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joaquim.igreja@gmail.com
Emigrar e gritar
Grande parte da minha aldeia beirã, aqui ao lado, emigrou para a França e a Alemanha a
partir dos anos 60 e tenho a perceção, com os olhos da altura e de hoje, da estranheza de viver
numa barraca, da necessidade de poupar para amealhar, da tendência para se fechar no seu
cantinho enquanto as relações não se cimentavam. Os emigrantes adultos, quase analfabetos,
agarraram-se ao trabalho, desligaram-se da sociedade local e não “evoluíram” muito nessas
décadas, voltando para Portugal em cada ano quase iguais ao momento da partida exceto na
carteira. Tornaram-se muitas vezes mansos cordeiros nas mãos dos empregadores, fazendo
“bricolas” e “horas extraordinárias” a esmo, para ocupar o tempo e encher a conta. Entretanto
as coisas evoluíram mas no essencial os portugueses mais velhos continuam estrangeiros
(embora pacíficos) dentro dos países de acolhimento, cabendo à segunda geração ser já mais
local do que portuguesa.
2.Ao ouvir o grito “25 de abril sempre” associado à frase “é preciso fazer outra
revolução”, pensava cá para dentro que revolução fariam hoje os sexagenários que enchiam a
sala de espetáculos em que ouvi as frases. Se cada época merece uma revolução, que
revolução podia merecer a época atual? Não certamente a dos antifascistas mais ou menos
“bem instalados” daquela sala, classes médias sobretudo, que desejariam apenas compor um
pouco melhor a sua pensão de reforma ou antecipá-la. Que alterações radicais defenderiam
para uma nova Junta de Salvação Nacional? Quem aceitaria pôr tudo em discussão em nome
de um ideal, incluindo a situação estável dos “bem situados” na vida?
Na verdade, quando a revolução irromper, se isso acontecer, ela será para alguns, e
nomeadamente para os “instalados”, um choque, como o foi para alguns a revolução de 1974.
A nova revolução, se ela vier, terá como protagonistas os deserdados ou os desesperançados
das gerações mais novas. Mas, para já, dentro deste regime democrático, não se afigura
alteração da normalidade a não ser atomizada na reivindicação isolada, cirúrgica e violenta (ex.
coletes amarelos ou greves “a doer”) ou impressiva (ex. manifestações radicais pelo
ambiente). A sociedade funciona e, diante de certos bloqueios sociais, na falta de uma
revolução que neste momento das sociedades “democráticas” não teria caminho seguro, é por
“provocação e choque” que a sociedade é abanada aos solavancos. Não sabemos para onde
vamos, parece tudo um castelo de cartas, mas sabemos para já que não queremos deitar tudo
abaixo.