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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

FLF0368:

Teoria do Conhecimento
e
Filosofia da Ciência I

Dissertação Final

Aluno: José Augusto Gerolin Gávea (5403519)


Bacharelado em Matemática
Prof. Maurício de Carvalho Ramos
Se um dançarino desse saltos muito altos,
poderíamos admirá-lo.
Mas se ele tentasse dar a impressão de poder
voar o riso seria seu merecido castigo, mesmo se
ele fosse capaz, na verdade, de saltar mais alto
que qualquer outro dançarino. Saltos são atos de
seres essencialmente terrestres que respeitam a
força gravitacional da terra, pois que o salto é
algo momentâneo. Mas o vôo nos faz lembrar os
seres emancipados das condições telúricas, um
privilégio reservado para as criaturas aladas...
Kierkegaard
Introdução

De acordo com a interpretação de Cassiser em El problema del conocimiento, as primeiras


características da ciência, conforme estabelecida hoje, surgem ao final da Idade Média, com o
Renascimento. Seu objetivo era, fundamentalmente, criar mecanismos cognitivos alternativos, com
o intuito de explicar racionalmente os fenômenos físico-biológicos por meio da observação do
mundo exterior.
Por mais que tal definição pareça diferenciar profundamente essa forma de concepção da
realidade de outras, como a religião ou algum tipo de mitologia, há grandes semelhanças entre boa
parte delas. Atualmente os resultados científicos são vistos com grande valor, diferenciando-se
dessas outras formas. Isso se deve, sobretudo ao fato, de que na sociedade atual, a figura do
cientista é mitificada. E todo mito é muito perigoso.
Para algumas pessoas, o cientista é aquele que possui o conhecimento genuíno. É alguém
que pode administrar aquilo que é verdade ou não. Mas nem sempre os métodos científicos
conseguem estar de posse delas.
Num tratamento dessa questão, é impossível não tocar na questão da Observação e
Interpretação durante a experimentação. Essas atividades, em um primeiro pensar, confundem-se e
sobrepõem-se uma as outras.
Para Decartes, para atingir a verdade é necessário rejeitar como absolutamente falsa
1
qualquer coisa acerca da qual possa haver a menor chance de dúvida. Os cientistas para tentar
alcançar esse objetivo, trabalham com modelos. Foi assim que fez Rutterford para criar o seu
modelo atômico, baseando-se na forma como os planetas descrevem os seus movimento no
universo, e até mesmo Kepler, com o propósito de explicar os movimentos dos planetas no
universo. Portanto, modelos são estruturas conceituais com o propósito de explicar um conjunto de
fenômenos observados.
Aqui surge a necessidade de interpretação. No estágio da experiência, observação e
interpretação estão bastante entrelaçadas. O modelo é desenvolvido, baseando-se em estágios
iniciais de observação. Entretanto, é impossível realizar experimentalmente todas as possibilidades
para explicar um determinado fenômeno, e, portanto, começa a necessidade de interpretação dos
acontecimentos.
São levantadas hipóteses, e realizadas suposições, conjecturas e experiências com o
1
“(...) e, porque eu desejava me entregar inteiramente à busca da verdade, pensei que seria necessário (...) rejeitar
como absolutamente falsa qualquer coisa acerca da qual eu pudesse imaginar o menor fundamento para a dúvida, a
fim de ver se, depois disso, alguma coisa permanecia que, segundo minha crença, era absolutamente certa”.
propósito de conhecer melhor os objetos de estudo, avaliando seu comportamento sobre certas
condições. Avançado um certo grau de sustentação teórica do modelo, ele é então confrontado.
Imaginando-se que o modelo escolhido para o universo Galileano descreva bem a posição
solar, lunar, o movimento dos barcos quando percorrem o horizonte, podemos confrontar agora, por
exemplo, o movimento das estrelas ou a passagem de um cometa, com os resultados esperados pela
teoria.
Conforme os resultados confrontados com o modelo são positivos, aumentamos certo grau
de eficiência do modelo. Entretanto, milhares de experiências e observações confirmatórias, são
insuficientes quando há apenas um contra-exemplo. Logo, a verificação empírica de uma teoria não
serve de comprovação da mesma, sendo apenas válida para negá-la.
Conforme o progresso da ciência, o grau de sofisticação dos modelos foi ampliado. Com a
matematização da física e das outras ciências, foi possível revestir grande parte do conhecimento de
um invólucro lógico que proporcionou grande sustentabilidade a esses modelos.
O princípio da inércia de Galileu foi revestido de grande sofisticação a partir da introdução
dos métodos matemáticos, proporcionando um “maior grau de validade”. Além disso, a forma como
este foi concebido alterou profundamente a relação entre observação e interpretação, experiência e
teoria.
Durante anos, pensadores acreditaram que a tendência natural dos corpos era permanecerem
em repouso, pois esta era a primeira impressão dada pela experiência. Tal afirmação foi mostrada
incorreta, partindo-se também da experiência, entretanto, realizando observações de forma
controlada. O método descrito a seguir é devido a Galileu.
Partindo de um plano inclinado a um grau X de um plano horizontal, coloca-se uma
superfície esférica lisa. Esta desliza pelo plano inclinado e continua em movimento pelo plano
horizontal. Sabe-se que devido ao atrito, tanto do plano inclinado quanto da superfície horizontal, a
velocidade desse objeto diminuiu com o decorrer do tempo. Sabe-se também que, há uma força
gravitacional agindo sobre esse corpo, que o permite deslizar no plano.
Repetindo a experiência calibrando o ângulo de inclinação do plano para valores cada vez
menores, notou-se que a esfera desempenhava movimento semelhante. Após esses passos, com a
seguinte experiência hipotética Galileu derivou o referido princípio: Se supusermos que a superfície
do plano inclinado e do plano horizontal estiver perfeitamente polida, de forma que podemos
desprezar a existência do atrito, perceberíamos que conforme o grau de inclinação do plano fosse
levada ao estado limite zero, a tendência natural do movimento da bolinha era continuar
movimentando-se em um processo retilíneo e uniforme, ou seja, sem alteração da aceleração.
Note que a conclusão generalizou a idéia de repouso anteriormente estabelecida.
Não só desenvolvimento das ciências matemáticas, como também, a dificuldade cada vez
maior em realizar determinados experimentos leva a cabo a necessidade da utilização de um
conjunto de modelos abstratos para a explicação de determinados fenômenos.
Albert Einstein, disse em sua biografia que seria necessário bem mais imaginação e boas
doses de lógica, do que processos empíricos sofisticados para solucionar os problemas que a
geração dele havia deixado no campo da física. Havia, portanto, uma necessidade de distanciarmos
cada vez mais dos objetos de estudo, do concreto, com o propósito de conhecê-los.
Essa tendência, aparentemente contraditória, gerou considerações por parte da comunidade
filosófica. Primeiramente, pelo fato de quando mais alto o grau de abstração menos conhecemos
sobre o objeto. Os problemas resolvidos, por exemplo, para uma esfera matemática não se aplicam
ao mundo exterior, pois não há replica de tal objeto, de superfície perfeitamente regular na natureza.
Não só nesse aspecto a ciência distancia-se do seu objetivo primordial, como também, Kant
vai mais além, e aponta outro problema que nenhum dos métodos soluciona: “O que os objetos são,
em si mesmos, fora da maneira como nossa sensibilidade os recebe, permanece totalmente
desconhecido para nós. Não conhecemos coisa alguma a não ser o nosso modo de perceber tais
objetos – um modo que nos é peculiar e não necessariamente compartilhado por todos”2.

Concreto versus Abstrato

Com a introdução da matemática como linguagem fundamental no processo científico,


muito se ganhou em precisão e formalização. A partir dela, não só foi possível unificar as bases e as
regras do processo científico, como também, “aprisionou” a natureza em uma linguagem clara e
formal, proporcionando ao homem, uma capacidade de antecipação dos fenômenos.
A natureza tornou-se um programa, gradualmente desenvolvido, no qual poderíamos prevê-
la por meio de cálculos e equações. Com a adição de modelos e conseqüentemente com as
ramificações da teoria, o programa vai se completando e assemelhando-se cada vez mais a
realidade.
Durante o período do Renascimento, a ciência não possuía um grau de maturidade como a
que vemos hoje em dia. Atualmente, estruturas riquíssimas em sofisticação matemática são criadas
sem a preocupação se elas terão alguma aplicação ao mundo real ou algum caráter físico-biológico.
Elas existem por si mesmas, por sua beleza e com o propósito exclusivo de seres autoconsistentes.
A ciência de Galileu e Kepler era, ao contrário, uma ciência puramente aplicada. Todos os
conceitos abstratos eram desenvolvidos com o único intuito de explicar racionalmente os
fenômenos físicos ou solucionar problemas de caráter estritamente práticos. Portanto, a grande
2
Referência [9]
evolução conceitual no processo de abstração para aquele período estava, na idéia de que para
conhecer o objeto era preciso estar acima dele, antecipar-se a ele. Criando uma estrutura abstrata
que se assemelhasse em boa medida com as observações de caráter puramente empírico,
conseguiríamos atingir um grau mais alto no entendimento do objeto estudado.
Indubitavelmente, tal método comportou-se razoavelmente bem para esse fim. A idéia de
que seria preciso tornar o conceito do objeto um caso particular do ente criado na teoria para
entendê-lo, mostrou-se ao longo dos anos, um ótimo instrumento para os propósitos do período.
Entretanto, a ciência progrediu, e sentiu a necessidade de resolver outros tipos de problemas, que
tocavam não apenas em evolução instrumental, soluções práticas, mas tangendo ao filosófico -
alguns exemplos destes que vamos descrever posteriormente.
Todavia, uma série de problemas e perguntas poderiam surgir com a introdução dessas
idéias, como as sugeridas por Kant e aquelas apresentadas durante a introdução. Parece que a
medida que pretendemos evoluir e solucionar questões mais fundamentais e menos práticas a
respeito do conhecimento, é necessário afrouxar a instrumentação teórica. Ou seja, à medida que
tratamos de questões pouco práticas e questionamos realmente os valores e as “verdades universais”
somos obrigados a apenas obter soluções aproximadas dos fatos.
Parte da questão de durante a abstração tratarmos apenas de aproximações nem um pouco
satisfatórias, já possui um tratamento matemático, ainda em desenvolvimento, que poderá dar a luz
a discussão no que se refere ao argumento de que é “impossível encontrar uma esfera matemática na
natureza”. A teoria dos fractais, devida a Bernoit Mandelbrot, pretende estudar essas questões:
“Why is geometry often described as ‘cold’ and ‘dry’. One reason lies in its inability to describe the
shape of a cloud, a mountain, a coastlines, or a tree. Clouds are not spheres, mountains are not
cones, coastlines are note circles, and bark is not smooth, nor does lightning travel in a straight
line”.3
Há também uma importante questão relacionada a processos biológicos. Para Schrodinger, o
conceito da generalização do concreto e a utilização substancial da matemática devem também ser
aplicada a biologia. Segundo ele, o fato de não possuirmos sentidos supersensíveis não nos
permitem enxergar com razoável precisão o comportamento dos átomos em estrutura atômica; e de
acordo com a física estatística, o comportamento atômico tem caracter fundamental quando
quereremos atingir uma maior precisão dos fenômenos, bem como, quando nos propomos em
discuti-los com maior profundidade.
Já era possível perceber o âmago dessa questão em Galileu e no seu experimento do plano
inclinado, mas para Shroringer a visão está bem mais amadurecida, inclusive por ter posse de
resultados posteriores ao período do Renascimento.
3
Introdução, livro [10].
Toda essa questão é muito delicada, e atinge diretamente a base de todo o pensar científico.
A partir de agora, devemos nos ater a um ponto importante em toda essa discussão: Como é a
mecânica e onde está o nascimento do processo de abstração no método científico?

Afirmamos que o nascimento está na Interpretação dos Dados empíricos e, além disso,
intimamente ligado a dualidade Interpretação/Observação. Independentemente da posição tomada,
seja ela a Kantiana ou a visão apresentada nessas linhas, propomos a avaliar a questão de forma
geral, tomando um certo cuidado para não colocá-las em conflito.
Pelo que foi desenvolvido até aqui, entendemos que a preocupação da nossa discussão não
deve situar no quão o método é eficiente no tratamento de problemas concretos, no qual as
aproximações são eficazes para a prática, mas sim o quanto ele pode caminhar para levar-nos ao
verdadeiro conhecimento. E para tanto é preciso entender o que é verdade para ciência.

Verdades científicas

Por uma questão de hábito, algumas pessoas são levadas a crer que o cientista possui, de
fato, as respostas para tudo, ou ao menos, as respostas para as perguntas que ele fórmula. A
começar pela matemática, que é para tantos, a ciência das verdades irrefutáveis.
Sabemos bem, que a matemática é constituída por muitas teorias e que a afirmação de que
certa proposição P é verdadeira em uma teoria, significa simplesmente, que P é logicamente
dedutível dos axiomas dessa teoria. Além disso, há um problema de relativismo bem maior nessa
questão, pois os axiomas podem ser dedutíveis, inclusive, dependendo da nossa aceitação do
modelo de lógica.
Tal (imaturo) sentimento de segurança para com a ciência, não é de exclusividade nossa.
Galileu sustentou que com a ciência matemática atingimos um nível de cognição semelhante ao do
intelecto divino: “convém recorrer a uma distinção filosofia, dizendo que o entender se pode tomar
em duas acepções, a saber, intensiva ou extensiva: extensiva, isto é, quanto à multiplicidade dos
inteligíveis, que são infinitos, o entender humano é ineficaz, já que, quando ele entendesse mil
proposições, mil relativamente à infinidade é como zero, mas, tomando o entender intensivo,
porquanto este termo implica intensivamente, isto é, perfeitamente, qualquer proposição, digo o
que o intelecto humano entende algumas delas perfeitamente e tem disso uma certeza tão absoluta
quanto a que tem a própria natureza; assim são as ciências matemáticas puras. (...) creio que a
cognição iguala a divina na certeza objetiva, já que chega a compreender-lhes a necessidade,
acima cada qual não parece haver maior certeza”4.
Problemas nos modelos e, conseqüentemente, no processo de observação e interpretação,
nas ciências naturais são também visíveis. Na física, por exemplo, era impossível conceber a idéia
da falsidade da Mecânica Newtoniana, em função da sua grande semelhança com a observação,
inclusive bastante criteriosa.
Após a Teoria da Relatividade devida Albert Einstein, grande parte dos pensadores da
época, acreditavam que a mecânica newtoniana teria chegado ao seu fim. Todos os cientistas se
perguntaram: Como poderia uma ciência que se comportava maravilhosamente bem com o mundo
real poderia estar errada? Não havia sequer uma prova empírica possível para desbancá-la.
Entretanto, não foi isso que aconteceu. Em primeiro lugar, em vista do fato que a teoria de
Newton se aplicava satisfatoriamente bem para pequenas velocidades, mais precisamente:
velocidades abaixo da velocidade da luz; a teoria foi mantida e utilizada para essas ocasiões por
conveniência. Além disso, está ainda foi capaz de derivar uma das áreas de grande pesquisa na
física atual com diversos problemas em aberto, chamada de Mecânica Clássica Moderna.
A noção de verdade, portanto, foi também relativizada. Significar que uma teoria é verdade,
pode também, significar, que esta teoria é verdade em um determinado universo. Dessa forma, se
duas teorias podem ser confrontadas – como, por exemplo, a Mecânica Relativista e a Mecânica
Newtoniana – e assim, diremos que uma teoria T é “mais verdadeira” que uma Teoria T' se o
âmbito de verdade que T incluiu como seu conjunto próprio, o âmbito de verdade de T'.
Tal definição abre a possibilidade de representar as verdades cientifica segundo um espaço
topológico, e não segundo conjuntos de partes. Como se sabe, a diferença entre um conjunto e um
espaço topológico está – de forma simples - no fato de que para se formar um espaço topológico se
exige que os elementos liguem entre si por relações bem determinadas, de maneira que o acréscimo
de um novo ponto num conjunto deixa imutáveis os que pertenciam já ao conjunto, enquanto o
acréscimo análogo num espaço topológico implica a introdução de uma nova relação entre os
elementos desse conjunto.

Processo da descoberta

A principal função do cientista, durante o processo da descoberta cientifica, é de dosar


sabiamente a sua intuição. Quando nos referimos à intuição aqui, estamos chamando aquele estado
momentâneo do saber, em que somos levados a acreditar que uma certa coisa é verdade, sem
comprovação através dos métodos da ciência.
3
Referência [9].
Por exemplo: Quando um matemático ou físico está estudando o gráfico de uma curva, este,
por vezes, tem a sensação de que quando esta se aproximar de um ponto ou tender ao infinito, tal
curva deverá possuir um determinado comportamento. Embora não comprovado com todo o rigor
do método matemático, ele tem essa impressão, por razões geométricas ou pela própria experiência
e conhecimento acumulado.
Essa intuição é a mola propulsora do conhecimento, pois serve de guia para o trabalho do
cientista. É o primeiro contato estabelecido, ou o grande salto entre a ciência e a natureza.
Dessa maneira, o processo pelo qual desempenha a formação e motivação do conhecimento,
é bem menos lógico e linear que possa parecer. Uma boa ilustração está na frase de Gauss,
relatando o seu entendimento sobre uma teoria em um determinado momento do seu trabalho: “As
soluções, eu já as possuo há muito tempo, mas ainda não sei como cheguei a elas”.
O cientista é alguém que propões declarações e as testa passo-a-passo. Logo, durante a
observação, o sujeito do conhecimento é ativo, e, portanto, não se limita a observar a natureza, mas
a interrogá-la. O cientista é como um pescador que joga redes (as hipóteses) em busca de colher
peixes (teses). E para a fabricação dessas redes, é necessário intuição. Dito de outro modo, o
cientista já sabe de antemão as respostas que quer obter, ao contrário do que possa parecer uma
interpretação mais ingênua da “Descoberta” dos cientistas.
Por outro lado, a intuição pode se tornar a verdadeira causa do fracasso de uma Teoria
Científica. Achou-se, por muitos anos, que existia uma fórmula geradora de números primos. Em
uma verificação rápida, percebeu-se que os primeiros da lista dado por essa fórmula eram realmente
verdadeiros. Como a tarefa, a partir de um certo instante, se tornava árdua, não verificou-se mais.
Além do mais, era provido de grande reputação o matemático que propunha a expressão. Passado
alguns anos, alguém tomou coragem e verificou se o termo seguinte era verdadeiro, e para espanto
de todos, não o era.
Nas ciências empíricas a questão é ainda um pouco mais delicada. A fim de se dar
legitimidade a uma experiência, por meio de uma teoria, é preciso determinar métodos pelos quais a
partir da experiência, ofereçam princípios seguros ao desenvolvimento da teoria. Ao contrário da
forma como era feito no início, é preciso dar sustentabilidade aos fenômenos sugeridos pela
experiência, e não deduzidos dela. Observe que há uma questão fundamental colocada
implicitamente na última afirmação: até que ponto podemos confiar em uma teoria?
Na maioria dos casos, o princípio das teorias está intimamente ligado com a experiência. O
melhor exemplo para tanto, é o princípio da Inércia de Galileu Galilei. Partindo de experiências e
observações com propósito lógico, foi possível mostrar que a tendência dos corpos é manter-se em
movimento não acelerado, ao contrário do que pensava a intuição, que o estado natural de um corpo
era em absoluto repouso.
Por outro lado, em rigor, nem sequer se pode assertar que a experiência tenha confirmado o
princípio referido. Segundo o físico A. Borsellino, “foram, pelo contrário, as conseqüências do
sistema dedutivo em que o princípio está incorporado que receberam as mais largas confirmações
e verificações”. Na melhor das hipóteses, essa experiência “criteriosa” pode fazer-nos expandirmos
a nossa intuição com relação a determinado fato, e não o conhecimento puro do fato em si.
Esse espírito, que provém do Renascimento, no qual compreende-se que a natureza não deve
ser observada, mas interrogada, torna o sujeito da experiência, conforme citado acima, ativo, e não
passivo. Essa atividade exerce-se, antes de tudo, na preparação dos instrumentos para o registro das
observações – ou do interrogatório, se preferirem. Atualmente, tal preparação deve ser comparada
ao trabalho das industrias mais avançadas, em vista do grau de sofisticação e complexidade de tais
instrumentos.
Entretanto, na preparação da experiência, não se envolve apenas o aspecto tecnológico, mas
também o teórico. E aqui o problema da Observação e Interpretação se torna mais claro. É preciso
ter uma idéia das respostas para que possam ser formuladas as perguntas – a natureza é uma espécie
de réu lacônico, é permitido a ela responder sim ou não de acordo com a pergunta, de modo que, é
preciso ter de antemão bons conhecimentos dos fatos, a fim de obter uma interrogação clara.
Note que há um grande problema em vincular teoria e experiência, pois antes de
experimentar é necessário ter uma breve idéia daquilo que se espera observar. Ou seja, não há de
fato uma neutralidade do sujeito no decorrer da experiência, podendo involuntariamente, causar a
alteração dos dados ou das interpretações deles.
Além disso, outros fatores podem contribuir com a degradação da teoria. Como em qualquer
profissão, não só a influência do meio e dos hábitos podem gerar dogmas, contrariando a filosofia
do cientista, como também, a preservação do sujeito da experiência, em detrimento da sua moral e
reputação tanto em vida, quanto postumamente. Cientistas são seres humanos comuns, sujeitos a
egocentrismos e a manipulação de resultados a fim de preservar-se.
Alguns grandes cientistas, também fizeram uso de um mecanismo um pouco mais
sofisticado de experiência, chamadas de experiências ideais. Einstein dizia que "O pensamento
lógico pode levar você de A a B, mas a imaginação te leva a qualquer parte do Universo". Esse
pensamento está intimamente ligado com a forma com Einstein teve que proceder para obter os
resultados de sua Teoria. Como o campo físico e os instrumentos para a realização de experiências
que corroborassem para a sua teoria eram extremamente limitados, pois se tratava de estudar luz,
ondas e fenômenos que ocorriam em grandes escalas do universo, havia a necessidade de gerar
procedimentos imaginários a fim de realizar estas experiências.
É notável o progresso alcançado pela ciência com o emprego desses métodos. No caso da
Teoria da Relatividade, a evolução teoria foi tamanha, que demorou décadas para que a industria
conseguisse produzir instrumentos para observar esses resultados – cuidado! Concluímos acima que
a experiência não pode confirmar os resultados.
Einstein, realmente estava bastante convencido desse método, tanto que em sua obra
intitulada “Como eu vejo o mundo”, ele propõe que a imaginação é capaz de como a solução para
resolver os novos problemas em aberto, e colocando-a em um grau acima do conhecimento: “A
imaginação é mais importante que o conhecimento”.
Até que ponto a experiência pode ampliar a forma com que compreendemos a teoria? O
problema da interpretação responde que a experiência pode apenas refutar uma teoria, mas não
confirmá-la.
Essas limitações do método científico colocam abaixo parte da credibilidade da “verdade
científica”. Em uma ocasião Freud escreveu a Einstein colocando a seguinte questão: “Não será
verdade que cada ciência, no fim, se reduz a algum tipo de mitologia”.
David Hume, afirmava que as decisões da ciência não podem ser tomadas nem por meio da
lógica, nem por meio da indução. Ele percebeu muito bem que, em certo momento, o cientista
trapaceava e dava um pulo que tanto os raciocínios sobre matérias de fato com os raciocínios
lógicos proibiam. E como ele executava tal proeza? Hume sugeriu que eram os costumes, os
hábitos, as crenças que tornavam possível a ciência. Conclusão terrível para aqueles que sentem
vertigens perto dos abismos. Hume os tranqüilizava dizendo: “Não se preocupem, a ciência
continua, o sol nascerá amanhã, a água continuará a matar a sede. Só que temos de confessar que
não podemos ter certezas e que nem sabemos por que as coisas são assim...”.
Infelizmente, nem todos conseguem centralizar e aceitar tal problema. É possível encontrar,
em um dos murais do refeitório do Massachusetts Institute of Technology, a frase “e serei como
deuses, conhecendo o bem e o mal”. O que reflete o profundo desconhecimento das questões
filosóficas pertinentes à ciência, ou na melhor das hipóteses, um protecionismo exagerado por parte
da comunidade científica na supervalorização do seu trabalho.

Conclusão

"Eu poderia viver recluso numa casca de noz".


E me considerar rei do espaço infinito...".

Shakespeare,
Hamlet, Ato 2, Cena 2.

Steven Hawking, astrofísico britânico, disse que “Hamlet talvez quisesse dizer que, embora
nós, seres humanos, sejamos limitados fisicamente, nossas mentes estão preparadas para avançar
audaciosamente, se os maus sonhos permitirem”.4
Embora a ciência tente aproximar-se das verdades de forma clara e precisa, a influência do
meio e do seu próprio método – que a destaca e a diferencia – acabam tornado-a semelhante às
outras formas de concepção e entendimento da vida, como as citadas na introdução. O cientista,
embora faça de tudo para não sê-lo, assemelha-se com o dançarino de Kierkegaard, embora tenha
sempre o estereotipo auto-suficiente descrição do moto do MIT e de Hawking.
É satisfatório e visível a evolução atingida pelo homem por meio do conhecimento
científico. Melhoramos exponencialmente a nossa qualidade de vida, expandimos a nossa
comunicação, e tudo isso causa um maior bem estar em nossas vidas. Chegamos a resultados
profundos. Apesar de tudo isso, nem mesmo o próprio método pode assegurar a verdade e a
confiabilidade destes. Ao contrário, podemos apenas refutá-lo.
Talvez o maior mérito do progresso cientifico não está nos resultados teóricos obtidos ou no
grau de abstração atingido, mas sim, na evolução instrumental e na proporção com que esta traz
benefícios práticos ao homem. Parafraseando Nietzsche, pode ser que, um dia, alguém consiga levar
ao máximo a afirmação de que o objetivo da ciência não está nas próprias verdades, mas sim, em
algo diferente, algo próximo de um conforto, saúde, esperança, amor e vida.

4
Contra-capa do livro [3]
Referências

Citações:
[1] Frederich Nietzsche, Gaia Ciência, Companhia das Letras, 2001 (pg. ).
[2] Strathern, Paul / Geordane, Maria Helena, Einstein e a Relatividade em 90 minutos, Jorge
Zahar, 1998.
[3] Stefen Hawking, O Universo numa casca de Noz, Arx, 2004, (contra-capa).
[4] Benoit B. Mandelbrot, The Fractal Geometry of Nature, Freeman, New York, 1983.

Textos de referência:
[5] El problema del conocimiento, Ernst Cassier, Fondo de Cultura, 1993.
[6] Albert Einstein, Comment Je vois le monde, Champs, 1989.
[7] Rubem Alves, Filosofia da Ciência, Loyola, 2000.
[8] Erwin Schrodinger, O que é a vida?, UNESP, 1997.
[9] Lodovico Geymonat, Elementos de Filosofia da Ciência, Gradativa, 1988.
[10] S. Morgenbesser (org), Filosofia da Ciência, Observação e Interpretação, Cultrix.

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