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Quando a população mundial estava em torno de 750 milhões de habitantes, em 1776, Adam
Smith (1723-1790), que tinha uma visão positiva do crescimento populacional, escreveu em sua
obra magna A Riqueza das Nações: "O marco mais decisivo da prosperidade de qualquer país é
o aumento no número de seus habitantes" (Alves, 2014).
Para rebater as ideias progressistas destes dois autores e de outros pensadores com ideias
semelhantes, Thomas Robert Malthus (1766-1834) escreveu, em 1798, o livro “Ensaio sobre o
princípio de população e seus efeitos sobre o aperfeiçoamento futuro da sociedade, com
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observações sobre as especulações de Mr. Godwin, Mr. Condorcet e outros autores”. Nesta
época, a população mundial ainda não tinha atingido 1 bilhão de habitantes, mas Malthus que
era um pensador anti-iluminista e contra a perspectiva internacionalista do desenvolvimento
urbano-industrial, considerava que, no longo prazo, a população tendia a crescer mais do que
os meios de subsistência e mais rápido do que a produção econômica global. Mas como pastor
da Igreja Anglicana, Malthus era contra os métodos contraceptivos e considerava que o controle
da população seria feito pelo aumento das taxas de mortalidade decorrente da tríade “miséria-
guerras-fome”, que ele chamava de “freios positivos”.
O fato é que as taxas de mortalidade começaram a cair ao longo do século XIX, nos países
europeus e de colonização inglesa (EUA, Canada, Austrália e Nova Zelândia), em função da
melhoria das condições de vida e dos avanços da medicina e da higiene (saneamento básico,
etc.). O aumento do número de filhos sobreviventes colocou a necessidade de regulação da
fecundidade, pois o número ideal de filhos passou a ser atingido bem antes do fim do período
reprodutivo. Além disto, com o aumento do custo dos filhos e a redução dos benefícios dos
mesmos, as famílias passaram a investir mais na qualidade de suas crianças do que na
quantidade.
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Mas o maior ataque às propostas neomalthusianas veio com o lançamento da encíclica católica
Humanae Vitae ("Da vida humana"), lançada pelo Papa Paulo VI, no dia 25/07/1968. A encíclica,
que tem como subtítulo a expressão “Sobre a regulação da natalidade”, condena contra todos
os métodos modernos de regulação da fecundidade, até mesmo os meios que possibilitam o
sexo seguro (como a camisinha), condena a masturbação e define a sexualidade com um ato
heterossexual com a finalidade única do “desejo divino” da procriação. Ou seja, a encíclica
Humanae Vitae VI é contrária ao sexo não reprodutivo e a favor do pronatalismo. O Papa Paulo
VI gostava de dizer: “Precisamos aumentar o banquete e não diminuir os comensais”, como se
não houvesse limites para a produção de alimentos e para o manejo das fontes de água potável.
De certa forma, esta polêmica perdeu força quando a China - país mais populoso do globo –
mesmo sendo dirigida por um partido comunista e que apoiou as resoluções de Bucareste,
adotou o programa de controle da natalidade mais draconiano que já houve na história. A
política de filho único se tornou lei em 1979 e se manteve em vigor pelos 36 anos seguintes,
período de maior crescimento econômico do país e de maior geração de riqueza e redução da
pobreza. Ou seja, a China mostrou que o desenvolvimento econômico pode ser acelerado e
potencializado pela queda da fecundidade (e a geração do bônus demográfico).
Para tornar suas posições anti-ambientalistas e reacionárias mais palatáveis, o positivista Simon
investiu contra um suposto inimigo neomalthusiano, afirmando o seguinte: “As pessoas são os
recursos mais valiosos do mundo; o cérebro humano é o recurso fundamental para solucionar
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qualquer problema econômicos, social e ambiental; quanto maior a população melhor”. Para
ele, cada novo bebê é como um bem de consumo durável ou uma galinha poedeira que vai trazer
benefícios no futuro. Com este discurso antineomalthusiano, Julian Simon conseguiu o apoio de
setores da opinião pública e de formadores de opinião do fundamentalismo religioso, do
fundamentalismo de mercado e do conservadorismo moral nas questões reprodutivas. Simon
serviu de inspiração para as políticas neoliberais do governo de Ronald Reagan (1981-1988) e
para os defensores das políticas pronatalistas de todo tipo. Para ele, quanto mais gente no
mundo melhor.
Seguindo uma linha menos radical do que o pronatalismo desregrado de Julian Simon, há duas
linhas de pensamento antineomalthusianas que consideram que não existe um “problema
populacional no mundo”. A primeira linha é, dentre outros demógrafos e economistas,
representada por David Lam (2011), que considera que a Transição Demográfica vai desarmar a
bomba populacional e que os cerca de 4 bilhões de novos habitantes do século XXI terão um
padrão de vida superior aos 4 bilhões de novos habitantes do século XX. O otimismo de Lam se
deve ao fato do avanço tecnológico possibilitar o avanço da produtividade e o atendimento das
necessidades básicas da população mundial. Contudo, o autor não leva muito em consideração
os problemas ambientais do século XXI.
Eles não consideram que exista uma superpopulação no mundo e argumentam que se os 3
bilhões de pessoas mais pobres do planeta desaparecessem de uma hora para outra não haveria
redução alguma na contínua destruição ambiental. Mas este tipo de argumento era comum
quando a emissões per capita da China era muito baixa, porém, hoje em dia, mesmo as emissões
per capita da China ainda serem menores do que a dos EUA, as emissões totais do “gigante
asiático” superam em muito qualquer outro país no mundo. A Índia está indo pelo mesmo
caminho, ou seja, emissões per capita de GEE mais baixas do que os países ricos ocidentais, mas
emissões totais recordes, devido ao tamanho da população.
Evidentemente, não dá para colocar toda a culpa dos problemas ambientais na responsabilidade
do crescimento populacional. O principal vetor de degradação ecológica é a máquina insana e
insone de acumulação de capital e riqueza. Mas existe uma relação complexa entre o
crescimento populacional e econômico, não sendo possível considerar apenas um lado da
equação.
Como mostra o gráfico abaixo, nos últimos 250 anos, a população mundial cresceu 9,2 vezes, a
economia cresceu 134 vezes e a renda per capita cresceu 14,6 vezes. Embora a desigualdade
social seja um fenômeno presente em todo o período, o aumento do padrão de vida da
população mundial é uma realidade incontestável. Entre 1820 e 2015, a parcela da população
mundial vivendo abaixo da linha da extrema pobreza caiu de 94% para 10%. Nos últimos 250
anos a esperança de vida ao nascer global passou de cerca de 24 anos para cerca de 72 anos (o
tempo de vida médio foi multiplicado por 3 vezes). A percentagem de pessoas passando fome
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foi reduzida drasticamente e hoje em dia se morre mais de obesidade do que de desnutrição. A
grande maioria da população mundial tem acesso a energia elétrica, geladeira, fogão, celular e
outros itens de consumo que eram inacessíveis para gerações passadas (Alves, 03/10/2018).
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Mesmo se, hipoteticamente, eliminarmos da contabilidade a população dos países ricos (de
cerca de 1,3 bilhões de pessoas), os restantes mais de 6 bilhões de habitantes continuariam
tendo um déficit ambiental. Nos anos 2000, as emissões de gases de efeito estufa (GEE) dos
países ricos diminuiu, enquanto as emissões de GEE do resto do mundo cresceu em ritmo
acelerado. Os muito pobres emitem pouco GEE, enquanto estão na extrema pobreza, mas na
medida em que avançam na qualidade de vida (e no IDH) passam a ter uma emissão total
significativa.
Por conta de tudo isto, a população importa, pois o crescimento demográfico tem contribuído
para a degradação ambiental e para a insustentabilidade da vida humana na Terra. Um dos
ambientalistas mais famosos e mais compromissados com a discussão sobre dinâmica
demográfica e meio ambiente é Sir David Attenborough. Em 2011, ele falou na Royal Society
(10/03/2011) e mostrou que há 50 anos já se sabia que a Terra estava em perigo de perder um
número significativo de seus habitantes - tanto animais como plantas. Ele disse:
“Há cinquenta anos, quando o WWF foi fundada, havia cerca de três bilhões de pessoas na Terra.
Agora são sete bilhões. Mais do dobro e cada um deles precisando espaço. Espaço para suas
casas, espaço para cultivar sua comida (ou fazer com que os outros cultivem isso para eles),
espaço para construir escolas, estradas, etc. ... Mas o impacto desses milhões extras de pessoas
se espalhou além do espaço por eles fisicamente reivindicado. A disseminação da
industrialização mudou a composição química da atmosfera. Os oceanos que cobrem a maior
parte da superfície do planeta foram poluídos e estão cada vez mais acidificados. E a terra está
se aquecendo. Agora percebemos que os desastres que continuar cada vez mais a afligir o
mundo natural tem um elemento que conecta todos eles - o aumento sem precedentes do
número de seres humanos no planeta”.
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Contudo, a preocupação com o volume populacional global e com o permanente crescimento
demográfico é questionado até por ambientalistas que reconhecem a gravidade do problema
ecológico atual. O jornalista e ambientalista George Monbiot, publicou no jornal The Guardian
(07/11/2018) um artigo criticando o posicionamento demográfico de David Attenborough e
dizendo que ele dá mais ênfase ao planejamento familiar do que na denúncia dos efeitos nocivos
das empresas de combustíveis fósseis.
“Em outras palavras, toda a análise é sobre consumo excessivo - como se o consumo de alguma
forma não tivesse nada a ver com o número de pessoas consumindo! Como se o número de
consumidores de classe média não aumentasse ano após ano, uma vez que muitos dos países
em desenvolvimento e emergentes do mundo melhoram os padrões de vida materiais de mais
e mais cidadãos”.
O desafio global mais candente e que requer senso de urgência é a reversão do rumo
insustentável do modelo de produção e consumo mundial. É preciso abandonar a
“crescimentomania” (doença do crescimento a qualquer custo) e considerar que “menos” é
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“mais”. Não vale a pena ficar brigando para saber se os maiores efeitos negativos sobre o meio
ambiente surgem da superpopulação ou do superconsumo. Isto varia de país a país. Qualquer
solução deve reconhecer que a natureza exige menos gente, menos produção de bens e serviços
e menos degradação ambiental.
Referências:
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Textos para Discussão. Escola Nacional de Ciências Estatísticas, Rio de Janeiro, v. 4, p. 1-56, 2002.
http://www.ence.ibge.gov.br/images/ence/doc/publicacoes/textos_para_discussao/texto_4.p
df
ALVES, JED. População, desenvolvimento e sustentabilidade: perspectivas para a CIPD pós-2014,
Rev. bras. estud. popul. vol.31 no.1 São Paulo Jan./June 2014
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-30982014000100013
ALVES, JED. A humanidade já ultrapassou os limites da resiliência do Planeta, Ecodebate,
03/10/2018 https://www.ecodebate.com.br/2018/10/03/a-humanidade-ja-ultrapassou-os-
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ALVES, JED. A crise do capital no século XXI: choque ambiental e choque marxista. Salvador,
Revista Dialética Edição 7, vol 6, ano 5, junho de 2015 http://revistadialetica.com.br/wp-
content/uploads/2016/04/005-a-crise-do-capital-no-seculo-xxi.pdf
Chris Hamilton. Africa: Most of the Global Population Growth, Little Economic Growth, &
Relatively Little Emigration, November 27, 2017
https://econimica.blogspot.com/2017/11/pre-requisite-reading-prior-to.html
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11-15 July 2004 http://isecoeco.org/pdf/Neo-malthusianism.pdf
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LAM, D. How the world survived the population bomb: lessons from 50 years of extraordinary
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https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3777609/
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José Eustáquio Diniz Alves