Discentes: Maria Eduarda Góes B. da Silva e Mateus Evaldo H. Ferreira.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa. 25. Ed. São Paulo: Paz e Terra (Coleção Leitura), 1996.
Ao introduzir o propósito da obra, Freire indica que abordará aspectos em torno da
relação docência-discência a partir de uma perspectiva progressista, defendendo a importância do exercício da autonomia pelos discentes no processo de aprendizagem através do desenvolvimento contínuo da curiosidade epistemológica em detrimento do dito “bancarismo”, método autoritário, cujos alunos submetidos a tal são tratados como receptáculos inertes do conhecimento depositadopelo educador. Dessa forma, o papel do docente é fundamental para que esse potencial crítico seja instigado nos educando, reconhecendo que ambos são sujeitos; ao não tratar os conteúdos de forma externa a ele, mas apresentá-los como ferramenta para que construa seu próprio conhecimento de modo ativo – processo denominado como o ato de pensar certo. O autor aprofunda sua crítica ao ensino bancário, detalhando o perfil do educador adepto a esse como “mecanicamente memorizador”, passivo às idéias concebidas em seus estudos, nãoanalisadas por um viés de aprofundamento que visa as relacionar e questionar; quepor conseqüência, acabam sendo apenas reproduzidas automaticamente aos alunos, desconexas da realidade desses indivíduos. Assim, enfatiza a problemática disto, pois em seu ponto de vista todos os seres são aptos a produzir novos saberes a partir dos já existentes, e o “bancarismo” ignora tal potencial inerente à do-discência freiriana.
É apontado que a construção desses saberes deve provir da pesquisa, partindo da
transição da curiosidade ingênua; pautada no senso comum e nas experiências práticas, para a curiosidade epistemológica; marcada pela constante pesquisa e criticidade. Apesar das diferenças pautadas, ambas são curiosidades válidas, mesmo a primeira não possuindo o rigor metodológico da segunda. Compete ao educador acompanhar a progressão de uma para a outra, porém não cabe a ele dissociá-la da formação ética proveniente do aluno, ou vê-la como inferior em comparação à sua. Logo, também argumenta que os saberes das camadas populares devem ser respeitados, e que se deve demonstrar ligação entre os conteúdos ministrados com a realidade, iniciando a discussão sobre o porquê dela se configurar de tal maneira, assim como o motivo desses conhecimentos populares existirem. Para que isto ocorra, é imprescindível que o docente se desprenda de qualquer prepotência que crie um descompasso na comunicação com os discentes, e então, com sensatez e tato, tornar o processo de aprendizagem mais didático por meio de exemplos contíguos a eles, afinal o pensar certo é um ato comunicante e de constante renovação, por isto, o próprio educador deve refletir sobre a prática executada, cauteloso que esta não vá propender à mera transferência de teorias, mas ao despertar no interlocutor a capacidade de inteligir as informações com as quais tem contato. É vital que, dessa forma, o educando se reconheça, enfim, como sujeito histórico ativo ao efetivar a assunção, e que isto não obrigatoriamente culmina num apagamento do “outro” em suas dimensões identitárias e culturais.
Posteriormente, retoma-se a questão central interpelada no texto: ensinar não é transferir
conhecimento linearmente, mas possibilitar que seja produzido com autonomia, atribuída ao pensar certo, que abarca trocas constantes entre estes dois elementos inter- relacionados, antagônica ao ensino limitado. Deve ser aberto espaço para iniciativas derivadas dos alunos, como perguntas, curiosidades, questionamentos; que a fim de serem estimulados requerem engajamento do professor. O autor discorre do ponto que assume o inacabamento do ser humano estar imerso na essência própria da experiência vital. Assim, a partir do momento que o ser se coloca consciente de sua inconclusão, é estimulada a noção de ausência do teto limite para explorar. Em um estado anterior, sem a compreensão do inacabamento, resulta condicionado à construção de mundo que já existe. É importante pontuar a diferença entre mundo e suporte para entender como as construções criadas no mundo podem ser flexíveis.
Em um primeiro momento, o que existe para o homem é o suporte, esse espaço é
voltado para a criação de uma zona de segurança, com um objetivo bem estabelecido: a transmissão de noções básicas para a sobrevivência. O mundo é uma criação decorrente da intervenção no suporte, ou seja, o âmago dessa experiência é, exatamente, a transformação. O suporte é condicionador, um transmissor de teorias linear, e o mundo é criativo, ativo e adaptável. A problematização, destarte, faz parte da construção do traquejo vital humano, e permanecer em um estado de sujeição às construções sociais do mundo é abdicar do encargo de intervir nele. Ter ciência do inacabamento é ser promovido da posição de objeto para a de um sujeito que não compreende sua presença apenas como uma adaptação ao mundo, mas, como fonte de transformações das estruturas sociais. Aspirando acrescentar essa perspectiva ao educando, carece renunciar as facilidades na didática, tal qual a eficácia da memorização mecânica, haja vista que o âmbito para a construção do processo de educação é uma resultante do estágio de consciência que admite o sujeito como incompleto.
O saber que compreende a autonomia do educando é outro ponto indispensável na
prática educativa, pois desrespeitar a autonomia de cada um é uma transgressão, um desvio ético; tal ato, se produzido por um professor autoritário que aspira a superioridade, desestimula o processo da curiosidade, que poderia promover o educando do saber ingênuo para o epistemológico, indo contra a lógica democrática. Em contraste com esse método autoritário, o ambiente educativo deve ter por essência a dialogicidade verdadeira; visto que essa é a comunicação entre dois sujeitos, na qual nenhum é minimizado perante o outro - essa interlocução os constrói, partindo da idéia que ambos estão inconclusos. Executar o bom senso aproxima o educador ao educando, na medida em que traz subjetividade na visão do professor ao assimilar que existem mistérios por trás da figura do aluno.
Outra perspectiva fundamental a ser alcançada pelo professor é da compreensão das
variadas dimensões que constituem a prática, dado que o ato de aprender não é restrito apenas ao desempenho na adaptação do ser a uma conjuntura pré-estabelecido, mas, para recriar essa realidade. A capacidade de aprender reúne a competência de assimilar a substantividade do objeto apreendido, então, aplicar a metodologia mecaniscista no perfil do objeto não trata o aprendiz como um sujeito crítico e sim como um ordinário recipiente buscando algo para se preencher, sem questionar, alheio à construção do conhecimento. Aprender, desse modo, ultrapassa repetir conteúdos; é campo de construção e releituras. Tal enfoque faz compreender o contexto como moldável, não inexorável; assim, cabem indagações sobre alguns de seus componentes, em recusa a determinações que fariam parte de forma fixa a realidade, algo que não mudaria nem em uma situação alternativa. O sujeito não se adapta às circunstâncias, e sim projeta soluções para moldar a realidade.
Freire reconhece a postura do educador que necessita auto-afirmar constantemente a
posse de autoridade como empecilho a fim de que o processo supracitado se efetive, e suscita que este deve possuir segurança em sua postura e competência - não apenas científica, mas existente ao dar voz ao outro e escutá-lo criticamente, não o caracterizando como objeto de seu discurso, mas configurando um diálogo vocalizado por ambos. Ao discriminar, o docente se distancia da compreensão desses indivíduos numa atitude antidemocrática e elitista. No entanto, o autoritarismo explícito nessa atitude de forma alguma deve ser confundido com autoridade, pois, para o autor, a última não é legítima se estiver distante da liberdade; com prudência a não se expandir até o ponto de tornar-se licença desprovida de quaisquer limites. Não havendo então neutralidade no espaço escolar, o docente deve atuar como sujeito de opções marcado pela criticidade, e não de omissão das injustiças, pois a educação é dialética e não atua simplesmente como quem reproduz ou desmascara as ideologias, inevitavelmente manifestas na sociedade e que por vezes habitam as entrelinhas; em decorrência, repercutidas em sala de aula. Portanto, nesse emaranhado de ideias, os sujeitos que integram a do-discência devem ser conduzidos pela educação para que se descubram e aperfeiçoem como agentes concebidos de autonomia, de modo a intervir conscientes meio que estão imersos.