongamento de 1,74 dia, em média. Além disso, foi demonstrado aumento
no risco de morte de 1,88 (p < 0,001) nos pacientes que apresentaram evento adverso, ou seja,
cerca de duas vezes maior em relação aos outros pacientes.
Na busca pela prevenção de ocorrência de eventos adversos, houve várias tentativas de reconhe-
cê-los, sem grandes repercussões. Em 1999, um estudo feito na Universidade de Harvard, Estados
Unidos, com o título “Errar é humano”, evidenciou que tais eventos são muito mais comuns do que
se parecia, despertou interesse maior sobre o assunto e chamou muito a atenção da comunidade
científica internacional. Logo após esse estudo, foram publicados outros trabalhos no mesmo ano,
mostrando que, em média, poderiam se atribuir aos eventos adversos cerca de 48-98 mil mortes
anuais nos Estados Unidos.
A partir disso, foram implementados trabalhos para avaliar métodos de detecção de eventos
adversos, e o grande desafio tornou-se a criação de um sistema eficiente, com baixo custo, que
trouxesse menos ônus ao sistema e que agregasse informações suficientes para se implementarem
políticas que norteassem medidas para a diminuição da prevalência desses eventos adversos.
Como regra, no Brasil, todos os profissionais de saúde devem notificar as reações adversas,
sendo mais incentivadas as notificações de reação medicamentosa, mesmo quando existe dúvidas
quanto sua relação com determinado medicamento utilizado. A notificação deve ser remetida às
instituições de saúde, desde que haja profissional designado especificamente para recebê-las, aos
centros de vigilância locais ou diretamente ao Centro Nacional de Monitorização de Medicamen-
tos, sediado da Unidade de Farmacovigilância da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (An-
visa). O formulário de notificação de suspeita de reação adversa a medicamento poderá ser preen-
chido e enviado, por meio eletrônico, através do Notevisa, sistema de notificações em vigilância
sanitária, no site da Anvisa. Porém, até mesmo na área de saúde essa fonte é pouco conhecida.
A comunicação espontânea de eventos adversos é estatisticamente baixa, e tal fato pode esconder
problemas como medo dos profissionais em relação a uma possível punição, críticas, consequências
etc. Pode ainda levar à perda parcial de dados e tornar o banco de dados enviesado. Na área da saúde
e, em especial, no centro cirúrgico, é fundamental que os profissionais tenham consciência de que
eventos adversos podem acontecer e que estes não são tão incomuns. Dessa forma, é importante ter
em mente a necessidade dos sistemas e circuitos no local de trabalho que gerarão sinais de alerta para

40 | Segurança do Paciente e Prática Médica


a ocorrência de tais eventos, com a finalidade de promover a detecção antes de eles surgirem (near
misses), com vistas à prevenção. Os sinais de alerta são alterações que podem chamar a atenção de um
sistema calibrado para obter dados alterados ou fora de um padrão predeterminado.
A revisão direta de prontuários pode ser uma maneira de avaliar os eventos adversos, mas a
busca de prontuário por prontuário, manualmente, funciona como uma medida pouco custo-
-efetiva. As anotações feitas em prontuários ou qualquer documento de registro de informações
nos serviços de saúde têm valor significativo e poderão ser fonte de investigação, instrumento de
educação e documento legal, servindo também como forma de avaliar a assistência prestada ao
paciente e a qualidade das anotações elaboradas pela equipe multiprofissional. Porém, é impor-
tante que se estimule a notificação por meio de instrumento utilizado por todos os profissionais
das diversas áreas da instituição e também que ele seja eletrônico, para facilitar e dar agilidade ao
processo de comunicação.
Estudos por meio de sistemas eletrônicos em hospitais mostraram que eventos adversos
relacionados com medicação e queda de paciente predominam sobre os demais, sendo os mais
frequentemente relatados, isoladamente, conforme é mostrado na Figura 1.

Figura 1 - Distribuição dos eventos adversos relatados no Brasil, Notevisa.

Assim, programas de computador específicos começaram a ser utilizados para realizar a


avaliação de prontuários eletrônicos; arquivos hospitalares; exames de laboratório e de imagem;
despachos de farmácia, entre outros, com o objetivo de obter tais informações com maior precisão,
com fontes diversas e com derivação da fonte avaliadora que traria dados filtrados com base em
sinais de alerta.
Quando desenhamos um sistema de relato de eventos adversos, algumas bases fundamentais
devem ser claramente estabelecidas para que não se crie uma fonte de dados sem objetivos estritos,
o que levaria ao acúmulo de dados estatísticos sem aplicabilidade prática e sem coleta adequada.
Assim, existem bases inerentes para a criação dos sistemas de relato de eventos adversos:
• verificação dos objetivos do sistema;
• quem poderá fazer os relatos;
• quem receberá os relatos;
• mecanismos para o recebimento dos relatos e o manejo dos dados obtidos;
• fontes de conhecimento para análise;

Construção de um Sistema de Relato de Eventos Adversos em Anestesia | 41


• resposta para os relatos obtidos;
• métodos para classificação e estratificação dos relatos;
• meios para disseminar os dados obtidos;
• infraestrutura técnica;
• ausência de sistemas punitivos;
• segurança e privacidade dos dados;
• sistemas de rechecagem de segurança;
• feedback para os criadores do sistema, para aperfeiçoamento e aprimoramento paulatino
da técnica, com base nas diferenças e características locais.
A Aliança Mundial para a Segurança do Paciente (World Alliance for Patient Safety), da
Organização Mundial de Saúde (2005), enuncia quatro princípios subjacentes ao sistema
de notificação:
• o papel fundamental dos sistemas de notificação é reforçar a segurança do doente, apren-
dendo com as falhas do sistema de saúde;
• quem notifica não deve ser punido, nem sofrer consequências pelo fato de ter notificado
determinado evento adverso, erro, incidente;
• a notificação tem validade se conduzir a uma resposta construtiva. O que implica feedback
sobre as conclusões da análise dos dados, bem como recomendações sobre mudanças nos
processos e sistemas de cuidados de saúde;
• análise significativa, aprendizagem e disseminação das lições aprendidas. A agência que
recebe os relatórios deve ser capaz de disseminar as informações, fazer recomendações
para implementar mudanças, informar sobre o desenvolvimento das soluções.
A comunicação entre setores hospitalares pela informática (dados das farmácias e dos laborató-
rios, por exemplo), com a troca de informações dos aparelhos hospitalares e treinamento adequado
dos funcionários, tende a ser implementada e ratificada com mais facilidade e rapidez, interagindo
com os profissionais assistentes do paciente mais precocemente, evitando novos eventos. As informa-
ções obtidas pelos softwares de informática para relatos de eventos adversos podem ser pesquisadas
nas diversas fontes hospitalares ou informadas pelos aparelhos de registros diretos (monitores, ven-
tiladores mecânicos, prontuários eletrônicos, bombas de infusão, sistemas operacionais de logística,
aparelhos de imagem, estações de anestesia e aparelhos de exames de imagem).
Os softwares podem ser programados para realizar buscas com base em critérios preestabele-
cidos, como citados na Tabela 1, a seguir:
Tabela 1 - Critérios preestabelecidos utilizados por softwares na busca de informações relacio-
nadas com eventos adversos ou sinais de alerta
Palavras-chaves em descrições no sistema
Alteração de exames
Alteração dos parâmetros nos monitores dos pacientes
Citação em descrições médicas
Alertas
Prescrições conflitantes
Número de CID utilizados
Dados de liberação da farmácia
Drogas de emergência
Códigos de emergência acionados
Alarmes disparados durante monitorização

42 | Segurança do Paciente e Prática Médica


A realização da avaliação de eventos adversos pela informática é mais custo-efetiva em hospitais
informatizados, pois diminui o trabalho manual, levando a buscas específicas e menor perda de
tempo. Dessa forma, a avaliação direta de prontuários e suas revisões são feitas apenas em alguns
prontuários com sinais de alerta detectados por softwares programados para busca de eventos.
Com o uso cada vez maior de prontuários eletrônicos (caminho sem volta), percebemos que estes,
a médio prazo, são mais efetivos e menos onerosos para o sistema de saúde.
Para desenvolver ferramentas de detecção eletrônica de eventos adversos, quatro etapas são
fundamentais na elaboração da estratégia:
• coleta de dados de forma eletrônica;
• uso de algoritmos, ferramentas de detecção e busca de informações;
• avaliação da consistência dos dados obtidos;
• conhecimento do valor preditivo desses feitos.
A acurácia do método dará valor legal e técnico à avaliação, com respaldo ao resultado encon-
trado. A seleção e a decisão para a emissão dos sinais de alerta variam de acordo com os algoritmos
adotados e estes dependem da confiabilidade das fontes e das informações encontradas (Figura 2).

Figura 2 - Passos envolvidos na vigilância computadorizada de um sistema de detecção de eventos adversos.

A detecção de eventos adversos por meio de softwares encontra informações relevantes mais pre-
cocemente e pode ajudar na prevenção de novas ocorrências. O objetivo não é só detectar, mas fazer
estudos de prevalência, dar treinamento, orientar, fornecer esclarecimentos, promover mudança de
tática nos treinamentos das equipes, focando nos eventos mais comuns, levando o sistema de detec-
ção de informações a servir como fator importante de profilaxia também. Por meio desse sistema,
existe a perspectiva de melhorar a eficiência, a efetividade e a qualidade dos serviços prestados.
Avisos espontâneos de eventos adversos intra-hospitalares são insuficientes e abrangem um
leque pequeno da realidade. O uso de técnicas de informática é uma grande ferramenta para a
detecção de eventos adversos. Essa ferramenta é mais acurada e mais custo-efetiva, levando a
menos gastos e melhor implementação de políticas para a prevenção dos eventos adversos mais
comuns em determinado hospital. Pesquisas e publicações vão dar cada vez mais validação aos
novos instrumentos utilizados na obtenção de dados de eventos adversos.

Construção de um Sistema de Relato de Eventos Adversos em Anestesia | 43


Percebemos a necessidade de desenvolver ações estratégicas, voltadas para a educação conti-
nuada dos profissionais, pautadas em temas que elucidem a definição do que são erros e eventos
adversos e que promovam a discussão dos cenários de sua ocorrência, buscando proporcionar aos
sujeitos em formação o entendimento sobre as causas do problema e as propostas de melhoria.
Salienta-se, assim, a importância de levar ao conhecimento dos profissionais de saúde os resulta-
dos encontrados nos estudos sobre eventos adversos, pois a compreensão daqueles sobre a etiolo-
gia dos eventos adversos e a contribuição do sistema hospitalar ajudará a diminuir a incidência de
tais eventos.
Ainda há muito que evoluir, incluindo a necessidade de validação, a avaliação da sensibilidade
e da especificidade dos métodos, treinamento, sincronia de dados e comunicação de interfaces de
áreas diferentes, além das questões associadas ao sigilo. Há vários estudos em andamento com o
objetivo de validar os diversos métodos utilizados nos sistemas de relatos. Com a evolução dos
softwares e a incorporação de novas técnicas, certamente aparecerão novos sinais ou bandeiras
que serão incorporados aos sistemas de vigilância e adicionados aos algoritmos de análise. Ao
mesmo tempo, variáveis menos específicas podem ser remanejadas ou ter seus pesos diminuídos
nas análises, o que melhorará a eficiência dos softwares.
Dessa forma, é importante o desenvolvimento de um registro padrão e mais uniforme para
maximizar a informação disponível e tornar o fluxo de informações mais factível, tentando regis-
trar todos os eventos adversos, estabelecer denominadores apropriados para a estimativa de risco,
testar causas e efeitos, identificar os pacientes que apresentam fatores de risco, elaborar protocolos
de abordagem para os pacientes com maiores riscos, efetuar treinamentos com base nas estatísti-
cas geradas e introduzir a cultura da segurança na anestesia como fator divisor de águas.

Apêndice
Checklist para o desenvolvimento de um sistema de relato de eventos adversos:
1. Esclarecer objetivos
• Aprendizado
• Contabilização
• Ambos
2. Quais tipos de aprendizado são prioridade?
• Alertas relacionados a novos riscos
• Lições aprendidas pelo hospital
• Análise de tendências
• Análise de sistema de falhas
• Recomendações para melhores práticas
3. Voluntário ou obrigatório?
• Voluntário
• Obrigatório
4. Divulgação confidencial ou pública?
• Confidencial
• Divulgação pública de relatos individuais
• Divulgação pública de análises de tendências

44 | Segurança do Paciente e Prática Médica


5. Qual o processo para o sistema de relatos?
• O que deve ser relatado?
• Quem pode relatar?
• Como se faz um relato?
6. As informações confidenciais estão guardadas de forma segura?
• Confidencialidade do paciente
• Confidencialidade de quem obtém os relatos
• Confidencialidade da instituição
7. O que é infraestrutura dos dados?
• Receptor reconhecendo relatos de situações perigosas
• Planilha simples
• Base de dados relacionada
8. Qual a abordagem da classificação?
• Por tipo de evento
• Por risco
• Por casualidade
9. Qual a abordagem para a análise?
• Identificação de perigo
• Sumários e descrições
• Tendências e grupo de análises
• Correlações
• Análise de risco
• Análise causal
• Sistema de análise
10. Como as respostas serão geradas e disseminadas?
• Conhecimento do avaliador dos relatos
• Alertas gerados para organizações
• Tendências, temas ou melhores práticas em listas periódicas
11. Há recursos suficientes?
• Mecanismo para a coleta de relatos
• Manejo da base de dados
• Capacidade de investigação
• Infraestrutura técnica
• Método por classificação de eventos
• Análise de especialistas
• Capacidade para disseminar achados e recomendações

Construção de um Sistema de Relato de Eventos Adversos em Anestesia | 45


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46 | Segurança do Paciente e Prática Médica


Capítulo 06

Segurança Biológica
no Armazenamento de
Produtos Anestésicos
Camila da Silva Landgraf
Antônio Fernando Carneiro
Oscar César Pires
Rodrigo Cavalcante Carlos de Carvalho
Murillo Bomfim Dalul
Segurança Biológica no Armazenamento
de Produtos Anestésicos
Em 1846, o médico húngaro Ignaz Philipp Semmelweis (1818-1865) comprovou a íntima
relação entre a febre puerperal e os cuidados de higiene dos médicos. Desde essa comprovação,
as mãos dos profissionais de saúde vêm sendo implicadas na transmissão de microrganismos
no ambiente hospitalar1. A contaminação das mãos dos profissionais de saúde pode ocorrer
tanto pelo contato direto com o paciente como indireto, por meio de produtos e equipamen-
tos ao seu redor.
Bactérias multirresistentes e fungos podem fazer parte da microbiota transitória das mãos e,
através desse veículo, podem ser disseminados entre os pacientes2 .
Estudo recente demonstrou que as mãos dos anestesiologistas atuam como importante origem
de contaminação nos procedimentos executados na sala de cirurgia. A correta higienização é fun-
damental para a prevenção de complicações infecciosas3. Assim, cuidados básicos são essenciais
como medidas de segurança nos procedimentos da anestesia, incluindo a lavagem das mãos do
anestesiologista entre cada paciente assistido4,5.
Estudos adicionais mostram que a lavagem das mãos é considerada um dos componentes mais
importantes da técnica asséptica a ser empregada para a realização de procedimentos anestésicos6.
A assepsia adequada sempre deve ser empregada no preparo da anestesia regional, tanto nas técni-
cas com punção única quanto nas que utilizam cateteres.
Diversos tipos de material destinados aos serviços de saúde são produzidos e etiquetados pelos
fabricantes como de uso único, garantindo segurança tanto na função quanto na esterilização do
produto e evitando qualquer possibilidade de infecção cruzada.
Na anestesia regional, os produtos utilizados são considerados críticos, por entrarem em conta-
to direto com tecidos estéreis, conforme a classificação de Alvarado (1994)7.
Estima-se que são gastos anualmente na Europa cerca de 72,6 bilhões de euros em produtos
descartáveis e de uso único. Por causa dos elevados custos, o reprocessamento de material desti-
nado a uso único é realidade em diversas partes do mundo, inclusive em alguns países desenvolvi-
dos8. Embora estudos mostrem economia de 49% no custo direto de material médico considerado
de uso único quando reprocessado, a literatura não fornece evidências suficientes para a adoção
dessa prática9.
No Canadá, a prática de reprocessamento e reúso de material ainda existe em 28% dos hospi-
tais. Os autores a consideram uma prática alternativa e de fator econômico relevante, mas alertam
que os riscos de infecção e de outras complicações não justificam sua adoção7,9.
O reprocessamento pode afetar o produto nos aspectos mecânico, térmico e químico, compro-
metendo seu efetivo desempenho. O produto reprocessado deve ser equivalente, em segurança,
ao fornecido pelo fabricante, o que significa que o paciente não pode ser exposto a qualquer tipo
de risco10,11.
Para realizar anestesia regional, o anestesiologista utiliza diferentes tipos de anestesia ou se-
dação, sendo real o risco de eventos adversos no manuseio dos fármacos durante essa atividade.
As reações adversas a medicamentos foram descritas como a quarta causa mais frequente de
morte nos Estados Unidos, superada apenas por infarto do miocárdio, câncer e acidentes vascula-
res cerebrais. Os eventos adversos oriundos de erro de medicamento causaram aumento significa-
tivo na duração e no custo da hospitalização.

48 | Segurança do Paciente e Prática Médica


A introdução no mercado do sistema de infusão de seringas pré-etiquetadas e previamente pre-
enchidas pelo laboratório reduz a complexidade da preparação de fármacos pelo anestesiologista
e configura-se como importante sistema na redução da incidência de erros na administração de
medicações, sendo relatada redução da incidência de erros de até sete vezes quando comparado à
preparação tradicional12 .
No Brasil, a preocupação com a segurança do paciente levou a adoção, pela indústria, da prática
de acondicionamento denominada sistema Sterile Pack, em que produtos injetáveis são armaze-
nados no interior de bolhas plásticas, desenvolvidas especialmente para produtos utilizados no
centro cirúrgico, constituída por um berço de PVC lacrado com papel cirúrgico e submetido à
esterilização, objetivando minimizar o risco de contaminação.

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Segurança Biológica no Armazenamento de Produtos Anestésicos | 49


Capítulo 07

O Papel do Anestesiologista
na Medicina Perioperatória:
Prevenção da Infecção do
Sítio Cirúrgico
Fabiana Aparecida Penachi Bosco Ferreira
Antônio Fernando Carneiro
O Papel do Anestesiologista na Medicina Perioperatória:
Prevenção da Infecção do Sítio Cirúrgico

A infecção pós-operatória pode aumentar a morbimortalidade, prolongar o tempo de interna-


ção e os custos associados. Além disso, entre os casos de óbito de pacientes que desenvolveram
infecção do sítio cirúrgico, a morte esteve diretamente relacionada à infecção em 75% dos casos1.
Assim, é importante e necessária sua prevenção e controle em todos os tipos de operação, o que
pode ser feito por meio da avaliação de modelos de diagnóstico e prevenção de infecção, buscando
intervenções direcionadas, já descritas em cirurgia cardiovascular2,3. Há muito tempo sabe-se que
um programa de controle de infecção é parte efetiva na prevenção da infecção do sítio cirúrgico
(ISC) e pode reduzir sua taxa em até 40% 4.
A ISC é causa comum de infecção hospitalar. Os centros americanos para o controle de doença
e prevenção – United States Centers for Disease Control (CDC) – definem a infecção do sítio
cirúrgico como a infecção relacionada à operação que ocorre na incisão ou próximo a ela, em um
intervalo de 30 dias do procedimento ou em até 90 dias, se houve implantes de próteses5. Apesar
de as infecções hospitalares serem mais comuns (38%), têm risco absoluto de ocorrência baixo e
variam de acordo com o procedimento, o número de leitos e a classificação do hospital, a experi-
ência do cirurgião e a utilização de padronização de condutas para seu diagnóstico e prevenção 6.
Dos fatores de risco identificados para o desenvolvimento de ISC, os que podem influenciar sua
incidência são: técnica cirúrgica utilizada; duração prolongada do procedimento; ambiente hos-
pitalar e estrutura da sala de operações (recursos físicos e humanos); forma de esterilização do
instrumental cirúrgico; preparo pré-operatório do paciente relacionado à degermação e/ou trico-
tomia da pele; intervenções intraoperatórias, como controle da temperatura corporal do paciente;
controle glicêmico; necessidade de transfusão sanguínea; administração correta de antibiotico-
profilaxia e desenvolvimento de protocolos de atenção básica para o controle da infecção. E, além
desses, devem-se destacar características pré-operatórias do paciente como idade; presença de
diabetes mellitus; obesidade; tabagismo; imunossupressão; desnutrição; colonização por micro-
-organismos potencialmente patogênicos; infecção em outro órgão; operações prévias recentes;
reoperações; tempo de internação pré-operatória; gravidade da doença7,8.
A Sociedade Americana de Anestesiologia dispõe de recomendações educativas que atuam
no controle da infecção hospitalar – como a desinfecção de equipamento utilizado em aneste-
sia, visando, principalmente, à prevenção de pneumonia relacionada à ventilação mecânica, e à
prevenção de infecção durante a inserção e manutenção de cateteres –, na proteção do paciente
imunossuprimido e na prevenção de contaminação de medicamentos.
Especial atenção deve ser dispensada ao armazenamento e à manipulação do fármaco propofol.
Diversos relatos têm associado infecções sistêmicas à sua injeção, cujo ingrediente ativo, 2,6 diiso-
propilfenol, é formulado em emulsão estéril de óleo de soja, glicerol e lecitina de ovo, o que permite,
ao contrário de outras medicações endovenosas não lipídicas, o crescimento bacteriano rápido à tem-
peratura ambiente9. As recomendações incluem desinfecção das ampolas a serem abertas com álcool
isopropílico, utilização de seringas para um único paciente e início da infusão em um período de seis
horas após a abertura da seringa, com o prazo de até 12 horas para completá-la10. Essas diretrizes
também são acatadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Diante dos diversos fatores de risco, a padronização de condutas e a implantação de proto-
colos para a diminuição da ISC devem considerar um trabalho multidisciplinar que envolva
administradores hospitalares, cirurgiões, anestesiologistas, infectologistas, hematologistas,

52 | Segurança do Paciente e Prática Médica


enfermeiros e sua equipe de técnicos, equipe da unidade de terapia intensiva e da fisioterapia,
entre outros profissionais.
Uma vez que é o anestesiologista o profissional que está na interface doente–estrutura hos-
pitalar–cirurgião, o médico que avalia o paciente no pré-operatório e o assiste nos momentos
de risco para contaminação bacteriana durante o procedimento operatório e muitas de suas
intervenções têm influência direta no prognóstico a curto, médio e longo prazos, o objetivo des-
ta revisão é discutir intervenções pré e intraoperatórias de responsabilidade do anestesiologista
que podem auxiliar no controle da infecção do sítio cirúrgico, destacando seu importante papel
na medicina perioperatória.

Avaliação pré-operatória
Além da avaliação clínica realizada pelo médico anestesiologista, a avaliação pré-operatória
estimula uma relação de confiança entre o anestesiologista e seu paciente, com discussão e escla-
recimento do ato anestésico-cirúrgico que será realizado e, consequentemente, a concordância
e o consentimento dele para o procedimento. Essa avaliação proporciona também o preparo do
paciente, que poderá escolher o melhor momento para o procedimento proposto, por meio de
uma estimativa de risco. A aplicação de modelos de predição de risco é necessária, pois permite a
identificação de comorbidades, limita a exposição individual a eventos adversos, promove o desen-
volvimento de algoritmos institucionais para estratégias mais efetivas, otimizando os resultados, e
estimula a difusão do conhecimento pela utilização da mesma linguagem científica11.
Tendo como objetivo a redução da ISC, o anestesiologista deve aconselhar a intervenção em
vários sistemas. Deve aconselhar seu paciente a parar de fumar o mais rápido possível (há evidên-
cias de recuperação pulmonar mais rápida em cirurgia de grande porte e melhor cicatrização da
ferida cirúrgica quando a interrupção do tabagismo for igual ou superior a oito semanas)12,13.
Outro fator de risco que necessita de intervenção pré-operatória e que está relacionado ao
aumento do índice de infecção é o diabetes mellitus (DM), sobretudo quando associado à des-
nutrição14 ou à obesidade, esta descrita em cirurgia cardíaca, na qual a validação de um escore
australiano mostra aumento significativo do risco quando ligado à obesidade mórbida15. Os obje-
tivos da avaliação clínica e laboratorial do paciente com DM são evitar hipoglicemia, cetoacidose e
hiperglicemia, inclusive no pós-operatório imediato, e conservar o balanço hidroeletrolítico, sen-
do desejável a manutenção de níveis intra e pós-operatórios que variem de 140 a 200 mg/dL16,17.
Deve haver intervenção e reorientação, inclusive multidisciplinar (nutricionista), quando existir o
diagnóstico de obesidade e/ou desnutrição.
A transfusão intraoperatória também está associada ao aumento de risco de infecção no
pós-operatório imediato. A avaliação pré-operatória permite a estimativa do risco de sangra-
mento cirúrgico e a escolha da estratégia para a transfusão a ser utilizada no intraoperatório
(restritiva versus liberal), além da programação de técnicas de recuperação de sangue autólo-
go (cell saver)18 .

Antibioticoprofilaxia
Os dois fatores mais importantes no controle da ISC são atenção à técnica operatória e antibioti-
coprofilaxia adequada, ou seja, administração do antibiótico apropriado, com intervalos regulares
e no momento exato para garantir níveis sanguíneos e teciduais acima da concentração inibitória
mínima (CIM) dos patógenos que podem ser encontrados durante determinado procedimento.
Apesar de ser simples e comprovadamente eficaz, muitas vezes não é realizada adequadamente e
se torna ineficaz na prevenção da ISC, podendo até mesmo criar micro-organismos resistentes.

O Papel do Anestesiologista na Medicina Perioperatória: Prevenção da Infecção do ... | 53


Contudo, o aumento na incidência de infecção, por estar associado a múltiplos fatores de risco,
raramente é ligado à administração incorreta do antibiótico19-21.
O primeiro estudo clínico, realizado em 1969, mostrou que a antibioticoprofilaxia pré-opera-
tória em pacientes submetidos a cirurgias intestinais reduziu a infecção do campo cirúrgico e a
ocorrência de sepse, benefícios não observados em pacientes que receberam o antibiótico apenas
no pós-operatório22 . Diretrizes baseadas em estudos retrospectivos determinam que os níveis
teciduais e sanguíneos devem estar acima da CIM no momento da incisão cirúrgica. Assim, a
administração deve começar em tempo hábil, geralmente 30 minutos a uma hora antes da incisão
cirúrgica, para promover concentração plasmática e tecidual adequada. Se durante o procedimen-
to for usado garrote, a dose do antibiótico deve ser completada antes de sua insuflação21.
A escolha do antibiótico ideal para determinado procedimento é focada no combate aos micro-
-organismos mais frequentes. Para a maioria das cirurgias que não violam órgãos cronicamente
colonizados, os micro-organismos mais comuns são os da flora da pele: espécies de Staphylococcus
e Streptococcus, sendo a cefalosporina de primeira geração um fármaco com boa relação custo-
-benefício. Por outro lado, cirurgias que envolvem o trato gastrointestinal necessitam de cobertura
para Gram-negativos e anaeróbios20.
Em relação à vancomicina, há alguma discussão sobre ela ser o antibiótico de escolha quando
estiver presente a cepa de Staphylococcus aureus resistente a meticilina; bem como em medias-
tinite, infecção incisional por Staphylococci coagulase negativa meticilina resistente ou ainda em
instituições com alta incidência dessas infecções20.
Em operações cardíacas com circulação extracorpórea (CEC) a cefuroxima e a cefalosporina
de segunda geração têm sido utilizadas para profilaxia, em vários esquemas posológicos, variando
de 3 a 6 g dose total em 24 ou 48 horas, com diferentes intervalos de administração, e muitas vezes
com dose extra de 750 mg após a CEC23,24.
Nascimento et al, ao estudarem a farmacocinética desse antibiótico em pacientes submeti-
dos à cirurgia de revascularização do miocárdio com CEC, observaram que três doses de 1,5
g administradas a cada 12 horas apresentavam um pico plasmático com rápido decaimento, se
mostrando inadequado para a antibioticoprofilaxia, uma vez que, a partir da sexta hora de cada
administração em bolus, os níveis plasmáticos da cefuroxima se mostraram inferiores a 16 mg/
ml (4 x CIM, nível bactericida adequado). Além disso, de acordo com as curvas de decaimen-
to da concentração versus tempo, registrou-se baixa concentração da cefuroxima no vale para
a maioria das administrações efetuadas (~ 4 mg/ml em torno da 9ª hora e ~1 mg/ml na 12ª
hora da administração). Essa baixa concentração do fármaco, principalmente no período pós-
-operatório imediato, pode ser fator de risco para o paciente cirúrgico, além de contribuir para
o aumento das infecções nosocomiais e o desenvolvimento de cepas de bactérias resistentes a
cefuroxima e a outros antimicrobianos b-lactâmicos24. Atualmente, utiliza-se o esquema de 1,5
g bolus de cefuroxima 30 minutos antes da incisão seguido por 750 mg a cada seis horas, por 24
horas, em operações com até quatro horas de duração, uma vez que se sabe que, após dose de
1,5 g, a partir da quarta hora, podem ser encontradas concentrações plasmáticas de cefuroxima
abaixo de quatro vezes a CIM 25.

Prevenção e tratamento da hipotermia


Hipotermia moderada, ou seja, temperatura corporal entre 34 ºC e 36 ºC, é frequentemente
observada no paciente cirúrgico, e entre suas complicações está o avanço do tempo de internação,
o aumento do sangramento intraoperatório e da necessidade da transfusão de hemoderivados, a
presença de tremores e o incremento do consumo de oxigênio e/ou da diminuição da tensão de

54 | Segurança do Paciente e Prática Médica


oxigênio no subcutâneo pela vasoconstrição, além do desconforto causado ao paciente. Todos os
fatores descritos anteriormente podem predispor à infecção no paciente cirúrgico19,26.
Um estudo com 400 pacientes submetidos à cirurgia colorretal, randomizado e duplo-cego
para hipotermia (34,4 +/- 0,4 ºC) ou normotermia (37 +/- 0,3º C), seguido por duas semanas do
pós-operatório, foi interrompido com 200 pacientes, pois o grupo submetido à hipotermia apresen-
tou 18,8% de incidência de infecção da ferida cirúrgica versus 5,8%. Os pacientes normotérmicos
apresentaram mais colágeno na ferida cirúrgica, retiraram os grampos um dia antes, se alimenta-
ram precocemente e mostraram menor vasoconstrição, 6% versus 74%. Esse estudo evidenciou a
hipotermia como fator de risco maior para IFC. Apesar de os pacientes no grupo hipotermia terem
necessitado de maior quantidade de transfusão, na análise da regressão multivariada, a exigência
por hemotransfusão não foi um fator contribuinte independente27. Flores-Maldonado et al mos-
traram incidência maior de IFC em pacientes hipotérmicos, 11,5% versus 2%. Foram excluídos os
pacientes que receberam hemotransfusão28. Outros autores também associaram hipotermia com
aumento da incidência de IFC19.
A hipotermia ocasiona vasoconstrição, diminuição da perfusão do tecido celular subcutâneo
e, consequentemente, redução da tensão de oxigênio na ferida. Pacientes com tensão de oxigênio
de 90 mmHg não apresentaram infecção. A hipotermia ainda diminui a chegada dos polimorfo-
nucleares na incisão, dificulta a destruição bacteriana, induz a produção de interleucinas 10 e 2,
semelhantes ao estado inflamatório do grande queimado, aumenta as perdas de nitrogênio e reduz
a produção de colágeno19,26,27.

Controle glicêmico
Está bem estabelecido que o diabetes é um dos fatores de risco para o desenvolvimento de
infecção no paciente cirúrgico, e, até mesmo em não diabéticos, a hiperglicemia está associada
com o aumento da morbimortalidade. Muitos estudos recentes já demonstraram correlação entre
a presença de hiperglicemia e a IFC16,17,19.
O aumento da glicose em voluntários sadios diminui transitoriamente o número total de linfó-
citos e desativa imunoglobulinas pela glicosilação não enzimática e a glicosilação da fração C3 do
complemento, bloqueando sua ligação com as bactérias. Já foi demonstrado que os neutrófilos de
pacientes diabéticos apresentam déficits na quimiotaxia e diminuição na capacidade de fagocitose
e da função bactericida. Já foi apresentada a recuperação dessas funções em ambientes normogli-
cêmicos em estudos in vitro29.
Embora exista a necessidade de estudos randomizados para estabelecer um controle rígido no
perioperatório, as evidências orientam este caminho: níveis glicêmicos acima de 200 mg/dl são
inapropriados para o paciente no intraoperatório.

Estratégias de ventilação pulmonar intraoperatória


As complicações pulmonares pós-operatórias são causa significante de morbimortalidade. Em
aproximadamente 25% das grandes cirurgias aparecerá algum tipo de complicação pulmonar.
Áreas de atelectasia com consequente hipoxemia e hidratação intensa, que leva a um balanço
hídrico cumulativo, com perda da função pulmonar, podem aumentar o tempo de ventilação me-
cânica e, assim, os fatores de risco para infecção30.
Em 1963 foi relatado, pela primeira vez, o conceito de atelectasia intraoperatória por Ben-
dixen et al. Eles também mostraram que hiperinsuflações pulmonares consecutivas durante a
anestesia eram capazes de restaurar a oxigenação arterial e a complacência pulmonar31. Nesse
mesmo ano, Bergman a responsabilizou pela diminuição da capacidade residual funcional.

O Papel do Anestesiologista na Medicina Perioperatória: Prevenção da Infecção do ... | 55


Sabe-se hoje que a incidência de atelectasias está estimada entre 50-90% nos pacientes adultos
submetidos à anestesia geral em ventilação espontânea ou controlada. Como causadores dessa
complicação, têm-se a compressão mecânica do parênquima pulmonar, absorção do conteú-
do gasoso e disfunção do sistema surfactante, sendo esse último associado com a circulação
extracorpórea e controverso visto que seu turnover é de 14 horas 32 . Em relação à compressão
mecânica, a anestesia geral, ao relaxar o diafragma, provoca seu deslocamento cefálico, pro-
porcionando compressão pulmonar, aumento da pressão pleural, com consequente redução da
pressão transpulmonar nas regiões mais dependentes e caudais dos pulmões, fato exacerbado
no paciente obeso. A própria posição supina provoca redução na capacidade residual funcional
de meio a um litro. Existe ainda compressão direta pelo coração e órgãos do mediastino ou pelas
mãos do cirurgião em cirurgias cardíacas ou torácicas33.
O uso de altas frações de oxigênio tem sido descrito como fator para colapso pulmonar. Rothen
et al relataram aumento no shunt pulmonar de 0,3% para 2,1%, 6,5%, conforme elevava-se a fração
inspirada de oxigênio de 30% para 100%, com aumento na atelectasia34.
Por outro lado, dois estudos randomizados duplos-cegos com 800 pacientes submetidos à ci-
rurgia colorretal avaliaram os efeitos da oferta da fração inspirada de oxigênio de 80% versus 30%
no intraoperatório, duas horas depois (500 pacientes) e seis horas do pós-operatório (300 pacien-
tes). Ambos encontraram redução significante na incidência de IFC no grupo que recebeu fração
inspirada de 80%35,36. Esses achados não foram suportados por outro estudo randomizado de 160
pacientes realizado por Pryor et al37, criticado pelo menor número de pacientes, cegamento não
rigoroso, pela avaliação da infecção ter sido retrospectiva e por haver diferenças entre os grupos
comparados. Nenhum dos estudos citados avaliou a função pulmonar38.
As altas frações inspiradas de oxigênio ainda estão associadas com menor incidência de náuseas
ou vômitos e aumento da atividade antimicrobiana dos macrófagos alveolares, contudo, podem ser
encontradas muitas dificuldades na reversão das atelectasias no pós-operatório causadas por elas,
assim deve haver muita cautela no aumento da fração inspirada de oxigênio no intraoperatório39,40.
Como estratégia para evitar complicações pulmonares perioperatórias e, consequentemen-
te, infecções secundárias às atelectasias intraoperatórias, manobras de recrutamento alveolar
devem ser realizadas. A abertura dos territórios colapsados depende de pressão elevada e do
tempo necessário para vencer a pressão de abertura (40 cm H 2O por 30 segundos reexpandem
as áreas de atelectasia de um pulmão normal sob anestesia geral), seguidos da introdução de
pressão positiva no fim da expiração (PEEP) em níveis adequados, enquanto o paciente perma-
necer intubado (a necessidade de recrutamento sucessivo pode ser indicação de que o nível de
PEEP não foi suficiente para prevenir o recolapso pulmonar), durante cirurgias com anestesia
geral e utilização das menores frações de oxigênio, evitando a formação de novas atelectasia 30,40.
Essas manobras reduzem a lesão pulmonar pela ventilação mecânica, diminuem o tempo para
a extubação, o tempo de internação em unidades intensivas, a incidência de pneumonia e os
custos hospitalares e devem ser realizadas sempre com a hemodinâmica otimizada. Além disso,
com o melhor aproveitamento de determinada fração inspirada de oxigênio, caracterizado pelo
aumento na pressão arterial de oxigênio, podem-se conseguir os benefícios já descritos com as
altas frações inspiradas 41,42 .

Transfusões sanguíneas
Anemia per e pós-operatória é um fator de risco para o desenvolvimento de infecção no pacien-
te cirúrgico, já demonstrado por vários estudos, alguns limitados pelo número de pacientes ou por
serem retrospectivos, mas há estudos bem desenhados que comprovam a associação entre transfu-

56 | Segurança do Paciente e Prática Médica


são e infecção nos pacientes submetidos às cirurgias cardíaca, ortopédica e de trauma e colorretal,
bem como a diminuição da infecção pós-operatória com a utilização do sangue autólogo43,44.
Alguns autores já sugeriram que os leucócitos presentes no sangue transfundido, com seus efei-
tos imunomodulatórios, seriam os responsáveis pela predisposição à infecção da ferida cirúrgica.
Metanálise de estudos randomizados sobre o assunto não demonstrou superioridade da leucor-
redução no abrandamento de infecção, contudo, quando foram excluídos os pacientes que não
necessitaram de transfusão, foi observada redução da IFC45.
Koch et al estudaram um total de 6.002 pacientes submetidos à cirurgia cardíaca que recebe-
ram transfusão sanguínea, de modo que 2.872 receberam 8.802 unidades de sangue que estavam
estocados por 14 dias ou menos e 3.130 pacientes receberam 10.782 unidades estocadas há mais
de 14 dias. Não houve diferença nas características demográficas dos grupos, nem na quantidade
de sangue transfundido por paciente, contudo, os pacientes que receberam o sangue estocado por
mais de 14 dias apresentaram maiores complicações pós-operatórias, como intubação prolongada,
falência renal, sepse e falência de múltiplos órgãos. Além disso, a taxa de sobrevivência nos primei-
ros seis meses também foi menor nesse grupo. Deve-se considerar ainda a transfusão com sangue
autólogo, visto que o risco de infecção é menor quando comparado com o alogênico46.
Diante das exposições anteriores, recomenda-se ao anestesiologista:
1. Fazer a avaliação pré-operatória.
2. Observar o antibiótico administrado de acordo com o procedimento e a flora bacteriana
hospitalar, administrando-o antes da incisão, em tempo hábil para garantir níveis san-
guíneos e teciduais, além da correta administração intervalar, respeitando as 24 horas de
duração da antibioticoprofilaxia.
3. Utilizar calor irradiado para aquecer o paciente duas horas antes do procedimento cirúrgi-
co, para evitar a perda de calor central para a periferia por causa da vasodilatação causada
pelos anestésicos.
4. Fazer o controle glicêmico adequado e justo no intraoperatório.
5. Evitar altas frações inspiradas de oxigênio, realizar manobras de recrutamento alveolar
intraoperatória e utilizar PEEP.
6. Ser restritivo em relação ao gatilho transfusional, dar preferência a sangue estocado por
menos de 14 dias, quando possível, utilizar filtros de leucócitos ou sangue autólogo.

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O Papel do Anestesiologista na Medicina Perioperatória: Prevenção da Infecção do ... | 59


Capítulo 08

A Utilização Segura
de Medicamentos e
o Anestesiologista
Fabiane Cardia Salman
A Utilização Segura de Medicamentos
e o Anestesiologista

Introdução
O termo evento adverso (EA) refere-se ao aparecimento de um problema de saúde causado pelo
cuidado, e não pela doença de base, ou seja, “uma lesão não intencional que resultou em incapaci-
dade temporária ou permanente e/ou prolongamento do tempo de permanência ou morte como
consequência do cuidado prestado”. São observados eventos adversos oriundos de procedimentos
cirúrgicos, utilização de medicamentos, procedimentos médicos, tratamento não medicamento-
so, demora ou incorreção no diagnóstico.
Evento adverso relacionado a medicamentos (EAM) é qualquer dano apresentado pelo pacien-
te que possa ser atribuído a medicamentos. Os EAM são responsáveis por cerca de 20% do total de
casos observados, atrás apenas daqueles associados a procedimentos cirúrgicos. Os EAM podem
decorrer da utilização adequada e/ou inadequada de fármacos clinicamente necessários ou mesmo
da falta de acesso a eles. Os erros de medicação, por sua vez, em decorrência do setor do hospital
que o originou, podem ser classificados em relação à prescrição, distribuição e administração.
Erro de medicação (EM) é definido como um incidente evitável, ocorrido em qualquer fase
da terapia medicamentosa, que pode ou não causar danos ao paciente, sendo um dos principais
motivos de morbimortalidade em pessoas hospitalizadas.
Para estabelecer um sistema de prevenção aceitável, é preciso, primeiro, admitir que errar é da
natureza humana, ou seja, independentemente do treinamento e do cuidado das pessoas, erros
acontecem em qualquer processo humano. Também é necessário admitir que o sistema permite
erros que não são só fruto da incompetência ou de falha humana. Consequentemente, punir ou
eliminar o responsável pelo erro não vai modificar as deficiências latentes do sistema, sendo possí-
vel que o mesmo erro aconteça novamente. É interessante analisar o erro e identificar como, onde
e por que ele aconteceu.
Em um estudo sobre prevenção, Leape et al mostraram que as razões mais comuns de erros re-
lacionados ao uso de medicamento foram falta de conhecimento sobre o fármaco (22%) e de infor-
mação sobre o paciente (14%). A falha mais comum foi a disseminação incorreta de informações
sobre os medicamentos, especialmente para os médicos, o que eles atribuíram como responsável
por 29% dos erros analisados, seguida de falta de informação adequada sobre o paciente, associada
com 18% dos erros. Sete dos 16 erros do sistema explicavam praticamente 80% dos erros e todos
eles estavam relacionados a problemas na disseminação de informação.
Apesar de raramente notificados, os erros relacionados a medicamentos durante anestesia acon-
tecem e podem estar associados a eventos mais graves, como óbito ou parada cardiorrespiratória.
O objetivo da redução dos EM nos centros cirúrgicos implica, por exemplo, a instituição de
organização sistematizada das gavetas de medicamentos e da área de trabalho, com atenção à
disposição de ampolas e seringas, separação de medicamentos semelhantes ou perigosos e remo-
ção de fármacos que oferecem risco, além da detecção e da análise dos EM.
A prática da anestesiologia requer a administração de uma ampla variedade de drogas que
são frequentemente aplicadas em ambientes com pouca visibilidade e múltiplas distrações.
São ministrados medicamentos de ações muito diferentes, como relaxantes musculares,
opioides, vasopressores e vasodilatadores, que são, muitas vezes, aplicados simultaneamente.
Por causa da alta potência, variedade, frequência e semelhança de embalagens e nomes das

62 | Segurança do Paciente e Prática Médica


drogas usadas em anestesia (look alike e sound alike), existe grande possibilidade de erros, com
consequências desastrosas.
Importante salientar que não basta um medicamento ter qualidade garantida, mas seus pro-
cessos de dispensação e administração também devem ser seguros. A administração de medica-
mentos está ligada a um índice elevado de eventos adversos e tem sido foco de atenção e análise
das instituições de saúde. Saber como prevenir incidentes com medicamentos durante a anestesia
é mandatório para aumentar a segurança da assistência anestésica.
Em estudo retrospectivo de Yamamoto et al, 233 incidentes em um total de 27.454 anestesias
foram relatados ao longo de oito anos. Nesse mesmo estudo, a incidência total de erros farmaco-
lógicos no período foi de 0,175% (48 incidentes). Sobredose e substituição foram as falhas mais
comuns. No estudo de Fasting e Gisvold, com 55.426 procedimentos, erros farmacológicos foram
relatados em 0,11% dos casos (63 casos). Webster et al, ao pesquisarem 7.794 pacientes, relataram
a incidência de 0,75% (58 dos casos) de erros de administração. A identificação de eventos farma-
cológicos adversos como ameaça para a segurança dos pacientes na prática anestésica já representa
um grande avanço.
Hove et al, ao analisarem os óbitos decorrentes da anestesia registrados pela Danish Patient
Insurance Association, classificaram 24 casos fatais pelas causas subjacentes. Notaram que 8 das
24 mortes relacionadas à anestesia analisadas foram, provavelmente, atribuíveis a erros na ad-
ministração de drogas: quatro overdoses por via endovenosa (benzodiazepínicos, methohexital,
tiopental, nitroglicerina), três erros decorrentes da bomba de infusão e um paciente que recebeu
uma provável sobredose intratecal de mepivacaína. Portanto, após análise crítica, a frequência de
incidentes relacionados à medicação foi significativa e apresentou-se como a causa mais comum de
óbitos relacionados à anestesia nesse estudo.
Esses resultados são equivalentes a uma análise da Canadian Medical Association, que ava-
liou, entre 1998 e 2002, 232 ações legais contra anestesiologistas. Erro de medicação foi apontado
como a causa mais comum, envolvendo 52% das reivindicações. Vale ressaltar que a American
Society of Anesthesiologists (ASA), no Closed Claims Project, aponta um percentual de erros de
drogas durante anestesia próximo a 4%. As razões para a discrepância na frequência relativa a er-
ros ligados a medicamentos apontados pelas Sociedades Americana, Canadense e Dinamarquesa
necessitam de mais investigação, exigem mais exploração, mas podem ser atribuídas, em parte, a
diferenças na categorização das causas.
O impacto dos erros de medicamentos na prática anestésica não é recente e não surpre-
ende anestesiologistas mais experientes. Em uma pesquisa realizada na Austrália, 89% dos
respondentes admitiram ter cometido, pelo menos, um erro durante o uso de medicamen-
tos na prática anestésica. Provavelmente esse resultado difere dos estudos anteriores, pois,
quando um evento não atinge o paciente – quase acidente ou quase falha (como um erro na
dispensação de droga que não é administrada) –, o incidente não é notificado, gerando uma
falsa sensação de segurança.
Juntos, esses estudos sugerem que o impacto do erro de medicação tem sido subestimado por
causa da falta de notificação, da falha na análise mais profunda de incidentes e da falta de uma
taxonomia comum para incidentes durante a anestesia. A ausência de dados e informações nos
leva a desconhecer o problema real e impede o desenvolvimento de estratégias inovadoras para
reduzir a probabilidade de um erro de medicamento na prática anestésica.
Com base na revisão dos relatos de 523 notificações (com consequência C em diante) advindas
dos sistemas MERP (USP‐ISMP Medication Errors Reporting) e MEDMARX, foram divulgados
os comportamentos de risco mais comuns que contribuíram para os erros de medicação:

A Utilização Segura de Medicamentos e o Anestesiologista | 63


• automatização da tarefa sem ler o rótulo do medicamento antes de ele ser armazenado,
dispensado ou administrado;
• sentimento de intimidação ou relutância em pedir ajuda ou esclarecimento;
• falta/falha em educar os pacientes;
• uso de medicamentos sem seu conhecimento completo;
• falta de duplo controle de medicamentos do tipo alta vigilância antes de dispensá-lo
ou administrá-lo;
• não comunicar informações importantes (por exemplo, alergias do paciente, diagnóstico/
condições, comorbidades, peso etc.).
A melhora do relacionamento e a interação entre anestesistas, farmacêuticos e enfermeiras são
essenciais para a prática farmacológica segura no centro cirúrgico (CC). Isso, associado a rela-
tórios de acidentes críticos para investigar as causas e origens dos erros, vai melhorar o sistema,
tornando-o mais seguro.

Prevenção de erros relacionados a medicamentos em anestesia


A abordagem de sistemas de segurança reconhece que as causas de um incidente e a segurança
do paciente não podem simplesmente estar relacionadas às ações dos profissionais de saúde envol-
vidos. Todos os incidentes são também ligados ao sistema em que os indivíduos estão inseridos. As
estratégias de prevenção, portanto, estão ligadas ao desenvolvimento e à implantação de barreiras
de segurança (físicas, no sistema, por exemplo), mas também devem focar a cultura de segurança
e a orientação e educação dos profissionais.
Portanto, o desenvolvimento de competências e o acesso a informações que propiciem a
administração segura de medicamentos pela equipe multiprofissional – médico, enfermagem e
farmácia – devem ser fomentados.
A utilização de tecnologias, como a prescrição médica eletrônica, a checagem eletrônica da
administração do medicamento, o código de barras nos rótulos, a automação da dispensação de
medicamentos e o uso de bombas de infusão “inteligentes”, deve ser estimulada como barreira de
segurança. Entretanto, a análise do custo-benefício, a definição de fluxos e processos que envol-
vem a tecnologia e o treinamento/capacitação dos profissionais que utilizarão essas tecnologias
devem ser realizados antes mesmo de serem inseridos na prática, pois, em vez de desenvolver um
ambiente mais seguro, a incorporação de uma tecnologia de forma desorganizada pode aumentar
consideravelmente o risco de erros e violações por parte dos profissionais.
Em anestesia verificamos que os erros estão principalmente relacionados com a fase da admi-
nistração, mas podem ocorrer durante o preparo e o registro (prescrição) na ficha de anestesia.

Fase de registro dos medicamentos na prescrição anestésica


• Destacar as alergias conhecidas do paciente, registrando a informação na ficha de avalia-
ção pré-anestésica e conferindo-a antes do início da anestesia.
• Atenção ao uso de abreviaturas (IV – IM, mg – mcg) na ficha de anestesia. O uso de
abreviaturas deve ser padronizado na instituição, que deve determinar as permitidas e as
proibidas em lista disponível para todos os profissionais.
• Atenção ao uso de casa decimal na ficha de anestesia. Sempre utilizar vírgula e número
antes do ponto. Ex.: 0,50 em vez de .50, para evitar o risco de sobredose ou dose menor que
a recomendada.

64 | Segurança do Paciente e Prática Médica


• Uniformizar a utilização de unidades de medida.
• Utilizar preferencialmente letra de forma ou prescrição digital, buscando legibilidade das
informações sobre os medicamentos administrados.
• Incluir informações sobre dados antropométricos, como peso do paciente, na ficha de
avaliação pré-anestésica.
• Implantar sistema eletrônico de prescrição de medicamentos, com recursos de apoio à
decisão clínica.
• Não rasurar o registro de medicamentos na ficha de anestesia. Ele deve ser escrito
com clareza para que a continuidade do cuidado do paciente seja realizada com
mais segurança.

Fase de preparo e administração dos medicamentos durante a anestesia


• Preparar os medicamentos após a higienização das mãos preferencialmente com álcool gel.
• Manter o local para a preparação dos medicamentos anestésicos em condições adequa-
das, organizado e limpo; organizar de forma padronizada as caixas de drogas psicotrópi-
cas, as gavetas de medicamentos e o local de preparo.
• Evitar interrupções e distrações durante o preparo e a administração de medicamen-
tos. Existe relação entre a interrupção do procedimento de administração de medica-
mento e a ocorrência de erro e o aumento da severidade desse erro. A interrupção pode
causar incremento de 12,1% dos erros relacionados ao procedimento (falta de leitura
da prescrição e de checagem da identificação do paciente, entre outros) e de 12,7% dos
erros clínicos (medicamento, dose e via errados, entre outros). Quanto maior o número
de interrupções, maior a severidade do erro clínico: suas chances de ocorrência dobram
a partir de quatro interrupções.
• Identificar claramente os pacientes sabidamente alérgicos.
• Sinalizar as vias de administração com cores previamente estabelecidas (venosa – azul;
arterial – vermelha; peridural – amarela, por exemplo), minimizando o risco de troca de
via de administração (venosa pela arterial, por exemplo).
• Realizar checagens sistemáticas para diminuir o número de erros na administração de
drogas em anestesia.
• Ler cuidadosamente o rótulo de qualquer ampola ou seringa antes de a droga ser prepara-
da e administrada; as informações devem ser também verificadas por uma segunda pessoa
antes do uso.
• Sempre rotular com o nome e a concentração do medicamento preparado as seringas
e os soros, preferencialmente com etiquetas coloridas, com a legibilidade das etiquetas
otimizada de acordo com normas acordadas.
• Devem-se eliminar, sempre que possível, as semelhanças de frascos e ampolas (look alike),
buscando-se outros fornecedores.
• Divulgar alertas quanto à sonoridade e grafia semelhantes de diversos medicamentos
(“Keflin”/ “Quelicin”).
• Treinar periodicamente os profissionais envolvidos na seleção, dispensação, diluição e
administração dos medicamentos.
• Isolar e restringir o acesso e a dispensação de medicamentos de uso restrito ao centro
cirúrgico e à unidade de terapia intensiva, como bloqueadores neuromusculares.

A Utilização Segura de Medicamentos e o Anestesiologista | 65


• Identificar com etiquetas coloridas as ampolas/frascos que causam risco potencial de
morte ou dano permanente no caso de administração errada (eletrólitos de alta concen-
tração, por exemplo), conhecidos como Medicamentos de Alta Vigilância.
Os Medicamentos de Alta Vigilância/Alto Risco são os que possuem risco maior de causar
dano significativo ao paciente quando utilizados erroneamente. Não quer dizer que existe maior
ou menor probabilidade de o erro acontecer, mas, se acontecer, a consequência ao paciente é cla-
ramente mais grave.
As estratégias para minimizar o erro com Medicamentos de Alta Vigilância são:
• padronização - padronizar o menor número possível de variações de concentração na
instituição;
• armazenamento - se os medicamentos forem sound‐alike e/ou look‐alike, devem-se arma-
zená-los em locais distantes. Ex.: as insulinas não devem estar disponíveis nas unidades,
e sim acondicionadas em local com acesso controlado (ex.: gaveta com chave); só devem
ser acessadas mediante prescrição do paciente;
• prescrição - utilizar protocolos que contenham a prescrição do medicamento (dupla che-
cagem, dose, via, identificação do paciente, posologia);
• manipulação pela farmácia - prever soluções padronizadas disponíveis (já preparadas)
para uso;
• distribuição - os medicamentos devem ser dispensados manipulados pela farmácia, com
identificação diferenciada (cor vermelha, por exemplo);
• administração - dupla checagem no momento do preparo e na administração do medicamento;
• monitoramento - acompanhamento de resultado de exames laboratoriais e controle de
sinais vitais, entre outros;
• exemplo heparina - controle de TTPA em tempo definido pelo protocolo institucional;
insulina - controle de glicemia capilar em tempo definido pelo protocolo institucional.
O profissional que administrar o medicamento deve conhecê‐lo o suficiente para oferecer
informações precisas ao paciente ou seu familiar e tratar possíveis efeitos adversos provenientes
de sua ação. As informações mais relevantes estão geralmente relacionadas com objetivo terapêu-
tico, posologia, tempo de tratamento e reações adversas.
O profissional que administrou o medicamento é responsável por monitorar a resposta es-
perada, e alguns fármacos necessitam de monitoramento intensivo por causa do alto risco que
oferecem ao paciente. A vigilância, portanto, é fundamental.
Sugerimos que a rotulação legível e inequívoca de seringas e soros seja utilizada, pois se
mostra benéfica na redução de erros na administração de drogas. Os fabricantes de medica-
mentos também devem ser envolvidos no desenvolvimento de um sistema de cuidados em
saúde mais seguro. A legislação que visa normatizar a identificação de soluções parenterais
de pequenos volumes (SPPV) deve ser reformulada e aplicada, para que as semelhanças
entre as ampolas de medicamentos diminuam desde sua produção, para gerar menos riscos
aos pacientes.
Quanto aos nomes escolhidos, um estudo publicado em 2002 analisou o modo como nomes de
marcas são processados no cérebro. Os autores concluíram que nomes de marca, bem como nomes
próprios, possuem um estatuto neuropsicológico especial, o que significa dizer que são entendidos
como palavras e também como não palavras. Essa dissociação permite a utilização simultânea de
diferentes tipos de memória. Esse aspecto é, sem dúvida, um fator importante no que se refere à

66 | Segurança do Paciente e Prática Médica


publicidade e ao modo como determinada marca é processada no cérebro, podendo aumentar o
risco de erros de medicamentos, no caso de sound-alikes, por exemplo.

Conclusão
Os erros de medicação, que por definição são evitáveis, atualmente se apresentam como um
sério problema de saúde pública, levando a perdas de vidas e desperdício importante de recursos
financeiros. A abordagem sistêmica dos erros de medicação poderá revelar as falhas do processo,
sendo possível implementar melhorias, diminuindo, assim, a ocorrência desses eventos.
A etapa de administração é a última barreira para evitar um erro de medicação fruto dos
processos de prescrição e dispensação, aumentando, com isso, a responsabilidade do profissio-
nal que administra os medicamentos. Um erro na administração de medicamento pode trazer
graves consequências aos pacientes, razão pela qual devem ser observados a ação, as interações
e os efeitos colaterais.
Uma política de incentivo à melhoria da segurança do uso de medicamentos, centrada em
trabalho em equipe, notificação e ambiente não punitivo, deve servir para estabelecer a saúde. Por
outro lado, o avanço das ações depende, em grande parte, da ampliação de relatos sobre estraté-
gias e dificuldades de gerenciamento de eventos adversos relacionados a medicamentos, tanto no
âmbito público como no privado.
A anestesia e o ambiente do centro cirúrgico são considerados sistemas complexos, firmemente
acoplados e não lineares, e, portanto, um pequeno erro pode gerar consequências catastróficas. O
estímulo à notificação desses incidentes nesses ambientes e posterior análise e desenvolvimento
de ações de melhoria, mesmo de incidentes que não atingiram o paciente, são fundamentais para
prevenir erros relacionados a medicamentos em anestesia e no período perioperatório.

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68 | Segurança do Paciente e Prática Médica


Capítulo 09

Lista de Verificação
Cirúrgica (Checklist) na
Prática Anestesiológica
Airton Bagatini
Cassiana Gil Prates
Lista de Verificação Cirúrgica (Checklist)
na Prática Anestesiológica
“Com o checklist, conseguimos, de forma indireta, aprender
a trabalhar em equipe. O cuidado com o paciente não pode ser
responsabilidade de apenas um ator, mas de todo um elenco (cirurgião,
anestesista e enfermagem). O checklist da cirurgia segura está rompendo
o paradigma do individualismo assistencial.”
Airton Bagatini

Esforços especiais têm sido dedicados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) no sentido
de melhorar a qualidade e a segurança da assistência hospitalar. Em 2004, essa organização lançou
a Aliança Mundial pela Segurança do Paciente, por meio da qual estabeleceu três desafios globais a
serem implementados nas instituições de saúde no mundo: o primeiro, diz respeito à higienização
das mãos e foi denominado “Uma assistência limpa é uma assistência mais segura”; o segundo,
lançado em junho de 2008, está relacionado à redução de complicações e mortalidade associadas
aos procedimentos cirúrgicos, “Cirurgias seguras salvam vidas”; o terceiro refere-se ao combate da
resistência bacteriana1.
Estima-se que, no mundo, cerca de 234 milhões de grandes intervenções cirúrgicas sejam
realizadas anualmente, o equivalente a uma cirurgia para cada 25 pessoas. Complicações periope-
ratórias que resultem em dano (permanente ou não) ou em prolongamento do tempo de interna-
ção podem acometer de 0,3% a 25% dos pacientes, o que significa que até 7 milhões de pacientes
podem sofrer alguma complicação pós-operatória. A taxa de mortalidade pode variar de 0,4% a
10%, dependendo do porte cirúrgico, da complexidade e das condições sociodemográficas, o que
significa que pelo menos 1 milhão de pacientes morrem a cada ano de complicações relacionadas
com procedimento cirúrgico, e 50% delas são consideradas evitáveis2 .
Diante desses números, a OMS estabeleceu uma meta para a redução das taxas de infecção do
sítio cirúrgico em 25% até o ano 2020, o que implicaria significativa queda da morbidade (compli-
cações) e da mortalidade. A infecção hospitalar contribui para o aumento da permanência hospi-
talar (10 a 15 dias), do risco de reospitalização (cinco vezes) e da necessidade de terapia intensiva
(1,6%), além disso, duplica a mortalidade e tem um custo estimado, nos Estados Unidos, de 10
bilhões de dólares por ano3.
Das áreas da medicina, a anestesia foi a pioneira na implantação de ações de segurança do pacien-
te. Na década de 1970, morria um paciente para cada 5 mil anestesias. Com a melhora da tecnologia
e do conhecimento e a adoção de um checklist anestésico, processo presente em toda a cultura de se-
gurança, em 2000, a taxa de mortalidade caiu para um paciente a cada 250 mil anestesias. Contudo,
uma relação nociva permanece na África Subsaariana, de um óbito para 100 anestesias3.
A prevenção de eventos e de complicações perioperatórias deve iniciar muito antes da anestesia
propriamente dita e terminar após a recuperação anestésica, como indicado a seguir4:
1. O paciente deve ser avaliado por um anestesista antes da administração da anestesia.
2. O profissional deve assegurar que o equipamento necessário está presente e funciona cor-
retamente antes de iniciar os cuidados anestésicos.
3. Deve ser assegurado que a assistência esteja disponível quando necessário e que o aneste-
sista seja competente para resolver eventos adversos durante o ato cirúrgico.

70 | Segurança do Paciente e Prática Médica


4. Uma apropriada lista de verificação anestésica deverá ser estabelecida em cada instituição
de saúde, para as equipes anestésicas a executarem antes de iniciar os procedimentos.
5. A Lista de Verificação Cirúrgica (LVC), preconizada pela Organização Mundial de Saúde,
deve ser incorporada às demais listas relacionadas à anestesia (Figura 1).

A assistência cirúrgica segura deve seguir uma estrutura estabelecida para os cuidados com os
pacientes no transoperatório4. Isso envolve uma sequência rotineira de eventos – cada uma destas
etapas apresenta riscos específicos, que devem ser identificados e analisados visando sua mitigação
ou eliminação: avaliação pré-operatória do paciente, intervenção cirúrgica e preparação correta
para a assistência pós-operatória.
Na fase pré-operatória, a obtenção do consentimento informado; a confirmação da identidade
do paciente, do sítio a ser operado, da demarcação do local a ser operado e do procedimento a ser
realizado; a verificação da segurança dos equipamentos de anestesia e dos fármacos e a existên-
cia e disponibilidade de exames diagnósticos, bem como o prontuário completo do paciente e o
preparo adequado para ocorrências transoperatórias, são etapas suscetíveis a falhas que, caso não
identificadas, podem contribuir para a ocorrência de um evento adverso.
Durante a fase operatória, o uso adequado e sensato de antimicrobianos; a disponibilidade
de imagens essenciais; a monitorização adequada do paciente; o trabalho de equipe eficiente; a
confecção de relatórios competentes da anestesia e da cirurgia; a implantação de técnica cirúrgica
meticulosa e comunicação eficiente entre os membros das equipes de várias áreas (cirurgia, anes-
tesia e enfermagem) são requisitos necessários para assegurar bons resultados.
Na fase pós-operatória, claro plano de assistência, compreensão a respeito de ocorrências
transoperatórias e comprometimento com a melhoria da qualidade podem fomentar a assistência
cirúrgica, aumentando, dessa forma, a segurança do paciente e melhorando os resultados4.

Lista de Verificação Cirúrgica (Checklist) na Prática Anestesiológica | 71


Para a melhoria da segurança e a redução do número de mortes e complicações, o segundo
desafio global proposto pela OMS, “Cirurgias seguras salvam vidas”, contempla todo o processo
cirúrgico (pré, trans e pós-imediato), sendo baseado em quatro componentes2:
a. prevenção de infecção de sítio cirúrgico;
b. anestesia segura;
c. equipes cirúrgicas eficientes;
d. mensuração de complicações ocorridas após a assistência cirúrgica.
Para atender a esses quatro componentes, uma lista de verificação cirúrgica (LVC) foi desen-
volvida, baseada em dez objetivos essenciais para garantir que os padrões de segurança sejam
cumpridos nos serviços de saúde2:
1. paciente certo e sítio cirúrgico certo;
2. segurança na administração de anestésicos;
3. preparo para a perda de via aérea ou de função respiratória que ameace a vida;
4. risco de grandes perdas sanguíneas;
5. reação adversa a drogas ou reação alérgica;
6. risco de infecção do sítio cirúrgico;
7. retenção inadvertida de compressas e instrumental cirúrgico nas feridas cirúrgicas;
8. segurança com fragmentos e peças cirúrgicas;
9. comunicação efetiva entre as equipes;
10. vigilância sobre a capacidade, o volume e os resultados cirúrgicos.

A aplicação dessa LVC demonstrou, no estudo-piloto realizado em oito centros ao redor do


mundo, envolvendo 7.688 pacientes, uma redução significativa nas complicações relacionadas aos
procedimentos cirúrgicos e à mortalidade5. Nos últimos anos, vários estudos6-15 foram publicados,
descrevendo a implantação de listas de verificação para segurança no ato cirúrgico e seu impacto
na redução de complicações, eventos adversos e mortalidade.
Embora em alguns países a aplicação da LVC seja mandatória ou fortemente recomendada,
como no Reino Unido e Canadá15, no Brasil, ela é sugerida. O Ministério da Saúde do Brasil aderiu
à campanha em 200916 e recomenda às instituições de saúde a adoção da LVC, conforme pre-
conizado pela OMS2 , em três momentos distintos: antes da indução anestésica; antes da incisão
cirúrgica e antes de o paciente sair da sala de operação.
O objetivo da LVC não é prescrever uma abordagem única, mas assegurar que elementos-chave
de segurança sejam incorporados à rotina da sala de operações. Isso maximizará a chance de me-
lhores resultados para os pacientes sem que ocorram ônus indevidos no sistema e nos prestadores16.
A implantação da LVC representa uma quebra de paradigma, sujeita a resistências. Entretanto,
os itens de conferência foram baseados em evidências sólidas ou no consenso entre especialistas
que poderiam levar a progresso real na assistência e salvar vidas, em todos os ambientes, dos mais
ricos aos mais pobres16.
O desenvolvimento da LVC foi guiado por três princípios16. O primeiro foi simplicidade. Uma
lista exaustiva de padrões e orientações poderia criar um fardo que melhoraria a segurança do
paciente, mas tal complexidade seria difícil de usar e expressar e provavelmente enfrentaria re-
sistência significativa. O apelo da simplicidade nesse cenário não pode ser exagerado. Medidas
simples serão as mais fáceis de instituir e podem ter profundos efeitos em vários cenários. O se-

72 | Segurança do Paciente e Prática Médica


gundo princípio foi a ampla aplicabilidade. O enfoque em um meio social possuidor de recursos
específicos pode mudar os tipos de questão considerados para discussão (p. ex., padrões com o
mínimo de equipamentos em instituições pobres em recursos). Falhas ocorrem em todos os tipos
de organização e, muitas vezes, passíveis de soluções comuns. O terceiro foi a possibilidade de
mensuração. A mensuração do impacto é um componente-chave do segundo desafio. Indicadores
relacionados à estrutura oferecida pelo sistema de saúde, à produção cirúrgica do serviço e aos
desfechos do procedimento deverão ser monitorados.
É essencial que uma única pessoa lidere o processo da LVC. Essa pessoa, designada como co-
ordenador, tem a responsabilidade de checar cada um dos itens da LVC, podendo ser qualquer
profissional do time cirúrgico (cirurgião, anestesista, enfermeira, instrumentador ou circulante)16.
A LVC é dividida em três fases16, cada uma corresponde a um período de tempo específico
no fluxo normal de um procedimento: o período anterior à indução anestésica (Identificação), o
período após a indução e antes da incisão cirúrgica (Confirmação) e o período durante ou imedia-
tamente após o fechamento da ferida (Registro).
Em cada fase, o coordenador da LVC deve ter permissão para confirmar com o cirurgião e
demais membros da equipe se as tarefas foram completadas antes de seguir adiante.
Na Identificação, antes da indução anestésica, o coordenador da LVC confirmará verbalmente
com o paciente (quando possível) sua identidade, o sítio da cirurgia e o procedimento e se o con-
sentimento para a cirurgia foi obtido. O coordenador confirmará visualmente que o sítio operató-
rio foi marcado (se aplicável) e revisará verbalmente, com o anestesista, o risco de perda sanguínea
do paciente, dificuldades com as vias aéreas e alergias e também se a verificação de segurança dos
equipamentos anestésicos e fármacos foi concluída. Idealmente, o cirurgião estará presente na
Identificação, já que ele pode ter uma ideia mais clara sobre a perda sanguínea prevista, alergias ou
outros fatores potencialmente complicadores. Entretanto, a presença do cirurgião não é essencial
para completar essa parte da LVC.
Na Confirmação, a equipe fará uma pausa imediatamente antes da incisão para confirmar, em
voz alta, que a operação correta no paciente e no local certos está sendo realizada. Então, todos os
membros da equipe revisarão verbalmente, uns com os outros, os elementos críticos de seu plano
para a operação, usando os itens da LVC como guia. Também confirmarão que antibióticos pro-
filáticos foram administrados nos últimos 60 minutos e que as imagens essenciais estão expostas
adequadamente. Nessa fase, a presença do cirurgião é fundamental.
No Registro, a equipe revisará, em conjunto, a operação que foi realizada, a conclusão da
contagem de compressas e instrumental e a etiquetagem de qualquer amostra cirúrgica obtida.
Também revisará qualquer mau funcionamento de equipamentos ou questões que necessitem ser
resolvidas. Finalmente, a equipe revisará planos-chave e preocupações a respeito da abordagem e
recuperação pós-operatória antes de retirar o paciente da sala cirúrgica.
Além da LVC, existem outros protocolos e listas de verificação específicas e exclusivas
para garantir a segurança no ato anestésico. Destinam-se a proporcionar orientação e assis-
tência aos profissionais de anestesia, suas sociedades profissionais, administradores de hospi-
tais e os governos para a melhoria e a manutenção da qualidade e da segurança dos cuidados
de anestesia4 .
Finalmente, o uso da LVC é recomendado para melhorar os cuidados perioperatórios, mas não
substitui a presença de um anestesista vigilante durante o ato anestésico. Além do uso da tecno-
logia, da monitorização e de fármacos adequados à observação clínica cuidadosa e contínua, a
lista é necessária porque o equipamento pode não detectar a deterioração clínica tão rapidamente
quanto um profissional qualificado.

Lista de Verificação Cirúrgica (Checklist) na Prática Anestesiológica | 73


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14. Motta Filho GR, Silva LFN, Ferracini AM et al. Protocolo de cirurgia segura da OMS: o grau de conhecimento dos ortopedistas
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Nacional de Vigilância Sanitária, 2009.

74 | Segurança do Paciente e Prática Médica


Capítulo 10

Identificação do Paciente
e o Uso do Prontuário
como Barreiras Efetivas da
Segurança em Anestesia
João Henrique Silva
Identificação do Paciente e o Uso do Prontuário como
Barreiras Efetivas da Segurança em Anestesia
A falha na identificação do paciente continua ocorrendo em hospitais, o que causa medicação
inadequada, indivíduo errado ser levado para sala de cirurgia, procedimento na parte equivocada
do organismo e/ou ainda do lado oposto ao correto.
A World Health Organization (WHO; Organização Mundial da Saúde [OMS]) e as organi-
zações como Joint Commission International (JCI) continuamente analisam os fatos e propõem
métodos para diminuir o impacto e a frequência desses eventos.

Causas das falhas de identificação


A Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ )1 considera que, apesar das boas inten-
ções em evitar eventos adversos em hospitais, temos pouca informação sobre o que efetivamente
funciona. Depois de identificar as 30 práticas de segurança elencadas para o melhor cuidado dos
pacientes, a instituição destacou como a número 1 a criação de uma cultura de segurança nas ins-
tituições hospitalares. Recomenda, também, que devem ser instituídos protocolos para prevenir
procedimento cirúrgico em paciente errado e lado equivocado do corpo.
Em 20072 , a OMS e a JCI publicaram um documento sobre a identificação do paciente, no
qual relataram o impacto da má estratégia e sugeriram ações como solução. Além de enfatizarem
a responsabilidade dos trabalhadores da saúde de checar a identidade do paciente e encorajar o
uso de pelo menos dois identificadores, como nome e data de nascimento, apostam, como opção
válida, em usar novas tecnologias como bar coding, radiofrequência ou biometria. Acreditam
que o fundamental é treinar permanentemente os processos entre as pessoas envolvidas e res-
saltar que o anestesista tem participação ativa em todos os momentos, incluindo a educação de
pacientes e familiares.
Outra área de constante desafio é a comunicação de passagem dos pacientes3 handovers, em
que os riscos da inadequação são responsáveis em 80% dos eventos sentinelas, ainda segundo a
JCI. Publicada em 2007 como soluções para a comunicação durante handovers, a OMS e a JCI,
em documento paralelo ao anterior, analisam o problema e os impactos, juntamente com os fatos
associados, e sugerem ações.
O destaque para a solução é o prontuário de anestesia como sólida barreira contra esse risco.
Entre as sugestões de padronizar a passagem de caso, em que a técnica sugerida deve ser
implantada, é a situation, background, assessment e recomendation (SBAR). O anestesista, com
o prontuário em mãos, ao revisar com o intensivista, por exemplo, a passagem de caso, tem
a possibilidade de rever desde a identificação do paciente até todo seu histórico, ou seja, a
avaliação do momento que está descrita em detalhes na ficha de anestesia (dar importância
à legibilidade), propiciando o ato de read back, em que o colega lê os dados, e o repeat back,
quando ele fala o que leu e entendeu, e as recomendações possíveis de serem implementadas.
A comunicação deve ser estruturada com todos os elementos acima citados. Convém observar
que essas técnicas já foram consagradas na aviação e nas usinas atômicas, e são fundamentais
em nossa atividade.
A transferência de cuidados da sala cirúrgica para o Centro de Tratamento Intensivo (CTI)
com o uso de protocolos é medida sugerida para a avaliação Physician Quality Reporting System
(PQRS) para 2015, além das que existem para a avaliação da qualidade de um serviço de anestesia

76 | Segurança do Paciente e Prática Médica


no contexto hospitalar: antibiótico profilático; prevenção à infecção; passagem de cateter central;
manejo da temperatura perioperatória4.
A cultura da segurança como atividade permanente e proativa em instituições hospitalares
está “na sua infância”. Outras atividades de risco, como pilotar de aviação e trabalhar em usinas
atômicas, ensinam a manejar as resistências em adotá-la até as melhores práticas de treinamento,
com base no conceito de que o ser humano erra5.
Nos 30 anos de conhecimento adquirido e vitorioso na promoção cultural da segurança na avia-
ção, existem pontos-chave como: a substituição da arrogância pela humildade; a incorporação aos
hábitos de obediência a protocolos; checklists por toda a equipe, que atua como um verdadeiro time.
Na anestesia atual, o timeout sugerido pela JCI, apesar da comprovada efetividade em diminuir
a mortalidade, ainda encontra resistência em muitos locais6.
A identificação do paciente é base do processo em que ele, se possível, ou seu familiar instruído
participa ativamente, dando respostas como por exemplo o próprio nome, qual cirurgia vai ser
realizada, a lateralidade, possíveis alergias e outros problemas presentes ou passados, confirmados
imediatamente antes do procedimento.
Além de uma possível resistência do anestesista em não concordar com essas medidas simples,
temos a pressão por produção exagerada, dois elementos que tornam frágil a segurança do procedi-
mento, no qual podem ser violadas regras seguras. Por exemplo, a não realização do timeout junto
com a identificação do paciente, que é a origem principal das cirurgias realizadas no lado errado.
Fatos concorrentes, segundo pesquisa, entre anestesistas afirmam que 50% dos erros ou viola-
ções que ocorrem em sala de cirurgia são consequência das pressões no ambiente cirúrgico para
realizar mais procedimentos e mais rápido. Outras observações relacionadas com essa falha inicial
de identificação são fadiga do anestesista com sobrecarga de tarefa; plantões sem pausa para a re-
cuperação; serviços desorganizados; hospitais com a administração não alinhada com os preceitos
da OMS, da JCI e do CFM, entre outros fatores.
Aos desafios para melhor identificar o paciente acrescentam-se, como dificuldade, o número
crescente de internações e de colaboradores necessários em um hospital, participantes no aten-
dimento. A mesma equipe de um turno tem sob sua responsabilidade dezenas de prontuários e
histórias a serem dominadas e executadas a cada minuto, exigindo muita disciplina e método. É
necessário que os colegas que são sucedidos nos plantões entendam as evoluções de cada pacien-
te, recebendo não só informações adequadas e fidedignas do profissional anterior, mas também
documentos e exames além de dar prosseguimento sem falhas no tratamento. O número e o grau
de habilitação dos envolvidos devem ser otimizados, exigindo da instituição rigoroso controle
quanto ao mínimo em número e performance profissional.
A cada momento o exercício de identificação do paciente é realizado milhares de vezes em
uma instituição.
O prontuário organizado, claro e sistematizado, construído e adaptado às condições locais é o
ideal a ser procurado, no qual é primordial a inclusão do relato do anestesista com as particularidades.

Prontuário médico e segurança


O Conselho Federal de Medicina (CFM) estabelece com a Resolução CFM nº 1.638/027: “É
um documento único constituído de um conjunto de informações, sinais e imagens registradas,
geradas a partir de fatos, acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a assistência a ele
prestada, de caráter legal, sigiloso e científico, que possibilita a comunicação entre membros da
equipe multiprofissional e a continuidade da assistência prestada ao indivíduo.”

Identificação do Paciente e o Uso do Prontuário como Barreiras Efetivas da Segurança ... | 77


Na sequência, o prontuário da anestesia tem na resolução CFM nº 1.802/20068, no artigo nú-
mero 1/lll, a documentação mínima relativa à avaliação e prescrição pré-anestésicas, à evolução
clínica e ao tratamento intra-anestésico e pós-anestésico.
O Anexo 1 especifica, entre outros, os dados de identificação do anestesista e do paciente:
antropométricos, exame físico, diagnósticos, consentimento informado etc.
Na ficha de anestesia os itens identificação do anestesista e do paciente retornam encabeçando a
lista de outros dados importantes, o que acontece também na ficha de recuperação pós-anestésica.
Como se observa em três momentos do anexo, o processo de identificação específica do nome
do paciente e anestesista foi repetido intencionalmente. Na época da elaboração da resolução, os
colegas que a construíram tiveram o cuidado de afirmar essas simples medidas de absoluta segu-
rança aos nossos procedimentos.

Prontuário em papel, eletrônico ou híbrido:


qual garante melhor a segurança?
Os modelos de fichas de anestesias em papel são os mais variáveis no mundo. Sabe-se que os
mais complexos, de design visual poluído, muitos campos confusos e em excesso, não adapta-
dos para cada procedimento, geralmente um mesmo modelo para todas as anestesias têm como
consequência menor completitude. Isto faz o relato ser pobre, o que prejudica a segurança na
transmissão dos dados que identificam detalhadamente o paciente, entre os colegas que darão
a continuidade no tratamento, como por exemplo na sala de recuperação e no CTI. Também os
documentos que não têm na sua construção os dados mínimos, como recomendado no Anexo
da resolução 1.802/2006 do CFM, tornam o uso perigoso tanto do ponto de vista ético como
do ponto de vista médico. A American Society of Anesthesiologists (ASA)9 tem em seu manual da
anestesia exemplo prático que recomenda aos seus associados contendo os dados necessários na
prática americana.
O prontuário em papel tem problemas como ilegibilidade, difícil acesso à informação, volume
físico, desorganização, perda da informação e completitude ameaçada. Pode ser um fator de risco
latente ameaçando a segurança. Mas na realidade é o modelo vigente no mundo atual.
O modelo eletrônico tem vantagens: fácil acesso à informação, disponibilidade, legibilidade,
facilidade de pesquisa, possibilidade de maior segurança.
A resistência em adotar modelos informatizados é multifatorial: a necessidade de documentos
em papéis tem forte componente no quesito legal; os eventuais processos contra anestesistas nos
tribunais exigem que a peça documental manuscrita seja utilizada tanto na defesa como na acu-
sação. Entretanto, os métodos e programas na área ainda não evoluíram a ponto de universalizar
o uso com simplicidade, por exemplo, implementando a prática durante as 24h na instituição
dispensando suporte técnico, falhas por interferência elétrica na sala de cirurgia ficando, eventu-
almente, sem os dados em situações de risco médico e legal.
O prontuário de anestesia em modelos recentes como tablet são disponibilizados em sistema
web locais criptografados ou em nuvens, onde será lançada, inicialmente, a avaliação pré-anesté-
sica realizada em data anterior ao procedimento. Assim, permite ao profissional que vai fazer o
atendimento consultar com precisão os dados do paciente que será anestesiado no dia seguinte,
de qualquer lugar, garantindo melhor segurança, possibilitando assim o planejamento do ato e o
estudo de eventuais comorbidades raras com antecedência.
Durante a anestesia os dados de preenchimento são organizados em templates, ou seja, ao ser
escolhido cada procedimento sistematizado em grupos de acordo com a complexidade são lança-

78 | Segurança do Paciente e Prática Médica


dos todos os medicamentos normalmente usados, todos os fluidos e as monitorizações comuns, o
que facilita o uso e não polui visualmente com dados desnecessários; ao mesmo tempo disponibi-
liza campos mais completos para os procedimentos mais complexos.
O sistema de alerta incorporado, que busca automaticamente na avaliação pré-anestésica aque-
les que julgamos importantes, anotados em vermelho em campo de destaque durante o ato da
anestesia, sinaliza ao anestesista dados como alergias, complicações passadas e riscos presentes.
Os destaques sempre sinalizados visualmente aumentam a segurança, que é a meta.
Junto também temos fichas de qualidade que sinalizam eventos adversos que são preenchidos
ao final da anestesia.
O problema completitude fica resolvido, ao finalizar a avaliação pré-anestésica ou a anestesia;
faltando algum dado, o sistema avisa ao anestesista quais ainda precisam ser preenchidos (algu-
mas vezes por esquecimento, o que é muito comum) impossibilitando encerrar. Na sequência, é
importante sincronizar com a web do banco de dados, que também pode ser impressa para anexar
ao prontuário de papel; nesse caso funciona como documento híbrido. A cópia é completa, legível
e identificada com assinatura digital etc.
O banco de dados permite todo tipo de pesquisa, e dá retorno aos colegas inclusive da frequência
de eventos periódicos, localizados ou particulares de uma equipe, possibilitando observar quais de-
vem ser contemplados com maior vigilância a fim de melhorar a segurança de um serviço específico.
O passo seguinte para talvez consagrar esse método é a possibilidade de captar por bluetooth
os sinais vitais emitidos por monitores.

Normas técnicas do uso de digitalização e uso de sistemas informatizados.


Problemas dos sistemas e perspectivas em relação à segurança
A Resolução CFM 1.821/200710 aprova normas do uso de sistemas informatizados dos do-
cumentos dos prontuários dos pacientes especificando o Manual de Certificação - Sistema de
Registro Eletrônico em Saúde (S-RES), da Sociedade Brasileira de Informática em Saúde11 (SBIS).
A eliminação do papel, possibilidade contemplada na Resolução, requer que o sistema atenda
aos requisitos do Manual e estabelece requisitos do Nível de Garantia de Segurança 1 (NGS1).
Para tanto, deverá haver controle de versão do software, do código-fonte, do histórico de altera-
ções, repositório de versões e dependência dos componentes.
O Nível de Garantia de Segurança 2 (NGS2) trata da identificação e da autenticação de usuário,
da proteção dos parâmetros de autenticação, da segurança de senhas e do controle de tentativas de
login, além de estabelecer normas para garantir privacidade e confidencialidade.
Os sistemas informatizados do prontuário geral e da anestesia atravessam fase complexa,
principalmente pela demanda de informações dos pacientes que ainda precisam ser armazenadas.
Outro fato apontado é a diminuição da produtividade do médico e de todas as pessoas envolvidas
nos cuidados do paciente, porque pode reduzir o tempo de contato direto com o mesmo (de 50% a
70%). Ou seja, se o sistema for muito hostil e de difícil preenchimento, há o risco de o anestesista
desviar tempo precioso de observação ao paciente, tempo de desatenção que, em outras áreas clí-
nicas, podem não ser vitais.
Há relato de parada cardíaca em sala onde o anestesista, colocado em posição ergonômica
inadequada e de costas para o paciente, se ocupava de preencher papéis em computador, em sis-
tema informatizado arcaico com interface obsoleta, exigindo tempo exagerado para ser realizado.
Algumas instituições empregam escribas para facilitar preenchimentos, prescrições e outros. Os
custos dessa medida aumentam substancialmente os recursos necessários.

Identificação do Paciente e o Uso do Prontuário como Barreiras Efetivas da Segurança ... | 79


Quando sistemas informatizados são implementados ou trocados, estabelece-se nas institui-
ções um hiato entre os administradores e as necessidades dos profissionais médicos, por falta de
pessoal treinado em saúde com conhecimento de TI. Em geral a disponibilidade é inversa: há
pessoas treinadas em TI com pouco conhecimento em saúde. As interfaces, pela dificuldade de
aprendizado e pelo fato de raramente terem sido testadas, uma vez conhecidas, demandam tempo
para serem postas em prática, o que constitui ameaça à segurança dos pacientes. Existem perspec-
tivas de que as próximas gerações de software, construídas com os próprios usuários anestesistas,
por exemplo, resolvam este risco de fragilizar as defesas.
Outros fatos ameaçadores são: a competitividade entre as instituições hospitalares e as empre-
sas que produzem e administram software, os equipamentos de anestesia diversos com nenhuma
compatibilidade com outro semelhante de outra marca, monitores fechados cujos sinais para inte-
grar ficha de anestesia computadorizada são vendidos a preço de ouro.
A cooperação que existe em aviação e em usinas atômicas é bom exemplo de compartilha-
mento dos conhecimentos adquiridos em estratégias de segurança em todos os níveis, desde o
comportamento humano até o mais sofisticado método tecnológico para prevenir acidentes. No
caso, órgãos internacionais e nacionais regulam e cobram adesão.
Em medicina ainda teremos um longo tempo de trabalho, de acréscimo de cultura, sendo ne-
cessário trocar a competição e a ordem vigente pela cooperação, que é palavra rara e precisa ser
instituída, mesmo sabendo da necessária urgência porque vidas precisam ser poupadas.
Completando, sem fechar as questões, que são inúmeras e importantes, existem fatos que
servem de barreiras sólidas para os problemas básicos de má identificação dos pacientes. Por
exemplo, os movimentos que acreditam que humanizando o atendimento, com tempo de
ouvir o paciente e os familiares, dando o devido respeito às questões de cada paciente, afir-
mam, constrói-se empecilho eficiente contra não só a identificação inadequada, mas facilita
a realização de uma boa avaliação pré-anestésica, principal antídoto para 40% dos eventos
evitáveis transoperatórios12 .

ATENÇÃO: VER IMAGENS REFERENCIADAS NO TEXTO A SEGUIR.

80 | Segurança do Paciente e Prática Médica


Identificação do Paciente e o Uso do Prontuário como Barreiras Efetivas da Segurança ... | 81
82 | Segurança do Paciente e Prática Médica
Identificação do Paciente e o Uso do Prontuário como Barreiras Efetivas da Segurança ... | 83
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8. Conselho Federal de Medicina (Brasil). Resolução nº 1.802, de 1o de novembro de 2006. Dispõe sobre a prática do ato
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9. Conselho Federal de Medicina (Brasil). Resolução nº 1.821, de 11 de julho de 2007. Aprova as normas técnicas concernentes
à digitalização e ao uso dos sistemas informatizados para a guarda e manuseio dos documentos dos prontuários dos pacientes,
autorizando a eliminação do papel e a troca de informação identificada em saúde. Disponivel em: <http://www.portalmedico.
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10. Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (SBIS) e Conselho Federal de Medicina (CFM), 2012. Cartilha sobre prontuário
eletrônico. CFM e SBIS. Disponível em: http://portal.cfm.org.br/crmdigital/Cartilha_SBIS_CFM_Prontuario_Eletroni-
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11. American Society of Anesthesiologists. Documentation of Anesthesia Care – Sample Forms. Manual for Anesthesia Depart-
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12. Pronovost P, Vohr E. Safe Patients, Smart Hospitals. How one doctor’s checklist can help us change health care from the inside
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84 | Segurança do Paciente e Prática Médica


Capítulo 11

A Importância da
Simulação com Foco na
Segurança do Paciente
em Cirurgia
João Henrique Silva
A Importância da Simulação com Foco na Segurança do
Paciente em Cirurgia
A medicina e a anestesia em geral atravessam fase de turbulência em que os danos evitáveis em
pacientes hospitalizados alcançaram números alarmantes.
O livro “Quando Errar é humano: construindo um sistema de saúde mais seguro” foi publicado, em
1999, pelo Institute of Medicine (IOM), havia 98 mil eventos adversos evitáveis a cada ano entre os
pacientes internados. O alerta motivou a Organização Mundial da Saúde (OMS) e toda a comu-
nidade de saúde à procura de causas. Entretanto, atualizando para 2013, observa-se um aumento
para 210 mil eventos anuais, podendo ser considerada a terceira causa de morte.
Nas raízes da problemática encontram-se aspectos culturais e humanos. Reagindo contra essa
constatação, a palavra de ordem nas instituições hospitalares atual é promover melhor qualidade
e segurança, principais armas contra os riscos latentes nas mencionadas instituições; como conse-
quência, poupam-se vidas e economizam-se recursos1.
A mudança ou o acréscimo de cultura que se acredita necessário e - espera-se! - resultará em
hospitalizações menos inseguras, tem na área da aviação um exemplo a ser seguido, de efetiva
transformação2 . Nos últimos 30 anos houve, na navegação aérea, importantes mudanças geradas
pelo entendimento de que, por exemplo, a hierarquia entre os membros de uma aeronave em
que o comandante, considerado o chefe supremo, não aceitava críticas ou contestações das suas
ações causavam, por si só, muitos acidentes. O processo cultural que se iniciou então, com muitas
barreiras humanas, foi no sentido de o que realmente garantia manejo mais seguro era o bom
treinamento e a otimização do relacionamento entre os membros das equipes. Mais tarde passou-
-se a entender que toda corporação deveria ter o mesmo tratamento contínuo e permanente. Com
o avanço tecnológico paralelo reputa-se ao processo cultural a contínua diminuição dos acidentes.
Outra área de atividade que também evoluiu a cultura de segurança cuja lição deve ser apren-
dida é a das usinas atômicas. A utilização da simulação, nessas áreas, nos mais diversos níveis de
aprendizado e treinamento, vem incorporando sucessivos e importantes acréscimos de regras,
apreendidas e compartilhadas universalmente, que envolvem o manejo do risco, atitudes huma-
nas, comportamentos, avaliação de situações de fragilidades, tratamento de catástrofes.

O pioneirismo na simulação da anestesia3


• Em 1920, John Lundy, da Mayo Clinic, implementou o laboratório com cadáveres.
• Em 1950, Peter Safar desenvolveu a técnica boca a boca para reanimar, oxigenar e ventilar
vítimas de parada cardíaca com tórax fechado. Criou, com Bjorn Lind e Asmund S. Laer-
dal, o simulador Resusci Anne.
• Em 1960, Judson Samuel Denson, anestesista, construiu em equipe o manequim simu-
lador SIMone, com movimentos de respiração, de abertura dos olhos etc. controlado por
computador, possibilitando imitar desde as funções de uma máquina de anestesia até o
treinamento em via aérea.
• Na década de 1980, David Gaba com Jeffrey Cooper, independentes, desenvolveram ma-
nequins simuladores. Na mesma época é formada a APSF, fundação que visa a segurança
do paciente em anestesia.
• Na Flórida, Michael Good e J. S. Gravenstein projetaram o Gainesville Anesthesia Simulator
(GAS), modelo sofisticado que imita a distribuição de gases anestésicos e drogas endovenosas.

86 | Segurança do Paciente e Prática Médica


• Em 1994, Dr. Cooper, com a cooperação de Dr. Gaba, em Harvard, iniciou o primeiro
centro dedicado ao ensino de Anesthesia Crisis Resource Management (ACRM) denomina-
do Boston Anesthesia Simulation Center (BASC). O curso se tornou obrigatório a cada três
anos para os anestesistas.

Definições
Dr Gaba, de Stanford4, considera a simulação um processo de instrução. Define como “uma
técnica, não tecnologia, que lembra ou amplifica experiências reais com experiência guiada que
evoca ou replica aspectos substanciais do mundo real com total maneira interativa”.
Introduziu o treinamento da ACRM, evolução do Cockpit (cabine) Resource Management
(CRM), iniciado em aviação. Significava que, ao longo dos anos, o primeiro termo passou para crew
(tripulação); depois, company (companhia) e, finalmente, corporate (corporativo), destacando que
a responsabilidade e a segurança são produtos da soma de todos os esforços de uma corporação.
A evolução do treinamento em CRM, na aviação, iniciou com a fase reativa (investigação
de acidentes) e seguiu para a fase proativa (construção de barreiras). Na sequência, a fase
preditiva (análise integrada de todas as fontes de dados) cujo objetivo era antever acidentes
diagnosticando fragilidades.
O embasamento cultural é que o ser humano falha. Em consequência, o sistema que é dese-
nhado sem essa percepção sempre sofrerá com os erros humanos. Esse reconhecimento na aviação
foi iniciado com a substituição da arrogância pela humildade, conceito que, transposto para a
medicina, transformou-se em verdadeira barreira.
A principal função de um sistema de simulação é a análise e a discussão com alunos dos ce-
nários possíveis em uma anestesia com ações e condutas discutidas, avaliando-se em vídeo os
desempenhos com tutoriais proativos corretivos dos erros.
Existe a percepção, no exercício dessa atividade, que a curva de aprendizado, entre outros be-
nefícios, para muitos procedimentos pode ser abreviada.
Na atualidade, em sentido amplo, simulação é a imitação de um ato ou sistema por outro.
Nossos propósitos permanentes em ensino são: educação (expor material para conhecimento e
treinamento), avaliação (examinar competência, curva de aprendizado), pesquisa (situações com-
plexas, doenças raras e tratamentos, equipamentos) e integração dos sistemas de cuidados (com o
objetivo de favorecer a segurança do paciente). Além disso, apreender com os erros.
Muitas vezes, quando se fala em simulação, tem-se a ideia de uma cabine sofisticada de aviões
de voo simulado, onde hoje os pilotos cumprem parte de seus programas de exercício. O ambiente
de simulação pode ser uma discussão entre os participantes desde uma mesa até em cena o mais
realística e tecnológica possível
O comportamento humano em um palco que imita a realidade, desde a mais simples até outra
mais dramática, é provocado com atitudes que se alteram quando sob pressão, cujas respostas po-
dem ser avaliadas desde o âmbito psicológico, suas efetividades nos cuidados do paciente e serão
corrigidas sempre que inadequadas.
Hoje, qualidade e segurança do paciente são, também, entendidas como o sinal vital da insti-
tuição hospitalar5. As oportunidades oferecidas na operacionalidade de um programa de aprendi-
zado com simulação traz um instrumento permanente que garante o dito sinal vital. As atividades
humanas de risco, em que o erro humano está sempre ameaçando os resultados à promoção de
qualidade com ferramentas de ensino e treinamento constantes, são barreiras evitando erros ou
mitigando danos.

A Importância da Simulação com Foco na Segurança do Paciente em Cirurgia | 87


A simulação tem, como educação, por exemplo, construir uma ponte entre uma experiência
clínica real e a sala de aula.
As possibilidades estão desde o uso de bloqueios, punções em materiais assemelhados aos teci-
dos humanos até laringoscopia em bonecos realísticos, filmes desafiantes em situações de risco e
as atitudes a serem tomadas, reconhecimento e análise dos erros cognitivos frequentes6 com medi-
das preventivas, urgências nos diversos cenários, fundamentalmente sem causar dano ao paciente.

Acessibilidade e oportunidade de aprendizado3


Características do uso da simulação que contribuem efetivamente para o aprendizado:
• feedback: o dado mais importante;
• prática repetitiva;
• vários graus de dificuldade (progresso do aprendizado);
• múltiplas estratégias empregadas;
• variações clínicas;
• controle do ambiente;
• individualização do aprendizado;
• resultados definidos, banco de dados;
• ambiente realístico;
• integração ao currículo.

Os pontos-chave do programa de Anesthesia Crisis Resource Management (ACRM):


• conhecer o ambiente;
• antecipar planos;
• chamar por ajuda cedo;
• exercitar liderança;
• distribuir trabalhos;
• mobilizar todos os recursos disponíveis;
• prevenir e manejar erros de fixação;
• dupla checagem;
• usar artifícios de ajuda cognitiva;
• reavaliar repetitivamente;
• usar uma boa relação na equipe;
• alocar atenção com sabedoria;
• determinar prioridades com dinamismo.

O uso de simulação no ensino


No mundo real, para iniciar programa de residência em anestesia, são programados estágios
em disciplinas em que a maioria das vezes o encontro do aprendiz com o ambiente real é por vezes
perturbador. O professor terá dupla tarefa cuidar do paciente e do aluno. Por sua vez, os alunos em
grupos podem ser levados ao ambiente simulado obtendo ganhos tanto psicológicos, com apren-
dizado de rotinas, como habilidades técnicas necessárias trazendo mais eficiência e segurança aos
procedimentos futuros. Customiza-se o ensino e o aprendizado e avalia-se o resultado. A ética de

88 | Segurança do Paciente e Prática Médica


ensinar ao iniciante manobras que sabidamente podem causar dano, sem um mínimo de treina-
mento fora do ambiente cirúrgico, pode em futuro próximo ser questionada, implicando novas
regras em que a simulação vai ser requerida.

Uso da simulação como avaliação


Sabe-se que os domínios da competência são: conhecimento (conhecer), competência (saber
como), performance (mostrar como), agir (saber fazer).
A avaliação por escrito por provas tem seus objetivos e limitações que em cenário que imita
a realidade expande as possibilidades de exame mais acurado. A simulação já faz parte, desde
2010, do processo de manutenção do certificado em anestesiologia Maintenance of Certification
in Anesthesiology (MOCA) da American Society of Anesthesiologists (ASA), em programas certifi-
cados pela sociedade. Segue-se o exemplo de outras especialidades que rotineiramente o fazem.
Os programas Advanced Cardiac Life Support (ACLS), Basic Life Support (BLS), Advanced Trauma
Life Support (ATLS), entre outros, nos quais são consagrados os treinamentos e as avaliações de
competência realizados em ambientes de simulação que necessitam periodicamente de reavalia-
ção e recertificação.
Atualizando conhecimentos e suscitando práticas seguras à luz de evidências, associações,
hospitais, programas de acreditação reconhecem e exigem como peça de segurança fundamental o
contínuo processo de qualificar o atendimento em todos os níveis, verificando também a validade
e a correta recertificação. Companhias de seguro contra má prática oferecem incentivos como
prêmio aos anestesistas que participam nos cursos de ACRM 3. Ademais, investigação preliminar
utilizando a simulação como método aponta para identificar as lacunas na performance segura
dos residentes7-9, possibilitando assim complementação educacional em áreas consideradas falhas.

Simulação como pesquisa


O uso como laboratório de pesquisa, desde avaliar materiais novos para liberar o uso na prática,
certificar a robustez e a eficiência anunciadas pelo fabricante, comparar equipamentos semelhan-
tes, é de fundamental importância em instituições para racionalizar e identificar o custo-benefício
para garantir sobretudo a segurança.

O exercício da simulação como estratégia na segurança do paciente:


evidências de intervenção
Em revisão sistemática foram selecionados 38 estudos10 que reportam resultados durante os
cuidados de pacientes reais após intervenção de equipes treinadas em simulação. Embora as metodo-
logias sofram variações, em geral a intervenção da simulação melhora a performance de indivíduos e
de times durante eventos críticos e procedimentos complexos. Entretanto, as evidências de melhores
resultados nos cuidados de pacientes atribuídas aos exercícios de simulação são limitadas.
Existem conceitos básicos que não dependem de estudos, como os de que a experiência faz
diminuir os erros, a reflexão sobre performance melhora a competência, a habilidade diminui
com a falta de prática requerendo reforço educacional; situações raras exigem novos treinamentos
mesmo para anestesistas capacitados em outras frentes.
A simulação pela versatilidade permite potencialmente atender às diversas necessidades de
competências em situações complexas.
O desafio é saber o melhor método de simulação para o objetivo de aprendizado desejado.
Além disso, os fatos consciência situacional e comunicação entre os membros de uma equipe in-

A Importância da Simulação com Foco na Segurança do Paciente em Cirurgia | 89


tegram o real cenário do ato. Hoje, os fatos citados são objeto de constante busca pelas melhores
estratégias com programas específicos.
Já nos casos de atividades de equipes multidisciplinares as inter-relações são complexas, con-
sequentemente os exercícios e as avaliações estão em franca evolução. Acredita-se que haja neces-
sidade de estudos de longo tempo para evidenciar o resultado de uma intervenção com simulação
na segurança do paciente. Pondera-se ainda que, quando uma vida humana depende de uma boa
performance e de um operador responsável, não podemos esperar, eticamente, por uma prova
inequívoca, se é que vai haver, que seja utilizada na prática.
A procura constante da efetividade de estratégias para segurança do paciente passa por análise
profunda em que se busca quais devem ser priorizadas. Segundo revisão recente11, a simulação,
nesse sentido, ocupa espaço entre as medidas, que devem ser encorajadas, de adoção imediata para
a melhoria da qualidade e respectivos resultados em medicina.

Promovendo cultura de segurança em ambientes de simulação como estratégia


de ensino
A promoção de cultura de segurança tem sido apontada como modo de diminuir mortalidade, re-
duzir eventos adversos criando clima de segurança. A agência de saúde Agency for Healthcare Research
and Quality (AHRQ) cataloga 5.665 artigos relatados com o fato. Disponibiliza roteiro para implemen-
tação de programa com simulação de promoção de cultura de segurança e treinamento de equipes12.
Outra instituição como o Institute Armstrong da Johns Hopkins13 oferece cursos presenciais ou
online de simulação em cultura de segurança em hospitais, resultado de programas bem-sucedidos
na área, reconhecidos internacionalmente (por exemplo, barreiras para evitar infecção aos acessos
venosos centrais, salvando vidas e economizando recursos) nascidos na própria organização.
As evidências que os programas de cultura de segurança efetivamente resultam em melhores
resultados não são conclusivas. Estratégias de treinamento de equipes e exercício da melhoria
de comunicação (principal causa de eventos graves) são os caminhos nos quais a comunidade
científica aposta e está em desenvolvimento em ambientes de simulação. Há instituições como a
Johns Hopkins, citada anteriormente, que desenvolvem programa de implementação de cultura
de segurança com avaliações periódicas dos resultados e retreino agendados. Acredita-se que o
limiar para evidência em medicina pode necessitar de uma diferente maneira de medir além das
que hoje praticamos, como a presente.

O exemplo de como fatores humanos e de equipe afetam a segurança dos


pacientes em cirurgia cardíaca; como a simulação entra no contexto
A American Heart Association (AHA) publicou declaração inédita em 201314 sobre a segurança
do paciente em cirurgia cardíaca, fatores humanos e trabalho em equipe. A publicação revela que
a incidência de eventos adversos é de 12% em cirurgia cardíaca comparados com 3% em outras
cirurgias. Gawande estima que, desse número, 54% são evitáveis.
Avaliando que haja de 350 mil a 500 mil cirurgias cardíacas nos Estados Unidos, a cada ano
teremos 28 mil eventos, ou seja, 1/3 dos óbitos podem ser passíveis de prevenção.
Os estudos de intervenção para melhorar são incipientes. A comunicação entre os membros é
apontada como responsável em 87% das ocasiões dos eventos.
A interrupção do fluxo normal numa cirurgia é comum. Os pequenos desvios, avaliados entre
11% e 17%, são originados por falhas de equipe e causadores consequentes de erros cirúrgicos
maiores. Ou seja, a soma de pequenos erros limita a habilidade de compensar os maiores.

90 | Segurança do Paciente e Prática Médica


Detectou-se também que, nos times familiarizados, as falhas podem ocorrer em 5,4% por caso;
e, nos não familiarizados, o índice sobe para 15,4% por caso.
No preparo de equipes a simulação tem poder de aprendizado importante. Foi demonstrado
que em 189 mil pacientes houve diminuição de mortalidade como resultado do treinamento
de equipes.
Exercitar equipes, timeouts, checklists, discussão do caso, comunicação estruturada com pro-
tocolos de passagem entre cuidadores dos pacientes, melhoria proativa do clima entre os membros
da equipe e simulação vêm ganhando espaço importante.
As habilidades técnicas e não técnicas são passíveis de treinamento, e os equipamentos de
simulação estão em franca evolução e sofisticação. Por exemplo, manequins para aprendizado da
ecocardiografia transesofágica estão disponíveis. A título de ilustração, a SBA adquiriu um mode-
lo que é usado em seus cursos, com evidente papel na formação de habilidades.

O uso de simulação para treinamento em manuais de emergência


Manual de emergência em anestesia na sala de cirurgia é uma aspiração antiga. Stanford, por
exemplo, tem modelo, amadurecido ao longo de 10 anos, que disponibilizou a comunidade anes-
tésica em novembro de 201315-17.
É possível fazer o download do Manual, atualizado em junho de 2014, obedecendo às regras
lá expostas. Para a utilização desse recurso é necessário treinamento simulado para que a equipe
tenha conhecimento dos conteúdos, exercite cada situação específica de como manejar, quem
deve ler a lista dos diagnósticos e os passos do tratamento. Construída como verdadeira ciência
da implementação para que, objetivamente, se torne ferramenta prática, atividades comuns em
aviação como o uso da leitura dos protocolos e o checklist durante os eventos, em que sabidamente
a memória falha, são atos importantes.
A exemplo de outros ambientes como emergência, os protocolos que ajudam as decisões clíni-
cas já são rotina em vários serviços. Considera-se dispor um Manual como o de Stanford ao lado
do carro de anestesia.
A redescoberta que os aspectos humanos que permeiam as relações entre os profissionais e
os pacientes são os pilares para o bom resultado de qualquer tratamento destaca o conceito que a
empatia gera comprometimento e atenção mais acurada nos cuidados do paciente gerando con-
sequentemente mais segurança. Existem campanhas que ressaltam que tentar ver, sentir como
veem e sentem os pacientes pode mudar comportamentos melhorando os cuidados e - quem sabe?
– venham a ajudar a reverter o quadro desfavorável dos eventos adversos atual.
A Cleveland Clinic lidera o projeto Transforming Healthcare Through Empathy and Innovation
(o quinto ano do congresso foi em maio de 2014). Vídeos disponíveis destacam a importância da
empatia18-19, a qual está situada entre as atitudes humanas talvez mais desejáveis em quem lida com
pacientes. Por isso é merecedora de um programa específico em ambientes de simulação.
Os paradigmas de educação e treinamento em anestesia estão sendo desafiados. O aprendi-
zado por objetivos ou metas, em franca evolução, substituirá o aprendizado com base no tempo.
Projeta-se que em breve este será o fundamento de construção dos currículos20,21. A objetividade
e a real percepção de que o conhecimento, a habilidade e as atitudes desenvolvidos com harmonia
realmente resultam em maior segurança e menor mortalidade em nossos blocos cirúrgicos devem
ser os destaques culturais da nova era. Em contrapartida, o rápido desenvolvimento da simulação
como instrumento cultural em inúmeras situações de treinamento e aprendizado torna difícil
avaliar o resultado ao se tentar melhorar a segurança dos pacientes22 .

A Importância da Simulação com Foco na Segurança do Paciente em Cirurgia | 91


No entanto, os custos da mobilização de recursos para criar ambientes de simulação para o
treinamento de equipes em todos os níveis de atendimento hospitalar, melhorando a performance
e incentivando a cultura humanística da missão maior de cuidar de vidas, são infinitamente meno-
res que as consequências dos óbitos e danos resultantes da má prática.

Referências bibliográficas:
1. Pronovost P, Vohr E. Safe Patients, Smart Hospitals. How one doctor’s checklist can help us change health care from the inside out.
New York, Hudson Street, 2011.
2. Gordon S, Mendenhall P, O’Connor BB. Beyond the Checklist: What else health care can learn from aviation teamwork and safety.
Ithaca, NY, ILR Press, 2012.
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4. Gaba DM. Improving anesthesiologists’ performance by simulating reality. Anesthesiology, 1992;76:491-4.
5. Koch CG. The new organizational vital sign: quality and patient safety. IARS review course lectures 2013;17-18.
6. Stiegler MP, Tung A. Cognitive process in anesthesiology decision making. Anesthesiology, 2014;120:204-17.
7. Blum RH, Boulet JR, Cooper JB et al. Simulation-based assessment to identify critical gaps in safe anesthesia resident performan-
ce. Anesthesiology, 2014;120:129-41
8. Simões CM, Vieira JE. A Simulação Realística em Anestesia: Destaque no Ensino-Aprendizado da Segurança, em: Salman FC,
Diego LAS, Silva JH et al. Qualidade e Segurança em Anestesiologia. Rio de Janeiro, Sociedade Brasileira de Anestesiologia,
2012;98-102.
9. Dieckmann P, Krage R. Simulation and psychology: creating, recognizing and using learning opportunities. Curr Opin Anaes-
thesiol, 2013;26:714-20.
10. Weaver SJ, Lubomski LH, Wilson RF et al. Promoting a culture of safety as a patient safety strategy: a systematic review. Ann
Intern Med, 2013;158:369-74.
11. Shekelle PG, Pronovost PJ, Watchter RM et al. The top patient safety strategies that can be encouraged for adoption now. Ann
Intern Med, 2013;158:365-8.
12. Agency for Healthcare Research and Quality. Improving safety through simulation research. Disponível em: http://www.ahrq.
gov/research/findings/factsheets/errors-safety/simulproj11 /index.html
13. Amstrong Institute for Patient Safety and Quality. Disponível em: www.hopkinsmedicine.org/armstrong_institute/
14. Wahr JA, Prager RL, Abernathy JH ET al. Patient safety in cardiac operation room: human factors and teamwork. A scientific
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15. Gaba DM. Perioperative cognitive AIDS in anesthesia: what, who, how, and why bother? Anesth Analg, 2013;117:1033-6.
16. Marshall S. The use of cognitive aids during emergencies in anesthesia: a review of the literature. Anesth Analg, 2013;117:1162-71
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care during acute events? Analg Anesth, 2013;117:1149-61.
18. Cleveland Clinic. Empathy: the Human Connection to Patient Care. Disponível em: www.youtube.com/watch?v=cDDWvj_q-o8
19. Cleveland Clinic’s Empathy Series Continues -- Patients: Afraid and Vulnerable. Disponível em: www.youtube.com/
watch?v=1e1JxPCDme4
20. Ebert TJ, Fox CA. Competency-based education in anesthesiology: history and challenges. Anesthesiology, 2014;120:24-31.
21. Beeson MS, Vozenilek JA. Specialty milestones and the next accreditation system: an opportunity for the simulation community.
Simul Healthc, 2014;9:184-91.
22. LeBlanc VR. Review article: simulation in anesthesia : state of the science and looking forward. Can J Anesth, 2012;59:193-202.

92 | Segurança do Paciente e Prática Médica


Capítulo 12

Como Praticar a
Segurança do Paciente
no Centro Cirúrgico em
Situações de Catástrofe
Erick Freitas Curi
Carla Vasconcelos Cáspar Andrade
Carlos Eduardo David de Almeida
Como Praticar a Segurança do Paciente no Centro
Cirúrgico em Situações de Catástrofe

Introdução
O conceito de catástrofe baseia-se em três componentes: afluxo intenso de vítimas, destruição
de ordem material e desproporcionalidade acentuada entre o número de vítimas e os recursos
humanos e materiais de socorro.
Desastre é uma situação em que o número de vítimas excede a capacidade de atendimento.
No entanto, quando temos a ocorrência em dimensões maiores, com o envolvimento do meio
ambiente com dificuldades de comunicação, transporte, abastecimento, infraestrutura e logística,
caracterizamos uma catástrofe¹.
É um evento imprevisível e geralmente súbito, que causa grande dano, destruição e sofrimento
humano. Embora muitas vezes ocasionado pela natureza, os desastres podem ter origens huma-
nas. Guerras e distúrbios civis que destroem terras e deslocam as pessoas estão incluídas entre as
causas. Outras causas podem ser: desabamento de edifício, nevasca, seca, epidemia, terremoto,
explosão, incêndio, inundação, incidente com transporte de material perigoso, furacão, acidente
nuclear, tornado ou vulcão².
Há o registro de 357 desastres naturais em todo o mundo no ano de 2012, excluindo desas-
tres biológicos. Nesse ano, houve 9.655 mortes, 124,5 milhões de vítimas e um dano estimado
de 157 bilhões de dólares. De acordo com a divisão geográfica mundial, a Ásia evidencia o
maior número de incidentes de desastres (40,7%), seguida pelas Américas (22,2%), pela Europa
(18,3%), África (15,7%) e Oceania (3,1%). Já em relação ao número de vítimas, o território da
Ásia apresentou 64,5% das vítimas, seguido pela África (30,4%). No Brasil, no mesmo ano³,
estima-se a cifra de 1,6 bilhão de dólares de prejuízo com desastres naturais, principalmente de
origem climatológica ou hidrológica.
A modernização da sociedade trouxe ainda mais riscos potenciais de ocorrências de catás-
trofes. Entre elas, a aglomeração de pessoas; a ocupação em áreas de risco de inundação ou na
proximidade de aeroportos; meios de transportes modernos com alta capacidade de transporte
de pessoas e em alta velocidade; aumento da agressão ao ambiente; agravamentos das condições
socioeconômicas; geração de conflitos e número elevado de trabalhadores de indústrias com alta
periculosidade constituem as principais ameaças.
Catástrofe caracteriza um evento que supera a capacidade local de atendimento, necessitando
de ajuda em nível nacional ou internacional. Devido às inúmeras esferas atingidas, com prejuízo
do abastecimento de suprimentos, da comunicação, dos transportes e do acesso local, sua ocorrên-
cia gera caos que afeta todos os órgãos de resposta, destruindo toda a estrutura física e a logística
de intervenção.

Intra-hospitalar versus inter-hospitalar


No atendimento hospitalar, catástrofe é aquela situação em que as necessidades de atendi-
mento excedem os recursos materiais e humanos imediatamente disponíveis. Nesse caso, há a
necessidade de medidas extraordinárias e coordenadas para que a qualidade de atendimento seja
mantida. É um desequilíbrio entre os recursos disponíveis e os imprescindíveis para o atendimen-
to, de modo que, quanto maior for esse desequilíbrio, mais sérias serão as consequências para as
vítimas do evento. Normalmente as catástrofes exigem ajuda externa.

94 | Segurança do Paciente e Prática Médica


A Joint Commission reconhece a importância da criação de um plano hospitalar para atendi-
mento ao afluxo massivo de vítimas. A criação intra-hospitalar de um plano de atendimento a de-
sastres e catástrofes deve estabelecer ações que garantam recursos humanos e materiais adicionais
para atendimento às vítimas4.
A existência de um plano de atendimento a desastres e catástrofes que atenda às possíveis
necessidades locais é imprescindível na esfera inter-hospitalar. Note-se que esse plano deve inter-
-relacionar os hospitais da rede de atendimento na esfera regional. Como objetivo, tem-se um aten-
dimento setorizado e bem determinado ao atendimento pré-hospitalar para otimização do fluxo.
Assim, vítimas de cada tipo de desastre serão encaminhadas a centros hospitalares especializados
e capacitados qualitativa e quantitativamente às demandas específicas.

Plano de atendimento a desastres e catástrofes


O plano de atendimento a catástrofes abrange todo o complexo hospitalar da instituição, com
ações específicas em cada área de atuação. Tem como objetivo principal adequar recursos huma-
nos, logística e estrutura física à demanda extraordinária. Para tanto, cada hospital deve conhecer
sua capacidade de oferta basal e potencialmente expansível.
A mobilização de recursos deve ser proporcional à magnitude da demanda. Assim, o protocolo
de cada centro hospitalar deve determinar graduações de respostas de acordo com o número de
vítimas que excedam a capacidade usual de atendimento.
A definição de uma resposta deflagrada na emergência envolve identificação e tratamento
das vítimas, redução do impacto secundário para a comunidade (por exemplo, a prevenção de
disseminação de doenças), além do controle dos efeitos negativos de uma situação emergencial5.
Portanto, deve ser desencadeada uma ativação de resposta diretamente compatível com o tama-
nho do evento.

O anestesista e o plano de atendimento a catástrofes


No plano de atendimento a catástrofes, são fases do processo: a determinação do plano de
resposta específica à demanda, notificação intra-hospitalar e extra-hospitalar, ativação do centro
de gerenciamento de crises, triagem e tratamento.
O coordenador da equipe de anestesia participa ativamente do processo em diversas esferas, de
tal forma a otimizar o atendimento e manter a segurança do paciente no centro cirúrgico. É indispen-
sável que ele tenha conhecimento das ações necessárias a cada tipo de resposta hospitalar ativada.
Uma das principais adversidades enfrentadas em situações de desastre é a limitação de recursos
humanos. No plano de contingência deve conter gestão de mobilização de anestesistas em caráter
emergencial. Essa solução pode passar por mobilização interna de profissionais já presentes no
hospital e convocação extra de anestesistas do próprio corpo clínico ou até mesmo da região.
O cancelamento de cirurgias eletivas não iniciadas, o recrutamento de anestesistas escalados
nos outros setores hospitalares não emergenciais para o centro cirúrgico e o bloqueio da liberação
de turnos são medidas utilizadas para aumentar o número de profissionais disponíveis no centro
cirúrgico para atender às vítimas. Em desastres de maiores magnitudes, são necessários anestesis-
tas escalados extraordinariamente.
No âmbito estrutural, ocasionalmente o ambiente de centro cirúrgico pode não ser suficiente
para o número de pacientes que necessitem de abordagem urgente. Na impossibilidade de transfe-
rência hospitalar segura, pode ser necessária a utilização de outros ambientes hospitalares adapta-
dos a procedimentos cirúrgicos, entre os quais salas de estabilização e unidades de terapia inten-

Como Praticar a Segurança do Paciente no Centro Cirúrgico em Situações de Catástrofe | 95


siva6. Nessas circunstâncias, apesar de ambiente adaptado, é imprescindível manter a segurança
do paciente em termos de pessoal treinado e equipamentos exigidos na legislação vigente. Para
tanto, deve-se ter um planejamento prévio no plano de atendimento a catástrofes a disponibilizar
tais recursos.
Havendo a possibilidade, dentro de total segurança do paciente, é desejável um planejamen-
to anestésico que possibilite um pós-operatório seguro e que promova recuperação acelerada,
e monitorização intensiva reduzida. Nesse contexto, a preferência por técnicas anestésicas com
bloqueios periféricos e o uso de fármacos de meia-vida curta podem otimizar significativamente a
capacidade de atendimento do centro cirúrgico e da sala de recuperação pós-anestésica.
Em situações em que a demanda de pacientes excede a capacidade hospitalar máxima, pode-se
lançar mão da transferência de pacientes após o atendimento inicial, a estabilização ou até mesmo
no período pós-operatório. Essa transferência deve contar com o apoio de equipes de transporte
tanto terrestre quanto aéreo treinadas e disponíveis, além de integração e gestão inter-hospitalar,
providenciando destino adequado a cada vítima.
É de suma importância para a execução de anestesia segura e para o bom atendimento ao pa-
ciente, o suporte adequado de áreas de apoio. Nesse caso, o banco de sangue deve estar ciente
e preparado para o atendimento. Inclui a pronta disponibilidade de estoque e acionamento de
outras agências transfusionais para apoio e garantia de fornecimento. O laboratório de análises
clínicas, a farmácia hospitalar e o arsenal cirúrgico também devem estar preparados para suprir
toda a demanda extra nesses casos.

Treinamento e simulação
O sucesso do atendimento está condicionado ao treinamento e domínio do plano por toda a
equipe do hospital7. Em se tratando de situações imprevisíveis, é necessário que o corpo clínico
e pessoal de apoio sejam treinados integral e periodicamente. A realização de eventos simulados
tem como objetivos fornecer subsídios para análise e validação do plano; treinamento da equipe
multiprofissional; identificação de falhas e implementação de ações de aperfeiçoamento. Nessas
simulações devem ser avaliados a agilidade no acionamento do plano, o comportamento e as ações
do grupo, a eficácia das ações de controle, a integração da equipe multidisciplinar e, por fim, a
sequência do desencadeamento das ações planejadas.

Referências bibliográficas:
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2. Richter PV. Meeting a Requirement or Preparing for the Worst? In: American Society for Healthcare Engineering. Hospital
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3. Guha-Sapis D, Hoyois P, Below R. Annual Disaster Statistical Review 2012. The numbers and trends. Brussels, CRED, 2013.
Disponível em: http:<//www.cred.be/sites/default/files/ADSR_2012.pdf>
4. Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations. Surge HospitalS: Providing Safe Care in Emergencies. 2006.
Disponível em: <http://www.jointcommission.org/assets/1/18/surge_hospital.pdf>
5. Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations. Standing Together: An Emergency Guide for American´s
Communities. 2005. Disponível em: <http://www.jointcommission.org/assets/1/18/planning_guide.pdf>
6. Piper GL, Maerz LL, Schuster KM et al. When the ICU is the operating room. J Trauma Acute Care Surg, 2013;74:871-5.
7. Briggs SM. Disaster management teams. Curr Opin Crit Care, 2005; 11:585-9.

96 | Segurança do Paciente e Prática Médica


Capítulo 13

Avaliação de Tecnologia
em Saúde e a Segurança do
Paciente – Qual a interface?
Luis Antonio dos Santos Diego
Marisa Santos
Avaliação de Tecnologia em Saúde e a Segurança do
Paciente – Qual a interface?

Introdução
O avanço tecnológico observado permitiu a incorporação de diversas tecnologias na área da
saúde, não só de novos medicamentos, mas também de equipamentos, dispositivos e processos de
cuidado. A velocidade da inovação tecnológica é marcante e vem determinando a maior necessi-
dade de se rever, diuturnamente, as práticas e os modelos de gestão nas organizações em geral. Na
saúde, a utilização da tecnologia contribui para o aumento dos custos no setor gerando impacto
no macro e micro orçamento, o que torna a avaliação da incorporação de tecnologias uma neces-
sidade cada vez maior para o desenvolvimento de uma economia saudável e com maior benefício
para a sociedade.
A anestesiologia também vem se beneficiando do avanço tecnológico e com repercussão na que-
da da mortalidade1. Contudo, a utilização dessas tecnologias vêm sendo objeto de estudos, muitos
dos quais não apresentam evidências científicas que permitam correlação entre sua utilização e o
desfecho almejado2,3 e até mesmo a possibilidade de efeito deletério4,5, apesar de continuarem a
ser utilizados na prática clínica. Outro problema também observado é a utilização de tecnologias
fora das condições para as quais, nos estudos clínicos, mostraram-se eficazes6. O gerenciamento
da tecnologia em saúde é complexo e exposta a vários fatores que podem influenciar não só a sua
incorporação como a sua substituição.
Após uma breve apresentação do escopo da Avaliação Tecnológica em Saúde (ATS), e sua
inserção nacional, serão apresentados alguns dos conceitos mais usuais e relevantes para o enten-
dimento da aplicação de seus métodos de estudo.

O que é ATS?
A ATS pode ser conceituada como um conjunto de métodos que estuda as consequências de
curto, médio e longo prazos da aplicação de uma tecnologia de cuidados à saúde7. Por tecnologias
em saúde, considera-se não só medicamentos e equipamentos, mas também produtos biológicos
diversos, dispositivos e instrumentos, além de os próprios procedimentos médicos e cirúrgicos.
E ainda, quaisquer sistemas de apoio como cuidados domiciliares e também sistemas gerenciais,
como, por exemplo, listas de verificação de procedimentos, formulários terapêuticos, programas
de saúde, protocolos assistenciais, etc.8
A ATS, com base em evidências científicas e, mais especificamente, a análise de custo-
-efetividade, permitem ao gestor de saúde o melhor planejamento dos recursos, além de poder
acompanhar todo o ciclo de vida das tecnologias, desde a inovação, difusão, incorporação e,
por fim, sua obsolescência9. Ao mesmo tempo, o anestesiologista clínico poderá, por meio de
guias e diretrizes baseadas em evidências, observar uma melhoria da qualidade e segurança
de sua prática.
A decisão da incorporação, de modo efetivo, de determinada tecnologia, inicia-se na própria
seleção da tecnologia a ser utilizada. A análise comparativa dentre tecnologias semelhantes, as
quais se propõe em agir nos mesmos desfechos, faz-se, cada vez mais, necessária ante à demanda
por recursos financeiros cada vez mais concorridos. A identificação apropriada de condições espe-
cíficas de utilização tecnológica procura, antes de tudo, tornar o sistema de saúde mais eficiente e
igualitário a partir de processos de avaliação sistematizados.

98 | Segurança do Paciente e Prática Médica


A elaboração de avaliações de tecnologias baseadas em evidências científicas requer com-
petências ainda pouco difundidas na prática médica assim como uma atuação multidisciplinar,
incluindo a participação de epidemiologistas e de bioestatísticos, não sendo prerrogativa única da
medicina. São comumente utilizados métodos de análise e síntese do conhecimento, tais como
revisões sistemáticas e metanálises, mas também de dados primários de ensaios clínicos, os quais
comparam a eficácia de uma ou mais tecnologias diretamente em pacientes e em condições con-
troladas, e estudos observacionais. Já os estudos de custo-efetividade, são desenhados para definir
qual a melhor maneira de utilização dos recursos financeiros de um sistema de saúde, de modo que
possa se obter o maior benefício para a população com os recursos disponíveis.
A produção de ATS, conforme Diretrizes Metodológicas do MS (2013)10, apresenta-se sob
diversas formas: notas técnicas de revisão rápida (NTRR), pareceres técnico-científicos (PTC),
estudos de avaliação econômica (AE), revisões sistemáticas com e sem metanálise (RS), estudos
de impacto orçamentário, dentre outros. Há que se considerar, contudo, que esses métodos são
passíveis de vieses, responsáveis, muitas vezes, por distorções importantes e com consequências
desfavoráveis a partir do momento em que influenciam a tomada de decisão da incorporação clíni-
ca indevida. Assim, a adequação correta das evidências deve ser observada criticamente11.
Apesar da importância e complexidade, deve-se compreender que a ATS é um processo di-
nâmico, que requer rapidez na divulgação de seus resultados para a tomada de decisão efetiva no
mundo real (i.e., benefícios, riscos e custos)12 . Muito embora a ATS exerça a prática da Medicina
Baseada em Evidências (MBE), seu objetivo está direcionado para o uso comum, coletivo, enquan-
to a práxis da MBE encontra-se no individual. A experiência em ATS até o momento já revelou
inúmeros exemplos de boas práticas13,14.

Desenvolvimento da ATS
A ATS pode ser realizada tanto no setor público quanto no setor privado, mas, historicamente,
os pareceres de ATS são utilizados por organizações responsáveis por tomada de decisão princi-
palmente no setor público.
O “National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE)15” foi criado no Reino Unido
em 1999, como a organização em saúde pública com a competência para reduzir a variação na
disponibilidade e qualidade dos tratamentos e cuidados do “National Health System – NHS”
(Sistema Nacional de Saúde) e, desde então, vem realizando ATS com foco na efetividade clínica
e custo-efetividade, principalmente através do “Centre for Health Technology Evaluation”. Desde
2002, o NHS vem utilizando as publicações do NICE como orientações da prática clínica.
No Canadá o “Canadian Agency for Drugs and Technologies in Health (CADTH)”16 é uma
das organizações responsáveis pela divulgação das informações sobre ATS, com foco na qualidade
e sustentabilidade do sistema de saúde local. Outra agência é o “Institut National d’Excelence en
Santè et en Servives Sociaux (INESSS)17.
Na Alemanha, a “The German Agency for Health Technology Assessment (DAHTA)”18 elabo-
rou e mantém um banco de dados com informações relativas à avaliação tecnológica e custos de
procedimentos e tecnologias na saúde. O “Institut Für Qualität und Wirtschaftlichkeit im Gesun-
dheitswesen (IQWIG)19 é outra instituição que atua na Alemanhade em ATS forma independente.
No Brasil, a criação do DECIT (Departamento de Ciência e Tecnologia) em 2000, foi o marco
inicial para a Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde, durante a 12ª Conferência
Nacional de Saúde (2004). Mas só em 2007 que o Ministério da Saúde do Brasil, define ATS como o
“processo contínuo de análise e síntese dos benefícios para a saúde, das consequências econômicas e
sociais resultantes do emprego de tecnologias, considerando os seguintes aspectos: segurança, acu-

Avaliação de Tecnologia em Saúde e a Segurança do Paciente – Qual a interface? | 99


rácia, custo-efetividade e aspectos de equidade, impactos éticos, culturais e ambientais envolvidos na
sua utilização20”, e em 2009 institui a Política Nacional de Gestão de Tecnologias de Saúde com o ob-
jetivo de “maximizar os benefícios de saúde a serem obtidos com os recursos disponíveis, assegurando
o acesso da população a tecnologias efetivas e seguras...”. E nesse contexto, também inclui a intensão
de “sensibilizar os profissionais de saúde e a sociedade em geral para a importância das consequências
econômicas e sociais do uso inapropriado de tecnologias nos sistemas e serviços de saúde” 21.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA – é responsável pelo registro de medi-
camentos no Brasil por meio da Gerência Geral de Medicamentos (GGMED) e subgerências. En-
tretanto, cabe ao Departamento de de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde (DEGITS)
coordenar, em âmbito nacional, as ações de ATS, e para a geração e síntese de evidências científicas
no campo da ATS conta com uma rede de centros colaboradores e instituições de ensino e pesquisa
no país, denominada Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias em Saúde (REBRATS), cujo obje-
tivo é produzir e disseminar estudos e pesquisas prioritárias no campo da ATS, além de atividades de
Monitoramento do Horizonte Tecnológico. Para tanto, organiza-se em 5 Grupos de Trabalho: Prio-
rização e Fomento de Estudos; Desenvolvimento e Avaliação Metodológica; Formação Profissional
e Educação Continuada; Gestão da Informação e Comunicação; e Monitoramento de Horizonte
Tecnológico. Os Núcleos de Avaliação de Tecnologias em Saúde (NATS) criados em hospitais de
ensino foram estimulados com o objetivo de promover a formação profissional e educação continua-
da em ATS, principalmente na inclusão de novas tecnologias, na avaliação de tecnologias difundidas
e, principalmente, no uso racional dessas tecnológicas.
A CONITEC (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias) foi criada em 2011 pelo
Decreto 7.64622 e passou a ser o colegiado da estrutura regimental e permanente do Ministério da
Saúde, com o objetivo de assessorar o Ministério da Saúde nas atribuições relativas à incorporação,
exclusão ou alteração pelo SUS de tecnologias em saúde, bem como na constituição ou alteração de
protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas. A Lei 12.40123, também de 2011 veio adequar, nesse sen-
tido, a Lei 8080, a qual dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde,
a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes. Assim, a Lei 12.401, em seu Art.
19. O, determina a necessidade da existência de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas para a
dispensação, no âmbito do SUS, de medicamentos ou produtos necessários nas diferentes fases evo-
lutivas da doença ou do agravo à saúde de que tratam, bem como aqueles indicados em casos de perda
de eficácia e de surgimento de intolerância ou reação adversa relevante, provocadas pelo medicamen-
to, produto ou procedimento de primeira escolha. Faz a ressalva, contudo, que na falta de protocolo
clínico ou de diretriz terapêutica, a dispensação será feita com base nas relações de medicamentos
instituídas pelos gestores do SUS, seja no âmbito federal, estadual ou municipal. Posteriormente foi
criado pelo Decreto nº 7.797, de 30 de agosto de 2012, um departamento para gerenciar e coordenar
as atividades da CONITEC, o DEGITS (departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologia).
Em 2013, o Ministério da Saúde publica a portaria 264724 criando a Rede Brasileira de Centros
de Informação sobre Medicamentos (REBRACIM), ou seja, de centros colaboradores para execu-
ção de serviços e atividades direcionadas à produção e difusão de informação sobre medicamentos,
visando à promoção do uso racional desses produtos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

Algumas diferenças de ATS entre medicamentos e equipamentos


médico-assistenciais
A ATS de medicamentos e de equipamentos médico-assistenciais (EMA) podem compartilhar
alguns métodos, muito embora existam diferenças marcantes entre eles25. A ATS de medicamentos
utiliza, frequentemente, Estudos Clínicos Randomizados (ECR), enquanto nos EMA estes tipos

100 | Segurança do Paciente e Prática Médica


de estudos não sejam tão frequentemente encontrados. A limitação de recrutamento de pacientes
para esses estudos clínicos, tratando-se de medicamentos, apresenta maior viabilidade prática em
relação a equipamentos, assim como a possibilidade do uso de placebos e mascaramento do estu-
do. A avaliação de EMA sofre a influência da curva de aprendizado do usuário (“Learning Curve
Effect”), o que não ocorre na avaliação de medicamentos.

Segurança em ATS
A primeira questão que se impõe na ATS é a da segurança. A análise do impacto que a tecnolo-
gia impõe aos pacientes, principalmente em relação aos eventos adversos e risco toxicológico, mas
também em relação aos possíveis fatores que surgem tão somente na prática clínica.
O desenvolvimento de um medicamento novo têm na Fase I da pesquisa clínica, quando vem a
ser utilizado em seres humanos pela primeira vez, a segurança como objetivo precípuo. Geralmente
em indivíduos saudáveis e que não tenham a doença objeto do novo medicamento. São realizados
testes iniciais de ajuste de dose e via de administração, geralmente em um grupo de voluntários.
Também na Fase II, com maior número de participantes, os quais poderão se beneficiar do
medicamento, a segurança ainda é o foco principal, muito embora a eficácia (desempenho em
condição controlada) já seja acompanhada. Na Fase III, na qual são realizados estudos clínicos
com maior número de pacientes e multicêntricos, a segurança ainda é avaliada criteriosamente e
é determinante para o seu registro perante o órgão sanitário e consequente liberação comercial.
Após esses trâmites iniciais, o medicamento ainda será testado nos chamados estudos de Fase
IV, os quais têm o objetivo de vir a detectar eventos adversos e fatores de risco menos frequentes
que não foram observados nas fases anteriores (farmacovigilância). São estudos que muitas vezes
têm o objetivo de coletar evidências de benefício em relação a um outro medicamento já existente
para a mesma doença.
Durante o processo de ATS, a análise crítica dos desenhos dessas pesquisas é fundamental
e requer conhecimento em diversas áreas, principalmente na epidemiologia clínica, medicina
baseada em evidências e bioestatística.

Avaliação Econômica em Saúde (AES)


Pode-se definir AES como a análise comparativa de diferentes tecnologias, no âmbito da saúde,
referentes aos seus custos e aos efeitos sobre o estado de saúde26. Seu pressuposto é a obtenção da me-
lhor tecnologia dispendendo-se o menor recurso possível de modo a possibilitar sua alocação racional.
Eficácia, efetividade e eficiência
Esses são conceitos importantes na ATS, os quais fazem parte do seu processo. Eficácia pode
ser definida como o atributo de uma intervenção que funciona em condições ideais, alcançando o
máximo possível de benefício. Observe que, neste caso, há controle total da situação. Já o conceito de
efetividade incorpora a prática assistencial, isto é, o paciente, os profissionais, a instituição, o governo,
enfim, o mundo real. Nem sempre tudo que é eficaz, também é efetivo. Outro conceito importante
é o de eficiência. Ao se dizer que um produto ou serviço é eficiente, entende-se que ele é efetivo com
o menor custo possível. Para uma correta avaliação da eficácia é fundamental o uso de evidencias de
boa qualidade. A qualidade dos ensaios randomizados passa por alguns questionamentos27:
Validade externa
• A estrutura PICO (população/intervenção/comparador/desfecho) do estudo é semelhan-
te ao do meu paciente de interesse?

Avaliação de Tecnologia em Saúde e a Segurança do Paciente – Qual a interface? | 101


Validade interna
• Randomização foi adequada?
• Houve mascaramento?
• Houve segredo da alocação?
• Os grupos de intervenção e controle foram semelhantes?
• O acompanhamento dos pacientes foi adequado?

Análise de Custo
A Análise Custo-Efetividade (ACE) “compara distintas intervenções de saúde, cujos cus-
tos são expressos em unidades monetárias e os efeitos, em unidades clínico-epidemiológicas
(desfechos)” 25 . Desfechos podem ser anos de vida salvos ou episódios livres de complicação
em determinado tratamento, por exemplo. Possibilita a determinação do custo de diversas
tecnologias para se obter o mesmo desfecho. Ao se comparar duas alternativas a apresentação
dos resultados podem vir a ser expressos em Razão de Custo-Efetividade (RCE), ou seja,
a divisão do total dos custos atribuídos a cada alternativa de intervenção pelos benefícios
alcançados. Comparando-se dois analgésicos através de avaliações utilizando a Escala Visual
Analógica (EVA), por exemplo, suponhamos que o analgésico A, de custo $ 80 por dose efe-
tiva, promova uma redução na EVA de 4 pontos, enquanto o analgésico B, de custo $ 50 por
dose efetiva, apresente uma redução na EVA de apenas 2 pontos. A RCE de A será de $20 e de
B $25. Apesar do analgésico A ser mais caro que o B, ele é mais efetivo em seu poder analgé-
sico avaliado pela EAN. A Razão de Custo-Efetividade Incremental (ICER) corresponde à
diferença dos custos em ambos os medicamentos pela diferença dos efeitos, assim, no mesmo
exemplo, percebe-se que pelo custo diferencial entre A e B de $30, dividido pelo benefício
diferencial de 2 pontos na EVN, o analgésico A tem um custo adicional de $15 por cada ponto
reduzido na EVN.

Conclusão
A interface entre a segurança do paciente e a ATS é extensa e caminham juntas desde a origem.
A ATS torna-se cada vez mais necessária com o avanço da inovação tecnológica, principalmente
por ser um método efetivo no auxílio na tomada de decisão de gestores e profissionais de saúde
em geral, sempre à procura do bem coletivo e maior segurança. Entretanto a rapidez com que a
tecnologia se apresenta nem sempre permite a realização de estudos com metodologia adequada
de investigação científica e avaliação econômica em saúde, as quais apresentem claramente qual
a melhor alternativa entre tecnologias comparáveis. Também a escassez de profissionais com
conhecimento e treinamento apropriado para avaliações precisas e tecnicamente embasadas, difi-
culta a ampliação da ATS.
Há que se ressaltar que a ATS, no modelo que se apresenta em nosso país é um contraponto à
enorme influência que a indústria, seja de medicamentos, materiais e equipamentos para a saúde,
exerce na sociedade em geral.
O anestesiologista encontra na ATS uma ferramenta útil para sua prática diária. Conhecendo
seus processos, mas principalmente a qualidade de seus resultados e a informação apropriada so-
bre novas drogas e equipamentos, poderá discernir que tecnologia solicitar aos responsáveis pela
gestão e gerenciamento dos serviços e departamentos de anestesia, e, ao decidir por fazê-lo, terá as
evidências necessárias de forma clara e objetiva.

102 | Segurança do Paciente e Prática Médica


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9. Sônego, FS. Estudo de métodos de avaliação de tecnologias em saúde aplicada a equipamentos eletromédicos. 2007. Disserta-
ção (Mestrado em Engenharia Elétrica) – Centro Tecnológico, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2007.
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Avaliação de Tecnologia em Saúde e a Segurança do Paciente – Qual a interface? | 103


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27. Gordon G, Rennie Drummond. Diretrizes para utilização de literatura médica: fundamentos para prática clínica da Medicina
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104 | Segurança do Paciente e Prática Médica


Capítulo 14

O Futuro da Segurança nas


Instituições de Saúde
Airton Bagatini
Cassiana Gil Prates
O Futuro da Segurança nas Instituições de Saúde
“O meu passado é tudo quanto não consegui ser.
Nem as sensações de momentos idos me são saudosas:
o que se sente exige o momento; passado este,
há um virar de página e a história continua, mas não o texto.”
Fernando Pessoa

Ainda que fôssemos capazes de prever o futuro próximo através de ações estratégicas, o futuro
remoto seria uma incógnita, porque as variáveis são abundantes e, a qualquer momento, poderá
ocorrer uma leve alteração, mesmo que seja durante um breve período, no modo como os atores, o
cenário ou ambos se desenvolvem para que seu comportamento seguinte se torne completamente
diferente. Por exemplo, quando perguntado a Stephen Hawking sobre se seria possível prever o
futuro, sua resposta foi: “Se o crupiê mudar ligeiramente a maneira de girar a roleta será outro
o número vencedor. É impossível predizer esse número e, se não fosse assim, os físicos fariam
fortuna nos cassinos.”
Imaginar como será o futuro da segurança nas instituições de saúde não é tarefa fácil. Segundo
Confúcio, “se quisermos prever o futuro, teremos que estudar nosso passado”, analisar e aprender
com o momento presente e pretender que nossos dirigentes trabalhem e tenham o discernimento,
o senso de preocupação com o outro e a responsabilidade com a segurança em seus atos. São inú-
meros os fatores políticos, econômicos e sociais que podem influenciar nesse cenário futuro, mas
imaginamos que a segurança será um dos pilares para a sustentabilidade das instituições de saúde
e, de uma maneira prática, num futuro próximo, a cultura pela segurança deverá ser institucionali-
zada na gestão dos serviços de saúde. Haverá ainda um reconhecimento dos financiadores e maior
empoderamento do paciente em seu cuidado. Um desafio a longo prazo!
Embora o princípio primum non nocere (antes de tudo, não cause dano), atribuído a Hipócrates
há mais de 2 mil anos, foi com a publicação do Institute of Medicine (IOM), em 1999, Errar é
humano: construindo um sistema de saúde mais seguro, que o movimento pela segurança do paciente
assumiu papel de destaque nas instituições de saúde no mundo por divulgar que entre 44 mil e 98
mil pacientes morrem a cada ano nos hospitais norte-americanos por causa de erros associados aos
cuidados em saúde, e não somente pelo desenvolvimento natural da doença, ou seja: o equivalente
a um acidente de avião jumbo por dia, todos os dias, nos EUA1.
A culpa única e exclusiva do indivíduo que errou está sendo substituída pela oportunidade
de aprender com o evento adverso. O sistema de saúde passou a fazer parte do contexto para a
ocorrência de um desfecho negativo e hoje é considerado o principal contribuinte para o desenvol-
vimento das falhas de processo, chamadas no passado de acidentes. As discussões acerca da segu-
rança na assistência hospitalar e a consequente mudança do perfil educacional da população vão
exigir que as instituições de saúde ampliem sua capacidade de investir em políticas de segurança.
Os processos atuais, comparados com os processos assistenciais futuros, deverão incorporar novas
habilidades e competências, por parte dos profissionais, para lidar não somente com as doenças
dos indivíduos, mas também com suas relações em seu meio social, familiar, laborativo e, princi-
palmente, com a prevenção dos riscos.
O entendimento do conceito de segurança do paciente é importante para o dimensionamento
do problema e a compreensão dos diversos fatores envolvidos. A Organização Mundial de Saúde
(OMS), em 2010, definiu segurança do paciente como sendo a redução do risco de danos desne-

106 | Segurança do Paciente e Prática Médica


cessários associados à assistência em saúde até um mínimo aceitável. O mínimo aceitável refere-se
àquilo que é viável diante do conhecimento atual, dos recursos disponíveis e do contexto em que a
assistência foi realizada diante do risco de não tratar ou escolher outro tratamento2 .
Inúmeras são as iniciativas mundiais pela segurança dos pacientes. Em 2004, a OMS lançou a
Aliança Mundial pela Segurança, com o objetivo de despertar a consciência e o comprometimento
político para melhorar a segurança na assistência, além de apoiar os países no desenvolvimento
de políticas públicas e práticas para a segurança do paciente em todo o mundo, por meio de três
desafios globais intitulados:
• uma assistência limpa é uma assistência mais segura;
• cirurgias seguras salvam vidas;
• prevenindo a resistência bacteriana.
Na sequência, foram recomendadas seis Metas Internacionais para a Segurança do Paciente:
• identificação correta dos pacientes;
• comunicação efetiva;
• segurança dos medicamentos de alta vigilância;
• cirurgia no local de intervenção, procedimento e paciente corretos;
• redução do risco de infecção associado aos cuidados de saúde;
• redução do risco de lesões ao paciente em decorrência de queda.
Outra iniciativa que teve destaque no mundo foi a campanha Protegendo 5 Milhões de Vidas
de Danos, lançada em 2006 pelo Institute for Health Care Improvement, para que, nos hospitais
americanos, fossem implantadas 12 intervenções com o objetivo de proteger os pacientes de 5
milhões de agravos:
• times de resposta rápida;
• manejo do infarto agudo do miocárdio;
• prevenção de evento adverso relacionado com medicamentos;
• prevenção de infecção relacionada com cateter;
• prevenção de infecção do sítio cirúrgico;
• prevenção de pneumonia relacionada com ventilação mecânica (VM);
• prevenção de evento adverso relacionado com fármacos de alto risco;
• prevenção de complicações cirúrgicas;
• prevenção de úlceras de pressão;
• prevenção de infecção por Methicillin-Resistant Staphylococcus aureus (MRSA);
• manejo de insuficiência cardíaca congestiva;
• Get Boards on Board (envolvimento da liderança).
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no uso das atribuições que lhe
conferem, em reunião realizada em 23 de julho de 2013, adotou a Resolução da Diretoria Colegia-
da (RDC) número 363, com o objetivo de instituir ações para a promoção da segurança do paciente
e a melhoria da qualidade nos serviços de saúde, sejam eles públicos, privados, filantrópicos, civis
ou militares, incluindo aqueles que exercem ações de ensino e pesquisa.
Portanto, iniciativas brasileiras e mundiais apresentam ferramentas para a implantação de
programas de segurança e o desafio é implantá-las no atual cenário da saúde, em que vivenciamos

O Futuro da Segurança nas Instituições de Saúde | 107


um sistema político-partidário dissociado das instituições médicas e que, em um futuro próximo,
passará a repercutir nas demais áreas da saúde. Como vivemos em um país sem educação e cul-
tura adequadas, com investimentos precários na área de saneamento básico e de saúde global do
paciente, com infraestrutura hospitalar existente somente nos grandes centros, não poderemos
esperar ter recursos humanos, equipamento/material e política de saúde voltados para a segurança
do paciente em curto espaço de tempo.
Sem a pretensão de esgotar o assunto ou restringir as perspectivas, abordaremos, a seguir, três
desafios que, em nosso julgamento, serão decisivos para o futuro da segurança nas instituições
de saúde.

Cultura pela segurança na gestão dos serviços de saúde


É preciso promover uma cultura de segurança, um componente estrutural básico das orga-
nizações, que reflete uma consciência coletiva relacionada com valores, atitudes, competências
e comportamentos que determinam o comprometimento com a gestão da saúde e da segurança.
Além disso, significa olhar os incidentes de segurança não simplesmente como problemas, evitan-
do culpar aqueles profissionais que cometem erros não intencionais, mas tratar o assunto como
uma oportunidade de aprendizado destinada a melhorar a assistência à saúde.
Criar uma cultura de segurança significa vencer as barreiras e desenvolver um ambiente de
trabalho colaborativo, no qual os membros da equipe assistencial – executivos, administrado-
res, enfermeiros, médicos, fisioterapeutas, pacientes e seus familiares – interajam com o mesmo
comprometimento com a meta em bons desfechos, independentemente da função de trabalho ou
título. A equipe que se comporta como um time conquista o respeito mútuo e a confiança de cada
membro, com o objetivo comum de garantir a segurança do paciente e a qualidade da assistência.
O conceito é simples, mas sua implementação pode não ser. Mudanças na filosofia, na atitude e
no comportamento podem ser necessárias. Planejamento e ações em todos os níveis da organiza-
ção, incluindo um forte comprometimento da liderança, são condições imprescindíveis para criar
a cultura de segurança.
Buscamos uma cultura organizacional geradora, na qual gerenciar riscos é parte de tudo que
fazemos, mas a maioria de nossas organizações encontra-se no nível de maturidade organizacional
patológico ou reativo4, conforme descrito a seguir.

108 | Segurança do Paciente e Prática Médica


Quando falamos que a segurança deve ser uma responsabilidade da alta direção, estamos
definindo a pessoa ou o conjunto de pessoas que dirige e controla uma organização, pública ou
privada, no mais alto nível. Em geral, no contexto da gestão da segurança, a alta direção é quem
define a política e os objetivos e é responsável por garantir recursos para que a política da seguran-
ça seja cumprida e a organização atue para atingir os objetivos propostos. As instituições só terão
resultados positivos nessa área quando as ações forem descritas nos objetivos estratégicos de seu
planejamento; só então passarão a fazer parte da institucionalização da cultura da segurança.
A política de segurança de um hospital nada mais é do que um instrumento utilizado para
definir as normas a serem utilizadas na organização; é a prática a ser exercida por clientes, colabo-
radores, prestadores de serviços, fornecedores e médicos do corpo clínico e aplicada a eles; serve
para controlar a melhor utilização dos recursos e evitar riscos provenientes da sua má utilização;
monitora sempre, verificando se as normas estão sendo utilizadas adequadamente e se alguma
mudança na política é necessária para garantir a atualização do processo. O objetivo da política
de segurança é reduzir incidentes, diminuir os danos causados por incidentes ocorridos e elaborar
procedimentos para a recuperação de eventuais danos causados por incidentes. Ela atribui direitos
e responsabilidades às pessoas que lidam com os recursos físicos e humanos de uma instituição
e define as atribuições de cada um em relação à segurança dos recursos com os quais trabalham.
Deve prever o que pode ou não ser feito na instituição e o que será considerado inaceitável. Tudo
o que descumprir a política de segurança é considerado incidente de segurança. Nela devem estar
definidas as penalidades às quais estão sujeitos aqueles que não a cumprirem.
A política de segurança de uma instituição deve estar focada no reconhecimento dos riscos, na
implantação de ações de minimização desses riscos e na busca pela cultura da segurança, tendo
não apenas o paciente como foco de atenção, mas outros indivíduos que exigem a mesma metodo-
logia de gestão:

Atualmente, o principal desafio dos profissionais de saúde é promover cuidados no contexto


contemporâneo de qualidade e segurança assistencial. A busca pela excelência em saúde evoluiu
de uma atitude solitária do profissional para um contexto corporativo e social, comprometido
com a geração de resultados clínicos de excelência, comparável aos melhores centros hospitalares
do mundo.

O Futuro da Segurança nas Instituições de Saúde | 109


O conceito de qualidade tem se ampliado e tornou-se mais complexo, pois o compromisso in-
clui também que as ações de saúde sejam realizadas no tempo certo, da forma correta, no paciente
elegível e com menor custo possível (eficiente) para o sistema de saúde. Simultaneamente, é fun-
damental que determinado padrão de atendimento seja oferecido igualmente a todos os pacientes,
independentemente de gênero, idade, etnia e condição socioeconômica.
Atuar com qualidade representa fundamentalmente reduzir a variabilidade do cuidado ofe-
recido aos pacientes, implementar medidas que possam garantir a segurança dos pacientes e dos
profissionais de saúde envolvidos na assistência e, sobretudo, obter os melhores resultados pos-
síveis consequentes à intervenção. Eficácia, efetividade e eficiência são palavras que, trazidas do
contexto coloquial, assumem cada vez mais destaque no cenário das políticas de saúde públicas
e/ou privadas. A seguir, serão descritos os diferentes focos das ações de segurança demonstrando
a necessidade de amplo conhecimento e pleno exercício do gerenciamento de risco, premissas
básicas para a qualidade assistencial.

Política de segurança com foco no paciente


As ações de segurança com foco no paciente têm como prioridade não causar dano durante a
assistência, instituindo uma cultura de segurança justa, transparente e não punitiva no gerencia-
mento dos eventos adversos e assegurando a melhoria contínua dos processos assistenciais.
Os hospitais deverão declarar oficialmente seu compromisso com a segurança do paciente,
garantindo qualidade e atendendo aos atributos de eficácia, efetividade, eficiência, otimização de
recursos, redução de desperdício, legitimidade, equidade e foco no paciente em todos os processos
da cadeia assistencial, buscando constantemente a gestão e a cultura pela segurança.
A política de segurança do paciente deverá ser sedimentada em ações e iniciativas, como na adesão
à Aliança Mundial pela Segurança do Paciente, às Metas Internacionais pela Segurança do Paciente, à
campanha Protegendo 5 milhões de Vidas, à Rede Sentinela da Anvisa, aos Protocolos de Segurança do
Ministério da Saúde, à elaboração de mapas de riscos assistenciais, ao monitoramento de indicadores de
qualidade e segurança assistencial e ao gerenciamento dos eventos adversos e sentinelas.
Como exemplos de objetivos da política de segurança do paciente, podemos citar:
• a garantia da segurança nos processos assistenciais;
• o gerenciamento dos riscos envolvidos nos processos assistenciais;
• o estímulo à notificação de eventos adversos com vistas ao aprendizado institucional;
• a instituição da cultura pela segurança nos processos de trabalho de todos os níveis
hierárquicos;
• a garantia de que o paciente seja o foco em todos os processos institucionais.
A segurança é a dimensão mais crítica e decisiva para o desenvolvimento das boas práticas
gerenciais e assistenciais. Portanto, os serviços deverão se empenhar em atender às expectativas da
política de segurança do paciente, buscando desenvolver ações nos seguintes temas:
• gerenciamento dos processos de trabalho e dos recursos humanos e materiais com foco na
segurança do paciente;
• desenvolvimento e capacitação de seus profissionais, visando ao gerenciamento dos riscos
envolvidos nos processos de trabalho assistencial e em ações de segurança;
• promoção de ações de melhoria contínua dos processos assistenciais, com foco no geren-
ciamento dos riscos e na cultura pela segurança;
• estímulo à notificação de eventos adversos, garantindo transparência, justiça e não punição.

110 | Segurança do Paciente e Prática Médica


Política de segurança com foco no profissional
Um programa efetivo de segurança ocupacional deverá ser desenvolvido, visando não apenas
à minimização de riscos biológicos, mas à incorporação do mapeamento e da minimização de
eventos relacionados com os riscos emocionais que acometem os profissionais de saúde no escopo
dessa gestão.
A incidência de estresse ocupacional na população médica é de 28%5 e, entre os anestesiolo-
gistas, essa incidência é claramente maior, situando-se em 50% na Europa6 e de 59% a 96% na
América Latina7,8,9.
Horários de trabalho inadequados podem desencadear distúrbios do ritmo circadiano, distúr-
bios do sono, fadiga, alterações cardiovasculares e digestivas e interferir na vida familiar. Portanto,
podem causar, principalmente, impacto na saúde do profissional, fato que, mais tarde, vai se refletir
em seu desempenho e na segurança ocupacional e do paciente10,11. Alterações no ritmo circadiano
levam à modificação da digestão, do sono, da temperatura corporal, da secreção de adrenalina, da
pressão sanguínea e da frequência cardíaca e a mudanças comportamentais12 .
O ideal é que, no futuro, tenhamos, em todas as instituições, normas que regulem o limite de
horas de trabalho, como horas por dia, horas contínuas ou com intervalo para descanso, horas
extras e horas trabalhadas no período noturno, rodízio de plantão, momentos para descanso entre
os plantões, folgas semanais e férias anuais13.
As empresas devem ter um programa de saúde ocupacional para os profissionais que inclua
prevenção de fatores estressantes, apoio psicológico, apoio a doenças físicas, prevenção e trata-
mento de possíveis alterações comportamentais e abuso de álcool e drogas, além de um programa
de saúde mental específico.
Para tanto, a instituição deverá adotar as seguintes práticas, adaptadas do livro Bem-estar
ocupacional em anestesiologia, para o profissional da saúde14:
• estudar as condições de trabalho e saúde do profissional para identificar os fatores de risco
a que está exposto em seu trabalho diário;
• desenvolver e atualizar um mapeamento dos fatores de risco para reconhecer fatores cau-
sais, número e tempo de exposição;
• estabelecer vigilância e controle de riscos, de acordo com as prioridades estabelecidas pelo
mapeamento, e realizar exame médico uma vez por ano, obrigatoriamente;
• estabelecer um sistema de levantamento periódico de informações estatísticas;
• planejar e organizar as atividades de trabalho de acordo com os fatores de risco prioritá-
rios, considerando a atenção ao ambiente de trabalho e às pessoas nele envolvidas;
• organizar atividades de capacitação de acordo com os fatores de risco presentes na instituição;
• compartilhar responsabilidades entre os diferentes níveis de organização para assegurar
um processo de melhoria contínua na saúde e na segurança;
• avaliar o impacto das ações sobre a incidência de acidentes e doenças ocupacionais;
• definir atividades preventivas, visando a melhorar as condições de trabalho, saúde e quali-
dade de vida para o profissional;
• elaborar políticas de profilaxia, com orientação clara sobre prevenção e proteção, além de
protocolos específicos de gestão de risco;
• criar padrões de segurança e vigilância para prevenir acidentes de trabalho e doenças
ocupacionais;

O Futuro da Segurança nas Instituições de Saúde | 111


• planejar, organizar e desenvolver eventos para treinamento, programa de educação para o
profissional e sua família;
• procurar atenção médica adequada e oportuna diante de acidentes de trabalho, doenças
ocupacionais ou desenvolvimento de outros transtornos; importância aos acordos entre
instituições médicas para cuidados relacionados com a saúde mental, toxicodependência etc.

Política de segurança com foco no ambiente


O hospital deverá desenvolver continuamente uma política de segurança com foco no am-
biente, assegurando que gerentes e funcionários estejam cientes de suas responsabilidades na
redução de riscos e acidentes. Deve promover e reforçar práticas seguras de trabalho e propor-
cionar ambientes livres de risco, de acordo com a obrigatoriedade das legislações municipais,
estaduais e federais.
A complexidade dos temas que envolvem a segurança no ambiente hospitalar exige tratamento
multiprofissional, tanto para a tomada de decisões técnicas como para as administrativas, eco-
nômicas e operacionais. Os diversos profissionais, para avaliar suas posturas ante os temas de
segurança no ambiente de trabalho, deverão analisar os seguintes aspectos15:
• as obrigações legais referentes à segurança do trabalho serão cumpridas e resultarão em
níveis de segurança aceitáveis;
• haverá uma Brigada contra Incêndio (BCI) e sistemas automáticos eficientes e suficientes
para extinção de incêndio;
• os pacientes e visitantes receberão algum tipo de orientação sobre como agir em caso
de incêndio;
• haverá um sistema de geração de energia elétrica de emergência; os custos gerados com
acidentes com funcionários e pacientes no ambiente hospitalar estarão compatíveis com os
investimentos feitos nas áreas de aquisição, treinamento e uso de tecnologias;
• os funcionários usarão equipamentos de segurança, que serão suficientes; os riscos am-
bientais estarão identificados e corrigidos; os funcionários utilizarão adequadamente suas
ferramentas de trabalho e estas serão suficientes para garantir o funcionamento seguro de
equipamentos e sistemas;
• haverá, no hospital, profissionais com dedicação exclusiva na área de segurança;
• existirão projetos de arquitetura e engenharia atualizados que possibilitarão a tomada de
decisão com maior precisão e segurança;
• o hospital possuirá planos de emergência para enfrentar situações críticas, como falta de
energia elétrica e de água, incêndio e inundações;
• existirá, no hospital, uma lista de empresas prestadoras de serviços que estarão aptas a dar
assistência a equipamentos e instalações, de acordo com as normas de segurança aplicáveis;
• haverá, no hospital, a ficha cadastral dos equipamentos existentes que indicará a periodici-
dade dos testes de segurança e de desempenho deles;
• serão feitas, pelo menos mensalmente, reuniões com a comunidade de saúde para discutir
problemas de segurança existentes em sua unidade de saúde.
Quando discutimos o assunto ambiente, não podemos nos esquecer do conceito de susten-
tabilidade que surgiu com base no Relatório Brundtland, ou Nosso Futuro Comum, um estudo
presidido pela então primeira-ministra da Noruega, Gro Brundtland, encomendado pela ONU.
O trabalho ficou mundialmente conhecido por definir que ser sustentável é conseguir prover as

112 | Segurança do Paciente e Prática Médica


necessidades das gerações presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras em ga-
rantir as próprias necessidades.
A gestão de resíduos sólidos tem sido um constante desafio a ser enfrentado, sobretudo nos
grandes centros urbanos, e a preocupação com a questão ambiental torna-se um processo de ex-
trema importância na preservação da qualidade da saúde e do meio ambiente. A existência de
uma política nacional de resíduos sólidos será fundamental para disciplinar a gestão integrada, que
deve priorizar a não geração, a minimização da geração e o reaproveitamento dos resíduos, con-
tribuindo para a mudança dos padrões de produção e consumo no país e a melhoria da qualidade
ambiental e das condições de vida da população16.
Todo estabelecimento que preste assistência à saúde deverá dispor de um plano de gerencia-
mento dos resíduos de serviços de saúde, documento que apontará e descreverá as ações relativas
ao manejo dos resíduos nas etapas de segregação, acondicionamento, coleta, armazenamento,
transporte, tratamento e destinação final dos resíduos de serviços de saúde.
A implantação de processos de segregação dos diferentes tipos de resíduo em sua fonte e
no momento de sua geração conduzirá certamente a sua minimização de riscos ambientais
e ocupacionais.

Política de segurança com foco na informação


A constante busca por soluções baseadas na tecnologia da informação (TI) e sua aplicabilidade
vem alterando a forma de trabalho de vários segmentos, entre eles a área de saúde, uma reivindica-
dora de informações para o tratamento do paciente. Partindo do princípio que somente captura e
armazenamento de dados não são suficientes, torna-se premente o estabelecimento de políticas de
segurança no acesso, na guarda e na recuperação de informação como elemento para a continuida-
de do desenvolvimento e para o funcionamento das instituições17,18.
Informação é um ativo importante que agrega grande valor para a instituição. Deve ser utili-
zada e protegida adequadamente contra ameaças e riscos. A adoção da política de segurança e sua
aplicação constante, apoiada por outros processos de gestão de disponibilidade e continuidade
dos serviços, busca minimizar os riscos de falhas, danos e prejuízos que possam comprometer os
clientes, os critérios éticos da pesquisa, a imagem e os objetivos da instituição.
Todo trabalhador da saúde tem um compromisso com a integridade, a confidencialidade, a au-
tenticidade e a disponibilidade de informação assistencial; por isso, deve estar atento aos padrões
e procedimentos adotados na instituição em que trabalha.
O uso da TI nas instituições de saúde crescerá significativamente, seja na administração dos
processos ou em sua aplicação direta na assistência ao paciente ou ainda nas pesquisas conduzidas.
A mobilidade do corpo assistencial nessas instituições é rotineira, assim como a necessidade da
tomada de decisão na beira de leito. Diante desse cenário, a adoção de mecanismos de segurança
de acesso e guarda da informação do paciente torna-se vital nesse ambiente.
As práticas da segurança da informação (SI), ajustadas às necessidades de cada ambiente,
garantirão que as políticas de segurança tornem-se eficientes e sejam mecanismos eficazes no
processo de tomada de decisão sobre o uso dos recursos de TI19.

Política de segurança com foco na engenharia clínica


A ação de segurança com foco na engenharia clínica tem como prioridade manter os equipa-
mentos nas condições ideais de uso, atendendo às exigências legais e aos parâmetros dos fabrican-
tes, para não causar dano ao paciente durante seu uso na assistência.

O Futuro da Segurança nas Instituições de Saúde | 113


O conceito equivocado de que a manutenção predial e de equipamentos é um mal necessário
e pode ser feita, inclusive sem nenhum critério ou controle, somente quando “quebra” o equipa-
mento fracassou. As significativas mudanças no mercado global, bem como a rápida evolução das
tecnologias em saúde, têm exigido das unidades assistenciais a busca constante pela qualidade,
em que somente uma gestão efetiva de ativos pode garantir o sucesso por meio de planejamento,
organização e controle de processos20.
A engenharia clínica pode ser compreendida pela descrição da função do profissional que a
exerce. Conforme definição do American College of Clinical Engineering (ACCE), “O enge-
nheiro clínico é aquele profissional que aplica e desenvolve os conhecimentos de engenharia e
práticas gerenciais às tecnologias de saúde, para proporcionar melhoria nos cuidados dispensados
ao paciente”.
O número de instituições de saúde que investirão em equipes de engenharia clínica aumentará,
e lograrão benefícios que justificarão amplamente os investimentos realizados.
A manutenção será realizada por equipe do próprio hospital; com isso, o tempo médio do
equipamento parado para revisão será reduzido em comparação com os serviços realizados por
assistência técnica externa, revertendo em beneficio do usuário, que poderá dispor do serviço
prestado pelo equipamento por mais tempo.
Deve-se usar a engenharia clínica para, além de manutenção e conserto, melhorar o processo
gerencial, a gestão dos equipamentos e dos espaços hospitalares e a integração com a interface
de TI. A chave para o sucesso está na possibilidade de juntar, de modo coercível, a assistência e o
conhecimento médico com o da gerência e da engenharia.
Em janeiro de 2010, a Diretoria Colegiada da Anvisa – Ministério da Saúde publicou a Reso-
lução RDC 2/2010, que dispõe sobre o gerenciamento de tecnologias em estabelecimentos de
incorporação de tecnologia e gerenciamento de equipamentos de anestesia, com o objetivo de ga-
rantir a rastreabilidade, qualidade, eficácia, efetividade e segurança dos equipamentos utilizados
pelos anestesiologistas21.

Política de segurança com foco jurídico


As ações com foco no jurídico preventivo visam a conferir segurança jurídica por intermédio
da análise de todos os processos institucionais para que, trabalhando em conformidade legal, a
instituição alcance excelência máxima no atendimento e no equilíbrio custo-benefício.
Os constantes avanços na medicina no último século proporcionaram uma posição de destaque
da anestesiologia na ciência médica. O ato anestésico é de fundamental importância para o suces-
so de uma intervenção cirúrgica. Por conta de tal responsabilidade, por causa da própria natureza
da especialidade que envolve riscos e imprevistos – haja vista que uma anestesia malconduzida
pode deixar o paciente com sequelas irreversíveis –, o anestesiologista é um dos profissionais mais
expostos quanto à responsabilidade civil.
Nossas atitudes são autônomas e devem ser precisas durante um procedimento cirúrgico, com
grande responsabilidade em nossos atos, cabendo-nos decidir sobre o início ou não do ato cirúrgi-
co e sobre sua interrupção, observados os itens de segurança.
Embora a anestesiologia seja referência entre as especialidades médicas no que tange aos es-
forços desempenhados para proporcionar segurança aos pacientes, ela, ainda, como em todas as
especialidades médicas, está longe de garantir tal segurança de forma plena.
A preocupação com os riscos jurídicos não é só para a anestesiologia, mas para toda a classe
médica. Profissionais mais bem instruídos quanto a sua responsabilidade civil e amparados pelas

114 | Segurança do Paciente e Prática Médica


sociedades de especialidade no cumprimento de seus atos médicos e seus direitos e deveres como
médicos proporcionarão maior segurança aos pacientes.
Desde 1982, nos Estados Unidos, o Closed Claim Project teve como objetivo rever os processos
jurídicos que se traduziam em pagamento pelos seguros contratados pelos anestesistas, alarmados
com a crescente demanda e despesa, constituindo grupos de estudo para tentar reverter o quadro.
Essa prática resultou na diminuição dos valores pagos aos seguros e iniciou-se a publicação de
recomendações de melhores práticas em anestesia.
A anestesia inaugurou uma nova era, que, somada a outros conhecimentos desenvolvidos pela
ciência e pela incorporação de tecnologia crescente, fez diminuir a morbimortalidade no período
perioperatório. No futuro, provavelmente poderemos medir o impacto isolado do Closed Claim
Project nesses resultados.
No Brasil, os processos civis contra médicos estão em crescimento em número e valores.
Desenvolver uma metodologia para analisá-los e expor essas informações à classe médica é
uma tarefa pioneira e corajosa. Antes, as iniciativas isoladas que procuravam entender o que
se passava nos tribunais foram meritórias, porém, a complexidade e a possibilidade atual de
rever processos disponíveis em tribunais informatizados abrem novas perspectivas de incursão
científica nessas questões.
Somente por meio da análise em conjunto com juristas, da verificação do nexo causal com o ato
médico e da avaliação das causas relacionadas com danos, acidentes, erros e manejos, corretos ou
não, dos profissionais envolvidos poderemos desenvolver estratégias para uma prática mais segura.
A Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA), em 2012, decidiu iniciar o desenvolvimento
do trabalho de mapeamento e análise da jurisprudência brasileira relativa à responsabilidade civil
do médico anestesiologista. Para tanto, solicitou que uma pesquisa fosse realizada em todos os
tribunais brasileiros, a fim de catalogar e analisar todos os casos que envolvessem quaisquer as-
pectos relativos à anestesiologia e à responsabilidade civil dos médicos especialistas em tal área
e, em 2013, publicou o livro intitulado A responsabilidade civil na anestesiologia 22 . O projeto
visa a desenvolver, no ano de 2014, o levantamento e o estudo dos riscos criminais e, em 2015, os
riscos éticos.
Com o término da trilogia temos a esperança de que esse estudo constitua instrumento im-
portante para a melhora da prática da anestesiologia no país, influenciando a vida de pacientes,
médicos e profissionais do direito.
Assim, espera-se garantir aos pacientes um tratamento mais digno, seguro e humano. Por
sua vez, para os anestesiologistas significa maior segurança jurídica no exercício de seu mister,
reduzindo possíveis demandas judiciais que incluam a especialidade, sobretudo o número de con-
denações que ocorreriam não pela existência de efetivo erro médico, mas, sim, por falhas procedi-
mentais ou pelo desatendimento de algum aspecto formal relevante no tratamento (por exemplo,
erros ou falhas em registros do paciente). Em relação aos profissionais do direito, constituirá uma
ferramenta relevante para aprofundar seus conhecimentos sobre a responsabilidade civil médica e
para a atuação em causas que envolvam a especialidade.

Reconhecimento das fontes pagadoras


Temos que tratar os desiguais de forma desigual para reduzir as desigualdades. É com base nes-
sa premissa que vislumbramos maior e melhor reconhecimento financeiro das fontes pagadoras
àquelas instituições que dispõem de um programa bem estabelecido de segurança, que monito-
ram indicadores de segurança e gerenciam seus processos, com base na cultura da segurança, em
comparação àquelas que não investem em programas e ações de melhoria.

O Futuro da Segurança nas Instituições de Saúde | 115


A remuneração dos serviços hospitalares ainda é um tema muito discutido pelo Sistema Suple-
mentar de Saúde. Os modelos predominantes são de pós-pagamento (per diem compensation sys-
tem) e de pagamento por procedimento (fee-for-service), que não incentivam a busca pela redução
dos custos com a saúde, nem de investimento das organizações para a implantação de processos
de melhoria interna.
Recentemente, o pagamento por desempenho tem sido objeto de estudo e discussão entre os
atores do setor. Trata-se de um modelo que preconiza o uso de padrões de comparação baseados em
evidência, utilizando como referência as diretrizes clínicas de associações médicas ou metas estabe-
lecidas com os próprios médicos e serviços de saúde. Em sua origem, traz inserido o conceito claro de
equidade, criando incentivos (financeiros ou não) que permitem ganhos adicionais aos profissionais
e prestadores que geram valor ao paciente, melhorando seus indicadores de qualidade23.
A avaliação de desempenho é premissa para esse modelo, além de ser obrigação de qualquer
gestor de saúde. A lógica é que os indicadores definidos sejam centrados no paciente, ou seja, o
desempenho adequado é aquele que agrega valor ao paciente, e se utilizarmos qualquer modelo
que fuja disso estaremos saindo do conceito primário de qualidade.
Para a implantação desse modelo de remuneração, temos o desafio de vencer a resistência de
alguns gestores à inovação e mostrar às entidades de classe que este não é um modelo punitivo, não
restringe a liberdade do médico e não colide com a ética médica 23.
É importante entender que não existe um modelo ideal de pagamento, cada plano de saúde ou
hospital deverá construir programas que atendam a suas necessidades e expectativas de acordo
com sua realidade e, principalmente, recursos disponíveis para a busca e análise dos indicadores
de performance definidos.

Empoderamento do paciente
Prestar assistência centrada nas necessidades dos pacientes pode parecer simples e óbvio. En-
tretanto, em um sistema tão complexo como os dos serviços de saúde, torna-se um grande desafio
a ser conquistado e sustentado ao longo do tempo.
O envolvimento, a participação e os direitos dos pacientes são temas de ampla discussão. Nos
últimos anos, o envolvimento do paciente tem sido cada vez mais reconhecido como um compo-
nente essencial na reestruturação dos processos em saúde, com o objetivo de melhorar a segurança
do paciente24. O afastamento da participação do paciente decorreu da cultura de passividade do
doente perante o Sistema de Saúde, e este é o momento de trazermos todos os envolvidos para a
discussão sobre as melhorias no tratamento.
Por meio da Aliança Mundial para a Segurança do Paciente, a OMS destacou a necessidade
de aumentar os esforços para conscientizar os pacientes e seus familiares sobre seu papel para
melhorar a segurança dos cuidados com a saúde em todo o mundo, lançando o programa pela
Segurança do Paciente24.
O empoderamento é um novo conceito e está relacionado com a segurança do paciente. Segun-
do a OMS, empoderamento é um processo pelo qual as pessoas adquirem maior controle sobre
as decisões e ações que afetam sua saúde. Para o desenvolvimento desse novo processo, quatro
elementos são essenciais:
• a compreensão do paciente e da família sobre seu papel;
• que o paciente adquira conhecimento suficiente para ser capaz de se envolver com sua saúde;
• habilidades do paciente;
• a presença de um ambiente facilitador.

116 | Segurança do Paciente e Prática Médica


Nesse processo ainda temos muito que progredir: o paciente e a família participando do trata-
mento de uma forma ativa, opinando e, principalmente, se corresponsabilizando pelo tratamento.
Os direitos do paciente devem ser conhecidos e respeitados, não podendo, em hipótese al-
guma, ser negligenciados. Todos os dirigentes hospitalares devem envidar esforços para fazer
com que as condições de estrutura, processos e assistência sejam oferecidas aos que procuram
sua instituição para tratamento. Como exemplos podemos citar três tópicos básicos, mas que,
muitas vezes, são esquecidos25:
• o paciente tem direito a um atendimento digno, atencioso e respeitoso, sendo identificado
e tratado pelo nome ou sobrenome; o paciente não pode ser identificado ou tratado por
números, códigos ou de modo genérico, desrespeitoso ou preconceituoso;
• ele deve consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e esclarecida, com adequada infor-
mação, procedimentos diagnósticos ou terapêuticos a serem nele realizados;
• ele deve ter assegurados, durante consultas, internações, procedimentos diagnósticos e
terapêuticos, a satisfação de necessidades, a integridade física, a privacidade, a individu-
alidade, o respeito aos valores éticos e culturais, a confidencialidade de toda e qualquer
informação pessoal e a segurança do procedimento; ter um local digno e adequado para o
atendimento; receber ou recusar assistência moral, psicológica, social ou religiosa.
É direito dos pacientes receber informações sobre sua saúde e enfermidades, bem como os
riscos inerentes ao tratamento de saúde – o paciente tem direito a informações claras, simples
e compreensivas, adaptadas a sua condição cultural, sobre as ações diagnósticas e terapêuticas,
o que pode decorrer delas, a duração do tratamento, a localização de sua patologia, se existe
necessidade de anestesia, qual o instrumental a ser utilizado e quais regiões do corpo serão
afetadas pelos procedimentos.
A comunicação com o paciente se torna um desafio à medida que ocorre dano a sua saúde.
No atual cenário em que estamos inseridos, reconhecer abertamente um erro que acarretou dano
ao paciente e falar sobre ele não é tarefa simples; mais difícil se torna essa comunicação quando
esse dano tem como consequência uma sequela permanente ou o óbito. O processo de revelação
de um incidente (disclosure)26 reconhece e informa ao paciente e sua família a ocorrência de um
evento adverso, mantendo a confiança e a confiabilidade no sistema de saúde. Para o sucesso, uma
explicação honesta, transparente e comprometida com a continuidade do cuidado pode aumentar
a confiança do paciente e fortalecer o relacionamento com o serviço de saúde. A instituição deve,
ainda, incluir suporte para o paciente e seus familiares e os profissionais de saúde envolvidos no
evento. Não fornecer explicações após um resultado adverso é causa relevante de processo e fonte
de insegurança para o paciente. O processo de transparência só terá êxito nas organizações que
têm uma cultura pela segurança instituída em todas as esferas do processo assistencial. Na au-
sência de uma cultura pela segurança, o processo de revelação pode ser prejudicial tanto para o
paciente e para sua família quanto para a instituição, que terá a imagem comprometida e correrá o
risco de um processo judicial 27.

Conclusão
No futuro, os hospitais deverão destinar tempo adequado, instalações e apoio financeiro para a
formação profissional, inicial e contínua, para garantir que um nível adequado de conhecimento,
experiência e prática seja atingido e mantido.
Os indivíduos, departamentos e grupos regionais e nacionais devem coletar dados cumulativos
para facilitar a melhoria progressiva da segurança, eficiência, eficácia e adequação dos cuidados
com a segurança.

O Futuro da Segurança nas Instituições de Saúde | 117


Deverão ser criados mecanismos institucionais, regionais e/ou nacionais, que proporcionem
análise contínua da prática médica, e isso só será possível com um serviço de TI engajado nos pro-
cessos assistenciais e promotores de desenvolvimento. Deverão ser desenvolvidos protocolos para
garantir que as deficiências na prática individual e coletiva sejam identificadas e corrigidas. Um
sistema de comunicação anônimo de incidentes, com análise de casos e seus resultados, deverá ser
colocado em prática.
Um número suficiente de profissionais treinados deve estar disponível para que as pessoas
possam realizar sua função, com um alto padrão, sem fadiga ou exigências físicas. Tempo deve ser
alocado para educação, desenvolvimento profissional, gestão, pesquisa e ensino.
Os equipamentos e as instalações deverão ser adequados, tanto em quantidade quanto em
qualidade, e estar presentes onde quer que o paciente permaneça. Serão necessárias a formação e a
verificação da capacidade de um indivíduo para utilizar uma parte do equipamento corretamente
e com segurança. Os equipamentos devem estar de acordo com as normas nacionais e internacio-
nais pertinentes28. 
Os médicos e as instituições de saúde deverão ser ranqueados pela análise de indicadores de
performance. Todas as instituições, públicas ou privadas, deverão colocar seus dados sobre qua-
lidade assistencial, segurança, processos e estrutura à disposição. As sociedades de especialidade
oferecerão, nos respectivos sites, a relação dos profissionais especializados e qualificados, por meio
de programas de treinamento e revalidação do título de especialista.
Convidar pacientes e familiares a se tornarem parceiros ativos na observação e na cobrança
das melhores práticas dos profissionais de saúde ou atuarem como auditores em todo o processo
assistencial, no sentido de garantir a execução das melhores práticas, é uma estratégia útil e
promissora para a promoção da saúde e da segurança do paciente. Entretanto, a chave para o
sucesso é tornar rotina a prática de educar e envolver o paciente e sua família, bem como todos
os profissionais de saúde, em um ambiente facilitador, em conformidade com uma cultura orga-
nizacional pela segurança 24.
O foco no paciente é, e sempre será, o objetivo principal de administrar um hospital. Mas a alta
direção deverá estar comprometida e, oficialmente, declarar sua política de qualidade e segurança
com foco em outras áreas (profissional, ambiente, engenharia clínica, tecnologia da informação e
jurídica) e, com isso, transformar os hospitais em lugares geradores da cultura de segurança.

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O Futuro da Segurança nas Instituições de Saúde | 119


Capítulo 15

Aspectos éticos da
segurança do paciente
em anestesia
Julio Cezar Mendes Brandão
Aspectos éticos da segurança do paciente em anestesia

Introdução
A evolução dos índices de morbidade e mortalidade em anestesia se deu de maneira vertigino-
sa, com curva de queda inversamente proporcional à melhora expressiva na qualidade e segurança
em anestesia, resultando em maior índice de desfechos favoráveis.
Nos últimos anos, percebemos a necessidade da criação “urgente” da “cultura da segurança”, na
qual todas as partes envolvidas assumem responsabilidades por sua segurança, pela segurança de
seus colegas, pacientes e familiares, o que mostra congruência com o conceito atual de abordagem
sistêmica dos incidentes com um olhar mais abrangente.
O engajamento de profissionais, pacientes e familiares na cultura da segurança ajuda o cres-
cimento e aprendizado, levando a melhores resultados para os pacientes e, ao mesmo tempo, à
avaliação dos diversos conceitos éticos que envolvem a anestesiologia.
A anestesiologia tem sido comparada, do ponto de vista da segurança, com as indústrias da
aviação, nuclear e aeroespacial. Com as medidas e os avanços tecnológicos associados à cultura da
segurança, houve redução significativa no número de mortes causadas pela anestesia nas últimas
décadas. Ao analisar o ponto de vista ético-legal e como está caracterizado na literatura pertinen-
te e atual, a liberação e a divulgação imparcial das complicações deveriam ser uma prática mais
frequente. O uso da franqueza diante da realidade sobre erro e eventos adversos pode diminuir
em vez de aumentar a responsabilidade médico-legal dos profissionais de saúde envolvidos e pode
ajudar a aliviar medos e angústias dos pacientes que os cercam. Assim, surgem questões ligadas
à informação, à coparticipação em decisões e ao papel do paciente e de familiares, além de saber
lidar com diferentes perfis de comportamento, posições, ideologias e medos.

Ética: princípios
A ética é o conjunto de valores morais e de conhecimento racional a respeito do comportamen-
to humano; é o princípio que norteia a conduta geral humana na sociedade. Moral é o conjunto
de regras aplicadas no cotidiano e usadas continuamente por cada cidadão. Essas regras orientam
cada indivíduo, guiando suas ações e julgamentos sobre o que é moral ou imoral, certo ou errado,
bom ou mau. A moral já existe há muito mais tempo, pois todos possuem a consciência moral, que
leva a distinguir o bem do mal no contexto em que vivemos. A ética investiga e explica normas
morais, pois nos leva a agir não só por tradição, educação ou hábito, mas mais ainda por convicção
e inteligência intrínseca.
Dessa forma, percebemos como é inerente à existência da ética aplicada, sendo subdividida
para melhor análise, em que correlaciona o papel da ética nas diversas profissões, tendo como uma
das premissas básicas fazer as pessoas entenderem que suas ações possuem consequências não só
para si, mas também para outrem.

Princípios da ética médica


Não maleficência
O princípio da não maleficência conceitua e mostra que o médico deve se qualificar para o aten-
dimento e se habilitar para a comunicação adequada. Ele não deve unicamente se preocupar com
os fatores objetivos, mas com os subjetivos, ou seja, o médico tem o dever de abordar o que sabe,
fazendo o que está capacitado a fazer, ter respeito à própria autonomia do paciente, justificar a não

122 | Segurança do Paciente e Prática Médica


aplicação de conduta diagnóstica e/ou terapêutica, comunicar o que está acontecendo e reivindi-
car infraestrutura e das quais necessita. O médico deve tomar decisões com base nas perspectivas
que causem o menor dano ao paciente e possam trazer o maior benefício possível.
Autonomia
A autonomia é o direito do paciente de emitir sua visão e opinião, rejeitando ou aceitando o que
o médico lhe propõe, podendo agir de forma livre, voluntária e esclarecida. A autonomia também é
utilizada pelos médicos, que possuem o direito de emitir opinião sobre o que o paciente lhe propõe,
podendo rejeitar as solicitações contrárias a sua consciência e conhecimento, tentando norteá-las,
mostrando as evidências de acordo com seu conhecimento técnico e de vivência profissional. Assim,
o médico deve se resguardar de danos profissionais e legais com os atos médicos, sendo autorizado
previamente pelo paciente que assiste. Para tanto, existem termos de recusa livre e esclarecida, por
meio dos quais os pacientes recebem todas as orientações e explicações com base em dados sólidos da
literatura em relação à mudança de prognóstico baseada na não aceitação de eventual tratamento que
seja a melhor forma de abordagem diagnóstica ou terapêutica para aquele respectivo caso.
Beneficência
O princípio da beneficência mostra que os procedimentos médicos devem ser realizados so-
mente para o bem do paciente. Assim, não se deve causar nenhum dano intencional a ele, e sim
maximizar os benefícios, com o alívio do sofrimento e objetivando o bem das pessoas. O médico
deve se assegurar de que as técnicas aplicadas sejam sempre em prol do paciente.
Justiça
A justiça estabelece o princípio da equidade como condição inerente à medicina; a obrigação
ética de tratar cada indivíduo conforme o que é moralmente correto e adequado, de dar a cada um
o que lhe é devido. O médico deve atuar com imparcialidade, evitando ao máximo que aspectos
sociais, culturais, religiosos, financeiros ou outros interfiram na relação médico-paciente. Dessa
forma, isso se associa à necessidade de reconhecimento imparcial do direito de cada um de atender
os pacientes da forma igualitária. A imparcialidade de nortear os atos médicos impede que aspec-
tos discriminatórios interfiram na relação entre o médico e o paciente.
A não maleficência, a beneficência, o respeito à autonomia e a justiça são deveres prima facie, ou
seja, são obrigações que devem ser cumpridas, a não ser que entrem em conflito com outro dever
igual ou mais forte.
Segredo médico
O segredo médico é uma das mais fortes e clássicas características da profissão. O segredo
médico pode ser revelado com a autorização expressa do paciente e/ou em situações de dever legal
e justa causa. Caso o segredo seja revelado fora dessas características, é considerado antiético e
infração legal.
A grande maioria dos temas éticos é comum às especialidades médicas em geral, incluindo a
terapia da dor, a anestesia e os cuidados paliativos. Contudo, há algumas questões éticas que se
especificam no uso da anestesiologia.
Bioética
As discussões que culminaram com a criação do conceito de bioética se deram no começo da
década de 1970. Houve preocupação com a dimensão que os avanços da ciência, principalmente
no âmbito da biotecnologia, estavam tomando. Dessa forma, um novo ramo do conhecimento foi
pensado para ajudar as pessoas a pensar nas possíveis implicações dos avanços da ciência sobre
a vida. A bioética (“ética da vida”) é a ciência que tem como objetivo indicar os limites e a fina-

Aspectos éticos da segurança do paciente em anestesia | 123


lidade da intervenção do homem sobre a vida, identificar os valores de referência racionalmente
proponíveis e denunciar os riscos das possíveis aplicações.

Consulta pré-anestésica
A normatização da anestesiologia no Brasil deu um passo significativo com a Resolução do
Conselho Federal de Medicina número 1.802/2006 e a criação de diretrizes que têm como obje-
tivo nortear a prática médica em anestesiologia e levar maior segurança ao paciente e ao médico
anestesiologista. Existe, então, a recomendação de que, em procedimentos cirúrgicos eletivos, a
avaliação pré-anestésica seja realizada em consulta com anestesiologista antes da admissão na
unidade hospitalar para internação.
A consulta pré-anestésica em regime ambulatorial, realizada dias antes da cirurgia, é um ponto
essencial para o ato anestésico, que exerce ação direta e indireta na prevenção de complicações
anestésicas e na melhoria da qualidade do cuidado e da prática anestésica. Percebemos, no en-
tanto, que tal atitude ainda não foi incorporada à rotina de parte dos serviços médicos em nosso
país e espera-se que, com a introdução da cultura da segurança, isso seja modificado, levando ao
benefício de todos os participantes, paciente e equipe de saúde.
A avaliação pré-anestésica é sustentada por determinação do Conselho Federal de Medicina,
que define que os hospitais devem ter um ambiente de atendimento específico para esse tipo de
avaliação médica, assim como é usual nos países desenvolvidos. O princípio do cuidado pela segu-
rança e bem-estar do paciente é bem estabelecido no Código de Ética Médica, contudo, percebe-
mos que ainda acontecem eventos adversos e complicações que seriam evitáveis com a realização
da avaliação prévia dos pacientes.
Até um passado não tão longínquo assim, a relativa “ausência” do anestesiologista manifestava-
-se também no fato de ele não entrar em contato com os pacientes como interlocutor de suas
questões e interpelações. Com a cultura da necessidade da avaliação clínica anestésica e visita
pré-anestésica, houve uma mudança significativa, que causou a transformação nos resultados e na
redução dos índices de complicação agregados pela proximidade da especialidade com a avaliação
dos pacientes, e não somente com o procedimento anestésico em si.
No cuidado anestésico, um dos principais benefícios oriundos do acompanhamento que se
inicia na consulta pré-anestésica pelo anestesiologista consiste na oportunidade de esclarecer
dúvidas do paciente sobre o procedimento e amenizar seus temores em relação à anestesia, sus-
citando, assim, um processo de comunicação entre profissional e paciente. Desse modo, a cada
consulta pré-anestésica, pode-se estabelecer uma nova relação entre o paciente e o anestesiologista
e abre-se espaço para as orientações relativas ao termo de consentimento anestésico.
Diante da realização da consulta pré-anestésica, os pacientes se tornam mais seguros, há di-
minuição da ansiedade, do tempo de internação pré-operatória e o número de cirurgias adiadas é
reduzida, bem como os gastos com o tratamento por causa do menor número de exames comple-
mentares requisitados, da diminuição do número de interconsultas com outras especialidades, da
redução do tempo para a marcação da cirurgia e do tempo de internação pós-operatória.

Consentimento informado
O Termo de Consentimento Informado é o documento que deve ser assinado pelo paciente, ou
seu responsável legal, que permite que o médico realize determinado procedimento diagnóstico
ou terapêutico após obter as principais informações pertinentes ao procedimento médico a ser
realizado. Deve ser preparado para garantir a autonomia do paciente e delimitar a responsabili-
dade do médico na realização dos respectivos procedimentos programados. Esse documento não

124 | Segurança do Paciente e Prática Médica


se faz necessário nas emergências, em situações de grave perigo para a saúde pública, quando se
considera que a informação seja claramente prejudicial à saúde do paciente, e na recusa explícita.
No Brasil, nos últimos anos, houve aumento do número de ações judiciais em função de erros
médicos, e isso se deveu, preponderantemente, à conscientização cada vez maior da população em
busca de qualidade no atendimento que tem recebido. Perante a Constituição da República de
1988 e o Código de Defesa do Consumidor, o médico não pode submeter o paciente a tratamen-
to ou procedimento terapêutico sem antes obter seu consentimento. Por meio da assinatura do
Termo de Consentimento Informado, o paciente declara estar ciente da natureza da intervenção
médica e dos correspondentes riscos, assumindo-os livremente. Atualmente, trata-se do termo de
consentimento exclusivo da anestesia, no qual o médico anestesiologista abordará cada tópico do
consentimento e por ele será responsável.
A mesma resolução CFM 1.802/2006, que versa sobre a prática anestésica, recomenda a ob-
tenção do consentimento livre e esclarecido sobre o procedimento anestésico ao qual o paciente
vai se submeter antes da internação para realizar o ato cirúrgico. É nessa oportunidade que o
anestesiologista deverá esclarecer o paciente, diminuindo substancialmente o estresse anestésico-
-cirúrgico, além de explicar as possibilidades e os riscos inerentes ao procedimento, com o exer-
cício do consentimento esclarecido. O anestesiologista que realiza a consulta pré-anestésica não
precisa ser necessariamente o profissional que realizará o procedimento anestésico.
O texto do termo de consentimento deve ser desprovido de tecnicismos, de detalhes excessi-
vos, permitindo que o paciente ou seu representante legal, antes da realização do procedimento
médico, possa mudar de opinião. Ele deve levar em consideração a capacidade cognitiva do
paciente, o que é importante, sobretudo, para as explicações e orientação que o paciente deverá
receber, levando, ainda, em consideração as complexidades e particularidades no perioperatório
de cada procedimento.
Devem-se usar termos e nomenclaturas de fácil entendimento e voltados para o público leigo.
O modelo proposto deve conter dados relacionados com os seguintes itens:
• identificação do paciente ou de seu responsável;
• nome do procedimento;
• planejamento do ato anestésico;
• possíveis insucessos;
• complicações pré, intra e pós-operatórias;
• riscos associados à anestesia e ao número de incidências;
• descrição da anestesia;
• informação, características e observações necessárias relativas ao ato anestésico;
• explicação quanto à possibilidade de modificação de conduta durante o procedimento;
• declaração de que as explicações foram efetivamente entendidas;
• confirmação de autorização, com o local e a data da intervenção cirúrgica;
• contato.
O consentimento informado será considerado válido quando estiver acompanhado de infor-
mações sobre a evolução do caso e os riscos normalmente previsíveis, em função da experiência
habitual e dos dados da literatura médica respectiva, incluindo estatísticas. Deve-se levar ainda em
consideração que os pacientes com perspectiva significativa de necessidade de hemotransfusão
deverão receber termo de consentimento específico para isso. O termo de consentimento nunca
poderá sair dos moldes legais para prometer resultados, algo que acontece eventualmente com
procedimentos estéticos. Tal formato é ilegal.

Aspectos éticos da segurança do paciente em anestesia | 125


O trabalho médico atualmente oferece maior risco de contestação e de processos. Assim, é clara
a preocupação do médico na procura de autodefesa, acobertando-se e amparando-se no máximo
de bases da estrutura legal. Porém, a melhor defesa ainda é o exercício profissional realizado com
conhecimento baseado no bom preparo, na formação e em atitude respeitosa com os pacientes que
necessitam de seus serviços, o que levará a uma boa relação médico-paciente.
O estabelecimento de uma relação de confiança é essencial para o bom preenchimento do con-
sentimento informado, já que o anestesista deve ter condições de decidir quais informações e de que
modo deve transmiti-las ao paciente. Considera-se que, de forma clara e adequada ao paciente, o mé-
dico deve informar todos os dados necessários e pertinentes ao procedimento a ser realizado. Dessa
forma, a análise do contexto, da perspectiva de entendimento e do que o paciente realmente deseja
saber torna-se imperiosa para o estabelecimento de uma boa relação de confiança. A não omissão de
dados clínicos e a orientação sobre os riscos que o paciente vai correr se tornam necessárias no refor-
ço dessa relação que se estabelece entre o anestesiologista e o paciente. Portanto, essas informações
significam que o paciente tem conhecimento do que ocorrerá, já que contêm os elementos necessá-
rios à compreensão adequada. O termo de consentimento deve ser mais do que um documento legal,
deve significar um processo de estabelecimento da relação médico-paciente, uma avaliação global
com perspectiva de melhora de índices de complicações e evolução perioperatória.

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Segurança do Paciente e Prática Médica
Copyright© 2014, Sociedade Brasileira de Anestesiologia

Impressão - Gráfica Walprint


Formato fechado 18 x 25 cm
Papel de miolo - Offset - LD 70g/m²
Papel da capa - Triplex LD 300g/m², laminação fosca
Tipografia utilizada - Arno pro, corpo 11, entrelinhas 13
Capa - Ilustração em aquarela, por Marcelo Marinho
Segurança do Paciente e Prática Médica
Capítulo 1 - Segurança em Anestesia e Responsabilidade Educacional da SBA
Capítulo 2 - Segurança do Paciente e Saúde Ocupacional
Capítulo 3 - Bem-estar Ocupacional em Anestesiologia: Humanização e Segurança
Capítulo 4 - O Programa Nacional de Segurança do Paciente e o Anestesiologista
Capítulo 5 - Construção de um Sistema de Relato de Eventos Adversos em Anestesia
Capítulo 6 - Segurança Biológica no Armazenamento de Produtos Anestésicos
Capítulo 7 - O Papel do Anestesiologista na Medicina Perioperatória: Prevenção da Infecção
do Sítio Cirúrgico
Capítulo 8 - A Utilização Segura de Medicamentos e o Anestesiologista
Capítulo 9 - Lista de Verificação Cirúrgica (Checklist) na Prática Anestesiológica
Capítulo 10 - Identificação do Paciente e o Uso do Prontuário como Barreiras Efetivas da
Segurança em Anestesia
Capítulo 11 - A Importância da Simulação com Foco na Segurança do Paciente em Cirurgia
Capítulo 12 - Como Praticar a Segurança do Paciente no Centro Cirúrgico em Situações de
Catástrofe
Capítulo 13 - Avaliação de Tecnologia em Saúde e a Segurança do Paciente – Qual a interface?
Capítulo 14 - O Futuro da Segurança nas Instituições de Saúde
Capítulo 15 - Aspectos éticos da segurança do paciente em anestesia

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