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1 Professora de História e Teoria do Audiovisual na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Com
mestrado e doutorado em Cinema pela ECA/USP, desenvolveu pós-doutorado na Unicamp sobre cine-
ma silencioso pernambucano. Autora de A crônica de cinema no Recife dos anos 50 (Recife: Fundarpe,
1997).
2 GOMES, Paulo Emilio Salles. Humberto Mauro, Cataguases, Cinearte. São Paulo: Perspectiva, 1974, p.144.
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4 “Os filmes da semana – O que se exibe no Rio”. Para todos..., ano VI, n. 308, 8 nov 1924, s.p..
5 No original: “Movies delivered abundant rapid action, stimulating violence, spectacular sights, and the
thrills of physical peril, abductions, and suspenseful rescues. On a narrative level, film melodramas re-
lied on similar story lines emphasizing pure villainy and heroism catalyzed by the villain’s jealousy and/
or greed and often relying on extraordinary coincidences, sudden revelations, and unexpected twists
of circumstance”. IN: SINGER, Ben. Melodrama and modernity – Early sensational cinema and its contexts. New York, Columbia University Press, 2001, p.192.
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6 BERNARDET, Jean-Claude. Cinema brasileiro: propostas para uma história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p.79-80. A citação seguinte é da mesma fonte, p.80.
7 GOMES, Paulo Emilio Salles. Humberto Mauro, Cataguases, Cinearte. São Paulo: Perspectiva, 1974, p.144.
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permite que a força boa possa ao mesmo tempo usufruir do ato justiceiro
e permanecer passiva. Convite à passividade. Cômodo esse vilão justicei-
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ro: o mal fazendo o bem sem que o bem tenha que se comprometer [...].
A importância do vilão justiceiro é que os beneficiários de sua ação não
têm que sujar as mãos8.
O “vilão justiceiro” talvez não seja tão frequente no cinema silencioso brasileiro,
além do personagem do jardineiro negro em A filha do advogado, a rigor não o vi-
lão, mas seu cúmplice. A figura complementar a do “vilão justiceiro”, porém, figura
que poderia ser chamada de “herói passivo”, essa se ajusta com precisão a alguns
filmes silenciosos brasileiros, a começar pelo próprio Tesouro perdido. E, lembran-
do do filme de Mauro, talvez seja necessário ainda refinar um pouco a expressão:
não se trata exatamente do “herói passivo” e sim do “protagonista passivo”, já que
os atos heroicos acabam sendo realizados por outros personagens: Pedrinho em
Tesouro perdido, o irmão da mocinha em Retribuição, o amigo do protagonista que
acaba por matar o vilão em O segredo do corcunda. Com esse deslocamento, acaba-
se por driblar o confronto direto final entre mocinho e vilão.
O descolamento entre herói e galã também pode ser observado em um filme
que não se filia ao gênero melodrama de sensação, como os anteriores. No drama
paulista Canção da primavera (Fabio Cintra, 1932), ocorre um interessantíssimo
embaralhamento na construção do mocinho. De início, o mocinho é Roberto, filho
da caseira de uma bela fazenda, onde se isola a jovem e rica Leonor, vítima de um
acidente de carro que a deixou cega. O rapaz tem o rosto deformado, mas canta
e toca violão lindamente, e acaba por conquistar a afeição da jovem, que assim
retoma o gosto pela vida. Os idílios são interrompidos quando chegam à fazenda
um cirurgião e seu irmão, Ricardo, estudante de medicina com toda a aparência de
galã. A cirurgia é um sucesso e a moça recupera a visão. Para impedir que ela volte
a se aproximar do empregado, o “monstrengo”, como diz, seu pai arma o plano no
qual o estudante Ricardo deverá se passar por Roberto, já que os dois têm uma voz
parecida que havia inclusive confundido Leonor. Idílios românticos se sucedem
entre Leonor e Ricardo, que aceita a farsa a contragosto, por estar apaixonado pela
moça. Diante da situação, Roberto se mata com uma picada de cobra, mas antes de
morrer abençoa o casal e em seu leito de morte pede perdão a Leonor por não ter
conseguido resistir a viver seu momento de felicidade com ela. Magoada pela farsa
de Ricardo, Leonor acaba por pedir desculpas a ele, depois de convencida pelo pai
de que “mentira de médico é virtude, não é pecado”.
Cabe ressaltar que, no filme, o desfecho após a morte de Roberto acontece de
maneira bastante truncada. Tanto a conversa entre Leonor e seu pai quanto o idí-
lio final são constituídos por planos reaproveitados de cenas anteriores. Na falta
de recursos para filmar apropriadamente os últimos planos, recorre-se a ima-
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9 O resumo de João da Matta pode ser acessado na Filmografia Brasileira, no site da Cinemateca Brasi-
leira: www.cinemateca.org.br
Os fragmentos existentes do filme estão reproduzidos no curta-metragem Um drama caipira dedicado a
Caio Scheiby (Carlos Roberto Rodrigues de Souza e José Carvalho Motta, 1973).
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10 Paulo Emilio Salles Gomes refere-se a “nossa incompetência criativa em copiar”. IN: Cinema: trajetó-
ria no subdesenvolvimento. 2ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980, p.88.
11 MELLO, Evaldo Cabral de. “Prefácio”. IN: NABUCO, Joaquim. Minha formação. Rio de Janeiro: Topbooks, p.44.
12 CANDIDO, Antonio. “De cortiço a cortiço”. IN: O discurso e a cidade. São Paulo/Rio de Janeiro: Duas Cidades/
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Essa gente era cônscia de ser branca, brasileira e livre, três categorias bem
relativas, que por isso mesmo precisavam ser afirmadas com ênfase para
abafar as dúvidas num país onde as posições eram tão recentes quanto a
própria nacionalidade, onde a brancura era o que ainda é (uma convenção
escorada na cooptação do ‘homens bons’), onde a liberdade era uma for-
ma disfarçada de dependência.
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