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TRABALHO DE INFÂNCIA- IPA

Ademais, é relevante considerar o contexto histórico e cultural no qual é inserida a questão da infância
e da adoção. Conforme Lúcia Rabelo (2013), nas sociedades modernas a concepção de criança traduz-
se a partir de uma fase de preparação para a vida produtiva no sentido de vir a ser, isto é, são sujeitos
incompletos, descaracterizados de capacidades, estas restritas á condição de adultidade. A partir disso,
destaca-se a diferenciação entre adultos e crianças mediante a ótica de uma teleologia evolutiva em
que a trajetória de vida é constitutivamente segmentada pelo tempo, sendo; então, a idade não somente
como o que identifica essa diferença, mas também o princípio que a organiza.

Posto isso, é factível compreender de que maneira o sistema de adoção se encaixa nas dinâmicas que
sustentam essa perspectiva. Ainda segundo Rabelo (2013), diante da compreensão de crianças como
sujeitos de direitos, a infância passa a compor o campo de ação dos governos. Uma expressão que
ratifica tal assertiva é a constituição do Estatuto da Criança e do Adolescente que postula uma série de
normas que discursam sobre a criança e suas demandas e necessidades, como o artigo 4º, caput, ECA,
que prevê que “é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público
assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, á liberdade e
à convivência familiar e comunitária”. Desse modo, compreende-se que é imprescindível que haja um
aparato, seja familiar, seja estatal que possa acolher esses sujeitos que estão nesse estágio da vida que
ainda não estão prontos para cuidar de si.

Entretanto, é cabível levantar a questão sobre até que ponto esse aparato institucional legitimamente
garante e prioriza o caráter de agência para a criança como detentora de direitos. A partir da
reportagem, cabe perguntar de que modo o Enzo ocupou esse espaço como ator de sua realidade. Além
disso, em que circunstâncias esse suporte estrutural que se manifesta como o abrigo efetivamente
executa um papel acolhedor na vida dessa criança. Como advoga Leila Torraca (2015), é míster
analisar esses instrumentos governamentais; como a respeito da escuta especial, por exemplo, a partir
de um olhar crítico sobre as maneiras que esses direitos são atribuídos às crianças. Desse modo, é
plausível estranhar ao ler que o Enzo fora devolvido duas vezes antes de ser adotado por uma família,
além de ser distanciado de seus irmãos, cerceando e limitando o estabelecimento de laços afetivos.
Esse aspecto que a notícia traz demonstra um fundo contraditório dessa instituição, considerando que
esta tem por função acolher e proporcionar um suporte para as crianças que são abrigadas, passando a
simbolizar um lugar de constante espera, tanto de afeto quanto de possibilidade de agir. É
fundamental, então, verificar, através da reportagem, que é possível identificar, apesar dos limites
impostos a ele, os ruídos de demandas do Enzo que expressam a sua inteligibilidade de sua condição.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente. 1 ed. Rio de Janeiro: Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro, 1990. p. 144.

CASTRO, Lucia Rabello de. O futuro da infância e outros escritos. In:__________. 1. ed. Rio de
Janeiro: 7Letras, 2013.

FERNANDES, Tatiana. A escuta de crianças no sistema de justiça no Brasil: Ações e Indagações.


DESIDADES. 9, dez 2015, p.51-62.

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