You are on page 1of 10
A Funcio Social dos Bens Piblicos e 0 Mito da Imprescritibilidade Cristiana Fortini Doutora em Direito Administrativo pela UFMG. Diretora e Professora do Curso de Direito do Centro Universitario Izabela Hendrix. Diretora da Procuradoria Geral de Belo Horizonte, Professora dos Cursos de Pés-graduagio da INC, do Centro de Atualizac3o em Direito e da Escola Superior do Ministério Publico Sumério: 1 Introdugio - 2 O conceito de bens piiblicos no Cédigo Civil e na doutrina — consideragées- 8 Fungio social da propriedade - 4 As sangées disciplinadas no Estatuto da Cidade e os bens piblicos - 5 O mito da imprescritibilidade ¢ os bens “piiblicos” - 6 Conclusao - Bibliografia 1 Introducado O presente trabalho ndo pretende esgotar o estudo do tema. Objetiva t4o-somente lancar luzes sobre a fungio social dos bens publicos, a partir da investigacao dos instrumentos contemplados no Estatuto da Cidade e da disciplina fornecida pelo Cédigo Civil, a fim de, posteriormente, examinar o mito da imprescritibilidade dos bens que pertencem 4 Admi- nistragio Pablica. 20 conceito de bens publicos no Cédigo Civil ena doutrina—consideragées Hely Lopes Meirelles define bens piiblicos como “todas as coisas, corpéreas ou incorpéreas, imé6veis, méveis e semoventes, créditos, direitos e.ac6es, que pertencam, a qualquer tftulo, as entidades estatais, autarquicas, fundacionais e empresas governamentais”.’ ‘Apura-se, pois, que o autor engloba na categoria de bens piblicos todos os bens de propriedade das entidades da Administracéo Direta € Indireta, salientando, em passagem posterior, que os bens das estatais sao bens ptblicos “com destinagao especial ¢ administragao particular”? ‘José dos Santos Carvalho Filho assume posigéo mais restritiva, a0 consignar que sio bens publicos “todos aqueles que, de qualquer natureza ea qualquer titulo, pertencam as pessoas jurfdicas de direito piblico, TMEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29. ed. S80 Paulo: Malheiros, 2004. p. 493. 7 Op. cit,, p. 493. Rede Dir. mun, RDM, Belo Horizonte, ano, n. 12, p. 118-122, abr/jun. 2004 114 Grstiana Fortin sejam elas federativas, como a Unido, os Estados, o Distrito Federal e os Municfpios, sejam da Administraco descentralizada, como as autarquias € as fundagées de direito pablico”* Para o autor, os bens das empresas estatais devem ser considerados bens privados, aduzindo que o fator preponderante para distinguir os bens pablicos dos demais reside na personalidade jurfdica de seu titular.‘ Celso Anténio Bandeira de Mello, por sua vez, fornece nogio diversa, ao informar que so bens pablicos nao s6 aqueles que compéem o patriménio das pessoas juridicas de direito pablico como também os que, nao obstante nio pertencam a tais pessoas, estejam afetos & prestagao de servico piiblico.? O Novo Cédigo Civil (art. 98) atribuiu a condigao de bens pablicos aos que compéem o patriménio das pess6as juridicas de direito pablico, definindo que os bens formadores do arcabouco patrimonial das pessoas juridicas de direito privado nao sao merecedores do titulo. A formula encontrada pelo legislador, que procura apartar os bens pliblicos dos demais, empregando o critério formal, nao satisfaz porque valoriza rétulos e promove divisdo hermética entre as categorias de bens a -partir do regime jurfdico a que se submetem (ao menos precipuamente) as pessoas jurfdicas da Administragéo Pablica, sem contemplar a realidade. O critério formal adotado pelo atual Cédigo Civil, para o qual a distingdo entre os bens publicos e os nao pablicos perpassa apenas o exame de seu titular, homenageia indistintamente os bens das pessoas jurfdicas de direito pablico, independentemente de estarem dedicados ou no para o alcance do interesse ptiblico, enquanto sacrificam os bens das empresas estatais mesmo que estejam voltados a este propésito.* Hi bens que, embora integrem a estrutura patrimonial de autarquias (por exemplo), ndo guardam qualquer relagao com o servico ptiblico por elas oferecido. A geladeira que guarnece a sala de determinado dirigente de autarquia ndo pode ser considerada bem publico (salvo pelo critério formal) por inexistir qualquer relagéo entre esta e a atividade fim desempenhada pela autarquia. A auséncia de geladeira poder trazer desconforto, mas CARVALHO FILHO, J0s6 dos Santos. Manual de Direito Administrative. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2004, p. 907. Op. cit, p. 908. 5 MELLO, Celso Anténio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14. ed. S40 Paulo: Malheiros, 2003, «Yale lembcar que a Ut 8.987295, que dspe sobre o regime de concesio perisito de servos ppblicos, em seu art. 7°, Vi, confere aos bens relacionados & prestacio de servigos publicos o status de ‘bens publicos. Pode-se afirmar que os bens da concessiondria assumem tal condicéo quando destinados A execuco do servigo publico objeto da avenca. R. de Dir: mun. - RDM, Belo Horizonte, ano 5, n. 12, p. 113-122, abréjun. 2004 A Fungo Social dos Bens Publicos eo Mito da imprescritibilidade 115 jamais impediré a prestacio da atividade publica, razio pela qual néo se Ihe pode atribuir o tratamento que recair4 sobre bens sem os quais é invidvel o desenvolvimento da atividade estatal. O argumento acima bastaria, a nosso ver, para que a critica ao atual Cédigo Civil se faca merecedora. Todavia, outra alegacio se soma ao primeiro registro, no escopo de sustentar a discordancia com o critério utilizado. As empresas estatais prestam-se 4 prestagao de servigos pablicos ou exploracdo de atividade econémica. Ao se destinarem a prestagio de servigos publicos realizam atividade tipicamente estatal, conferida a tais entidades no desiderato de proporcionar maior celeridade, j4 que o regime juridico a que se submetem’ é, em tese, capaz de proporcionar maior leveza e agilidade. ‘Todavia, empresas estatais hd cujo intuito é diverso. S40 empresas que invadem campo notadamente privado, em que a atuagao competiria, em um primeiro plano, a protagonistas particulares, mas cuja participagéo estatal, no entanto, se faz necessria, diante do interesse puiblico. Ao decidir pela necessidade de explorar atividade econémica, porque presente um dos requisitos previstos no art. 173 da Constituigio da Repablica,* o Estado volta-se para a concretizacdo do interesse piiblico. Mesmo que nao se trate de atividade tipicamente estatal, o ingresso do Estado nessa seara nao pode refletir escolha desarrazoada. Ao contririo, sobredita exploragao, em situagao excepcional, ocorre em prol da coletividade, seja pela auséncia de atores privados, seja porque h4 monopélio ou oligopélios prejudiciais para a coletividade® Assim, quando hé a criagio de empresa estatal destinada a prestacdo de servigos pablicos ou a exploragio de atividade econdmica, nao se pode perder de vista que se trata de conduta reclamada para a consecugaéo do interesse pablico. Vale dizer: ainda que a exploragao de atividade econdmica pelo Estado reflita insergao anémala em segmento privado presume-se consen- t4nea com o interesse ptiblico a criagdo de estatal com este mister. 70 inesquecivel Professor Paulo Neves de Carvalho. em suas aulas. costumava asseverar que as empresas estatais, a despeito de submetidas ao regime juridico de direito privado, so pigmentadas por normas de Direito Publico. Esta caracteristica induz alguns juristas a concluso de que o regime juridico que permeia tais pessoas juridicas é hibrido, "De acordo com o art. 173 da Constituicdo da Republica, a exploracao direta de atividade ecoriémica pelo Estado s6 sera permitida quando necessaria aos imperativos da seguranca nacional ou a relevante interesse coletivo. * Ngo se pretende, por Sbvio, esgotar as situagies que ensejam a exploracéo de atividade econdmica pelo Estado. R-de Dir. mun,- RDM, Belo Horizonte, ano8,n. 12, 119-122, abr un. 2004

You might also like