indisciplinado. Cap. II Belo Horizonte: Editora UFMG, p. 73-123. Rodrigo da Cunha Brites Helena Bomeny é professora titular de Sociologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e chefe de Departamento de Sociologia do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da UERJ. A autora atua principalmente nas áreas de educação, pensamento social brasileiro e teoria sociológica. Dentre alguns seus escritos, encontram-se “Os Intelectuais da Educação” (2001), “Avaliação e Determinação de Padrões na Educação Latino-americana” (1997) e o discutido nesse trabalho “Darcy Ribeiro: sociologia de um indisciplinado” (2001). Objeto de seu estudo nesse livro, a obra de Darcy Ribeiro, representa “o empenho em explicar o país dos contrastes profundos com reflexos na forma de tratamento aqui conferido aos deserdados da ordem econômica e social” (BOMENY, 2009, p. 340). Uma sociologia que se encontra com as categorias marxistas de pensamento, mas adaptada ao contexto nacional brasileiro que apresenta distinções étnicas-raciais determinantes. Tal adaptação somada a necessidade de colocar na prática política seu conhecimento teórico, levou Darcy Ribeiro a um antielitismo marcante, visto que para ele “entregue às elites, o país perdeu suas chances de se firmar como projeto próprio: ao contrário, o Brasil surgiria como espécie de subproduto indesejado de um empreendimento colonial” (BOMENY, 2009, p. 343). E é esse o referencial teórico utilizado por Helena Bomeny para discutir a educação brasileira. O título do segundo capítulo de seu livro, “Brasil como problema”, já indica o destaque dado pela autora a própria constituição da nação brasileira e as consequentes fraturas sociais desse processo que se refletiram na educação. São essas estruturas provindas do antigo sistema colonial que para Bomeny explicam o tipo de construção do nosso sistema educacional: secundário na pauta das elites e excludente das camadas mais pobres. Uma construção pressionada pelo lento desenvolvimento econômico do país e no qual se destacaram a ação do Estado e dos grupos da sociedade civil. A inicial e mais importante parte desse capítulo, “A mancha da nação”, discute a própria educação como ferramenta para a produção de uma nação e a dificuldade desse processo em um país com heranças do sistema escravista. Primeiro, é importante dar destaque a essa noção de construção. A ideia de nação como um espaço onde se compartilha uma cultura, um idioma, costumes, normas e símbolos comuns entre diversos indivíduos é a predominante. Para atingir esse ideal, porém, é necessário que haja um “constrangimento das diferenças internas, forjando uma unidade que tem na socialização básica um de seus pontos cardeais de sustentação” (BOMENY, 2001, p. 74). Nesse sentido, ponto de encontro entre Hobsbawn e Bomeny, seria a concepção de que o Estado faz a nação e não a nação que faz o Estado. A educação, nesse quadro teórico, tem uma importância significativa ao esforço de forjar uma nação. Bomeny afirma que “a educação é um dos mais permanentes instrumentos de socialização de valores” (BOMENY, 2001, p. 74). Mas, paradoxalmente, o mesmo sistema educacional que abre caminho para uma integração nacional de interesse das elites, ameaça a ordem hierárquica tradicional. Imaginem o impacto social de trabalhadores e camponeses aprendendo a ler e a escrever o que quisessem? Então, a solução encontrada pelas elites foi o controle direto sobre a distribuição e o conteúdo da educação para que não houvesse uma perda e sim uma reprodução das estruturas sociais. Em seguida, a autora compara os processos de formação dos sistemas educacionais da França, dos EUA e do Brasil. Para os franceses o desenvolvimento de um sistema de educação básica nacional sob responsabilidade do Estado representou a própria construção da nação, principalmente pela difusão do idioma francês. Nos EUA, a educação nunca foi projeto estatal, mas de núcleos autônomos que difundiam os valores da individualidade e do sucesso através do trabalho. Já no Brasil, as marcas do sistema escravocrata e do racismo institucional levam nossas elites a ignorar a preeminente concepção da educação universal e a restringi-la na intenção de manter sua posição de poder social. Por isso, “o Brasil como problema é a saga de uma nação que mantém a mancha original de restrição a uns poucos dos benefícios coletivos necessários à construção de um conjunto maior” (BOMENY, 2001, p. 82). Apesar dos problemas de medição, o início do século XX conta com 74,6% da população brasileira de analfabetos. Além do desinteresse da elite nacional em promover programas de educação básica, havia a baixa demanda social por educação dado o isolamento da população e sua falta de mecanismos para se expressar (p. 85). A Constituição de 1891, por exemplo, só permitia aos alfabetizados votarem, excluindo-se assim grande parcela da população do próprio ato de cidadania. Porém, as pressões pelo estabelecimento de um mercado de assalariados, de uma incipiente indústria, e a disputa pelos eleitores, serão algumas das variáveis impulsionadoras de um projeto alfabetizador. Assim, somente com a Reforma de 1925, é que se criou um órgão técnico que tivesse na educação seu enfoque central. Essa necessidade de serem organizadas estruturas estatais responsáveis pela educação surgiu também da difusão do ideal progressista da época que comparava o Brasil as potências europeias e nos colocava em patamares inferiores de civilização. O trabalho e a necessidade de qualificação para trabalhar, assim, passam a ser valorizados e entendidos como “o passaporte para o convívio no mundo civilizado” (BOMENY, 2001, p. 90) a partir do momento que a ideologia de mercado passa a se tornar dominante. Nesse sentindo, impulsionam-se políticas de branqueamento da população – extremamente racistas – com a imigração de mão-de-obra europeia para substituir a local. Mas a contingência externa da Primeira Guerra Mundial, leva a necessidade de lançar um novo olhar para a mão-de-obra interna e passar a qualificá-la através do ensino técnico. Importantes movimentos da sociedade civil surgem nesse mesmo período para discutir as questões educacionais: a Escola Nova e a Associação Brasileira de Educação. Segundo Bomeny, “a ABE abrigou em seu programa de debates e conferências a elite dos educadores que se empenhavam em difundir no Brasil os avanços no campo da educação em vigor na Europa e nos EUA” (2001, p. 96). Seria um projeto de “higienização” do brasileiro, difundindo os valores do trabalho e da produtividade. A Escola Nova imbuída do cientificismo, para além de planejar um programa de difusão educacional, almejava discutir o método pedagógico moderno e a importância da formação de quadros qualificados de professores. Importante expoente dessa corrente foi Anísio Teixeira (1900-1971). Serão esses grupos que terão participação efetiva durante a montagem de um sistema educacional no governo de Vargas. Em 1930 então é criado o Ministério da Educação e Saúda, inaugurando uma nova fase das políticas públicas de educação, mas não menos imbuída no debate excludente das massas marginalizadas. “O Estado”, segundo Bomeny (2001, p. 99), “liderou o programa geral de reformas com o objetivo de criar uma unidade de orientação, de sistematizar um conjunto de procedimentos que fossem referência em todo o país”. Alguns atores que participaram nesse processo de lados opostos foram a Igreja Católica – detentora de uma rede de escolas - e os pioneiros da Escola Nova – defensores da “escola pública, gratuita e laica”. Além desses, importantes foram os imigrantes e as demandas empresariais por mão-de-obra qualificada na constituição de um programa nacional de educação. A urbanização da sociedade brasileira deu mais espaço para o redescobrimento do popular em si mesmo. Assim, as demandas populacionais que antes eram praticamente inexistentes, tornam-se na década de 50 outro importante fator de pressão sobre o Estado. Nascem, por exemplo, o Movimento de Educação de Base (MEB), a União Nacional dos Estudantes (UNE) e os Centros Populares de Cultura (CPCs). E junto dessa movimentação popular, Paulo Freire lança suas ideias de uma “pedagogia problematizadora” com enfoque na alfabetização de adultos, dando novas linhas de discussão pedagógica e reafirmando que “Todo ato educativo é um ato político”. O desconforto das elites perante esses movimentos e uma nova reorganização das forças políticas internas e externas se expressam com o Golpe de 1964, interrompendo a efervescência popular e abrindo espaço para uma educação altamente burocrática com enfoque no mercado. Mesmo assim, há de se destacar que o milagre econômico brasileiro da década de 70 permitiu a expansão de vagas universitárias e a criação de diversos programas de pós-graduação. Mais uma vez o enfoque é dado na reprodução da intelectualidade das elites e ignorado o ensino básico como prioridade governamental. Característica que em parte irá se alterar com a redemocratização quando “muitas vozes se levantaram para denunciar o despreparo dos cidadãos para a vida em uma sociedade urbana, industrializada, a sociedade da informação” (BOMENY, 2001, p. 112). Na última parte do capítulo, Bomeny descreverá a situação educacional do início do século XXI quando ela está escrevendo. Com mais dados disponíveis, ela conclui que a taxa de permanência e qualificação educacional permanecem intrinsicamente relacionadas a concentração de renda e que as propostas de políticas da educação se afastaram dos exemplos francês e norte-americano. E mesmo que “os índices de universalização do acesso à educação básica sejam bastante estimulantes” (BOMENY, 2001, p. 114), a ineficiência do sistema e a alta taxa de evasão, dada as limitações impostas pelas condições sociais dos estudantes. Naquela época apenas 40% dos jovens completavam as oito séries do ensino fundamental, atualmente essa taxa já se apresenta em níveis muito melhores com 75,8 % de concluintes (G1, 2018). Dado recente também que corrobora com a ineficiência do sistema, é que, em 2017, 7 em cada 10 alunos que estavam concluindo o ensino médio não tinham níveis suficientes de compreensão e leitura em português e matemática (G1, 2018). O trabalho de Bomeny é importante tanto para recuperar a analisar o pensamento de Darcy Ribeiro quanto para contextualizar a educação brasileira atual no seu processo histórico. Assim, como ela, considero que analises dessa realidade não podem ser feitas sem levar em conta os interesses das elites do país e muito menos a estrutura étnica-racial herdado do sistema colonial. Da mesma maneira, entender a educação com suas várias faces, dentre elas uma mais voltada a criação da força de trabalho assalariada apropriada ao mercado capitalista e outra mais voltada a libertação do estudante e a democratização das estruturas sociais, é perceber que ela é um espaço em disputa por diferentes grupos. Por isso mesmo, resgatar Darcy Ribeiro num contexto nacional envolto pelo obscurantismo do debate educacional no qual foi aprovada a “PEC do teto de gastos” e no qual se discute a Escola sem Partido, é importante para compreender que “A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto” (DARCY RIBEIRO, 1977).
REFERÊNCIAS
BOMENY, Helena. (2001). Darcy Ribeiro: sociologia de um indisciplinado. Cap. II Belo
Horizonte: Editora UFMG, p. 73-123.
BOMENY, Helena. A aposta no futuro: O Brasil de Darcy Ribeiro. In: Um enigma
chamado Brasil: 29 intérpretes e um país. 2009. p. 338-351.
G1 EDUCAÇÃO (Brasil). Globo. Quase 4 em cada 10 jovens de 19 anos não
A RELAÇÃO DA CLASSE SOCIAL FAMILIAR DOS ESTUDANTES DE ENSINO MÉDIO DE PORTO ALEGRE E REGIÃO COM O SEU NÍVEL DE INFORMAÇÃO SOBRE AS POLÍTICAS DE AÇÕES AFIRMATIVAS PARA INGRESSO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL ATRAVÉS DO VESTIBULAR