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A EVOLUÇÃO INDUSTRIAL
DE MEADOS DO SÉCULO XIX AO FINAL DA
I.ª REPÚBLICA
___________________________________________________
Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos
necessários à obtenção do grau de Mestre em História, realizada
sob a orientação científica da Professora Doutora Maria
Fernanda Rollo
FEVEREIRO DE 2009
2
Para os meus pais
3
AGRADECIMENTOS
Não teria sido possível esta tese sem o auxílio dos diversos profissionais que me
acompanharam nos diversos arquivos por onde a investigação decorreu. O meu especial
agradecimento para a Dra. Rosa Ávila, para a Dra. Mónica Marques, para o Dr. Rui Pereira e
para o Dr. Vasco Brito, e para todos os funcionários do Arquivo do Arco do Cego da CML.
Retribuo também o carinho e o profissionalismo que me foi dedicado no gabinete de Estudos
Olisiponenses e na Torre do Tombo.
Uma palavra também para os vários amigos que compartilharam dúvidas e angústias.
A maior gratidão pertence ao André Costa, pelos incansáveis momentos de tertúlia
historiográfica que se revelaram essenciais na árdua tarefa de isolar os verdadeiras questões
levantadas por este trabalho.
Para ti Marta, por saberes que o tempo é sempre maior que o silêncio da espera.
4
RESUMO
I.ª República
5
Quando chegamos ao fim do século XIX a efectividade do desenvolvimento urbano de
Alcântara era subsidiário, em grande parte, da sua singular localização geográfica no contexto
de Lisboa. A mudança de século, contudo, revela o duplo efeito do processo industrialização
no bairro. À medida que o pulsar industrial vai promovendo o seu desenvolvimento urbano e
uma mais ampla integração em Lisboa, vai cerceando também muitas das vantagens que o
bairro possuía num primeiro momento, um fenómeno visível, sobretudo, na diminuição do
espaço disponível para o assentamento industrial de medias e grandes unidades.
A década de 1920, e as dificuldades aí sentidas constitui-se, desta forma, como os
anos nos quais se torna mais visível o esgotamento do modelo de desenvolvimento perseguido
no bairro depois de 1840.
O âmbito cronológico perseguido neste trabalho vai assim entre 1840, quando são
instalados no bairro as primeiras unidades de perfil moderno, e a década de 1820, quando
desaparecem do seu tecido produtivo muitas das unidades criadas no século XIX.
6
ABSTRACT
I.ª República
This study focuses on the rise of Alcântara as Lisbon’s main industrial neighbourhood
between the mid-19th Century and the second decade of the 20th Century. Seeking to
determine in what ways its industrial fabric evolved in that period, the work focuses its
analysis on the identification and understanding of the factors which, at any given moment,
were decisive not only in attracting new establishments but also in the permanent fashioning
of the productive fabric of the neighbourhood as a whole.
From 1840 onwards, Lisbon begins to experience a relevant modern industrial
development. In the face of this significant urban development, the city centre, because of its
spatial limitations, is unable to accommodate medium or large sized industrial establishments.
As these industries sought peripheral spaces adjacent to the city centre, Alcântara, due to the
set of characteristics it possessed, put forth its advantages in comparison to other peripheral
areas.
Firstly, the free space it had to offer translated into a significant offer of land
available and ready for new units. We should also stress that this land contained an important
number of natural resources essential for the functioning of many activities. What stood out
among these resources was the abundant presence of water, essential for one of the main
activities in the neighbourhood during the second half of the century: fabric printing (de
tecido?).
To these natural advantages, we should add the several infrastructures created in the
neighbourhood during this period, the most relevant of which is possibly the modernization of
the Lisbon Harbour. This was an essential structure as a medium to access raw goods and
energy sources, and equally important as a route through which to channel the goods
produced by the most important companies of the time.
Lisbon’s industrial development played a key role in the city’s demographic and urban
development. From 1860 to 1900, the city registered a large increase in the number of its
inhabitants, thus becoming a natural, adjacent market of fundamental importance in the urban
evolution of the neighbourhood.
7
By the end of the 19th Century, the effectiveness of Alcântara’s urban development
was greatly dependent on its unique geographical placement within the context of Lisbon.
Nevertheless, the dawn of the new century reveals the double effect the process of
industrialization had on the neighbourhood. As the industrial pulse continues to promote its
urban development and a broader industrial integration in Lisbon, it also reduces many of the
advantages the neighbourhood originally possessed, a phenomenon mostly visible in the
diminishing of available space for the settlement of medium or large-sized industrial units in
the area.
The difficulties felt throughout the 1920’s clearly reveal the exhaustion of the
underlying model of development for the neighbourhood, which had been followed since
1840.
The chronological scope of this work thus ranges from the year 1840, when the first
units of a modern character were introduced in the neighbourhood, to the 1920’s, when many
of the units created in the 19th Century disappear from it’s productive fabric.
8
ÍNDICE
Introdução......................................................................................................... 12
........................................................................................................... 45
10
Anexo 5 – Tipologia e origem da matéria-prima usada em Alcântara ... 130
.................................................................................................................. 140
11
Introdução
1
Veja-se Charles Tilly - “What Good is Urban History?”. Journal of Urban History. Londres: Sage. 22.º vol.,
n.º6 (Setembro de 2004), pp. 702-719.
12
Deriva, desta questão central, um segundo conjunto de problemáticas em torno das
quais estruturamos a nossa análise. Pretendemos perceber, em primeiro lugar, que vantagens
eram específicas da área em estudo quando comparado com as diferentes zonas da cidade no
momento em que ocorre o momento de take-off industrial do bairro? Esta questão pode ser
colocada na forma mais simples, mas igualmente esclarecedora, sob a forma de identificação
do conjunto de factores pelos quais a industrialização pautou decisivamente Alcântara. A
análise da evolução do tecido industrial do bairro faz emergir, por sua vez, diferentes
interrogações, mas nem por isso de menor importância. A de maior relevância será,
provavelmente, a vontade de esclarecer de que forma o perfil de um local como Alcântara
contribuiu para a definição do tecido industrial aí instalado, sendo que as características do
próprio bairro se apresentam mutáveis ao longo dos anos analisados em grande medida como
consequência do próprio processo industrial que aí ia ocorrendo.
13
para o arranque do surto industrial de finais do século XIX. Enquanto investigadores como
Joel Serrão se inclinavam mais para a década de 18902, estudos mais recentes, como os de
Jaime Reis3, baseados em análises quantitativas, falam em taxas de crescimento de cerca de
3% ao ano, o que significa que se pode falar num verdadeiro take-off industrial desde a
década de 1870.
Menos problemática se apresenta a data que escolhemos para finalizar este trabalho.
Não se tratando, entenda-se, de um estudo vincado por uma sólida rigidez nos limites
cronológicos, consideramos que a década de 1920 surge como o período no qual são
colocados novos desafios ao tecido produtivo de Alcântara. Referimo-nos, sobretudo, à
mutação política que representou o fim da I.ª República e o início do Estado Novo, uma
realidade que fez emergir não só uma lógica política e económica diferente cuja análise
resultaria numa vincada dilatação do âmbito cronológico em estudo para além do que é
desejável num trabalho com estas características.
2
Serrão, Joel e Martins, G. (Org.) - Da Indústria Portuguesa: do Antigo Regime ao Capitalismo. Antologia.
Lisboa: editora, 1978.
3
Jaime Reis - “A industrialização num país de desenvolvimento lento e tardio: Portugal, 1870-1913”. Análise
Social. N.º96 (1987), pp. 903-928.
14
Também no campo metodológico, mormente na definição dos limites do nosso objecto
de estudo, optamos por privilegiar uma definição de “bairro de Alcântara” que não obedece
aos diversos traçados de limites projectados pela via administrativa que o local conheceu, mas
assenta na mesma ideia de espaço que era usada pelos contemporâneos ao período em estudo.
Usaremos, nesse sentido, a classificação de “bairro industrial” como sinónimo de “Alcântara”
recorrendo, na verdade, ao uso que do termo era feito, por Augusto d’Esaguy, em 1922, a
título de exemplo, por exemplo, quando descreve Alcântara como «um bairro de trabalho»
marcado pelo «apito do vapor» e pelas «mulheres que descarregam carvão e têm as mãos
enluvadas de negro»4.
Não tem havido em Portugal, como referimos, um grande número de estudos que se
foquem sobre as problemáticas locais. Ainda assim, Alcântara conhece a publicação de três
obras que, de perspectivas diferentes, se centram sobre a sua evolução. A primeira dessas
obras, da autoria de João Paulo Freire, é já da década de1920. Em Alcântara. Apontamentos
para uma Monografia5 o autor procura traçar um perfil global do bairro, através dos relato
dos acontecimentos mais marcantes, sublinhando a importância também de alguns edifícios.
4
Augusto, d’Esaguy - “Alcântara”. ABC- Revista Portuguesa, série III, N.º26 (1922), pp.22.
5
Freire, João Paulo - Alcântara. Apontamentos para uma monografia. Coimbra: Imprensa da Universidade,
1929, p. 22.
15
A industrialização aqui surge, refira-se, não através de uma análise analítica, mas de uma
exposição descritiva de alguns estabelecimentos.
Um dos autores que mais tem debruçado a sua atenção sobre a industrialização de
Alcântara é Jorge Custódio. Destacam-se as obras Reflexos da Industrialização na Fisionomia
e Vida da Cidade8 e Arqueologia industrial do bairro de Alcântara9, ambas um reflexo do
trabalho de Arqueologia Industrial elaborado pelo autor. Além destas obras escreveu também
diversas entradas sobre a industrialização de Lisboa no Dicionário de História de Lisboa, que
apresentam uma relevante perspectiva sobre os caminhos da industrialização de Lisboa,
destacando o papel de Alcântara nesse processo.
6
Lima, Maria Amélia Fonseca Freire de – Alcântara. Evolução Dum Bairro de Lisboa. Lisboa: Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa, 1971, p. 13-15.
7
Vidal, Frédéric - Les habitants d’Alcântara: histoire sociale d’un quartier de Lisbonne ai début du 20e siècle.
Villeneuve d’Ascq: Presses Universitaires du Septentrion, 2006, p.44.
8
Custódio, Jorge - “Reflexos da industrialização na fisionomia da cidade: O mundo industrial na Lisboa
Oitocentista”. In Moita, Irisalva (coord.) O Livro de Lisboa. Lisboa: Livros Horizonte, pp.435-492.
9
Custódio, Jorge, Ribeiro, Isabel, Santos, Luísa - Arqueologia industrial do bairro de Alcântara: estudo e
materiais. Lisboa: Edição da Companhia Carris de Ferro de Lisboa, 1981.
16
entender, esta tese adquire uma maior justificação, ou seja, o preenchimento de um espaço
historiográfico que vai permanecendo vago.
Esta lacuna dirige-nos, naturalmente, para as diversas obras que versam sobre a
industrialização portuguesa ocorrida a partir de oitocentos, no seu todo. Não só porque elas
nos revelam, muitas vezes, importantes pormenores das unidades instaladas em Alcântara
como sobretudo nos apresentam as dinâmicas e as problemáticas gerais da industrialização
portuguesa, no período em estudo, da qual Alcântara não pode ser dissociada.
10
Castro, Armando - A Revolução Industrial em Portugal. 2.ª Ed., Lisboa: Dom Quixote, 1971, p. 33.
11
Cabral, Manuel Villaverde - Portugal na Alvorada do Século XX: Forças politicas, Poder Politico e
Crescimento Económico de 1890 a 1914. Lisboa: A Regra do Jogo, 1979.
12
Telo António José - “A Busca Frustrada do Desenvolvimento”. In Reis, António (dir.) Portugal
Contemporâneo, Lisboa: Publicações Alfa. 1990, pp. 123-173.
13
Pedreira, Jorge Miguel - Indústria e Atraso Económico em Portugal, 1800-1825: Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas. 1986.
17
De igual relevo revelou-se o trabalho de David Justino, A Formação do Espaço
Económico Nacional. Portugal 1810-191314 que explica, ao fixar a sua atenção na evolução e
nas dinâmicas que impulsionaram a evolução do mercado português, a importância da
localização geográfica de algumas zonas do Pais, mormente, de Alcântara, para o
assentamento industrial.
Refira-se, por último, os estudos de âmbito global mais recentes, sobre esta temática,
sobretudo os já referidos trabalhos de Jaime Reis15 da qual nos interessou, sobretudo, a
análise da temática dos surtos industriais.
São estas, no essencial, as obras que nos permitem situar o caso de Alcântara no
contexto dos estudos globais desenvolvidos sobre a temática da industrialização portuguesa.
Já na terceira parte, por último, centraremos a nossa atenção na resposta dos principais
estabelecimentos de Alcântara aos desafios que lhe são colocados pelo conjunto de
transformações que caracterizou a industrialização portuguesa durante a década de 1920.
14
Justino, José David Gomes - A Formação do espaço Económico Nacional: Portugal 1810-1913. Vol. I.,
Lisboa: Faculdade De Ciências Sociais e Humanas, 1986.
15
Reis, Jaime, ob.cit.
18
Capítulo I
Uma das questões que adquiriu alguma centralidade nas obras que anteriormente se
debruçaram exclusivamente sobre Alcântara é a preocupação em definir os seus limites. Na
verdade, a limitação do objecto de análise nos estudos urbanos tem-se revelado uma
dificuldade recorrente.16 No caso que estamos a estudar as maiores interrogações advêm das
mutações que o espaço do bairro têm sofrido em função das diversas reformas administrativas
de Lisboa.17 Desta transmutação constante resulta uma repetida alteração da dimensão da
freguesia de Alcântara, assim como alguma mutabilidade de territórios entre ela e as
freguesias que lhe são vizinhas, da qual a indefinição com a freguesia de Santos se apresenta
como o exemplo mais óbvio. Um segundo factor que dificulta a precisa noção da área que
constitui Alcântara é uma certa sobreposição entre a sua designação como freguesia e o seu
entendimento como bairro. É verdade que Alcântara conheceu a denominação administrativa
de “bairro” entre 1852 e 1867, abraçando um conjunto de paróquias civis pertencentes à parte
ocidental da cidade. Todavia, apesar desta realidade, o frequente uso desse termo não se
reporta a nenhuma limitação administrativa, mas a uma noção menos rígida do seu
significado, conforme o ângulo que em que se analise Alcântara. João Paulo Freire, no final
dos anos de 1920, define o espaço tendo em conta a sua percepção do que seriam os limites,
diminuindo a importância da estruturação administrativa.18 Na década de 1970 Maria Freire
de Lima centra a sua atenção na identificação de uma “Alcântara popular”, ou seja, elegeu,
como principal elemento definidor do espaço, o sentimento de pertença e a opinião que os
habitantes que entrevistou tinham sobre os limites do bairro.19 Já o estudo de Frédéric Vidal
procura um equilíbrio maior entre as diversas divisões administrativas e o que era usado, no
16
Veja-se, sobre as diversas questões inerentes à definição dos limites de um bairro para posterior estudo Vidal,
Frédéric, ob.cit.. p.44.
17
Para um melhor conhecimento destas reformas atente-se a “Limites da Cidade”. In Dicionário da História de
Lisboa. Santana, Francisco e Sucena, Eduardo (Dir.). Lisboa, 1994, pp. 497-499.
18
Lima, Maria Amélia Fonseca Freire de, ob.cit.. p. 22.
19
idem, ibidem, p.13.
19
senso comum, como sendo o bairro de Alcântara.20 Sublinha, sobretudo, um espaço lato que
mostra importantes similitudes com a paróquia que fora criada no século XVIII.21
Não obstante estes contributos, a demarcação exacta do bairro mantém-se uma questão
em aberto. Por essa razão, e porque pensamos que o estudo da evolução do seu tecido
produtivo sai diminuído se a análise estiver centrada numa definição rígida da sua área,
optamos por entender como bairro de Alcântara o local que reunia um conjunto exclusivo de
vantagens que favoreceu o seu desenvolvimento industrial. Devemos ter em conta, nesse
sentido, não só os estabelecimentos que se enquadram numa zona mais nuclear do seu espaço,
como nos interessam as diversas unidades que localizando-se em áreas exteriores, embora
fronteiras ao bairro, nos permitem ter um maior conhecimento das lógicas de fixação e de
desenvolvimento industrial as quais, estando bem vincadas em Alcântara, não se extinguem
quando olhamos para as freguesias vizinhas. Entendemos também, por outro lado, ser esta a
solução preferível para melhor contornar as dificuldades que nos são colocadas pelo facto de
algumas vias que atravessam o bairro se expandirem para lá dos seus limites. Resulta daí o
20
Vidal, Frédéric, ob cit, p. 45.
21
idem, ibidem, p. 48.
20
facto de estarem contemplados, neste estudo, alguns estabelecimento localizados na Av. 24 de
Julho, para além dos limites impostos pela Av. Infante Santo, e também na Rua da Junqueira
e na Av. Da Índia, a ocidente, depois do marco que corresponde à antiga FIL ou, se
preferirmos, à Cordoaria Nacional.
22
O resumo dos planos urbanísticos de Barcelona e a sua relação com a relação da cidade encontra-se em Nadal,
Jordei e Tafuell, Xavier - Sant Martí de Provençals: Pulmó Industrial de Barcelona (1847-1992). Barcelona:
Columna Edictions, 1992.
23
Ferreira, Vítor Matias - “Modos e Caminhos da Urbanização de Lisboa: a cidade e a aglomeração de Lisboa,
1890-1940”. Ler História, N.º7 (1986), Lisboa: Edições Salamandra, p.101-131.
21
assiste a uma expansão da sua dimensão que a leva a extravasar o núcleo de assentamento
mais antigo24. Este fenómeno de fixação em zonas mais periféricas é liderado, numa primeira
fase, pelos diversos estabelecimentos que doravante passam a escolher espaços mais
periféricos para a sua localização. Afirma-se assim uma tendência para que os locais onde
essa fixação se efectuou inicialmente – embora com unidades bem distintas daquelas que
procuramos agora descrever – tenham esgotado a capacidade para absorver os
estabelecimentos de média e grande dimensão.
Ocorre assim, sinteticamente, uma lógica de assentamento que evolui do centro para a
periferia, por esgotamento do núcleo da cidade, e que vai progressivamente valorizando os
espaços periféricos, entre os quais se encontra Alcântara. Como refere Jorge Custodio «se
num período mais recuado ainda era possível a montagem de uma oficina ou pequena fábrica
no centro urbano (...) a partir dos finais do século quem quisesse crescer por intermédio da
indústria teria de procurar terrenos na periferia da cidade ou nos concelhos limítrofes para
se estabelecer como comerciante-industrial».25
24
Veja-se, para uma melhor percepção de Lisboa neste período, o anexo 3.
25
Custodio, Jorge - “Reflexos da industrialização na fisionomia e vida da cidade: o mundo industrial na Lisboa
Oitocentista”, ob.cit.. p.446.
26
Inquérito Industrial de 1890. Lisboa: Ministério das Obras Públicas, Comercio e Indústria - Direcção Geral do
Comércio e Indústria. Lisboa: Imprensa Nacional, 1891.
22
Na parte mais antiga da cidade, como menciona Jorge Custódio, «a presença fabril
estava condicionada pela própria lógica da ocupação habitacional».27 Este autor mostra-nos
assim que não obstante a presença de várias oficinas de tipologia artesanal, na segunda
metade do século XIX este espaço era caracterizado, essencialmente, por se dedicar à
actividade comercial. Esta era a zona da cidade que, em 1890, estava administrativamente
classificada como 2.º Bairro.
No que respeita ao tecido industrial, esta zona da cidade vinha conhecendo, desde
meados do século XIX, a diminuição de estabelecimentos de maior dimensão. Acentua, por
sua vez, uma tendência para a concentração de actividades que eram pautadas por
estabelecimentos em tudo semelhantes a oficinas. Enquadram-se, nesse grupo, as diversas
unidades que pautavam o sector do papel e da impressão, enquadrando estabelecimentos
como a Companhia Tipográfica, com 32 operários, ou a Minerva Central, com 16.
27
Custodio, Jorge - “Reflexos da industrialização na fisionomia e vida da cidade: o mundo industrial na Lisboa
Oitocentista”, ob.cit.. pp. 455-451.
28
Vasconcelos, Rui Manuel Dias de Almeida e - Indústria e Industriais na 2.ª metade do século XIX: Portugal,
1845-1890. Vol. I. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 1998,
p.138.
23
Localizava-se aqui um tecido produtivo globalmente direccionado para satisfazer as
necessidades emergentes de uma população urbana em crescimento. Destacavam-se as
tipografias, os fotógrafos e outras unidades manifestamente diferentes daquelas que
caracterizamos por assentamento industrial moderno.
Agrupando um longo espaço, era preenchido pelas zonas de S. Paulo e Santa Catarina,
locais próximos de Alcântara, estendendo-se depois até às Amoreiras, a S. Sebastião da
Pedreira, ao Campo Grande e a Benfica. Englobando 42 estabelecimentos que ocupavam 2
520 operários,29 conhece algumas unidades de média dimensão que se encontravam
distribuídas por diversos sectores industriais. Uma das maiores era a Companhia Nacional
Editora. Situada no Bairro Alto, pertencia ao ramo do papel e da impressão e laborava 165
operários. Já nos têxteis destacava-se a Sociedade da Fábrica de Lanifícios do Campo
Grande, com 160 trabalhadores, um dos estabelecimentos mais emblemáticos da
industrialização de Lisboa, neste período.
Pela sua grande extensão e diversidade, as diversas zonas do 3.º Bairro obedecem a
lógicas de desenvolvimento diferentes. Na verdade, a grande parte das unidades de média
dimensão que aparecem aqui instaladas localizam-se nas áreas fronteiras a Alcântara,
beneficiando de muitas das vantagens aí existentes. Enquadram-se, essencialmente, nos
sectores metalúrgico e da construção. É o caso da empresa de construções navais H. Parry &
Sons, com 127 operários, mas também a Previdente e a Fundição Vulcano que terão, como
veremos posteriormente, uma estreita relação com o tecido produtivo do bairro. Refira-se, por
último, que pertencia ao Estado uma das unidades de maior relevo, a Imprensa Nacional, com
396 operários.
29
idem, ibidem, pp. 139-140.
24
À semelhança de Alcântara, também a zona oriental da cidade se apresentava, nestes
anos, como marginal face ao centro. Administrativamente, só em 1885 passou a pertencer ao
concelho de Lisboa, tendo formado até aí o Concelho dos Olivais. Nessa data foram
agrupadas ao concelho de Lisboa as freguesias do Beato e dos Olivais fruto, provavelmente,
do desenvolvimento industrial que este espaço já conhecia. Relevante para esse progresso foi,
certamente, para além do seu perfil periférico, a criação de algumas infra-estruturas
importantes, sobretudo a Linha de Caminho-de-ferro do Leste e do Norte, a qual promoveu o
assentamento industrial do espaço compreendido entre a estação de Santa Apolónia e
Sacavém.30 Não cabe aqui, todavia, a análise cuidada dos factores que transformaram o 1.º
Bairro num local de grande atracção para as diversas unidades industriais que aí se
instalaram.31 Sublinhe-se, sobretudo, a sua importância no contexto de Lisboa, expressa na
quantidade de grandes e médias fábricas que laboravam no início da década de 1890.
Segundo o Inquérito Industrial de 189032 o 1.º Bairro tinha, nessa data, 5 565
operários distribuídos por 84 estabelecimentos.33 O sector do tabaco apresentava-se como um
dos mais importantes. Laboravam aqui a Fábrica de Tabacos de Xabregas, com 518
operários, e a Fábrica Lisbonense de Tabacos, com 2 067 trabalhadores. Já no sector têxtil
encontramos a Companhia da Fábrica de Algodões de Xabregas, conhecida como a “Fábrica
Samaritana”, que tinha passado de 191 operários, em 1881, segundo o inquérito industrial
desse ano,34 para 507, em 1890. Também no sector da metalurgia este espaço conhecia alguns
estabelecimentos de dimensões que importa sublinhar, como a fábrica de armas e de fundição
de canhões do Campo de Santa Clara, com 526 trabalhadores, e da pregaria de H. Schalck,
Sucessores, com 136. Quando chegamos à década de 1890 a única área da cidade que
rivalizava com Alcântara e com toda a área ocidental da cidade, em número de
estabelecimento, na quantidade de operários e no recurso a maquinaria moderna era a zona
oriental da cidade.
30
Custódio, Jorge - “Reflexos da industrialização na fisionomia da cidade: O mundo industrial na Lisboa
Oitocentista”, ob.cit.. p. 468.
31
idem, ibidem, pp. 467-472.
32
Segundo Vasconcelos, Rui, ob.cit.. p.137.
33
Vasconcelos, Rui, ob.cit.. p. 137.
34
Resumo do Inquérito Industrial de 1881. Lisboa: Ministério das Obras Públicas, Comercio e Indústria
(repartição de estatística) - Direcção Geral do Comércio e Indústria. Lisboa: Imprensa Nacional, 1883.
25
das dinâmicas gerais que lhe estão subjacentes, como o processo de desindustrialização do
centro da cidade e a fixação de actividades que comportam unidades de maiores dimensão,
como o têxtil e a metalurgia, preferencialmente fora dos limites do centro. No mesmo sentido,
a afirmação do bairro também não pode ser dissociada do próprio crescimento industrial da
área da cidade em que se insere.
A zona ocidental, sendo pautada, na totalidade, por uma acentuada periferia apresenta-
se, em 1890, como o locais da cidade que conhecia um maior assentamento industrial desde
meados do século XIX. Contava nessa altura com 69 estabelecimentos e 4 325 operários, no
seu todo.35 Destacavam-se as unidades ligadas à transformação de algodão, as estamparias e
tinturarias e os lanifícios. Este ramo, aquele que dominará também Alcântara, é o mais
importante do 4.º Bairro, com 9 empresas e 2159 operários.36 Emergiam, também,
fundamentalmente, o sector da alimentação e bebidas, os curtumes e a cerâmica.
Alcântara deve assim a sua afirmação, em grande medida, por estar enquadrada na
zona da cidade mais industrializada. São exemplo do dinamismo dessa zona os casos dos
bairros Bom Sucesso, no antigo Concelho de Belém, e o da Boavista.37 Ambos conheciam,
igualmente, um desenvolvimento industrial que se traduziria, de certa forma, num
enquadramento decisivo para o desenvolvimento industrial do bairro.
35
Vasconcelos, Rui, ob.cit.., pp.140-141.
36
idem, ibidem, pp. 140-141.
37
Custódio, Jorge - “Reflexos da industrialização na fisionomia da cidade: O mundo industrial na Lisboa
Oitocentista”, ob.cit.. pp.459-462.
38
Ferreira, Vítor Matias, ob.cit.. p.103.
26
1755. Na realidade, enquanto Frederico Ressano Garcia ia estruturando a cidade, depois de
1874, seguindo o modelo que o Barão Haussmann utilizara para Paris,39 Alcântara era ainda
caracterizada, no início da década de 1860, pela convivência entre o traço marcadamente
rural40 que pautou o espaço até o seu desenvolvimento industrial se tornar mais efectivo, a
partir de meados de oitocentos, e a emergência de um tecido produtivo de cariz industrial que
começava a transformar a face do bairro. É precisamente da herança rural que resulta a
existência de um vasto conjunto de terrenos disponíveis para a fixação de novos
estabelecimentos que se constituirá como um dos mais importantes factores de atracção para
as diversas unidades que se vão instalando desde ainda antes de meados do século.
Um elemento decisivo para essa realidade deriva do facto de até ao início da década de
1860, conforme demonstra o anexo 1, o crescimento demográfico e urbanístico diminuto de
Alcântara não ter efectuado uma significativa diminuição da quantidade de terrenos
disponíveis para o assentamento industrial que o bairro oferecia. Na verdade, o
desenvolvimento industrial que já vinha ocorrendo em Alcântara antes deste período não
fomentara ainda um grande aumento populacional no seu espaço. Comprova-o a existência de
apenas 5 331 habitantes que, em 1864, habitavam a freguesia de Alcântara (intramuros).41
Neste ponto o bairro não se diferenciava, sublinhe-se, da restante cidade, que conheceu um
aumento populacional pouco acentuado até meados do século XIX, passando de 169 816
habitantes, em 1801, para 174 335, em 1864.42
39
Para um melhor conhecimento das transformações efectuadas na cidade sob a orientação de Ressano Garcia
atente-se a Silva, Raquel Henriques da – “Os últimos anos da Monarquia: desenvolvimento urbanístico, os novos
bairros”. In Moita, Irisalva (coord.) O Livro de Lisboa. Lisboa: Livros Horizonte, 1994, pp.411-412.
40
A marca da ruralidade no bairro é sublinhada, a título de exemplo, na obra Silva, Augusto Vieira da - A Ponte
de Alcântara e as suas circunvizinhanças. Lisboa, 1942, p.17.
41
Rodrigues, Teresa - Nascer e Morrer na Lisboa Oitocentista: migrações, mortalidade e desenvolvimento.
Lisboa: Cosmos, 1995, pp. 328-329.
42
idem, ibidem, pp. 328-329.
43
Lima, Maria Amélia Fonseca Freire de, ob.cit.. p. 26.
27
industriais, propriamente ditas, as quais atingirão, no final do séc. XIX, uma enorme
relevância no tecido produtivo de Alcântara. Reveste-se aqui, de grande importância, a
Ribeira de Alcântara. A relação entre este canal e o tecido produtivo do bairro, no essencial,
revela-se numa importante fonte de atracção da ribeira para as unidades que necessitavam de
água para o seu funcionamento, quer se trate de manufacturas, quer sejam estabelecimentos
que pertencem a actividades industriais com um nível mais elevado de modernização. Em
relação às primeiras é importante referir aquelas que são próprias do período pré-industrial,
sobretudo as mais ligadas ao aproveitamento dos recursos naturais. Mas o que aqui mais nos
interessa é, essencialmente, o impulso dado por ela às actividades que encontramos a dominar
o tecido produtivo do bairro no último terço de novecentos, e que conheceram um importante
momento de fixação a partir do início do mesmo século, ainda que nesse período, e antes dos
anos de 1840, os seus estabelecimentos nos surjam sob roupagem oficial. Referimo-nos,
genericamente, à globalidade do sector têxtil e, na particularidade, às estamparias, as quais
constituirão o grande motor para o desenvolvimento de um tecido produtivo moderno no
bairro. Seguimos aqui a classificação proposta por Armando de Castro que entende como
tecido produtivo moderno aquele que é caracterizado por «grandes instalações constituindo
unidades orgânicas de produção empregando máquinas e recorrendo a tipos de energia
motriz muito mais potentes, duma mobilidade, “divisibilidade” e controle muito superiores a
tudo quanto era imaginável com as antiquíssimas fontes energéticas utilizadas pelo
homem».44 A unidade moderna, para o autor, é assim marcada pelo recurso à energia do
vapor, por oposição àquela usada até aí, como a eólica, a hidráulica, a animal e a própria força
do homem. Armando de Castro dá como exemplo da introdução dessa modernização em
Portugal, precisamente, dois estabelecimentos dedicados à estamparia que se localizavam em
Alcântara, a Fábrica de Estamparia de Alcântara, detentora de um motor de 26 CV, e a
Companhia Lisbonense de Estamparia e Tinturaria, com 28 CV.45
44
Castro, Armando - A revolução Industrial em Portugal, ob.cit.. p. 33.
45
idem, ibidem, p. 52.
28
Analisaremos com mais pormenor, no segundo capítulo, algumas das actividades que
mantiveram uma maior relação com os recursos naturais de Alcântara. Entenda-se agora,
sobretudo, que do pioneirismo da sua apetência para enquadrar diversas actividades
produtivas, ainda antes de meados de oitocentos, derivou uma certa ideia de Alcântara como
um local natural, no contexto de Lisboa para a localização de actividades viradas para a
extracção ou transformação de matérias-primas. Este facto constitui, por si só, um factor de
atracção para os estabelecimentos de perfil mais moderno que se começam a instalar no bairro
ainda antes de meados do século XIX.
46
Loureiro, Adolfo - Portos Marítimos de Portugal e Ilhas Adjacentes. Vol. III, Parte I. Lisboa: Imprensa
nacional, 1906, p. 216.
29
diversas docas de abrigo para barcos, conforme relata Adolfo Loureiro.47 Na verdade,
precursor das obras do Porto de Lisboa que ocorreriam cerca de trinta anos depois, a
construção do Aterro da Boavista ofereceu às fábricas já existentes em Lisboa e aos
estabelecimentos que se vieram a criar, um novo e nobre espaço. Mas a transformação mais
relevante que Alcântara sofreria, neste período, e que em grande parte é subsidiária da
industrialização que o bairro já conhecia, é a reestruturação do Porto de Lisboa. Trata-se de
uma obra que estará concluída no início da década de 1890 e que enriquecerá decisivamente
Alcântara como um local impar para o assentamento industrial, no espaço de Lisboa.
47
idem, ibidem, p. 453.
48
idem, ibidem, p. 372.
49
idem, ibidem, p. 373.
50
idem, ibidem, pp. 372-373.
51
Silva, Augusto Vieira da, ob.cit.. p. 17.
30
O aparecimento destes terrenos disponíveis para a fixação industrial, numa zona de
grande proximidade ao porto, adquire um maior significado se tivermos em conta a
necessidade elevada de matérias-primas importadas. Esta realidade atingia os sectores que
conheciam um grau de modernização mais elevado e que necessitavam de quantidades
maiores de matéria-prima e de maior força motriz. Era esse o caso do sector têxtil, da
metalurgia e do sector alimentar, os três de maior expressão no bairro, conforme prova o
anexo 5.
Por sua vez, as vantagens competitivas que advinham de uma maior proximidade ao
porto resultavam também do facto de esta infra-estrutura se apresentar como o canal
privilegiado para o escoamento de uma importante parte dos produtos de muitas indústrias
nacionais. Esta era uma realidade que caracterizava, conforme nos descreve Manuel
Villaverde Cabral, olhando para o conjunto da industrialização portuguesa ocorrida em finais
de oitocentos, as unidades maiores e mais mecanizadas, como eram aquelas que pautavam o
sector têxtil, a actividade que conhecia também uma maior implantação em Alcântara53
(anexo 8).
52
Veja-se sobre a dependência energética do tecido produtivo do País, face ao estrangeiro, Faria, Fernando,
Cruz, Luís e Teives, Sofia - “Energia e indústria”. In A História da Energia: Portugal 1890-1980. Nuno
Madureira (Coord.), Lisboa: Livros Horizonte, 2005, p. 85.
53
Segundo o autor a abertura dos mercados coloniais terá representado um papel importante para o
desenvolvimento do sector têxtil nacional, apresentando-se como um mercado essencial para o escoamento os
seus produtos. Veja-se, para um conhecimento mais aprofundado desta temática Cabral, Manuel Villaverde,
ob.cit.. pp. 148.
31
Por último, o Porto de Lisboa terá constituído, igualmente, um elemento de estímulo
para as actividades directamente ligadas ao sector da construção, sobretudo a construção
naval, mas também para os diversos estabelecimentos que se dedicavam a produzir produtos
que serviriam as necessidades que derivavam da actividade exportadora. Destacam-se, de
entre elas, as diversas carpintarias que se dedicavam a produzir as caixas de madeira que
serviam de invólucro a muitos produtos exportados. Sendo indiscutível a importância que o
Porto de Lisboa teve para o desenvolvimento industrial da capital e, de certa forma, de outras
zonas do País, a dimensão da relação entre industrialização e desenvolvimento portuário
requer ainda uma análise geral mais profunda para que se perceba a sua importância pelo
menos para a zona metropolitana de Lisboa. Todavia, o estudo de uma área mais restrita,
como Alcântara, que permite um isolamento desta problemática numa área geográfica mais
diminuta, permite-nos estruturar uma questão. Comparando apenas para as cronologias de
fixação do tecido produtivo sobre as quais nos debruçaremos mais à frente, e a data de
modernização do Porto de Lisboa, e sabendo que muitas das maiores unidades do bairro
estavam em plena laboração antes da década de 1890, qual será o peso da modernização do
porto para o desenvolvimento industrial de Alcântara?
Fruto da evolução que o seu tecido industrial tinha conhecido anteriormente, Alcântara
afirmou-se, como refere Vítor Matias Ferreira, como um dos locais de maior crescimento
urbano no contexto de Lisboa do século XIX. O «aumento da densidade demo-urbanística»54
ocorre, em primeiro lugar, na implantação de fábricas e de armazéns. A industrialização em
54
Ferreira, Vítor Matias, ob.cit.. p. 126.
32
curso teve assim, certamente, um papel decisivo para que no período compreendido entre
1878 e 1890, com uma taxa de crescimento de 62%, nestes doze anos, a zona ocidental da
cidade conhecesse um ritmo de crescimento muito mais acelerado que a totalidade da cidade
de Lisboa. Enquanto o conjunto da capital aumentou a sua população em 29%, o 4.º Bairro
aumentou 34%55. Nas décadas de 1870 e 1880 chegavam, em média, a Lisboa, 2 500 pessoas
por ano.56 No seu conjunto, Lisboa passou de 201 165 habitantes, em 1878, para 300 859, em
1890.57 Eram sobretudo as zonas de Lisboa que conheciam uma maior implantação industrial
que funcionavam como um catalisador para muita da população que acedia a Lisboa
almejando melhorar as suas condições de vida. Esta será uma dinâmica que, sublinhe-se,
pautará o desenvolvimento demográfico da cidade até ao final do século XIX.
55
Vidal, Frédèric, ob.cit.. p. 51.
56
idem, ibidem, p. 54.
57
Rodrigues, Teresa, ob.cit.. pp. 327-328.
58
idem, ibidem, p. 56.
59
Vidal, Frédéric, ob.cit.. pp. 56.
60
idem, ibidem, p. 56.
33
A importância do tecido industrial de Lisboa, como factor primordial de fomento
demográfico e urbanístico, conhecerá apenas uma diminuição quando, a partir da segunda
década do século XX, o assentamento industrial começar a ocorrer em locais mais periféricos
à cidade, sendo esse, a título de exemplo, o caso do Barreiro. Percebe-se assim que em 1930
apenas 3,7% era nascida no distrito de Lisboa.61
61
idem, ibidem, p.56.
62
Inquérito Industrial de 1881:Resumo. Lisboa: Imprensa Nacional, 1883.
63
Custodio, Jorge Ribeiro, Isabel e Santos, Luísa, ob.cit.. p.9.
34
populacional, não só começou a condicionar a implantação de novas unidades, como dirigiu o
tecido produtivo do bairro para uma lógica produtiva de consumo vincadamente local.
64
Rodrigues, Teresa, ob.cit.. pp. 334-335.
65
idem, ibidem, p. 76.
35
subsidiária da implantação industrial ocorrida na década de 1840. Acentua-se, desta forma,
uma certa tendência para se desenvolverem no bairro as actividades que apresentam uma
relação de interdependência com outros sectores industriais.
Já o período compreendido entre 1870 e 1890 constitui-se, por sua vez, como aquele
onde o espaço de Alcântara se afirmou, verdadeiramente, como bairro industrial. O fomento
da década de 1840 permitira, como vimos, o desenvolvimento de infra-estruturas
fundamentais ao crescimento industrial. Além do Porto de Lisboa importa sublinhar também
o caminho-de-ferro, e as diversas vias que se iam abrindo no bairro, como a Av. 24 de Julho.
No mesmo sentido, o crescimento urbanístico de Lisboa fornecia, por um lado, o mercado
natural e próximo para os estabelecimentos do bairro e, por outro, a mão-de-obra que as
unidades que se encontravam em acentuado crescimento necessitavam. Em última análise, o
acentuado fomento do tecido produtivo do bairro, nestas décadas, era subsidiário da
industrialização que já vinha ocorrendo anteriormente, uma realidade que nos leva a
questionar a ocorrência de um surto industrial, no contexto do bairro, e a equacionar uma
ideia de fomento industrial ocorrido numa lógica de desenvolvimento essencialmente
progressiva. Nesta perspectiva, a década de 1870 poderá ser encarada mais como um período
onde a industrialização que já vinha ocorrendo no bairro, há cerca de três décadas, se
manifesta mais visivelmente, e não tanto como sendo um período onde tenha ocorrido corte
com o passado mais recente através de uma aceleração do assentamento industrial, apesar do
grande desenvolvimento ocorrido nesses anos.
No espaço cronológico onde a industrialização terá conhecido a sua fase mais intensa,
entre 1870 e 1890, Alcântara beneficia também, naturalmente, não só evolução do tecido
produtivo de Lisboa que transformara a zona ocidental da cidade no pólo industrial mais
importante da capital, mas também das diversas infra-estruturas que vão sendo criadas no seu
espaço. Importa não esquecer também que nestes anos o bairro beneficia de um ambiente
extremamente positivo que pauta a globalidade do desenvolvimento industrial português.
Resultou, desta forma, que quando chegamos ao final da década de 1880 Alcântara conheça
no seu espaço alguns dos estabelecimentos mais importantes de Lisboa e do País, das quais se
destacavam as unidades ligadas ao sector têxtil.
37
Capítulo 2
Paralelamente à actividade extractiva, foram sendo criadas, ainda antes do século XIX,
diversas unidades manufactureiras, quer no espaço de Alcântara, quer nas suas proximidades.
Importa destacar aí o pioneirismo de algumas unidades das quais o maior exemplo é a
66
Veja-se, por exemplo, Custódio, Jorge - “Reflexos da industrialização na fisionomia e vida da cidade: O
mundo industrial na Lisboa Oitocentista”, ob.cit.. p. 463-465.
67
idem, ibidem, p.434-492.
68
idem, ibidem, p. 464.
38
Cordoaria Nacional. Tendo-se instalado em 1771, torna-se um dos estabelecimentos mais
emblemáticos no relevo industrial da zona de Alcântara durante um largo período.69
69
Veja-se, para um melhor conhecimento da História da Cordoaria Nacional, Reis, António Estácio dos Reis –
“Cordoaria (Fábrica Nacional de)”. In Dicionário da História de Lisboa. Santana, Francisco e Sucena, Eduardo
(Dir.). Lisboa, 1994, p.309.
70
Pedreira, Jorge Miguel - Indústria e Atraso Económico em Portugal, 1800-1825, ob.cit.. p. 97.
71
Veja-se, objectivando um maior conhecimento dos recursos naturais de Alcântara, Lima, Maria Amélia
Fonseca Freire de, ob.cit.. p. 13-15.
72
Pedreira, Jorge - “Indústria e negócio: a estamparia na região de Lisboa, 1780-1880”. Análise Social. N.º 112-
113 (1991), p.541.
73
Nadal, Jordei e Tafunell, Xavier, ob.cit.. pp. 8-82.
39
nos restantes ramos.74 Diga-se, a título de exemplo, que em 1829, e no contexto nacional,
cerca de 75% dos estabelecimentos eram unidades com mais de 25 operários.75 Apesar disto,
as estamparias de Alcântara conheciam uma realidade substancialmente diferente neste
período. Este sector era, na passagem do século XVIII para o XIX, e até cerca de 1830,
caracterizado não tanto pela instalação de grandes unidades, mas pela fixação de pequenos
estabelecimentos que se dedicavam a estampar algodão. Era esse o caso das oficinas de
Aniceto José dos Santos, a de Francisco Luís da Silva, a de José Pereira Pessoa, a de Pedro
Alexandrino do Couto, entre outras.76
Além de nos ajudarem a perceber melhor uma certa predisposição de Alcântara para a
fixação de unidades industriais, importa compreender também a longa permanência de
algumas destas actividades. Elas indiciam que o surgimento do tecido industrial moderno
propriamente dito, não se fez através de um processo de substituição das actividades que
anteriormente vinham laborando no bairro. Pelo contrário, uma das características mais
vincadas da industrialização de Alcântara foi, precisamente, a convivência e a decorrência
entre as unidades e os ramos produtivos que podemos considerar próprios da primeira
Revolução Industrial, e as aquelas de perfil mais moderno, conforme o provam os diversos
fornos de cal patentes no Inquérito Industrial de 1890.
74
Pedreira, Jorge Miguel - Indústria e Atraso Económico em Portugal, 1800-1825, ob.cit.. p. 97.
75
idem, ibidem, p. 77.
76
Cf. Custodio, Jorge - “Alcântara (Industrial)”. In. Dicionário da História de Lisboa. Santana, Francisco e
Sucena, Eduardo (Dir.). Lisboa, 1994, p.33.
77
idem, ibidem, p. 33.
40
2.1. A importância do sector têxtil
78
O impulso conferido à industrialização por Passos Manuel é sublinhado, por exemplo, por Armando de Castro,
que vinca, entre outras coisas, a pauta proteccionista instaurada em 1837. Atente-se, nesse sentido a Castro,
Armando, ob.cit.. p. 30.
79
Uma análise mais profunda das problemáticas abertas em torno desta questão pode ser encontrada em
Bonifácio, Maria de Fátima - “Lisboa, bastião do proteccionismo: pautas, política e Indústria nos anos 30-40 do
século passado”. Análise Social. N.º112-113 (1991), p. 551-535.
80
Justino, José David Gomes, ob.cit. p.108-118.
81
idem, ibidem, p.118.
82
Castro, Armando, ob.cit...p. 49.
41
«a aplicação (...) das grandes conquistas iniciais da Revolução Industrial».83 Surgiram, nesse
sentido, diversas unidades de médias e grandes dimensões, muitas delas na região de Lisboa,
enquadradas numa lógica de fixação que privilegia, tendencialmente, as zonas mais
periféricas e nas quais se enquadra Alcântara.
Tabela 1
Principais estabelecimentos de Alcântara criados antes de 1870
Ano Ramo
Indústria Localização
Formação Industrial
Largo do Conde Barão,
Companhia Perseverança 1809 metalurgia
n.º14
Fábrica Nacional de Produtos Cerâmicos Rua das Janelas Verdes,
1837 cerâmica
Constância n.º40
Companhia de Fiação e Tecidos
Rua de S. Joaquim, n.º8 1838 têxtil
Lisbonense
B. Daupias & C.ª Calvário, 1839 têxtil
Anjos, Cunha, ferreira & C.ª Rua da Fábrica da Pólvora 1840 estamparia
Fábrica de curtumes de António José da Calçada dos Terremotos,
1842 cortumes
Costa n.º9
Fábrica de Pinto & C.ª, Ponte Nova 1842 estamparia
José António Alcântara & Filhos, Rua Velha, n.º2 1842 cortumes
Pinto & C.ª. Ponte Nova 1842 estamparia
83
idem, ibidem, p. 49.
84
Bonifácio, Maria de Fátima, ob.cit.. p.527
42
Fábrica Vulcano Boqueirão do Duro 1843 metalurgia
Fábrica Vitória Rua 24 de Julho 1846 metalurgia
Viúva Lamego & Filhos 1848 cerâmica
Fábrica de Joaquim Antunes dos Santos Aterro da Boa Vista 1852 metalurgia
Fábrica da Companhia Previdente Rua do Instituto industrial 1853 metalurgia
Rua Direita do Calvário,
L. Dauphinet & Castay 1856 metalurgia
n.º33.
Rua Direita de Junqueira,
Monteiro & Filhos 1858 cortumes
n.º74
Companhia União Industrial Lisbonense Rua 24 de Julho 1862 alimentação
Ferreira & C.ª. Rua 24 de Julho 1862 alimentação
António Cypriano Ferreira Rua Velha, n.º59-A 1863 cortumes
Centeno & C.ª Horta Navia 1863 estamparia
Lamas & C.ª Rua da Junqueira, 98 1864 cortumes
Companhia União Fabril Rua das Fontainhas 1865 sabão/velas
Companhia dos Vendedores de tabaco
Rua 24 de Julho 1866 tabaco
Regalia
José Rodrigues Mendes, Sucessores Calçada de Santos, 35 1866 alimentação
Rua Praia da Junqueira,
Caetano Lopes da Silva 1869 extração/gesso
n.º24,
Fontes: Inquérito Industrial de 1881; Catálogo da Exposição Nacional das Indústrias Fabris realizada
na Avenida da Liberdade em 1888; Inquérito Industrial de 1890.
85
Justino, David, ob.cit.. p. 162.
43
num edifício que não continha as condições exigidas para o seu desenvolvimento. Um
primeiro passo para a mudança desta companhia para Alcântara ocorreu quando um incêndio
destruiu parte do mesmo edifício a 12 de Janeiro de 1844, contrariedade a que se juntou a
avaria das suas caldeiras, já antigas. Um ano mais tarde alugou o palácio do Marquez de Niza,
na mesma zona da cidade, cedendo o anterior edifício de Xabregas aos Contratadores do
Tabaco, Sabão e Pólvora. Permaneceram, no entanto, as limitações das instalações em que
agora estava a laborar. A solução passou pela sua mudança para um edifício em Alcântara de
que era proprietário o Conde da Ponte. Tendo as obras começado em 1846, esta mudança
propiciou um acentuado desenvolvimento nas décadas que se seguiram.
É esse crescimento que permitirá que em 1874 tenha já um capital social de 1 000
000$000, sendo nessa altura dirigida por Isidoro Thomás de Moura Carvalho, por Francisco
José Ribeiro e por António José Rodrigues Leitão, sendo a fábrica de Santo Amaro gerida por
António Nery da Silva. Quando se localizou na Rua de S. Joaquim, a Santo Amaro, a unidade
que se dedicava à fiação de algodão importava 400 000 kg de algodão do Brasil e de Angola,
e 2 000 000 kg de carvão.86 Quatro anos mais tarde contabilizava cerca de 700 operários
enquanto, em 1888, evoluiu para 1 181 trabalhadores.87
86
Veja-se “Fábrica de Fiação e Tecidos de Algodão em Santo Amaro”. Diário Illustrado, 3.º Ano, n.º506
(Janeiro de 1874).
87
Associação Industrial Portuguesa - Catálogo da Exposição Nacional das Indústrias Fabris Realizada na
Avenida da Liberdade em 1888. Vol. II, Lisboa: Imprensa Nacional, 1889, p.107.
44
industrial de cariz moderno que era, na verdade, uma tendência comum a todo o espaço da
região de Lisboa. Esta ideia é defendida por David Justino, que sublinha o facto de em
meados do século XIX as fábricas da capital «teriam já uma importância muito superior à
indústria oficinal, quer pela mão-de-obra empregue, quer pela sua capacidade de produção,
em grande parte dependente da força de trabalho»88. Para este autor, a afirmação da fábrica
na região de Lisboa, em detrimento da oficina derivou, sobretudo, do facto de ser na capital
que a máquina a vapor teve uma maior difusão depois de ter sido implantada na década de 40.
Não obstante esta realidade, o desenvolvimento industrial dos anos 40, com o recurso,
ainda que diminuto, a uma maior mecanização, teria uma importante influência na estrutura
do tecido produtivo desenvolvido no bairro anos seguintes. Revela-se, primeiramente, ao
originar a carência de produção de máquinas a vapor e também no fomento da necessidade de
haver quem reparasse a maquinaria que ia sendo instalada. Assiste-se assim, no início da
88
Justino, David, ob.cit.. p. 112.
45
segunda metade de oitocentos, à emergência do sector metalúrgico. Esta seria, na verdade, a
actividade mais beneficiada não só pelo desenvolvimento industrial anterior, como pelo
fomento urbanístico que este começara a promover. Percebe-se, desta forma, que seja aquela
que mais se desenvolveu nos anos de 1850 e 1860. Ana Cardoso Matos refere, nesse sentido,
que a criação de diversas unidades metalúrgicas até à década de 70 «só pode ser explicado
por uma procura mais consistente de maquinaria por parte da agricultura e indústria
portuguesa e pela incorporação crescente do ferro na construção civil.».89 Ao lado dessas
diversas oficinas que já se encontravam em laboração no bairro, emergiram unidades de cariz
moderno viradas para a produção de maquinaria e, na mesma dimensão de importância, para
as diversas obras que a cidade ia conhecendo.
89
Matos, Ana Cardoso de - “A indústria Metalúrgica e Metalomecânica em Lisboa e no Porto na segunda
metade do século XIX”. Arqueologia e Indústria - Revista da Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial.
N.º1 (Julho de 1998), p.94.
46
como Vulcano & Collares,90 nome que adquirirá na fusão ocorrida entre duas empresas, em
1915. A sua história é, contudo mais antiga. No início do século XIX José Pedro Collares,
funda uma pequena oficina na Rua Augusta. Esta unidade conhece uma lenta evolução que a
leva a ter 9 operários, em 1821. Um primeiro grande momento de desenvolvimento ocorre,
precisamente, na década de 40 quando, em 1842, se muda para perto do Largo do Conde
Barão, adquirindo o nome de Fábrica Nacional de Fundição de Ferro e Bronze. Em 1945 o
fundador da oficina primitiva associa os seus filhos José Pedro Collares Júnior, João, Tomás e
António Collares à sua fábrica, que se passou a denominar José Pedro Collares & Filhos.
Apesar do crescimento destes anos, o período de maior dinamismo acontece na década de 50,
acompanhando o progresso que a actividade metalúrgica da zona de Alcântara conheceu neste
período.
Tinha sido criada, em 1820-21, a oficina que dará origem à Fábrica Vulcano. Em
1842 transfere-se para o Boqueirão do Duro, no Bairro da Boavista. Em 1951 a Fundição
Vulcano é arrendada a Henry Peters, também proprietário da Fábrica Fénix, por Jacinto
Damásio, accionista da Companhia Lisbonense de Iluminação a Gás. As máquinas da oficina,
no entanto, tinham sido vendidas a José Pedro Collares. Henry Peters consegue, ainda assim,
adquirir novas máquinas para o funcionamento da Vulcano, dando seguimento à sua
produção. Quando chegamos a 1881 a oficina encontra-se sob a direcção da Viúva Peters &
Filhos. Produzia, nesta altura, máquinas a vapor até 30 CV, engenhos para massas, prensas
para azeite, guindastes, engrenagens, moinhos de trigo, entre outros produtos destinados a
serem consumidos pelas novas e emergentes unidades fabris, não só em Alcântara, como no
contexto nacional. Não podemos dissociar também a sua evolução da expansão industrial que
ocorria à sua volta. Beneficia-a, igualmente, a proximidade ao Porto de Lisboa, de onde lhe
chegam o ferro fundido, o coque e o carvão de pedra. Até 1915, ano em que se fundem, dando
origem à Vulcano & Collares, funcionaram como unidades totalmente distintas. Refira-se, no
90
Custodio, Jorge - “Vulcano & Collares”. In Dicionário da História de Lisboa. Santana, Francisco e Sucena,
Eduardo (Dir.). Lisboa, 1994, p. 965-966.
47
entanto, que apenas a Perseverança, de menor dimensão, pertencia realmente ao contexto do
bairro de Alcântara, tendo fixado fábrica na Av. 24 de Julho.
91
Rodrigues, Teresa, ob.cit.. p.54.
92
Veja-se, para um conhecimento mais aprofundado do debate sobre as condições de vida das populações, e da
proliferação da habitação operária em Lisboa, entre outras obras Pereira, Nuno Teotónio - “Pátios e vilas de
Lisboa, 1870-1930: a promoção privada do alojamento operário”. Análise Social. N.º127 (1994), p.509-524.
93
Faure, Alain - “La Ville et L’Industrie a Paris et en France (1800-1939)”. L’Archéologie industrielle en
France. N.º 35 (Dezembro de 1999), p. 79-21.
48
Em Portugal a legislação que regulamentava a relação da laboração industrial com
desenvolvimento urbano surge na década de 60, com a Lei de 5 de Julho de 1863 e o Decreto
de 21 de Outubro de 1863. Esta legislação classificou os estabelecimentos considerando o seu
nível de insalubridade e os malefícios que pudessem causar à saúde pública, distribuindo-os
por três tabelas gizadas em função dos seus níveis de perigosidade. Na primeira encontravam-
se as unidades que se deviam situar fora das povoações por terem elevados níveis de
perigosidade. Na segunda eram referidos os estabelecimentos cujo funcionamento envolvia
acções incómodas ou insalubres, mas que não obriguem a um afastamento das populações.
Em terceiro lugar estavam os que representavam pouco perigo, podendo ficar instalados
dentro das povoações, ainda que fiquem sujeitos a vistorias regulares da polícia.
Esta legislação obriga à obtenção de uma licença concedida pelos Governos Civis para
que um estabelecimento, pertencente à primeira e segunda classe, possa seja fundado,
respeitando várias condições prévias para o seu assentamento, como a segurança das
máquinas a vapor e a altura da chaminé. As unidades têm ainda que respeitar uma distância
mínima para as habitações, estabelecida de acordo com o seu nível de perigosidade. As
referenciadas como sendo de primeira classe não podiam fixar-se perto das habitações, sendo
a distância a que se situavam estabelecida pelo Governo civil. As da segunda classe poderiam,
em alguns casos, estar perto de casas, mas a sua fixação estava sujeita a uma prévia avaliação.
Já às da terceira classe é permitido estar perto das habitações, mas sujeitas a uma vigilância
permanente.
Na rede de análise mais fina que nos é facultada pelo estudo de um bairro, como
veremos, é evidente que a evolução do tecido industrial parece ter conhecido alguns
momentos em que o seu crescimento foi mais efectivo, como a década de 1870.
Vimos que a industrialização tinha sido estimulada, desde o final da década de 30,
quer pela pauta proteccionista de 1837 quer, no caso da estamparia, também pelo contrabando
de panos de algodão para Espanha. Com os anos 70, todavia, este sector passa a ser
impulsionado, maioritariamente, pelo aumento da procura nacional.98 Chegados a 1870, o
sector seria, a par com o sector têxtil propriamente dito, aquele com mais estabelecimentos na
capital, contabilizando 11 unidades, enquanto existiam 10 estabelecimentos de dimensão
94
Reis, Jaime, ob.cit.. p. 214.
95
idem, ibidem, p. 213.
96
Esta ideia era defendida, por exemplo, por Joel Serrão. Para um conhecimento mais aprofundado da tese deste
autor veja-se, Serrão, Joel, ob.cit.
97
Rodrigues, Teresa, ob.cit.. pp. 327-328.
98
Pedreira, Jorge Miguel - “Indústria e Negócio: a Estamparia na Região de Lisboa, 1780-1880”, ob.cit.. p.555.
50
significativa que se dedicava, à fiação e à tecelagem de algodão e 13 aos lanifícios.99 Estão
ainda referenciadas, de acordo com estas dimensões, 6 metalúrgicas e 6 estabelecimentos
dedicados ao tabaco. O seu pioneirismo, na perspectiva da instalação de unidades modernas,
no contexto nacional, segundo o mesmo autor, é provado pelo facto de estas ainda terem, em
1881, uma maior recorrência à energia do vapor, dado que usavam 1,44 de CV por
trabalhador, enquanto a metalurgia usava 0,25 CV, os lanifícios 0,35 CV e a fiação e
tecelagem 0,37 CV.100
Uma das que adquiriu um nível mais elevado de modernização foi a Companhia de
Estamparia de Alcântara. Fundada em 1876, na Quinta do Inferno, para produzir chitas,
zuartes e lenços, passou a tingir algodões em 1879, ocupando já 80 operários aquando do
inquérito de 1881. Um outro exemplo da importância que a estamparia adquiriu em Alcântara,
como um dos motores do desenvolvimento do seu tecido produtivo moderno, foi a sua vizinha
Companhia Lisbonense de Estamparia e Tinturaria de Algodões. Sendo dois anos mais nova,
esta fábrica, situada na Rua da Pólvora, tinha uma dimensão superior, dando trabalho a 106
operários e usava 135 CV de energia distribuídos por três caldeiras a vapor. Todos os
elementos que constituem o processo produtivo desta unidade servem para compreendermos
que Alcântara constitua um local privilegiado para o desenvolvimento das estamparias neste
período. A produção da Companhia inicia-se com a importação de panos de algodão de
Inglaterra que são, posteriormente, e através da estampagem e da tinturaria, transformados em
chitas e em lenços pelas três caldeiras a vapor que a Companhia detinha. A mesma lógica de
produção estará na origem da fixação da Centeno & C.ª. Fundada ainda em 1863, na Horta
Navia, para a estampagem e tinturaria de algodões dedicou-se depois de 1866, todavia, à
moagem de cereais. Mas em 1875 regressa ao sector da estamparia apresentando-se, em 1881,
como um estabelecimento de média dimensão, com 90 operários.
99
idem, ibidem, p. 555.
100
idem, ibidem, p. 537.
51
recursos naturais existentes no bairro. A lógica de funcionamento destas unidades era pautada
por três importantes momentos. Isolamos, num primeiro instante, a importação de panos de
algodão cru de Inglaterra, e do carvão de Newcastle e de Cardiff, que alimentaria as caldeiras
a vapor. Quer a matéria-prima, quer a energia chegavam através do Porto de Lisboa (Anexo
5). Como vimos assiste-se depois à transformação desses panos de algodão em chitas e em
lenços, fazendo-se um constante uso de água. Num terceiro momento os produtos eram
colocados no mercado nacional e, depois do início da década de 90, com maior intensidade
para as colónias, (Anexo 6) percebendo-se, novamente, a importância da sua localização perto
do Porto de Lisboa. Nos três momentos mais importantes deste modelo produtivo – adquirir
matérias-primas e energia, transformar os panos e, finalmente, escoá-los – a localização
geográfica do bairro é assim fundamental.
101
Custódio, Jorge - “Empresa Progresso Industrial”. In Dicionário da História de Lisboa. Santana, Francisco e
Sucena, Eduardo (Dir.). Lisboa, 1994, p. 334-335.
52
desenvolvimento das estamparias e das têxteis, não assenta o seu desenvolvimento numa
relação de dependência directa com o fácil acesso às matérias-primas, à energia e ao mercado.
O seu sucesso decorre, essencialmente, da própria industrialização e da urbanização de Lisboa
e do País que ocorre desde a década de 40, assim como de diversos desenvolvimentos que se
entrelaçam com essa mesma industrialização e urbanização, sobretudo a construção de infra-
estruturas, para referirmos, para já, o elemento mais evidente. O seu crescimento foi notório.
Em 1881 tinha 20 CV e ocupava 200 operários, sendo que nesta altura era já administrada
pela Henrique Burnay & C.ª. Em 1888 tinha já 450 000$000 de capital social e 15 000 m2 de
superfície, sendo desta 5 000 m2 coberta.102
102
idem, ibidem, pp. 334-335.
103
Processo Preliminar de Licença para o Estabelecimento de uma Máchina a vapor na Fábrica de Fundição,
sita na Rua do Assento. Estabelecimentos Insalubres e Visitas Sanitárias aos mesmos (G e H). IANTT. Governo
Civil de Lisboa (1.ª incorporação), Cx. 2539.
53
Em termos geográficos a Av. 24 de Julho era o local de localização preferencial das
metalúrgicas. Laborava aí um conjunto de pequenas oficinas em comunhão com fábricas de
maior dimensão, quer dentro dos limites de Alcântara, quer nas suas imediações. Em 1890,
uma das unidades maiores, a F. Baerlein, ocupava cerca de 100 homens tendo duas máquinas
a vapor que perfaziam 18 CV. Na mesma Rua, mas em 1872, nasce a Sociedade Cooperativa
Industrial Social, e a Fábrica Tejo, uma unidade fundada na Rua 24 de Julho, junto ao Aterro,
direccionada para a produção de mecanismos e máquinas a vapor. Algumas destas unidades
que não se dedicam à construção de máquinas beneficiarão bastante, mais tarde, do
crescimento do sector alimentar, sobretudo do sector conserveiro, produzindo as caixas de
metal que necessitavam para os seus produtos. É o caso da Société Générale Métallurgique,
estabelecimento que já se encontrava em laboração nestes anos. Era aí ainda uma pequena
oficina, mas terá um acentuado crescimento nas décadas seguintes.
104
Telo, António José - Economia e Império no Mundo Contemporâneo. Lisboa: Edições Cosmos, 1994, p. 56.
54
Nos curtumes, a título de exemplo, verificamos, precisamente, que nenhum dos
estabelecimentos emprega mais de 25 operários e não há recorrência ao uso de qualquer
máquina a vapor. Encontra-se, nessas condições, a fábrica de curtumes de Villa Pouca e a de
Bernardo Heitor, com 24 operários, ambas criadas na década de 70.
105
O crescimento ocorrido entre 1870 e 1880 está patente no Inquérito Industrial de 1881. No anexo 4 são
referidas algumas das unidades mais importantes do bairro, preservando a informação recolhida através da visita
às fábricas (ID) mas também aquela recolhida através do inquérito indirecto (IInd), dado que, desta forma, se
encontram abrangidas mais unidades.
55
produtos. Esta associação, que tinha 150 sócios em 1881, não contava por entre a sua
maquinaria com qualquer motor, sendo a sua produção assegurada por 22 teares manuais
nessa data.
No anos de 1870 Alcântara assiste também à mudança para o seu espaço de outras
fábricas que já laboravam há mais tempo noutros lugares da cidade. Foi este o caso de uma
unidade de produção e tinturaria de chapéus de feltro que pertencia a Augusto Mendes da
Silva e que tinha sido criada na freguesia de S. José, em 1875.
106
Processo preliminar de licença requerida para uma fábrica de chapéus de feltro e respectiva tinturaria no
Largo da Senhora de Sant’Anna, Freg.ª de S. Pedro em Alcântara. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª
incorp.) - Processos preliminares para licenças de estabelecimentos (1888-1900), Cx. 2548.
56
limites de Alcântara, na Calçada da Boa Hora, pela sua proximidade e pelas semelhanças com
algumas metalúrgicas do bairro, tornou-se importante esta referência. Também em 1890,
continuava a evoluir a Empresa Industrial Portuguesa. Dava agora trabalho a cerca de 460
operários e utilizava quatro máquinas a vapor. O impulso da companhia continuava a derivar,
igualmente, da dinâmica que as novas obras que o desenvolvimento urbanístico que Lisboa
conhecia nesse período lhe iam oferecendo. Produzia ferro fundido, em tubagem, e ferro
fundido e forjado para diversas obras no mercado nacional. A sua dimensão obrigou-a,
provavelmente, a diversificar a origem da matéria-prima. Importava ferro coado para
fundição, cobre, latão, bronze e chumbo em Inglaterra, Espanha e Bélgica, e carvão de
Inglaterra. A proximidade ao Porto de Lisboa era-lhe, assim, fundamental.
107
Processo preliminar de licença requerida para fundação de uma serralharia mecânica na Rua do Arco, n.º
40. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos preliminares de obtenção de licenças para
estabelecimentos (1872-1908), Cx. 2177.
108
idem, ibidem
109
Processo preliminar de licença para a fundação de uma serralharia mecânica movida a vapor sita na
Travessa da Conde da Ponte, Alcântara. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos
Preliminares de obtenção de licenças para estabelecimentos (fábricas e lojas) (1873-1900), Cx. 2178.
57
Temos vindo a vincar a forma como o desenvolvimento urbano e demográfico da
capital, e a construção de infra-estruturas que lhe foi subjacente, influencia a estruturação do
tecido produtivo do bairro. Perceba-se agora melhor de que forma isso aconteceu. Lisboa
passou de 174 335 habitantes, em 1864, para 355 873, em 1900.110 No espaço da capital
Alcântara era, por sua vez, um dos locais da cidade que conhecia uma maior expansão
demográfica, com uma taxa de crescimento médio elevado passando de 10 499 habitantes, em
1878, para 17 909, em 1890.111 Importa considerar aqui, contudo, as transformações nos
limites da freguesia delineadas pelas alterações administrativas.
110
Rodrigues, Teresa, ob.cit.. p.328-329.
111
idem, ibidem, p.328-329.
112
Custódio, Jorge - “Alcântara (Indústria)”. In Dicionário da História de Lisboa. Santana, Francisco e Sucena,
Eduardo (Dir.). Lisboa, 1994, p. 32-34.
58
transformações é, nesta perspectiva, o da alimentação. Inicia-se aí um período que o levará a
ser um dos sectores com um maior peso no tecido produtivo de Alcântara quando chegarmos
às vésperas da I.ª Guerra Mundial. Na verdade, dos diversos sectores industriais que temos
analisado este é, porventura, aquele que está mais interdependente do processo de crescimento
demográfico e de urbanização que Alcântara.113 Esta dependência resulta não tanto do
aproveitamento das dinâmicas e das necessidades geradas pelos outros ramos industriais
como acontece, por exemplo, com a metalurgia, mas da existência de um mercado
consumidor e urbano que em muito se deve ao crescimento demográfico de algumas cidades
do País, em particular, de Lisboa.
113
Veja-se, para o caso do desenvolvimento das fábricas de moagem, Pires, Ana Paula Soares - A Indústria de
Moagem de Cereais: Sua Organização e Reflexos Políticos do seu Desenvolvimento durante a I República
(1899-1929). Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2004, p.17-19.
114
idem, ibidem, p. 18.
59
saúde, a quatro de Junho de 1872, a fábrica recebe o despacho autorizando a concessão, em
Agosto, e o alvará em Novembro de 1872.115 Será esta, provavelmente, a unidade que está
identificada na mesma rua, no Inquérito Industrial de 1890, como um estabelecimento que
tinha uma máquina a vapor de 15 CV, dando trabalho a 22 operários. Produz massa alimentar,
farinhas e resíduos que colocava no mercado nacional, em África e no Brasil.
115
Processo administrativo para concessão de licença para montar uma máquina motor a vapor na fábrica de
massas próxima do caneiro de Alcântara n.º2, freguesia de S. Pedro em Alcântara, Conselho de Belém. IANTT.
Governo Civil de Lisboa (1,ª incorp.) - Processos preliminares para licenças de estabelecimentos (1888-1900),
Cx. 2553.
116
“A Fábrica de Bolachas a Santo Amaro”. Diário Illustrado, Lisboa, n.º 1552 (24 de Maio de 1877).
117
Processo administrativo para concessão de licença para fundar uma fábrica de refinação de açúcar na Rua da
Praia de Santos. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processo de Pedidos de Estabelecimentos
(1888-1897), Cx. 1730.
60
Do final da década de 80 surge uma refinaria pertencente à firma Alvarez & Alvarez.
Trata-se de um estabelecimento situado na Rua Vieira da Silva, n.º12, que atingirá uma
dimensão assinalável no contexto do bairro. Ocupará um rectângulo com cerca de 27 metros
de cumprimento, por 13 de largura, e produzirá, essencialmente, açúcar. O processo que levou
à sua instalação inaugura-se quando efectua um pedido de licença de funcionamento, a 31 de
Dezembro de 1889.118
118
Processo preliminar de licença requerida para a fundação d’uma fábrica de refinação de açúcar na Rua de
Vieira da Silva, n.º12, freguesia de S. Pedro de Alcântara. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) -
Processos de Licenças e Visitas Sanitárias (1890-1900), Cx. 2529.
61
Dentro do sector alimentar as fábricas de moagem e as de conservas eram, no período
em estudo, aquelas que conheciam um maior desenvolvimento. Existiam, todavia, outras que
não se enquadrando em nenhum destes grupos industriais, reforçavam a preponderância do
sector da alimentação no bairro. Uma dessas unidades, que produzia manteiga artificial,
pertencia à firma Esteves & C.ª. Tendo requerido, junto do Governo Civil, a licença de
funcionamento, a 26 de Dezembro de 1887, instala-se na Rua do Arco, no n.º28, utilizando,
desde a sua formação, a energia do vapor. Dois anos depois Manuel Adrião Esteves, gerente
da fábrica, pede ao Governo Civil de Lisboa licença para mudar de instalações, mas
permanecendo em Alcântara. Decorre assim a transferência da Fábrica Nacional de
Butterine119 da Rua dos Arcos para a Rua do Cais da Alfandega Velha, n.º 63, sendo a licença
para a mudança datada de 8 de Abril de 1889. O Inquérito Industrial de 1890 encontrou a
Fábrica Nacional de Butterine já no Cais da Alfândega Velha, dando trabalho a 20 operários
que produziam, recorrendo ao leite e à manteiga natural nacional e à manteiga natural
importada da Holanda, a manteiga artificial que era colocada no mercado nacional.
119
Processo preliminar de licença para estabelecer, por transferência, na Rua do Cais d’Alfandega Velha,
n.º63, freguesia de Belém, a fábrica de manteiga artificial que se achava na rua dos Arcos, a Alcântara, n.º28.
IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos preliminares para Licenças de Estabelecimentos
(1888-1900), Cx. 2553.
62
canteiros, os funileiros, os canteiros, as carpintarias, os fabricantes de ladrilhos, as tanoarias,
as serrações de madeira, as tipografias, entre outras actividades. A relevância da sua análise
advém, sobretudo, de manterem um importante peso na totalidade do tecido produtivo de
Alcântara.120
Importa salientar, no entanto, que esta disseminação de oficinas não era um fenómeno
circunscrito a alguns sectores que na tradição do bairro, não necessitavam de muita
mecanização, nem de recorrer a numerosa mão-de-obra para assegurarem a sua actividade.
Era uma realidade comum a todos os ramos de produção industrial, mesmo aqueles onde se
conhecem as maiores empresas, como os têxteis, as estamparias e a metalurgia. Estas
pequenas oficinas dependiam e mantinham uma relação de complementaridade com as
empresas maiores, preenchendo as exigências de consumo que a urbanização e o crescimento
demográfico do bairro e de Lisboa ia exigindo. Contudo, apesar da sua reduzida dimensão
muitos destes estabelecimentos recorriam, com frequência, ao uso do vapor. O exemplo mais
claro pode ser encontrado nas pequenas unidades que se dedicavam à serração de madeira, e
ao fabrico de produtos essenciais às outras fábricas, como as caixas de madeira. Uma dessas
oficinas, uma serração de madeira, situava-se na Rua do Assento, n.º1. Tendo pedido licença
para instalar uma máquina a vapor de seis CV, obteve licença a 18 de Junho de 1881. Trata-
se, na verdade, de uma unidade que produzia caixas de madeira destinadas à exportação de
frutas, vincando a importância da proximidade ao porto para muitas destas unidades que
120
A defesa que o crescimento industrial pode ter assumido várias formas, não se devendo, assim, na análise da
evolução de um tecido industrial considerar aquele que é moderno é defendido por Miriam Halpern Pereira na
obra Diversidade e Assimetrias: Portugal nos séculos XIXD e XX. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2001,
p. 15.
63
temos vindo a sublinhar. Já em 1886 outra serração de madeira, localizada na Rua Vasco da
Gama, faz o mesmo pedido de modernização das suas máquinas.121
A cerâmica, por sua vez, era uma actividade que conhecia um razoável
desenvolvimento em Lisboa. Todavia, em Alcântara ainda não teria uma fixação muito
acentuada por volta de 1880. Conhece-se desta altura, um pedido de Diogo José de Almeida
para continuar a laborar com a cerâmica Almeida & C.ª na Rua das Fontainhas. N.º9.122
Quer nos inquéritos industriais realizados na segunda metade do século, quer nos
pedidos de alvarás ao Governo Civil de Lisboa há um espectro de estabelecimentos fabris que
contribui fortemente para a caracterização de Alcântara como bairro industrial. Todavia, em
função da sua dimensão e do cariz muitas vezes artesanal, e também pelas deficiências
apresentadas aos próprios inquéritos, escapa a uma primeira análise do tecido produtivo do
bairro baseada, precisamente, nos inquéritos industriais.
121
Processo preliminar de licença para estabelecer, por transferência, na Rua do Cais d’Alfandega Velha,
n.º63, Freg.ª de Belém, a fábrica de manteiga artificial que se achava na rua dos Arcos, a Alcântara, n.º28.
IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) – Processos preliminares para licenças de estabelecimentos
(1888-1900), Cx. 2551.
122
Processo preliminar de licença para o estabelecimento de uma fábrica de louça vidrada na Rua das
Fontainhas, Frag.ª de Alcântara. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos de Licenças e
Visitas Sanitárias (1890-1900), Cx. 2530.
123
Requerimento de Joaquim Nunes pedia para continuar a laborar na sua fábrica de calcinação de ossos.
IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) –. Estabelecimentos Insalubres e Visitas Sanitárias aos mesmos:
Processos Preliminares de Licenças, Cx. 2544.
124
Requerimento de José Severiano Pereira para continuação da laboração da sua fábrica de calcinação de ossos,
no sitio do Arco do Carvalhão. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp) - Processo de Pedidos de
Estabelecimentos (1888-1897), Cx. 1730.
64
pertencido ao seu marido, depois da licença atribuída em 1869. O novo alvará, refira-se, tem a
data de 13 de Julho de 1882.125
125
Requerimento de Maria Vitória, sucessora de José Manuel da Cunha, para continuar a laborar com uma
fábrica de calcinação de ossos, junto ao Arco do Carvalhão, freguesia de Sta.ª Isabel. IANTT. Governo Civil de
Lisboa (1.ª Incorp.) - Processos Preliminares para Licenças de Estabelecimentos (1888-1900), CX. 2550.
126
Processo preliminar de licença para a fundação de um fábrica de guano na quinta do “Água Forte”,
Freguesia de Alcântara. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos Preliminares de Licenças
Para estabelecimentos (1865-1908), Cx. 2522.
127
idem, ibidem
128
Processo de licença para a fundação de uma fábrica de gesso na Rua Nova do Cais do Tojo, n.º50, freguesia
de Santos-o-Velho. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) –Processos preliminares para Licenças de
Estabelecimentos (1888-1900), Cx. 2560.
129
Requerimento de Domingos Gomes Rocha Vianna Sucessores de D. Manuel Ruas e Comp.ª para continuar a
laborar com a sua fábrica de gesso. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos Preliminares
para Licenças de Estabelecimentos (1888-1900) – CX. 2560.
130
Requerimento de Pedro Santarém para continuar a laborar na sua fábrica de velas e sebo na Rua Direita de
Santo Amaro, n.º72. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos Preliminares de Licenças Para
estabelecimentos (1865-1908), CX. 2522.
65
alvará a 12 de Julho de 1878.131 A funcionar há menos tempo, desde 1887, está o
estabelecimento de Rodrigues Rego & C.ª. Situado no Casal da Pimenteira, tinha pertencido a
Caetano da Costa.
Por razões óbvias, e tendo em conta todo o processo de criação e de evolução da CUF,
do qual falaremos posteriormente, a produção de sabão merece aqui uma atenção especial.
Uma dessas unidades de produção de sabão situava-se na Rua das Fontainhas, n.º14, e tinha
sido requerida por Nicolau de Leon, conhecendo licença para iniciar a produção a 3 de Agosto
de 1877.132 Já François Grangeou instalou em 1866, na Rua da Boavista, uma fábrica de
sabão cru, tendo o edital sido publicado no Diário de Notícias de 29 de Agosto de 1863, como
consta no processo do Governo Civil.133
O sector dos tabacos, no entanto, não tinha uma grande relevância no bairro. No
contexto de Lisboa a sua distribuição espacial passava, essencialmente, pela zona oriental.
Ainda assim a área de Alcântara conhece alguns estabelecimentos. O mais importante era a
La Peninsular. Obteve a autorização para laborar a 8 de Abril de 1880, quando Francisco
Domingos Limon, sócio da firma Limon & C.ª requer a licença de funcionamento. Situada na
Rua Vasco da Gama, n.º15, mudou-se para o Calvário três meses depois de entrar em
funcionamento. Fazia tabacos em picado, cigarros e charutos, e cuja produção era toda
manual.134
131
Processo preliminar de licença para a fundação de uma fábrica de pólvora no casal denominado de
Pimenteira. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos Preliminares de Licenças Para
Estabelecimentos, Cx. 2522.
132
Processo preliminar de licença para fundar e por em laboração uma fábrica de sabão Phenico situada na rua
das Fontainhas n.º14. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) -Processos Preliminares de Licenças Para
estabelecimentos (1865-1908), Cx. 2521..
133
Processo requerido por François Grangeon para licença para a fundação de uma fábrica de sabão em cru no
pátio da galega, Freg.ª de S. Paulo, distrito do bairro de Alcântara. 3 Maio de 1866. Situa-se na Rua da Boa
Vista, no Pátio da Galega. IANTT. Governo civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos Preliminares de obtenção
de licenças para estabelecimentos, Cx. 2178.
134
Processo preliminar de licença para a fundação de uma fabrica de manipulação a picados, cigarros e
charutos, sita na Rua Vasco da Gama n.º15, Freg.ª de Santos. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) –
Processos Preliminares para Licenças de Estabelecimentos (1888-1900), CX. 2559.
66
não apenas as fábricas de maior modernização, que conferiu a Alcântara a ideia de bairro
industrial de Lisboa, por excelência.
135
Vidal, Frédèric, ob. cit.. P.68
136
Vasconcelos, Rui Manuel Dias de Almeida e, ob.cit.. p. 38-58.
137
idem, ibidem, pp. 38-58.
67
por exemplo, conhecia, 13 292 trabalhadores, pouco mais que três vezes mais do local do
nosso estudo.138 Já o terceiro distrito mais industrializado do País, o de Braga, tinha, na época,
4 272 operários,139 um valor não muito distante dos 2 768 de Alcântara (Anexo 7), assim
como o quarto distrito, Castelo Branco, com 3 704140. Em quinto surge o distrito de Faro, com
2 625, um número de operários inferior ao do bairro de Lisboa. No contexto industrial
português de 1890, seria necessário agrupar o número de operários dos onze distritos menos
industrializados do pais – Bragança, Funchal, Vila Real, Viana, Viseu, Beja, Portalegre,
Angra, Évora, Ponta Delgada e Coimbra -, que perfazem 4 852 operário no seu conjunto, para
conseguirmos ter um número aproximado à concentração operária alcantarense.141
A importância de Alcântara é ainda mais vincada quando se olha para o uso de energia
no País e se percebe que os quinze distritos com menos cavalos-vapor – Vila Real, Bragança,
Ponta Delgada, Viana, Angra, Funchal, Aveiro, Évora, Guarda, Beja, Portalegre, Faro,
Santarém, Coimbra e Viseu - perfazem, no seu conjunto, 1 939 CV, pouco mais que o número
com que contava a zona de Alcântara.142 Já o distrito do Porto, na mesma altura, dispunha de
2 326 CV.
Nos anos de 1890 este dinamismo firma Alcântara, como um dos locais mais
importantes da industrialização do País. O bairro continuava a ser marcado pelos sectores que
tradicionalmente dominavam o seu tecido produtivo. Mas não obstante esta realidade, este
período viu surgir, paralelamente, uma das características que marcarão a industrialização do
bairro nas décadas seguintes: a diversificação do seu tecido produtivo.
138
idem, ibidem, p.57.
139
idem, ibidem, p.57.
140
idem, ibidem, p.57.
141
idem, ibidem, p.57.
142
idem, ibidem, p.57.
68
5.1. A emergência da diversidade industrial
A década de 70 foi pautada por uma acentuada criação de novas unidades produtivas
no bairro, sendo as mais importantes pertencentes aos sectores que conheciam já um
desenvolvimento acentuado desde as décadas anteriores. A década de 80 assistiu, por sua vez,
a uma lógica de desenvolvimento assente não tanto na fixação de novas indústrias, mas ao
desenvolvimento dos principais estabelecimentos já instalados no bairro.
143
O Anexo 2 mostra, precisamente, o aumento da malha urbana de Alcântara, em 1910, sobretudo quando
comparada com o desenvolvimento urbano de 1860 (Anexo 1).
69
louça e de azulejos esmaltados, produtos que fabricava recorrendo ao barro e ao vidro
nacional, e às tintas e ao carvão que lhe chegavam de Inglaterra. Tinha, em 1890, 83 operários
e uma máquina a vapor fixa de 8 CV. Este desenvolvimento do sector da cerâmica estimulou,
igualmente, a unidade de José Gregório Baudoin, que se encontrava localizada na Rua do
Arco, com 30 operários. Nesta altura produzia louça e tubos de barro vermelho que colocava
no mercado nacional.
A explosão das diversas obras na cidade fez surgir também, nestes anos, diversas
serrações de madeira. Destacamos, neste caso, a Fábrica Lisbonense de Serração e Aparelho
de Madeira, uma unidade localizada na Rua de Vasco da Gama que empregava cerca de 50
trabalhadores nesta altura. Esta serração de madeira tinha, em 1890, uma máquina a vapor de
120 CV, facto que espelhava alguma modernização deste sector.
Um dos sectores que também se afirma neste período, obedecendo à mesma lógica de
desenvolvimento, é o das artes gráficas. Tal como os curtumes, é caracterizado pelo fomento
de diversas unidades de pequena dimensão. A que adquire um maior relevo situa-se na Rua
70
Fradesso da Silveira, a J. J. Nunes & C.ª, fabricando, sobretudo, cartas de jogar. Tinha, em
1890, cerca de 20 operários.
144
Rodrigues, Teresa, ob.cit.. pp. 334-335.
145
Cabral, Manuel Villaverde, ob.cit.. p.148.
146
idem, ibidem, p. 149.
147
idem, ibidem, p. 149.
148
Telo, António José - “A Busca Frustrada do Desenvolvimento”, ob.cit.. p.127.
71
estabelecimento, com cerca de 78 operários por fábrica, utilizando 30% da energia empregue
nas máquinas a vapor.149
No sector têxtil propriamente dito, ocorre também uma estagnação na dimensão dos
estabelecimentos, em número de operários. Veja-se, por exemplo, a Llosente & C.ª, que se
mantém na Rua do Arco conservando, igualmente, os cerca de 90 trabalhadores que tinha, em
1888. Mantinha-se a produzir, por exemplo, sarjas e riscados que coloca nos mercados de
149
idem, ibidem, p.127.
150
Veja-se o Boletim do Trabalho Industrial, n.º 80 - Ministério do Fomento, Direcção Geral do Comercio e
Indústria, Repartição do Trabalho Industrial (Relatório dos Serviços da 3.ª Circunscrição dos serviços técnicos
da Indústria, pelo engenheiro Luís Feliciano Marrecas Ferreira). Coimbra: Imprensa da Universidade, 1913.
151
idem, ibidem
72
Lisboa e nas colónias. Surgem também algumas novas unidades, como a Companhia de
Lanifícios Portuguesa, que tinha cerca de 60 operários nesse período. Contava também com
duas caldeiras a vapor e uma máquina de 60 CV. Algumas delas, de menor dimensão,
dedicavam-se agora a uma produção mais diversificada. É o caso da fábrica de fiação e
tinturaria de Vieira Reis, Sequeira, Santos, Ltd.. Localizada na Travessa da Galé, e recorrendo
à lã francesa e inglesa, produz fio de estambre que vende, posteriormente, para outras fábricas
nacionais. Tem, neste período, cerca de 17 operários. Já na Travessa do Fiúza laborava outra
pequena unidade que produzia riscados para colchões pertencente a Manuel António Martins.
Com apenas 6 trabalhadores recorria às matérias-primas que, ao contrário da maioria das
têxteis, não importava de Inglaterra mas comprava às unidades nacionais. Tem, como
principal mercado, Lisboa. De uma dimensão média era a Fábrica de Fiação e Tecidos de
Peres & C.ª. Recorrendo à lã que importa da Argentina e de França, e aos cerca de 200
trabalhadores que emprega, produz lenços e roupa de senhora que vende para Lisboa e para o
Porto.
152
Reader, David e Rodger, Richard - “Industrialization and the City Economy”. in The Cambridge Urban
History of Britain. Cambridge: University Press, 2000, p. 553.
153
Refira-se, por exemplo, um trabalho mais recente, da autoria de Miguel Faria, que descrevendo a vida de
Alfredo da Silva, nos conta como, através da fusão de duas pequenas unidades, em Alfredo da Silva: Biografia
1871-1942. Lisboa: Bertrand Editora, 2004.
154
idem, ibidem, p.133-138.
155
Para um maior conhecimento quer da Aliança Fabril, quer da Companhia União Fabril veja-se Faria, Miguel
Figueira de, ob.cit.. p.70-92.
74
conhecendo um importante desenvolvimento.156 Nos anos seguintes, fruto da expansão da
companhia, Alfredo da Silva começa a projectar o futuro através da promoção da
diversificação industrial.157 A vontade de expansão levará assim muitas das novas unidades
do grupo a serem fixadas não junto ao coração de Alcântara, onde se encontrava a Fábrica
Sol, mas em espaços mais afastados de Lisboa. É nesse sentido que se instala, em 1907, uma
fábrica de azeite em Alferrarede, perto de Abrantes. Já na origem da localização no Barreiro
esteve, segundo Miguel Ferreira de Faria, a necessidade de evitar que a sul do Tejo fosse
instalada uma unidade que fizesse concorrência à fábrica de Alferrarede.158 Nasceu assim o
complexo do Barreiro que passou a produzir, num primeiro momento, bagaço de azeitona e,
posteriormente, ácido sulfúrico e de superfosfatos. Dez anos depois desta inflexão, no início
da década de 20, a CUF tinha crescido no número de operários, não só engrossando os cerca
de 100 trabalhadores que a fábrica tinha quando ainda estava apenas localizada em Alcântara,
em 1907, mas contabilizava agora cerca de 2 000 trabalhadores.159 Em Alcântara a CUF
mantém as unidades que mostravam bastante similitude com o conjunto de actividades
presentes no bairro – estabelecimentos de média e de pequena dimensão virados quer para um
mercado doméstico em desenvolvimento, quer como complemento às actividades localizadas
no Barreiro. É neste sentido, por exemplo, que Alfredo da Silva recupera a Companhia de
Tecidos Aliança, uma unidade têxtil que tinha pertencido a Henry Burnay.
156
idem, ibidem, p.96.
157
idem, ibidem, p.131.
158
idem, ibidem, p. 134.
159
idem, ibidem, p.138.
75
da CUF permite-nos questionar, desta forma, a capacidade de Alcântara para, no inicio do
século XX, continuar a absorver unidades e grandes dimensões. Chegados a 1910, o traço
periférico de Alcântara dava agora lugar a um bairro de plena integração administrativa em
Lisboa continuando, no entanto, a ser o grande espaço industrial da capital, embora não o
único.
160
Cabral, Manuel Villaverde, ob.cit. p.150.
161
idem, ibidem, p.150.
162
idem, ibidem, p.150.
76
Companhia União Industrial Lisbonense. Criada em Abril de 1895, a Companhia faz um
requerimento ao Governo Civil de Lisboa para instalar uma unidade na Av. 24 de Julho para
produzir cerveja, gasosas, gelo, amêndoas, soda, torrefacção e moagem de café e raiz de
chicória e chocolate. Tendo saído o anúncio no Diário Popular em Abril de 1899, o alvará de
funcionamento é concedido no mesmo mês. A Companhia conhecia, desde a sua criação, uma
considerável mecanização do processo produtivo. A fábrica tinha duas máquinas a vapor, uma
de sistema Farcot, de 18 CV, e outra de 8 CV. Contava também com três caldeiras a vapor,
respectivamente com 40, 18 e 10 CV. Esta maquinaria era usada, todavia, em processos de
produção pouco exigentes.
77
Refira-se que esta unidade produz, na totalidade, cerca de 600 litros de sebo por ano.163 O
mesmo modelo de produção está subjacente também, certamente, à unidade de José Avelino
Martins, direccionada, igualmente, para a produção do mesmo produto.164
163
Processo preliminar de licença para o estabelecimento d’uma fábrica de sebo na Calçada de Santo Amaro
n.º62. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1,ª incorp.) - Processos Preliminares de Licenças Para
estabelecimentos (1865-1908) (Caixas 2518-2523), Cx. 2522.
164
Processo preliminar de licença requerida para uma fábrica de sabão na Rua das Fontainhas n.º19 e 20,
freg.ª de Alcântara.. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1,ª incorp.) - Processo Preliminar de Licença Requerida
para uma Fábrica de Sabão na Rua das Fontainhas n.º19 e 20, CX. 2558.
78
Rua de Sto. António e a Companhia de Tecidos Alliança tinha-se instalado na mesma zona,
na Rua de Cascais.
As zonas mais periferias, ou até exteriores a Alcântara, muitas delas decorrentes das
obras de melhoramento do Porto de Lisboa, foram escolhidas para a fixação de muitas das
unidades surgidas depois do último terço do século XIX, transformando a Av. 24 de Julho
numa das vias que conhecia uma maior concentração industrial. Localizavam-se aí muitas das
metalurgias, elas que conhecem uma instalação mais recente que as têxteis. Era o caso da
Cooperativa Industrial Social, a Promittente, e as unidades de Hugh Parry & Son, de António
Correia, de Alfredo Merinório dos Santos e de Joaquim José Tavares. Algumas das
metalúrgicas situavam-se em zonas mais interiores do bairro, como Empresa Progresso
Industrial e as unidades de Dionísio José Rodrigues, de Júlio e Franco e de Cesário Luís da
Cruz, todas perto da Rua das Fontainhas. Já a Companhia Nacional de Fundição de Forja
surge com duas unidades, uma na Rua de S. Joaquim, e outra na Rua Luís de Camões, onde se
situava também a Empresa Industrial Portuguesa. Na parte mais ocidental do bairro
localizavam-se a Dargente & C.ª, na Travessa do Conde da Ponte, a Fábrica Vúlcano, no
Boqueirão do Duro, e a Perseverança, no Largo do Conde Barão.
165
Telo, António José - “A Busca Frustrada do Desenvolvimento”, ob.cit, p.138.
166
idem, ibidem, p.138.
167
idem, ibidem, p.138.
168
idem, ibidem, p.138.
80
416 t, em 1917. A mesma diminuição é sentida na importação de máquinas e aparelhos
industriais, que decaem de 9 501 t para 3 647 t, entre 1914 e 1917, respectivamente.169
Tal como para a totalidade da indústria nacional, também para Alcântara os efeitos da
guerra não afectam, de forma igualitária, todos os sectores. Promove, por um lado, uma certa
atrofia das unidades que conheciam uma modernização mais acentuada. No sector têxtil as
unidades têxteis lutavam agora não só contra a retracção das suas exportações, como tinham
grandes dificuldades em obter muita da matéria-prima que, como vimos, de grosso era obtida
através da importação.
Mas a guerra oferece, por outro lado, muitas vantagens para os estabelecimentos de
dimensão reduzida que se assemelham, em muitos dos casos, a pequenas manufacturas ou a
oficinas de artesanato. Assim, e numa primeira análise, o surgimento da guerra vem acentuar
a tendência de Alcântara para a proliferação de centenas de unidades pequenas que já vinham
sendo impulsionadas quer pelo aproveitamento dos espaços de oportunidade conquistados na
sombra de unidades maiores, quer pelo impulso oferecido pelo crescimento urbano (anexo 9).
Mas a principal característica da industrialização do bairro na segunda década do século XX,
se nos centrarmos na análise de estabelecimentos de média e de grande dimensão, é a
progressiva importância que as actividades ligadas à alimentação assumem nestes anos, dando
continuidade a um processo que o bairro vinha já conhecendo há alguns anos. Encontramos,
neste ramo dois grupos. Por um lado as fábricas de moagem, situadas no bairro e nas suas
imediações, sendo que a Av. 24 de Julho surgia como um dos locais mais importantes para a
sua fixação. Aí continuavam em laboração a Bellos & C.ª, e, depois de 1911, a Fábrica de
Farinhas Esperança. Numa parte mais central do bairro encontrávamos companhias como a
Companhia Industrial Portugal e Colónias e “A Napolitana”, que se tinha instalado na Tv. do
Calvário, além da Companhia Frigorífica Portuguesa, esta a produzir, essencialmente,
chocolates. Já as refinarias de açúcar da zona da Av. de Ceuta desenvolviam-se, sobretudo,
sob o impulso da Companhia de Açúcares de Moçambique. A guerra, por sua vez, deu
certamente um importante impulso às poucas unidades conserveiras presentes no bairro, como
a Companhia Nacional de Conservas e fábrica de conservas de peixe de A. Santos.
169
idem, ibidem, p.138.
81
extractiva.170 Em Alcântara as unidades mais importantes são aquelas que temos vindo a
referir, a Companhia Perseverança, a unidade de Pedro Dumorá e, sobretudo, a Empresa
Industrial Portuguesa, que nestes anos se esforça por diversificar a sua produção pensando,
inclusive, a passar a produzir automóveis. No Largo do Conde Barão persistia também a
Vúlcano & Collares, depois da fundição, em 1915, das duas unidades que a compõem.
170
idem, ibidem, p.144.
82
Capítulo 3
171
Vidal, Frédéric, ob.cit.. pp. 51-52.
172
Guinote, Paulo - “A Sociedade: da agitação ao desencanto”. In Reis, António (Dir), Portugal
Contemporâneo, Vol. III, Lisboa: Edições Alfa, 1999, pp. 171-230.
173
Veja-se, para uma abordagem mais completa, Telo, António José - “A Busca do Desenvolvimento”, ob.cit..
pp. 150-152.
174
“Estatística Industrial de 1917”. In Boletim do Trabalho Industrial, N.º 119 (1923), Lisboa: Imprensa
Nacional, Lisboa, pp.39-43.
175
Telo, António José - “A Busca Frustrada do Desenvolvimento”, ob.cit.. p. 127.
83
No contexto do País a guerra, como vimos anteriormente, apresentou-se
particularmente nociva para os estabelecimentos mais modernos, logo, mais dependentes da
importação regular da energia do carvão, de máquinas e de peças sobressalentes, uma
dependência que é naturalmente mais acentuada nos sectores que conheciam uma maior
mecanização.176 Ora, o têxtil apresentava-se como o sector industrial que conhecia os
estabelecimentos mais modernos do espectro da indústria nacional, e Alcântara, como vimos,
era um dos locais de Lisboa onde havia unidades têxteis de maior dimensão. Apreende-se,
desta forma, que muitas das maiores unidades do bairro tenham sentido dificuldades, neste
período. Ainda assim, e perto do final da guerra, continuavam em laboração de acordo com o
Annuário Commercial de Portugal e Colónias de 1917,177 a maioria dos grandes
estabelecimentos de maior dimensão que tinham sido criadas a partir de meados do século
XIX. Era esse o caso da Companhia Lisbonense de Estamparia e Tinturaria de Algodões,
com a sua fábrica na Quinta da Cabrinha, na Rua da Pólvora, sob a direcção de Guilherme de
Passos Costa. Também em Vila Pouca mantinha-se em funcionamento a Companhia de
Estamparia de Alcântara, enquanto a Companhia de Fiação e Tecidos Lisbonense, localizada
na Rua 1.º de Maio, continuava a laborar, mas agora encontrava-se arrendada à firma Mendes,
Valadares, Lda., conhecendo a presença de Custodio Aurélio Gomes Névoa, um comissário
nomeado pelo governo para a sua direcção. Igualmente em actividade estava a unidade de
fiação Vieira, Reis, Sequeira & Santos, localizada na Travessa da Galé, à Junqueira, e a
fábrica de tecidos de lã de Peter, Ferreira & C.ª, na Rua da Cozinha Económica. Apesar da
identificação destes estabelecimentos, no final da guerra, os dados a que acedemos não nos
permitem um conhecimento preciso sobre a saúde destas unidades. Veremos mais à frente, no
entanto, as dificuldades que os anos que se seguiram à guerra colocaram a estes
estabelecimentos, cerceando a vitalidade que muitas conheciam à entrada para a última
década do século XIX.
176
idem, ibidem, p.144.
177
Anuário Commercial de Portugal Ilhas e Ultramar. Caldeira, Pires (Coord.). Lisboa: 1854-1930.
178
Telo, António José - “ Busca Frustrada do Desenvolvimento”, ob.cit.. p.127.
84
unidades que produziam produtos facilmente escoáveis no mercado próximo de Lisboa, como
aqueles que são feitos de chocolate. De entre os primeiros destacava-se, sobretudo, a
Companhia Nacional de Portugal e Colónias, que controla 80% do consumo de Lisboa.179
Mas outras unidades, de menor dimensão, encontravam-se em laboração no bairro
transformando-se, inclusive, em símbolos da própria industrialização de Alcântara. Um deles
era “A Napolitana”, conforme era conhecida a fábrica de massas alimentícias de Gomes,
Brito, Conceição, Reis & C.ª. Localizada na Rua das Cozinhas Económicas, tinha sido
construída por Vieillard & Trouzet, formando um conjunto de quatro edifícios principais que
incluíam a moagem, os silos, a fábrica de massas e a casa das máquinas, num conjunto que
abraçava 5.000 m2 na totalidade.180 Destacava-se igualmente, como símbolo da força que o
sector alimentar adquiriu no bairro, a Empresa de Moagens Esperança, na Rua 24 de Julho,
que tinha, próxima de si, e nas proximidades dos limites mais orientais do bairro, a Fábrica
de Bolachas da Pampulha, Lda., que tinha sido fundada, em 1872, por Eduardo Costa, na
mesma rua. Já na zona mais ocidental evoluíam outras unidades, como a de José Manuel da
Silva & C.ª, na Rua da Junqueira.
Algumas unidades foram conhecendo uma acentuada diversificação nos produtos que
produziam, como a unidade Iniguez & Iniguez. Fundada, em 1886, na Rua 24 de Julho, por
Joaquim Iniguez, dedicava-se, essencialmente, e numa fase inicial da sua existência, à
produção de chocolate. Beneficiava da estreita relação de Francisco Iniguez com Henrique
Monteiro de Mendonça, proprietário de uma roça em S. Tomé. Depois do desaparecimento do
seu fundador, a fábrica passou a ser dirigida pelo seu filho Manuel António Iniguez e, em
1917, dedicava-se não só à produção de chocolate, como à moagem de farinhas, entre outros
produtos alimentares.
179
idem, ibidem, p.128.
180
Veja-se, para um conhecimento mais aprofundado das instalações da fábrica Santos, António Maria dos
Anjos - Para o estudo da Arquitectura Industrial na regia de Lisboa (1846-1918). Vol. I, Lisboa: Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 1999.
85
Olhando novamente para o País, como um todo, o terceiro sector em número de
operários era constituído por um conjunto de estabelecimentos que se dedicavam a trabalhar a
madeira, proliferando assim inúmeras serrações e unidades que se produziam móveis, dando
trabalho a 11% dos operários portugueses neste período.181 Em Alcântara, eram muitas as
unidades que podemos enquadrar neste grupo, e que proliferavam no término da guerra.
Beneficiavam não só do surto que o desenvolvimento urbanístico vinha dando ao sector da
construção, como também da própria exigência de produtos que lhe era feita, quer pelas
actividades directamente relacionadas ao Porto de Lisboa, quer através das necessidades das
muitas unidades que pautavam o bairro.
181
Telo, António José - “A Busca Frustrada Frustrada do Desenvolvimento, ob.cit.. p. 128
86
No contexto nacional este sector representava 9,1% dos trabalhadores da indústria
portuguesa, sendo que a maior concentração destes estabelecimentos ocorria na periferia de
Lisboa.182
182
idem, ibidem, p.128.
183
idem, ibidem, p.128.
87
De sublinhar também a importância do sector químico, dominado pela CUF, mas
onde se podem encontrar outros estabelecimentos, como a fábrica de Santos Secretário, na
Rua da Cruz, e da Viúva Reis & C.ª, Lda, na Rua da Fábrica da Pólvora, que preenchiam uma
actividade direccionada para a produção de adubos para a agricultura nacional.
No fim da guerra permaneciam ainda algumas das actividades de fixação mais antiga
no bairro. Era o caso da produção de cal, onde se destacavam a Empresa Cerâmica de Lisboa,
localizada na Ponte Nova, e a unidade de F. H. D’Oliveira & C.ª, já referida, que também se
dedicava a extrair cal no Casal do Alvito. Nos curtumes mantinha-se a Alcântara & C.ª, na
Travessa da Horta Navia, e a Benitez & Comt.ª, na Vila Pouca, continuando este sector a
privilegiar a localização espacial que já lhe tínhamos apontado. Estes anos são igualmente
pautados pela permanência de unidades que se dedicavam à produção de guano, apesar da
contestação que era feita à presença destes estabelecimentos em áreas próximas das
habitações, como a unidade de Santos Secretario, na Rua da Cruz.
Havia ainda, além destes, um conjunto de oficinas que moldam os sectores com menor
dimensão no bairro, mas em crescendo, como a produção de calçado, de papel, de vidro, as
gráficas e o cimentos, apenas para referir alguns, embora contendo unidades de dimensão
reduzida.
184
idem, ibidem, p. 144.
88
propício à instalação industrial, por excelência, dois factores que parecem fazer dos anos 20
um período de profundas transformações do tecido produtivo de Alcântara.
Importa perceber primeiramente, para uma mais clara percepção deste período, e
perseguindo a perspectiva da totalidade do desenvolvimento industrial nacional, que o
momento que se seguiu ao final da Grande Guerra parece ter representado um novo fôlego
para muitas das unidades instaladas no bairro. Na verdade, a política económica seguida no
pós-guerra pelo Partido Democrático de António Maria da Silva procura ir no sentido de
fomentar o tecido industrial nacional. A industria beneficia, por um lado, de uma política
económica inflacionista que protege o mercado interno e, no mesmo sentido, de um conjunto
de obras, a desenvolver nas colónias, que visavam fornecer o alargamento do mercado
colonial e potenciar a sua capacidade de absorção dos produtos industriais produzidos nas
fabricas da metrópole.185 Da perspectiva da análise da industrialização do País esta nova
politica económica só começa a ser verdadeiramente implantada depois dos finais de 1919,
quando a crescente desvalorização do escudo quase que impossibilita a importação de
produtos estrangeiros libertando, desta forma, o mercado nacional para os produtos
produzidos pelas fábricas portuguesas.186 O resultado, como o sintetiza António José Telo, «é
um importante surto de desenvolvimento com o crescimento de importantes sectores pouco
desenvolvidos, favorecido pela aprovação de poucas horas de trabalho, que conduz à
modernização das indústrias artesanais».187 Ainda assim o têxtil é aquele que conhece, nestes
anos, um maior desenvolvimento, assistindo-se à duplicação da importação do algodão em
rama e de lã entre 1919 e 1921.188 No seu conjunto, a importação de matérias-primas para a
185
idem, ibidem, p.152.
186
idem, ibidem, p.152.
187
idem, ibidem, p.152.
188
idem, ibidem, p.152.
89
indústria passa de 99 000 contos, em 1919, para 502 000 contos em 1922, sendo uma
importante parte desse investimento empregado em nova maquinaria.189
Da análise destes dados percebe-se, ainda assim, que no período compreendido entre
1917 e 1920, o espaço administrativo de Lisboa onde se situava Alcântara, parece ter
conhecido alguma vitalidade económica, conforme nos mostra a quantidade de
estabelecimentos registados neste período. De facto, 33,5% das indústrias registadas na
cidade, neste período, localizavam-se no 4.º Bairro. Dos sectores que parecem conhecer um
maior estímulo destaque para a grande percentagem de unidades direccionadas para o sector
agrícola, 25,99% do total dos estabelecimentos. Em segundo lugar surgem as unidades
pertencentes ao sector químico, com 18,64% dos estabelecimentos, enquanto 14,69% de
unidades classificadas pertencem ao sector vidreiro.
189
idem, ibidem, p.152.
90
Este conjunto de dados sugere-nos que, chegada a década de 20, a economia local de
Alcântara parece ser dirigida não tanto pelas grandes unidades fabris que tinham pautado o
bairro desde meados do século XIX, mas pela proliferação de um grande número de pequenos
estabelecimentos que se distribuem pelas ruas do bairro, sendo que muitos deles eram
dedicados exclusivamente à actividade comercial.190 Esta ideia foi igualmente colocada por
Frédéric Vidal na tese que anteriormente referimos. O autor, através da análise do imposto
municipal estabelecido sobre o comércio e a indústria, pela CML,191 centrando-se no primeiro
semestre de 1930 e de 1931, e alertando para a distinção que não é feita com precisão, por
essa instituição, entre fábricas, oficinas e algumas lojas, identifica um grande número de
oficinas direccionados para o consumo local, muitas vezes efectuado dentro do próprio
bairro.192 Estritamente como fábrica são identificados 36 estabelecimentos, um número que
rivaliza com os 18 sucatas, as 19 padarias, os 28 barbeiros, as 30 unidades de venda e
armazém de carvão e de vinho, os 46 ateliês, as 88 lojas e depósitos e as 94 mercearias de
vinhos e legumes.193 A afirmação de uma economia local pautada pelos pequenos
estabelecimentos é, segundo o autor, ainda mais vincada quando olhando para a mesma fonte,
nos mesmos anos, apenas 40 dos 752 estabelecimentos declaram valer mais de 50 000
escudos, sendo que 347 declaram entre 1000 e 5000 escudos, e 269 entre 250 e 1000
escudos.194
Apesar da década de 1920 permitir uma melhor análise desta realidade, por ser o
período em que ela conhece uma maior afirmação, a tendência para grande proliferação de
pequenos estabelecimentos de cariz comercial, ainda que englobem igualmente a vertente
produtiva, vinha já sendo desenvolvida desde o início do século XX, quando o bairro viu
sendo diminuída a sua vertente periférica em relação a Lisboa, ao mesmo tempo que viu
nascer uma economia própria de um espaço que conhecia já uma grande densidade de
urbanização.
190
Vidal, Frédéric, ob.cit.. p. 78
191
Este imposto municipal foi fixado em 1918 e centra-se sobre o valor das instalações de comércio e de
indústria presentes na cidade e, em 1921, existiam cinco taxas de imposto, de 10 % a 18 %, em função do seu
valor, sendo o imposto pago semestralmente. Veja-se, para uma melhor conhecimento, Vidal, Frédéric, ob.cit..
pp. 76-77.
192
idem, ibidem, p. 79.
193
idem, ibidem, p. 79.
194
idem, ibidem, p. 79
91
Indústria e Ocupação da Via pública,195 presentes nos Arquivos Municipais da CML. Apesar
de não permitirem um conhecimento completo da forma como as fábricas, as pequenas
oficinas e as lojas se encontravam distribuídas pelas diversas ruas de Alcântara, constituem
uma fonte incontornável no sentido de uma melhor apreensão dessa mesma distribuição.
Através da análise desse novo arranjo do tecido económico, olhando para uma das principais
vias do bairro, a Rua das Fontainhas, entre o início do século, e o germinar da Grande Guerra,
percebe-se como a própria evolução demo-urbanística impulsionou uma economia local na
qual se assistiu à emergência da pequena loja/oficina. O processo de industrialização iniciado
desde meados do século XIX, como vimos, funcionou, desta forma, como arrastamento para
um grande número de actividades subsidiárias das várias fábricas de maiores dimensões
criadas no bairro, nesse período. Assim, desde o início do século XX encontramos a
emergência de duas realidades distintas que pautaram a economia do bairro.
Tabela 2
Estabelecimentos Registados na Rua das Fontainhas (1902-1913)
1902-1907 1908-1913
carpintaria carpinteiro
fundição de ferro carpinteiro
fábrica de massas venda de vinho
oficina de carruagens venda de carvão
fábrica mecânica carpinteiro
ferro velho ferreiro
canastreiro fundição de ferro
fábrica de ladrilhos fábrica de parafusos
canastreiro fábrica de ladrilhos
carpinteiro
ferreiro
carpinteiro
fábrica de torrefacção de café
Fonte: Licenças para Estabelecimentos, Indústria e Ocupação da Via Pública, Lisboa: Arquivo do Arco
do Cego, 1900-1917.
195
Licenças para Estabelecimentos, Indústria e Ocupação da Via Pública. Lisboa: Arquivo do Arco do Cego,
1900-1917.
92
primeiros anos do século XX. Paralelamente a este modelo, e dele subsidiário, emergiu uma
economia local, no sentido mais restrito do termo, na qual um conjunto de lojas/oficinas
produziam, essencialmente, para a população de Alcântara.
196
Nadal, Jordei e Tafunell, Xavier, ob.cit. p. 119.
93
curtumes ou os estabelecimentos direccionados para a construção, entre outros, que
utilizavam apenas 6,5 % da energia total usada na cidade. Constituíram, no entanto, 20% do
total das empresas, em 1904. Entre 1904 e 1933 passaram, inclusive, de 142 para 360
unidades.197 Este crescimento deve-se, segundo o autor, ao aprofundamento do processo de
industrialização, da qual deriva a necessidade das maiores unidades pelos produtos que estes
estabelecimentos produziam, e do impulso da urbanização que, em conjunto, promoveram a
diversificação produtiva.198
O ano de 1923 seria já, todavia, pautado por uma diferente realidade, com a indústria
nacional a confrontar-se com a falta de crédito, com o aumento do proteccionismo em vários
países europeus - que lhe dificulta a exportação dos seus produtos - e com a diminuição da
capacidade de absorção do mercado interno, uma situação potencializada pela queda do poder
de compra e pelo aumento dos produtos agrícolas.201 Como sublinha António José Telo, «em
fins de 1923 o modelo de crescimento industrial baseado na inflação parecia ter atingido os
197
idem, ibidem, p 119.
198
idem, ibidem, p. 201.
199
Telo, António José - “A Busca Frustrada do Desenvolvimento”, ob.cit.. p. 154.
200
idem ibidem, p. 158.
201
idem ibidem, p. 159.
94
seus limites: a grande desvalorização do escudo era acompanhada por uma retracção do
mercado, e não a um alargamento, como sucedeu até aí».202
Como referimos, uma das características destes anos foi o desaparecimento de muitas
das maiores e mais antigas fábricas do bairro. Vejamos agora alguns desses exemplos. Umas
das unidades que se encontrava em grandes dificuldades era a fábrica impulsionada pelo
Conde de Burnay, a Empresa Industrial Portuguesa, aquela que tinha sido uma das mais
modernas. Este estabelecimento tinha sido mesmo a primeira fábrica portuguesa a produzir
aço através de um convertidor do tipo de Bessemer, no ano de 1905, depois de ter recorrido à
ajuda de um técnico alemão, de nome Roeder. A empresa continuou a crescer nos anos
seguintes. Em 1911 contava com cerca de 200 operários nas suas oficinas de fundição, usando
225 CV, enquanto em 1882 usara 32 CV.205 Saiu beneficiada do período da Grande Guerra,
ao fornecer ferro, aço e armamento para os exércitos participantes na guerra,206 conhecendo aí
o seu momento dourado. Seria integrada, no início dos anos 20, num grupo liderado pela
Companhia União Metalúrgica, através de um processo de concentração industrial horizontal.
202
idem ibidem, p. 159.
203
idem ibidem, p. 161.
204
idem ibidem, p. 163.
205
Custódio, Jorge - “Empresa Industrial Portuguesa”, ob.cit.. pp. 334-335
206
idem, ibidem, p.335.
95
O pós-guerra apresentou-se, todavia, doloroso para a companhia e, em 1924, acabaria por
encerrar as suas instalações em Santo amaro.207
Já a CUF conhecia uma situação diferente. Como vimos, iniciara no início do século
XX um processo de desinstalação de Alcântara que durará quase até final de novecentos.
Depois de 1909 deixou, em Santo Amaro, uma unidade que se dedicava ao sector têxtil.
Permaneceu também, no Largo das Fontainhas, uma unidade que produzia de óleo de
amendoim. Trata-se de uma actividade que será também transferida para o Barreiro, em 1934,
porque o desenvolvimento deste produto torna impossível a sua conservação no espaço
diminuto da fábrica do Largo das Fontainhas, segundo a justificação da própria CUF.208 Na
globalidade, depois de 1909, e durante grande parte do século XX, o desmembramento da
empresa, no bairro, decorre de forma progressiva. Isto apesar de, em 1915, o grupo ter
colocado em funcionamento uma nova central para gerar energia, e, em 1937, ter dado início
à reconstrução da fábrica de óleo nas Fontainhas.
Já a Bernardo Daupias & C.ª conhecera uma desestruturação mais precoce. O início
do século XX encontra a empresa numa grave situação. Depois da morte do conde de
Daupiás, em 1900, dá-se o encerramento definitivo, embora o desmembramento ocorra de
forma progressiva. O seu vasto espaço ficou dividido entre uma oficina de automóveis e,
207
Vidal, Frédéric, ob.cit.. p. 75.
208
Álbum Comemorativo da Companhia União Fabril. Lisboa: CUF, 1945.
209
Custódio, Jorge - “Fábrica de Fiação e Tecidos de Algodão em Santo Amaro”. In Dicionário da História de
Lisboa. Santana, Francisco e Sucena, Eduardo (Dir.). Lisboa, 1994, pp. 376-378.
210
Custodio, Jorge - “Fábrica da Cabrinha (em Alcântara)”. In Dicionário da História de Lisboa. Santana,
Francisco e Sucena, Eduardo (Dir.). Lisboa, 1994, p. 372.
96
possivelmente, pela Sena Sugar.211 Numa terceira parcela de terreno nasceu a fábrica Perez,
Ferreira & C.ª, Lda., criada por antigos operários da firma M. Carp, depois de terem
adquirido os terrenos, em 1908.212
211
Custódio, Jorge - “Daupiás (Palácio e Fábrica)”. In Dicionário da História de Lisboa. Santana, Francisco e
Sucena, Eduardo (Dir.). Lisboa, 1994, pp. 329-378.
212
idem, ibidem, pp. 329-378.
212
idem, ibidem, pp. 329-378
213
Anuário Commercial de Portugal Ilhas e Ultramar. Caldeira, Pires (Coord.). Lisboa, 1926.
97
refrigerantes, etc., além da L. Dargent, que se mantém, em laboração na Travessa do Conde
da Ponte.
A mutação do tecido produtivo do bairro beneficia muitas das unidades que tinham
nascido sob o impulso do surto de construção que pautou Lisboa desde meados do século,
como a António Moreira Rato & Filhos, a Goarmon & C.ª, e a Empresa Cerâmica de Lisboa,
com a sua fábrica instalada na Rua Saraiva de Carvalho.
98
2.3. Um tecido produtivo renascido
Apesar desta realidade, os anos 20 não devem ser encarados como o declínio
definitivo do tecido produtivo industrial de Alcântara, mas sim como o período de um certo
encerramento do fomento industrial iniciado em meados do século XIX, com as
características que lhe são inerentes, e a emergência de uma nova realidade.
De facto, a década de 30 encontra Alcântara ainda tingida por várias unidades de uma
dimensão que importa assinalar. Esta realidade percebe-se, a título de exemplo, nos diversos
estudos efectuados para a elaboração do Plano de Groer214 nos quais se procedeu à
elaboração da «relação das fábricas e oficinas mais importantes das principais indústrias
existentes na cidade de Lisboa.»215 Tendo o plano sido publicado em 1938, o seu conteúdo
apresenta um conjunto de estudos que foram sendo elaborados desde o início da década de 30
sendo, de certa forma, e ainda que despido de alguma precisão ao nível do levantamento
industrial, um importante documento para se perceber a dimensão de algumas fábricas da
cidade, a década de 30. Na zona de Alcântara, e nas suas imediações, havia cerca de 20
estabelecimentos de dimensão assinalável. Na Rua da Junqueira, perto da Ponte Nova,
214
O Plano de Groer foi estruturado entre 1938 e 1943 quando Duarte Pacheco chama o urbanista Etienne de
Gröer para elaboar o Plano Geral de urbanização e Expansão de Lisboa. Veja-se, sobre este plano, “Urbanismo”.
in Dicionário de História de Portugal, Vol. IX. Barreto, António e Mónica, Maria Filomena (Coord.), Porto:
Figueirinhas, 2000.
215
Plano De Groer. Elementos para o estudo do plano de urbanização da cidade de Lisboa (Elaborado pelo
Engenheiro civil António Emídio Abrantes). Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa (Direcção dos Serviços de
Urbanização e Obras, 1938.
99
localizava-se a Sociedade Industrial de Calcários, Lda., que ocupava 16 operários e tinha 16
CV de potência, que se dedicavam à extracção de cal. Já na Rua da Praia da Junqueira
localizava-se a Percy Ellis, de assentamento mais antigo, que produzia rolhas de cortiça, e que
dava trabalho a 149 operários.
Tabela 3
Principais estabelecimentos em Alcântara na década de 1930
Estabelecimento Morada Operários CV
Sociedade Industrial de Calcários, Ltd Largo da P. Nova 16 25
Empresa Progresso Industrial Av 24 de Julho 155 245
Empresa Progresso Industrial Rua das Fontainhas 88 146
L. Dargent & Lda Tv. Do Conde da Ponte 169 270
Indústria Social, Lda Av 24 de Julho 58 41
Sociedade Portuguesa de Construções Mecânicas,
Rua da Junqueira 97 57
Lda
Sociedade de Construções Metálicas, Lda Rua Luís de Camões 158 92
Companhia Decoradora Predial Rua da Junqueira 34 2.5
Sociedade de Parafusos Florecente Rua do Arco do Carvalhão 73 255
Serafim Ramos, Lda. Rua do Cais ao Tojo 27 165
Empreza Cerâmica de Lisboa Rua de Tomaz daAnunciação 134 164
Viúva de José da Silva Pinto, Ltd. Rua de Vieira da Silva 9 23
Agência Portugueza da Sociedade L’Air Liquide Rua da Junqueira 69 249
Companhia União Fabril Largo das Fontainhas 1038 1842
Companhia União Fabril Rua de Cascais 39 7
Companhia União Fabril Av. 24 de Julho 466 133
M. Carp, Lda. Rua de Bartolomeu Dias 399 441
100
Perez, Ferreira & C.ª, Rua da Cozinha Económica 233 128
Adelino Alves Ferreira Rua da Junqueira 10 43
M. Pires Nogueira Rampa dos Marinheiros 24 40
Perey Ellis Rua da Praia da Junqueira 149 34
Fábrica Progresso Mecânico Rua de João de Lemos 86 42
Manufactura Portuguesa de Agulhas, Ltd. Rua de Rodrigues Faria 66 17
Companhia Portuguesa de Alpargatas, Ltd. Rua dos Lusíadas 52 55
Serviços Industriais da Câmara municipal de
Av 24 de Julho 558 228
Lisboa
Companhia Carris de Ferro de Lisboa Rua 1.º de Maio 667 490
Cordoaria Nacional Rua da Junqueira 137 2929
Fonte: Plano De Groer. Elementos para o estudo do plano de urbanização da cidade de Lisboa (Elaborado
pelo Engenheiro civil António Emídio Abrantes). Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa (Direcção dos Serviços
de Urbanização e Obras), 1938.
101
Alcântara conhecia ainda, nesta década, a presença dos Serviços Industriais da CML,
na Av. 24 de Julho, que ocupavam cerca de 550 operários, além de outras empresas, como a
Carris, com 667 operários, ou a Cordoaria Nacional, na Rua da Junqueira, com 137
trabalhadores.
O Plano de Groer não abrangerá, ainda assim, todas as unidades de média e de grande
dimensão que continuavam instaladas no bairro. Ainda assim, e através da sua análise,
percebe-se que, nos anos de 1930 Alcântara continuava a ser, no contexto de Lisboa, um dos
locais que conhecia uma maior concentração industrial, ainda que, como referimos,
estivessem já ausentes as grandes unidades fabris que tinham marcado o bairro nas décadas
anteriores.
Desta forma, o grande bairro industrial de Lisboa da segunda metade do século XIX
dá lugar a um espaço onde predominam, lado a lado, as já não tão dominantes instalações
fabris, diminuídas na importância que tiveram na economia local de Alcântara, com o grande
número de estabelecimentos que se dedicavam à actividade comercial e aos serviços, ou,
simplesmente, à permanência de uma grande quantidade de armazéns que davam apoio a toda
a actividade portuária.
102
Conclusão
Um factor que importa sublinhar, como primeira nota conclusiva, foi a importância do
bairro reunir no seu espaço um conjunto de características únicas que redundaram numa
grande capacidade para atrair os diversos estabelecimentos que se iam criando na cidade. A
análise mais cuidada dessas vantagens indica, no entanto, que os diversos elementos pelos
quais as diversas unidades se instalaram no bairro devem ser considerados tendo em conta, de
uma perspectiva global, dois períodos ao longo do espaço cronológico que estamos a estudar.
Em primeiro lugar a presença dos recursos naturais. Destacava-se a riqueza dos seus
solos calcários. Este factor originou que se tenha instalado um conjunto de actividades de
perfil extractivo, como a produção de cal, que laboravam no bairro desde, pelo menos, o
Terramoto de 1755. Já durante as primeiras décadas do século XIX Alcântara vai beneficiar
da existência abundante de água no seu espaço fornecida, em grande parte, pela Ribeira de
Alcântara, para atrair pequenas oficinas que se dedicavam à estamparia e aos curtumes. A
constituição deste tecido produtivo de perfil pré-industrial e manufactureiro até à década de
1830 reveste-se de grande importância por dois motivos. Permitiu que o bairro de afirmasse
103
como espaço de trabalho e fosse considerado como um local natural para a instalação de
diversas actividades transformadoras. No mesmo sentido, a presença destas unidades acaba
por atrair, por si só, diversos outros estabelecimentos quando, em meados do século, ocorre
um aumento no número estabelecimentos criados.
Já no período que medeia entre a década de 1870 e o final do século XIX Alcântara
conhece o desenvolvimento de várias infra-estruturas da qual o Porto de Lisboa é o exemplo
mais importante. O porto vem valorizar o espaço do bairro ao permitir um acesso mais fácil a
matérias-primas, a energia e aos mercados coloniais que absorviam uma parte importante da
produção das unidades mais desenvolvidas. Sublinhava assim um terceiro elemento decisivo
para o desenvolvimento industrial de Alcântara, até 1890, a existência abundante de terrenos
disponíveis para a fixação industrial num local nobre do ponto de vista das unidades que
procuravam um local para se instalarem. Importa destacar, igualmente, a abertura de diversas
vias e a implantação do caminho-de-ferro, dois elementos que permitiram uma mais próxima
ligação de Alcântara a Lisboa e ao restante País.
Uma segunda nota conclusiva prende-se, precisamente, com a forma como foi gerada
e evoluiu essa industrialização. Durante o espaço cronológico que pautou a nossa analise
Alcântara conheceu diferentes etapas onde da relação de interdependência entre a fixação de
unidades industriais e a sua evolução urbanística resultaram quatro períodos distintos de
industrialização.
O momentos inaugural ocorre entre a década de 1840 e 1870. Os anos 40 vêem surgir
os primeiros estabelecimentos de cariz moderno localizados no bairro. Este desenvolvimento
e promovido pelo sector têxtil. Não tendo ainda a dimensão do crescimento conhecido depois
de 1870, a sua importância advém, por um lado, de ter sido neste período que se inaugurou
uma tipologia de desenvolvimento industrial que perduraria durante as décadas seguintes, e
que pode ser caracterizado pela fixação no bairro de unidades de médias e de grandes
dimensões que recorriam a maquinaria moderna e que dependiam da proximidade ao Porto de
Lisboa para importarem a matéria-prima e a energia essencial ao seu funcionamento, e
exportarem, em alguns casos, uma parte importante da sua produção. Por outro lado, os
estabelecimentos instalados neste período foram decisivas para que nas duas décadas
seguintes tenham surgido um conjunto de actividades em muito subsidiária deste primeiro
desenvolvimento. O exemplo mais evidente advém das diversas unidades metalúrgicas, cujos
estabelecimentos mas importantes devem uma relevante parte do seu crescimento,
precisamente, às exigências de consumo fomentadas pelas unidades de maiores dimensões
que tinham sido criadas em 1840.
Uma última conclusão, mas de igual importância, prende-se com a forma como terá
ocorrido a industrialização do bairro do ponto de vista da análise dos principais momentos de
fixação e desenvolvimento do seu tecido industrial. Partimos da constatação da existência de
um período de forte desenvolvimento industrial ocorrido no País na década de 1870. A análise
que efectuamos leva-nos a identificar o espaço decorrido entre essa década e o final do século
como aquele onde o desenvolvimento industrial foi, de facto, mais efectivo. Todavia, o estudo
dos principais momentos de fixação industrial no bairro permite-nos perceber a significativa
relação que existe entre os sectores que primeiro se instalaram e a evolução das actividades
posteriormente desenvolvidas. No mesmo sentido, identificamos uma linha de evolução do
tecido produtivo de Alcântara desde a década de 1840 que criou condições para o
desenvolvimento mais efectivo que decorreu depois da década de 1870. Somos levados assim
a avançar a possibilidade de um processo de industrialização no bairro mais lento e
progressivo do que aquele que é avançado para a globalidade da industrialização portuguesa
no período.
107
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preliminares para licenças de estabelecimentos (1888-1900), Cx. 2551.
Autos administrativos processados em virtude do decreto do decreto com força de lei de Vinte
e Um de Outubro de mil oitocentos e sessenta e três a requerimento de José Rodrigues da
Silveira, que requer licença para fundar uma pequena fábrica de curtumes n’um terreno faz
parte da quinta dominada de Nova nos limites do lugar de Villa Pouca, freguesia de S. Pedro
de Alcântara. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) – Processo de Pedidos de
estabelecimentos (1888-1897), Cx. 1730.
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n.º50, freguesia de Santos-o-Velho. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) –Processos
preliminares para Licenças de Estabelecimentos (1888-1900), Cx. 2560.
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Processos Preliminares de Licenças Para estabelecimentos (1865-1908), CX. 2522.
Requerimento de Manuel António Garrido para continuar a laborar com uma fábrica de
velas e sebo situada no Alto de Santo Amaro, n.º33. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª
incorp.) - Processos Preliminares para Licenças de Estabelecimentos (1888-1900), CX.
2553.
109
Processo preliminar de licença para fundar e por em laboração uma fábrica de sabão
Phenico situada na rua das Fontainhas n.º14. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) -
Processos Preliminares de Licenças Para estabelecimentos (1865-1908), Cx. 2521.
Processo requerido por François Grangeon para licença para a fundação de uma fábrica de
sabão em cru no pátio da galega, Freg.ª de S. Paulo, distrito do bairro de Alcântara. 3 Maio
de 1866. Situa-se na Rua da Boa Vista, no Pátio da Galega. IANTT. Governo civil de Lisboa
(1.ª incorp.) - Processos Preliminares de obtenção de licenças para estabelecimentos, Cx.
2178.
Processo administrativo para concessão de licença para fundar uma fábrica de refinação de
açúcar na Rua da Praia de Santos. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processo
de Pedidos de Estabelecimentos (1888-1897), Cx. 1730.
110
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d’algodões na Rua das Fontainhas n.ªs 67 a 71, Freg.ª de S. Pedro de Alcântara. IANTT.
Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Estabelecimentos Insalubres e Visitas Sanitárias aos
Mesmos, (G e H), Cx. 2539.
Processo preliminar de licença requerida para uma fábrica de chapéus de feltro e respectiva
tinturaria no Largo da Senhora de Sant’Anna, Freg.ª de S. Pedro em Alcântara. IANTT.
Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos preliminares para licenças de
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Processo preliminar de licença requerida para uma fábrica de sabão na Rua das Fontainhas
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PINOL, Jean-Luc. - Le monde des villes au XIX siècle. Paris: Hachette, 1991.
READER, David e RODGER, Richard - “Industrialization and the city economy”. In The
Cambridge Urban History of Britain. Cambridge: University Press, 2000, p. 553.
123
RODGER, Richard – “Theory, Practice and European Urban History”. RODGER, Richard.
(Ed). European Urban History. Leicester e Londres, Leicester University Press:
1993, pp.1-18.
RONCAUOLO, Marcel e PAQUIOT, Thierry, (Dir.) - Villes & civilisation urbaine XVIII-XX
siècle. Paris: Larousse, 1992.
TILLY, Charles - What Good is Urban History?. Journal of Urban History. Londres: Sage.
22.º Vol., n.º6 (Setembro de 2004), pp. 702-719.
The Cambridge Urban History of Britain, 1840-1950. 3 Vols., CLARK, Peter (Ed.).
Cambridge: Cambridge University Press, 2000.
124
Anexos
Anexo 1
A zona de Alcântara em
1857
125
Fonte: Atlas da Carta Topográfica de Lisboa. Planta n.º47 [material cartográfico] – Folque, Filipe (dir.).
Lisboa, 1857.
Anexo 2
Alcântara na primeira década do século
XX
Fonte: Planta Topográfica de Lisboa. Planta n.º 7 E [material cartográfico] – Pinto, A. V. da Silva e Correia,
A. de Sá (dir.). Lisboa, 1910.
126
Anexo 3
Fonte: Planta de Lisboa. Limites pela linha de cintura e melhoramentos projectados, incluindo as zonas em que
a Câmara Municipal de Lisboa projecta as novas avenidas, ruas e parques da capital [material cartográfico].
Lisboa, 1891.
127
Anexo 4
calçada dos
António José da Costa (Iind) Terremotos, n.º9
1842 curtumes 14
B. Daupias & C.ª (ID) Calvário, 1839 Têxtil 3 máquinas de vapor 300 cv 700
B. Daupias & C.ª (Iind) Calvário 1839 Têxtil 3 motores a vapor 100 cv 598
Janeiro de
Basto & C.ª (Iind) Rua do Alvito
1881
extração/cimento 1 motor a vapors 12 cv
Rua Praia da
Caetano Lopes da Silva (Iind) Junqueira
1869 extração/gesso 1 máquina a vapor 5 cv 11
Companhia de Estamparia de Quinta do Inferno 1876 estamparia 3 máquinas de estampar com motores anexos 80
Alcântara (ID)
Companhia dos vendedores de Rua 24 de Julho 1866 tabaco 2 caldeiras, uma inglesa 38 cv 270
tabaco Regalia (ID)
Companhia Lisbonense de
Estamparia e Tinturaria de 1874 estamparia fabrico mecânico com motores a vapor 135 cv 106
Algodões (ID)
Companhia Lisbonense de
Estamparia e Tinturaria de Rua da Pólvora 1875 estamparia 4 caldeiras de vapor 135 cv 105
Algodões (Iind)
Largo do Conde
Companhia Perseverança (ID) Barão
1809 metalurgia 2 máquinas de vapor 38 cv 220
Rua do
Fábrica do Bemformoso (ID) Bemformoso, n.ºs 65 há 8 meses têxtil 1 máquina de vapor 18 cv 30
a 73
128
Terras de Santo
Fábrica do João Burnay (ID) Amaro
1874 metalurgia 2 máquinas a vapor 20 cv 200
Fábrica Vulcano (ID) Boqueirão do Duro 1843 metalurgia 1 caldeira de vapor e 1 máquina de vapor 28 cv 66
Joaquim Antunes dos Santos Aterro da Boa Vista 1852 metalurgia 2 caldeiras de vapor e 2 máquinas 50 cv 75
(ID)
José António Alcântara & Rua da Horta Navia
1 de Julho
curtumes 16
Filhos de 1879
Pinto & C.ª (ID) Ponte Nova 1842 estamparia não tem motores 110
Pinto & c.ª (IIND) Ponte Nova 1842 estamparia todo o trabalho é manual 60
129
Anexo 5
7 000 k 7.000$000
fero em Chapa, Inglaterra e
L. Dauphinet & Castay metalúrgica 9 000$000
barra e cantoneira Bélgica
aço em chapa e Inglaterra e
600$000
tubos Bélgica
cobre em chapa Inglaterra e
400$000
em tubos Bélgica
Inglaterra e
latão em tubos 800$000
Bélgica
Totais 10 800$000
António Moreira Rato &
Filhos
46 000$000
pedra de diferentes
José Moreira Rato construção nacional 20.000$000
qualidade
130
Fábrica de Alcântara
cerâmica barro nacional 120 000 k 400$000
Lopes & C.ª
barro preparado Inglaterra 300 000 k 3 000$000
131
Totais 168 500$000
Portugal,
Comp.ª Estamparia de Têxtil algodões tecidos
Inglaterra e - -
Alcântara (estamparia) branco e crus
Alemanha
Portugal,
drogas diversas Inglaterra e - -
Alemanha
Totais -
Comp.ª Nacional Têxtil algodões crus e Portugal e
- 54 600$000
Estamparia e Tinturaria (estamparia) brancos Inglaterra
Portugal,
diversas drogas Inglaterra e - 21 000$000
Alemanha
Totais 75 600$000
Totais 92 000$000
132
Totais 6 8000$000
Fábrica Nacional de Alimentação
leite nacional 150 000 Lit 10 000$000
Butterine (manteiga)
manteiga natural nacional 5 000 k 3 000$000
133
Anexo 6
Alcântara & C.ª calçado sapatos de trança 30 000 pares 10 000$000 nacional, ultramar e Brasil
caldeiras a vapor,
tanques e diversos
L. Dauphinet & Castay metalúrgica artigos de - 40 000$000 nacional
serralharia e
caldeiraria
João Peres & Pierre de caldeiras a vapor e
metalúrgica - 3 100$000 nacional
Dumont tanques de ferro
António Moreira rato &
construção diversas obras - 65 000$000 nacional e Brasil
Filhos
24 600$000
alimentação
Emílio Luís Rollet latas de sardinha 850 000 latas 45 000$000 Inglaterra, Itália e Áustria
(conservas)
Brasil, França, Inglaterra,
Comp.ª Nacional de alimentação frutas em compota Angola, Moçambique,
400 000 latas 40 000$000
Conservas (conservas) e marmelada Hong Kong, Espanha,
Goa, etc.
peixe em
150 000 latas 15 000$000
escabeche
carnes de porco,
vaca, vitela e 120 000 latas 24 000$000
carneiro
tomates em massa
200 000 latas 20 000$000
e puré
caça e aves 20 000 latas 2 000$000
134
legumes e
80 000 latas 4 000$000
hortaliças
Goarmon & C.ª construção ladrilhos mozaicos 12.000 m2 6 000$000 Portugal e Colónias
grossarias e
Comp.ª Tecidos Alliança têxtil atoalhados de - 100 000$000 nacional
linho
Fábrica Nacional de
alimentação manteiga artificial 153 000 k 91 800$000 nacional
Butterine
Fábrica a Vapor de massas
alimentação 360 000 k 36 000$000 Continente, África e Brasil
Massas alimentares
Fábrica de Moagem do
alimentação farinhas 4 374 392 k - nacional
Bom Sucesso
resíduos 1 447 061 k - nacional
6 037 524 K
135
Fábrica Lisbonense de
construção
Serração e e Aparelho de - 15.025$953 Portugal e colónias
(carpintaria)
Madeira
Empresa Progresso parafusos, anilhas, 20.000$000
metalúrgica 400.000 peças
Industrial rebites, etc nacional
cartas de jogar e
J. J. Nunes & C.ª tipografia produtos - 8.000$000 nacional
tipográficos
copos, frascos,
Fábrica de Vidros de
vidreira garrafas, vidroe - 20.000$000 nacional
Alcântara
diversos objectos
Fonte: Inquérito Industrial de 1890. Ministério das Obras Públicas, Comercio e Indústria – Direcção Geral
do Comércio e Indústria, Lisboa, 1891.
136
Anexo 7
Total
Estabelecimento Ramo
operários
Associação Fraternal dos Fabricantes de Tecidos e Artes
têxtil (algodão) 16
Correlativas
Comp.ª de Fiação e Tecidos Lisbonense têxtil (algodão) 1 221
José Martins Calisto da Fonseca refinaria (açúcar) 8
Joaquim Caetano dos Santos refinaria (açúcar) 7
Mello & C.ª refinaria (açúcar) 10
Martinez & Santos caixas de cartão 20
Alcântara & C.ª calçado 31
L. Dauphinet & Castay metalúrgica 88
João Peres & Pierre Dumont metalúrgica 20
António Moreira Rato & Filhos construção 60
José Moreira Rato construção 40
José Gregório Boudouin cerâmica 30
Fábrica de Alcântara cerâmica 83
José Joaquim de Almeida Junça cerâmica 30
José Dias cerâmica 37
Alfredo Nicolete Travassos Valdez alimentação (chocolate) 10
Emílio Luís Rollet alimentação (conservas) 160
Comp.ª Nacional de Conservas alimentação (conservas) 62
Fábrica do Bom Sucesso curtumes 8
Nicolau Luís da Silva & Sobrinho curtumes 20
Comp.ª Nacional de Estamparia e Tinturaria estamparia 115
Comp.ª Lisbonense de Estamparia e Tinturaria de Algodão estamparia 75
Comp.ª de Estamparia de Alcântara estamparia 130
Comp.ª Nacional de Estamparia e Tinturaria estamparia 109
J. L. Garcia metalúrgica 68
Empresa Industrial Portuguesa metalúrgica 463
Société Générale Métallurgique metalúrgica 44
Caetano Lopes da Silva gesso 7
Bernardo Daupias & C.ª têxtil (lã) 392
Eduardo Augusto P. De Magalhães construção 29
J . Lino construção 8
Goarmon & C.ª construção 16
Comp.ª de Tecidos Aliança têxtil (linho) 122
Fábrica Nacional de Butterine alimentação (manteiga) 20
José Roque de Sousa & Irmão móveis 10
Fábrica a Vapor de Massas alimentação (massas) 22
Fábrica de Moagem do Bom Sucesso alimentação (moagem) 42
José Maria Pires fósforos 7
construção (serração
Fábrica 4 de Março madeira)
40
137
construção (serração
Fábrica Lisbonense de Serração e Aparelho de Madeira madeira)
51
Empresa Progresso Industrial metalúrgica 19
F. Baerlein metalúrgica 102
Empresa Mecânica Metalúrgica metalúrgica 45
João Maria Balby tanoaria 8
J. J. Nunes & C.ª tipografia 22
José Maria Borges Lousada tipografia 7
Fábrica de Vidros de Alcântara vidros 55
Total 2 768
Fonte: Inquérito Industrial de 1890. Ministério das Obras Públicas, Comercio e Indústria – Direcção Geral
do Comércio e Indústria, Lisboa, 1891.
138
Anexo 8
Máquinas a Motores a TT
Estabelecimento Ramo vapor gás CV/estabelecimento
N.º CV N.º CV N.º TT CV
Comp.ª de Fiacção e Tecidos Lisbonense têxtil (algodão) 4 506 4 506
L. Dauphinet & Castay metalúrgica 1 10 1 10
João Peres e Pierre Dumont metalúrgica 1 1 1 1 1
Fábrica de Alcântara cerâmica 1 8 1 8
José Joaquim de Almeida Junça cerâmica 1 8 1 8
alimentação
Emilio Luis Rollet (conservas) 1 0,5 1 0,5
alimentação
Comp.ª Nacional Conservas (conservas) 2 8 1 0,5 3 8,5
Cordoaria Nacional construção 1 25 1 25
Silvestre & Irmão curtumes 1 2,5 1 2,5
têxtil
Comp.ª Nacional estamparia e Tinturaria (estamparias) 24 24
Comp.ª Lisbonense de Estamparia e Tinturaria têxtil
de algodão (estamparias) 20 120 20 120
têxtil
Comp.ª de Estamparia de Alcântara (estamparias) 14 14
Fundição de Ferroe Bronze metalúrgica 1 4 2 4
Empresa Industrial Portuguesa metalúrgica 4 65 4 65
Société Générale Metallurgique metalúrgica 1 1
Bernardo Daupias & C.ª têxtil (lã) 3 100 3 100
Comp.ª Tecidos Aliança têxtil (linho) 2 35 2 35
Fábrica Nacional de Butterine alimentação 1 1
Fábrica a vapor de massas alimentação 1 15 1 15
Fábrica de Moagem do Bom Sucesso alimentação 1 60 1 60
construção
Fábrica 4 de Março (carpintaria) 1 20 1 209
construção
Fábrica Lisbon. Serração e Aparelho Madeira (carpintaria) 1 120 1 120
Empresa Progresso Industrial metalúrgica 1 10 1 10
F. Baerlein construção 2 18 2 18
Empresa Mechãnica e Metalurgica serralharia 2 27 2 27
Total* 54 1352,5
Fonte: Inquérito Industrial de 1890. Ministério das Obras Públicas, Comercio e Indústria – Direcção
Geral do Comércio e Indústria, Lisboa, 1891.
139
Anexo 9
140
Anexo 10
1881 1914
Caneiro Velho Rua do Conselheiro Pedro Franco (também Rua dos Lussíadas)
141
Beco das Fontainhas Rua da Escola Asilo
142
Calçada da Tapada Calçada das Necessidades
Travessa do Pimenta
Rua de S. jerónimo
Travessa de S. Jerónimo
Rua Sá de Miranda
Beco do sabugueiro
Travessa do sebeiro
Travessa da Tapada
Tapada da Ajuda
Travessa do Tesouro
Travessa da Trabuqueta
Triste Feia
143
Rua Vieira da Silva (antiga Rua do Assento)
Fonte: Vellozo, Eduardo O. Pereira Queiroz - Roteiro das ruas de Lisboa e Immediações., 4.ª edição, Lisboa:
Typographia da Casas de Inglaterra, 1881; Guia Policial de Lisboa. A. Morgado (coord.), Lisboa: tipografia
Universal, Lisboa, 1914.
144