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Resenha: A Vida Intelectual

Por Christian Bonetti Barbuto

É preciso entregar-se de todo o coração para que a verdade se entregue.

— A. –D. Sertillanges.

Após meses longe da pena, comprometi-me a escrever uma resenha para o livro
“A Vida Intelectual”, do padre Sertillanges, custe o que custar. Farei o possível
para condensar as belas lições da obra neste texto de estreia em 2019.

“Desenvolver o espírito”: eis o objetivo da vida intelectual. O pensador se move


por elevadíssimos pilares, que só se sustentam se adorados em conjunto; e
talvez ‘adorar’ soe como um verbo demasiado forte para um livro mergulhado na
fé cristã para alguns. Pois digo que não, visto que o autor tem o cuidado de
conferir à verdade o status de “divindade própria do intelectual” desde que sua
inspiração seja Deus, que é tanto a fonte do conhecimento quanto do estudo.
Como diz a oração, “para que em Vós comece e para vós termine tudo aquilo
que fizermos”.

O philo-sophos, ao ouvir a Voz que o chama, é atraído para o abrigo secreto da


verdade, o “celeiro de vinhos”, imagem proposta no capítulo III para nos resumir
a necessidade de solidão e meditação durante o estudo. Só podemos ingressar
nessa cela reconfortante caso trabalhemos com retidão e concentração; para
isso, Sertillanges nos lembre que “todas as grandes obras foram preparadas no
deserto, inclusive a redenção do mundo”. Ao trabalhar honesta e sinceramente,
aproximamo-nos de Jesus ao cultuar sua verdade, seja na solidão da
escrivaninha ou no silêncio da biblioteca.

Mas qual caminho devemos tomar para atingir o celeiro? Primeiramente,


não podemos seguir como a lembre inconstante, mas devagar e ritmicamente
como a tartaruga. Deve-se criar um hábito, uma rotina de estudos que abarque
tanto os momentos de trabalho como de relaxamento, não esquecendo de orar
para que se mantenham a calma e a perseverança, sobretudo frente ao
desânimo e a falta de confiança em nosso trabalho; eis as principais
preocupações de Sertillanges: cultivar o amor ao conhecimento e afastar os
desejos fúteis do cotidiano. Tal tarefa é por vezes árdua ao indivíduo, que ora se
vê rodeado por aqueles que zombam de seus estudos, ora por quem sequer
conhece suas sinceras ações; tais são os corrompidos pelas “pressas” do dia-a-
dia, os escravos da carne.
Relembremo-nos de que a criação apresenta sinais de seu Criador: eis a chave
para a trilha do conhecimento. O autor exorta a necessidade de estarmos
permanentemente atentos à realidade, pois nela “A sabedoria clama nas ruas” e
“prega à entrada dos lugares ruidosos” (Pr 1: 20-24). Esta presença total é como
a curiosidade incessante das crianças, que manifestam sua simplicidade e
desejo sincero do saber através de seus questionamentos. Aliás, Mortimer Adler
vê com importância fundamental que mantenhamos a capacidade das crianças
de formular perguntas sinceras, pois é a atividade filosófica par excellence.

Retornemos à importância do hábito, pois sem ele não há ordem, e sem ordem
não há progresso — com o perdão da invocação do lema positivista[1]. Abro um
pequeno espaço para uma reflexão pessoal que julgo valiosa: “O estudante
desordenado é como um general sob um ataque das musas da inspiração ou
sereias da distração, que, paralisado pelo espanto, deixa seu exército padecer
por falta de ordens”.

O hábito implica a rotina: após a oração matinal, enunciemos em voz alta a


fórmula “sursum corda! ”, que significa “elevemos nossos corações! ”. Pela noite,
que se apazigue o tumulto do dia e se cultive um sóbrio relaxamento, aquele que
colabora para o trabalho subsequente em vez de cansar-nos o corpo e o espírito.
O lar ao cair da noite necessita tranquilidade, silencio, oração e conforto.

Chegamos, agora, a um trecho fundamental do livro: “Os instantes de plenitude”,


no capítulo IV. Aqui, Sertillanges expõe mais uma vez a solidão como condição
ideal do trabalho, e mostra que conhecer o valor do tempo de trabalho é mais
importante do que dispor do maior tempo possível. Mais vale concentrar-se em
duas horas de estudo do que permanecer uma eternidade sobre a escrivaninha.

No próximo capítulo, encontraremos a ideia de uma rede de conhecimentos, na


qual as verdades conversam entre si e nenhuma delas é autossuficiente — até
porque, todas elas vêm do Criador. Uma boa imagem a ser construída aqui é a
de um sítio arqueológico: num trabalho para se encontrar determinado esqueleto
completo, o cientista não irá abandonar tudo após encontrar um único osso. De
modo semelhante nós devemos encarar a verdade que buscamos no trabalho
intelectual: elas nos levam umas às outras, como em uma cadeia infinita.

Gostaria de lembrar ao leitor terceira máxima do pensador segundo Jean Guitton


em seu “O Trabalho Intelectual”: “Agarre-se a um só ponto e gire ao seu redor”;
ou seja, ao estudar algo, extraia tudo o que puder deste objeto e não o deixe
“digerido” pela metade. Eis aí um exercício hercúleo, pois muitas vezes somos
impelidos a buscar várias coisas ao mesmo tempo, da mesma forma como são
as disciplinas no Ensino Médio: lê-se o básico, muda-se de tópico. Isto, tanto
para Guitton como para Sertillanges, é um vício do qual precisamos nos livrar.

Atentemo-nos também às virtudes que devemos guardar em nossos corações:


a prudência, a temperança, a humildade, a perseverança, e, é claro, a tríade
teologal: fé, caridade e esperança. Praticá-las significa submetermo-nos à
verdade, aceitar as críticas corretas, deixar desvanecer nosso orgulho, e eliminar
a soberba através nossas preces.
Seguindo para o fim da obra, Sertillanges trata da necessidade de sobriedade
ao escolhermos nossas leituras. Não se deve atolar o cérebro com futilidades,
mas sim “ler inteligentemente, não apaixonadamente”. Deve-se dar pouca
atenção aos jornais, lendo-os com intensidade semanal e focando apenas nas
urgências da atualidade, e, não nos esqueçamos que os momentos de
recolhimento são tão importantes quanto os de leituras relaxantes.

Além disso, ao lermos obras de formação, deixemos as críticas para depois do


pleno entendimento da questão discutida — e eis uma concordância com o que
diz Mortimer Adler em Como Ler Livros. Devemos, pois, aproveitar o longo
trabalho dos gênios das gerações passadas, pois eles já mergulharam na
essência do espírito humano e nos legaram obras fantásticas que simplificam o
entendimento de tudo. Pois, “Só penetramos na intimidade dos gênios
participando de sua inspiração; escutá-los de fora é nos condenar a não ouvi-
los”. Aqui, Sertillanges dá o primeiro passo para o trabalho criador, para além do
estudo e da meditação.

Por fim, vemos a importância da determinação de escrever e não ter medo de


começar; breves palavras sobre o estilo, que deve ser honesto e sóbrio. O
serviço que prestamos à verdade deve ser heroico a pondo de requisitar nossas
vidas; tenhamos constância, paciência e perseverança e daqui tudo se seguirá.
É evidente que o caminho é longo e árduo, mas as delícias deste sonhado
“celeiro de vinhos” valem nossos esforços. Utilizando estes conselhos e
métodos, acredito que podemos alcançar resultados belíssimos e de suma
relevância num mundo dominado por falsos intelectuais. Tenhamos a iluminação
da graça de Deus como guia e Jesus como exemplo, pois desta forma os frutos
podem tardar, mas quando vierem valerão o esforço do bom combate.

[1] Lema demasiado cancerígeno, a propósito [Nota do Editor].

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