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Identidade de Gênero: Sobre o Apoio,

Identidade e Suporte Social de Travestis,


Transexuais e Transgêneros

Resumo: A transexualidade e a travestilidade se inserem no contexto da


sexualidade humana enquanto formas de vivenciar este fenômeno de maneira
que vão de encontro ao binarismo sexual masculino/feminino instituído para os
corpos e gêneros. Devido à forte estigmatização e preconceito, estes indivíduos
necessitam de uma rede de apoio social que favoreça o desenvolvimento de
uma experiência identitária, pautada na não patologização e na integração
social. Sendo assim, esse estudo teórico buscou explorar a ideia de identidade
social em transexuais e travestis a partir dos conceitos de gênero, corpo,
sexualidade e da importância e influência do apoio e do suporte social no
universo trans. Neste sentido, o que se observa é que a identidade transexual e
travesti está em constante contato e recebe influência contínua do meio social no
qual estes sujeitos se inserem. Além disso, devido à pouca literatura existente no
Brasil associando os fatores rede de apoio social e identidade social, este estudo
contribui para o conhecimento na área da sexualidade humana a partir de uma
proposta de diálogo entre Psicologia do Desenvolvimento, Psicologia Positiva e
Estudos de Gênero.

Palavras-chave: Apoio/Suporte Social, Identidade Social, Gênero,


Identidade de Gênero.

1. Introdução

Quais os obstáculos mais frequentes encontrados pelos transgêneros? A


principal justificativa deste estudo fundamenta-se na ideia prevalente na
sociedade de uma sexualidade e expressões de gênero imaleáveis,
desconsiderando as diferentes identidades sexuais e de gênero. Entende-se que
a diversidade sexual e de gênero fazem parte das expressões da dimensão
sexual humana e, portanto, devem ser respeitadas e consideradas em suas
diferenças.

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A perspectiva contrária, por não ser coerente com as definições de gênero
socialmente ditas "normais", tem feito que os transgêneros sejam estigmatizados
pela sociedade, tornando-os mais vulneráveis a diversos tipos de discriminação
e violência. Portanto, a presente pesquisa se faz necessária, uma vez que há
uma carência de estudos que incluam pessoas trans., mesmo de forma indireta.

Certamente, pessoas que nunca tenham se defrontado com o tema ainda


estão munidas de preconceitos, simplificadas na classificação estereotipada de
que transexuais, em verdade, seriam ‘gays’ e ‘lésbicas’, ou, mais precisamente,
pessoas com interesse estritamente sexual no mesmo sexo biológico que
possuem. Em verdade, quando se estuda o universo de gênero vislumbra-se
uma variedade que transborda o elemento sexual, classificada por
homossexuais masculinos e femininos, bissexuais, intersexuais (hermafroditas),
travestis e transexuais, cada um com suas particularidades, com seus anseios,
com suas realidades físicas, emocionais, psíquicas e contextualizados em
espaços sociais diferenciados.

Diante dessa diversidade de formas de sexualidade, torna-se


imprescindível estudar o tema referido em virtude da escassez de doutrina
brasileira atualizada sobre o assunto, principalmente na área do Direito. Além
disso, existem projetos de leis com orientações bastante divergentes em trâmite
no Congresso Nacional, por vezes destoantes entre si, que vêm sendo
propostos desde 1995 sem a participação da sociedade e sem uma clara
preocupação com a regulamentação da realidade dos transgêneros.

Os chamados LGBT ou LGBTTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis,


Transexuais e Transgêneros) fazem parte de uma parcela significativa da
sociedade, que no caso da sociedade brasileira, ainda se luta para sua inclusão
na cidadania plena. A porcentagem destes em todas as sociedades parece ser a
mesma e permanece estável. Sendo assim, aborda-se um assunto que ocorre
em uma proporção maior do que pode-se imaginar, em cenários e situações que
a realidade deveria garantir os direitos legítimos dessas pessoas.

Sendo assim, analisou-se através de artigos científicos dos últimos 10


anos as informações sobre identidade de gênero no Brasil. Buscou-se investigar
se estão sendo respeitados como direitos fundamentais, sem distinção de
qualquer natureza garantindo os direitos à vida, à liberdade, à igualdade e à
segurança, conforme art. 5, §1º da Constituição Federal de 1988. Identificou-se a
presença de evolução no conceito de transgêneros e relacionou-se medidas de
intervenção, prevenção e proteção para grupo dos transgêneros.

Classificou-se a pesquisa como básica, descritiva, qualitativa e


bibliográfica, incluindo as experiências vividas pelos grupos dos transgêneros.

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2. A Busca pela Legitimação de Identidade: Considerações Acerca do
Corpo, Gênero em Pessoas Trans e Contribuições da Teoria da Identidade
Social

No princípio da Dignidade da Pessoa Humana, a discussão acerca do


estigma, do preconceito e da exclusão que permeiam a vida do transexual, se
mostra evidente a necessidade do reconhecimento jurídico de sua identidade
de gênero. Nas lições do professor Silva (2016, p. 147), o conceito de Dignidade
da Pessoa Humana é o mais abrangente possível, alcançando o status de
norma suprema dos direitos fundamentais:

O conceito de dignidade da pessoa humana, valoriza que tenha em


conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não qualquer
uma ideia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da
dignidade humana à defesa dos Direitos pessoais tradicionais,
esquecendo-a nos casos de Direitos sociais, ou invocá-la para
construir ‘teoria do núcleo da personalidade’ individual, ignorando-a
quando se trata de direitos fundamentais, sociais e culturais.

No mesmo sentido posiciona-se o constitucionalista latino-americano


Humberto Alcalá (2004, p. 42):

Dignidade Humana é o valor básico que fundamenta os direitos


humanos, já que sua afirmação não somente constitui uma garantia
que proteja às pessoas contra vexames e ofensas de todo tipo, mas
que deve também se afirmar positivamente através dos direitos com
pleno desenvolvimento de cada ser humano e de todos os seres
humanos.
Dallari (1994, p. 07), perguntado sobre a existência dos direitos da pessoa,
respondeu: “Todas as pessoas têm algumas necessidades fundamentais que
precisam ser atendidas para que elas possam sobreviver e para que mantenham
sua dignidade. [...] Têm direitos pelo simples fato de ser uma pessoa humana”. O
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é, portanto, a fonte jurídico-positiva
dos direitos e garantias fundamentais, e em razão disto, é como afirmar que tais
direitos são obrigatórios juridicamente em virtude de terem seu fundamento na
dignidade necessária à pessoa.

Ao Estado cabe o dever de garantir à justiça e direitos de liberdade


individual. A dignidade da pessoa humana atribui unidade aos direitos
e garantias fundamentais, inerente às personalidades humanas,
afastando a ideia de predomínio das concepções transpessoalistas de
Estado e Nação, em função da liberdade individual. A dignidade é um
valor espiritual e moral intrínseco da pessoa, que se manifesta
singularmente na sua autodeterminação consciente e responsável,
trazendo consigo a pretensão ao respeito das demais pessoas,
edificando um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve

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assegurar, de modo que, excepcionalmente, possam ser feitas
limitações ao exercício dos direitos fundamentais, todavia sem
menosprezar o merecimento das pessoas enquanto seres humanos
(MORAIS, 2005, p. 16).
Morais (2005), ressalta que a dignidade da pessoa manifesta-se na
possibilidade de autodeterminação da própria vida, o que traria consigo a
pretensão ao respeito por parte do restante da sociedade, constituindo assim,
um mínimo invulnerável que qualquer ordenamento jurídico deverá resguardar.
Entre suas características, está o fato de ser impessoal e independente de uma
situação específica para se concretizar. Todos, mesmo o maior dos criminosos,
possuem dignidade, muito embora não se porte com dignidade para com seus
semelhantes. Além disto, a dignidade é inexaurível, pois nunca se chegará a
ponto de sua total satisfação, a qual está sempre clamando por expansão.

É neste sentido que a presente discussão prossegue, à medida em que se


analisará a necessidade de tutela e concretização do Direito Fundamental à
Identidade de Gênero enquanto expressão da dignidade da pessoa para todos,
em especial à comunidade transexual, objeto deste estudo.

Ao longo das últimas décadas, os países ocidentais tiveram uma alteração


fundamental na vida sexual das pessoas. Nas sociedades tradicionais a
sexualidade estava ligada estreitamente ao processo de reprodução, estando
atualmente uma ideia separada da outra. A sexualidade tornou-se uma
dimensão de vida que cada indivíduo pode explorar e desenvolver. Se a
sexualidade foi definida outrora em função da heterossexualidade e da
monogamia no contexto das relações matrimoniais, há agora uma aceitação
cada vez maior de diversas orientações e comportamentos sexuais numa ampla
variedade de contextos.

A transexualidade ocorre quando o indivíduo não se identifica com o seu


gênero biológico. Estes podem ser homossexuais, bissexuais ou heterossexuais;
pois não se trata de uma orientação sexual, mas sim de uma disforia de gênero.

Tal como tudo aquilo que se desconhece, a comunidade de Lésbicas,


Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT ou LGBTTT)
tem sido desde sempre, alvo de discriminação a nível social, profissional,
religioso e jurídico. A mudança dos homossexuais, bissexuais e transgêneros
das margens da sociedade para a sociedade, está em rápida e contínua
evolução nos últimos anos. Vistos como minorias pela sociedade, os LGBT
desenvolveram associações e locais de encontro, majoritariamente nas grandes
cidades (GIDDENS, 2009).

A inclusão do direito à Identidade de Gênero no âmbito dos Direitos


Fundamentais é um tema novo, ainda pouco explorado pelos autores
constitucionalistas, mas suscitado e reclamado pela agenda LGBT em todo o
mundo. Ante a escassez de um conceito jurídico, ainda se faz necessário um

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esforço multidisciplinar para defini-lo, diferenciando-o dos discursos do sexo e do
gênero.

De acordo com uma visão tradicionalista, sexo, gênero, sexualidade e


identidade de gênero têm sido estabelecidos como uma relação em que um
conceito é sequência lógica do outro. O sexo bio-anatômico seria determinante
do comportamento de gênero e da experiência específica da sexualidade.
Haveria uma suposta continuidade entre esses elementos, o que serviria para
normatizar a vida dos indivíduos e da sociedade.

Segundo Maranhão (2007), o sexo abrangeria vários elementos, indicando


a existência de vários de seus tipos: genético, morfológico, endócrino,
psicológico e jurídico. O sexo genético, ou genotípico, é aquele denunciado pelo
par de cromossomos sexuais; em um ser humano não-portador de qualquer
síndrome cromossômica, ele seria do tipo XX em mulheres e XY em homens. Já
o sexo morfológico, responsável pela mais fácil distinção entre mulheres e
homens, diferencia-se em sexo fenotípico, responsável pelos caracteres sexuais
secundários, e em sexo genitálico – pênis e vagina. O sexo endócrino é
decorrente da atividade das glândulas sexuais, as gônadas. Nos homens, são
chamadas testículos, e produzem o hormônio masculino testosterona, já nas
mulheres são chamadas de ovários, e são responsáveis pela produção dos
hormônios estrogênico e progesterona. O sexo psicológico, talvez o mais
complexo, denuncia condições subjetivas dos comportamentos de mulheres e
homens, e é eminentemente influenciado pela cultura, educação e vivências
pessoais do indivíduo, nos sujeitos transexuais, ele não corresponde à
tradicional identidade de gênero atribuída ao sexo morfológico.

Por sua vez, o sexo jurídico, nas palavras de Maranhão (2017), seria uma
mera decorrência do assentamento registral civil, o qual possui presunção de
legitimidade. Sua importância está adstrita à atribuição de direitos e deveres
concernentes à participação social do indivíduo, sendo baseado em uma
constatação médica atrelada à anatomia do recém-nascido.

Desatrelada das noções de sexo e gênero, a definição da sexualidade vai


além do ato sexual e da reprodução. A sexualidade englobaria a identidade de
gênero, o afeto, as alterações físicas e psicológicas decorrentes do transcorrer
da vida, a gravidez, o conhecimento do corpo, doenças sexualmente
transmissíveis, transtornos sexuais, entre outros.

Já a palavra gênero, conforme Scott (1990), indica uma rejeição ao


determinismo biológico implícito no uso de termos como sexo ou diferença
sexual. Para Scott (1990, p. 21):

O gênero é uma primeira maneira de dar significado às relações de


poder. Seria melhor dizer: o gênero é um primeiro campo no seio do
qual, ou por meio do qual, o poder é atribuído. [...] A ênfase colocada

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sobre o gênero não é explícita, mas constitui, no entanto, uma
dimensão decisiva da organização, da igualdade e desigualdade. As
estruturas hierárquicas baseiam-se em compreensões generalizadas
da relação pretensamente natural entre o masculino e feminino.
É neste contexto que se apresenta a teoria da identidade de gênero, a qual
não possui necessariamente ligação com os sexos morfológicos e/ou endócrino.
Silva (2014) explícita que tal identidade possui elementos conscientes e
inconscientes, os quais são integrados às características físicas do sujeito.

Adepto a este mesmo pensamento, Peres (2001) sustenta que a


identidade de gênero é responsável por distinguir o indivíduo em meio à forçosa
dualidade do feminino e masculino, rotulada pela sociedade como proprietários
de papéis sociais distintos. O que não se enquadra neste conjunto é fatalmente
excluído, uma vez que é portador de um estigma. Ainda de acordo com o autor,
tal dicotomia é necessária ao funcionamento da sociedade, já que cada sujeito
conhecerá o papel que deverá desempenhar, não gerando desordem e
confusão.

Com o advento do movimento feminista, iniciou-se um importante


questionamento acerca da mutabilidade de tais identificações sexuais, passando
a sociedade a compreender a riqueza do diálogo entre os papéis dos gêneros,
os quais não estão definitivamente ligados a qualquer um dos caracteres
definidores do sexo.

Neste viés, vê-se que o sexo e o gênero não são, absolutamente,


conceitos imutáveis determinados pelo nascimento. Em sua vivência, os
transexuais apresentam-se como indivíduos cromossomicamente identificados
como pertencentes ao sexo masculino ou feminino, possuindo sexo psicológico
e identidade de gênero tidos como pertencentes ao sexo oposto. Tais pessoas
têm identidade de gênero diferente do sexo com o qual nasceram e podem
manifestar, ou não, o desejo de se submeter a intervenções cirúrgicas para
realizar a adequação dos seus atributos físicos de nascença, inclusive genitais, à
sua identidade de gênero constituída.

Ante tão amplas possibilidades alcançadas através do avanço da ciência e


da tecnologia, as quais implicam a transformação das mentalidades e dos papéis
sociais dos indivíduos, há para o Direito o desafio de acompanhar tais
mudanças. A grande questão colocada neste cenário é, portanto, a
individualidade do reconhecimento jurídico exclusivamente de um sexo
anatômico, negligenciando todos os outros aspectos da identidade de gênero de
cada um.

Dentre a busca pela legitimação de identidade sobre considerações acerca


do corpo, gênero, contribuições da teoria da identidade social e identificação
social da população trans., é preciso definir o que significa ser um grupo no
presente contexto. É necessário se desfazer do conceito de que o grupo seria

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apenas uma reunião de pessoas com base em uma ou mais características
comuns. Certos conjuntos ou categorias de pessoas são constituídos por
critérios menos arbitrários ou mais primários como raça, gênero, sexo biológico,
identidade de gênero, orientação sexual, etc. Esses agrupamentos são
denominados, geralmente, de ‘categorias sociais’.

Segundo Deschamps (2009, p. 295), o grupo é constituído de diversos


elementos que identificam um indivíduo, tais como sexo biológico, gênero, idade,
cidade de origem, papéis ou posições sociais, como a profissão que se exerce
ou uma afiliação política, religiosa, por exemplo. Porém, isto não seria suficiente
para definir um grupo social, pois como Tajfel (1981, p. 189) descreveu, “as
características do nosso grupo (tais como seus status, sua riqueza ou pobreza,
cor da pele), adquirem seu significado só em relação às diferenças percebidas
de outros grupos e à avaliação dessas diferenças (...) a definição de um grupo
só faz sentido em relação a outros grupos”.

Portanto, como consequência das diversas pertenças grupais e da


interdependência entre esse conjunto de indivíduos, o fenômeno social da
diferenciação grupal e da categorização social acaba por acontecer e é, de certo
modo, importante para o ser humano, pois este precisa ser capaz de se
identificar com um grupo, para em seguida inserir-se no que lhe for mais
conveniente, já que é por meio desse fenômeno que ele eleva sua autoestima
(ARONSON, 2002).

Além disso, no que concerne a esta identificação social, a teoria expõe que
a necessidade de uma imagem positiva de si mesmo poderia levar os grupos
sociais considerados desfavorecidos a desenvolverem diferentes estratégias de
mobilidade social que valorizassem o seu grupo em relação aos outros, o que
poderia acontecer com o grupo em questão. Por um lado, podem mudar o
exemplo da comparação feita por indivíduos que já realizaram a cirurgia de
mudança do sexo anatômico para com aqueles que ainda não passaram por tal
procedimento cirúrgico; redefinir as dimensões incluídas na comparação ou,
finalmente, os valores os quais avaliam essas dimensões (ÁLVARO, 2007).

Em acordo com estas explanações, nas entrevistas realizadas com


transexuais e travestis masculinos e femininos por Bento (2012, p. 569), pode-se
observar que em alguns casos, as qualidades físicas já existentes e que se
assemelham ao “belo” do gênero com que estes indivíduos se identificam, são
valorizadas, numa busca por autoimagem corporal, e identidade social de
qualquer indivíduo. Deschamps (2009, p. 259) declara, com relação à pertença
de grupos sociais, que “de um lado, os indivíduos experimentam a necessidade
de sentirem-se relativamente semelhantes ou próximos do outro, e de outro lado,
buscam preservar sua unicidade, sua especificidade e individualidade”.

Entretanto, parece que uma das grandes dificuldades na vivência da


identidade de gênero na maioria de travestis e transexuais, seria o
enfrentamento da estereotipia de gênero, do estigma e do preconceito da
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condição de sujeito desviante em relação à sua sexualidade, além da falta de
suporte e amparo social por parte da maioria dos grupos aos quais estes
indivíduos integram.

Diante de tais fatores, esses sujeitos seriam consequentemente


considerados “anormais”. O que leva a uma repercussão negativa na identidade
deste grupo, pois muitos (as) querem ser reconhecidos (as) enquanto mulheres
(no caso de trans. femininas) ou como homens (nos casos de trans. masculinos).
No tocante a tal aspecto, o grupo social composto por estes indivíduos
demonstra características bastante interessantes de serem analisadas pela
teoria da identidade social.

No entanto, outros grupos de estudiosos defendem que não existiria uma


identidade, justamente porque estas pessoas se definem enquanto homens e
mulheres e não como transexuais ou travestis. Outros grupos usam a
nomenclatura de “Homens transexuais” e “Mulheres transexuais”, incorporando
como parte de uma definição de si a noção da transexualidade. E ainda existe
um grupo menos expressivo, mas de considerável relevância, incluindo autores
como Butler, que se utilizam do termo transgênero como forma de expressar
possibilidades de nuances entre os gêneros. Portanto, no que se refere à
identidade transexual, Bento (2012, p. 569) explica que:

Não existe uma identidade transexual, mas sim posições de


identidade organizadas através de uma complexa rede de
identificações que se efetiva mediante movimentos de negação e
afirmação aos modelos disponibilizados socialmente para se definir o
que seja um homem e uma mulher de verdade.
No mesmo sentido posiciona-se Almeida (2012, p. 518) que explica:

Que, para alguns a identidade trans. é uma categoria temporária,


organizadora da experiência e da trajetória individual e, também, uma
ferramenta de acesso a instituições que, de outra forma, cerrariam as
portas a eles. Utilizar a identidade como ferramenta de acesso cumpre
o papel de possibilitar o que, de fato, eles desejam no futuro: eliminá-
la.
Embora travestis e transexuais possam não se sentir pertencentes ao seu
grupo, já que a travestilidade e a transexualidade não são por diversas vezes
socialmente aceitas, hipotetiza-se que seria interessante que estas pessoas
mantivessem um nível mediano ou alto de sentimento de pertença ao seu grupo,
para que a cooperação entre os membros deste fosse viabilizada, o que poderia
resultar numa fonte de apoio social. Diante disso, a categorização e a integração
de grupos sociais mostram-se fundamentais para a problematização da noção
de identidade social.

Bento (2009) também coloca que, em muitas de suas entrevistas, o medo


de perderem ou de não conseguirem namorado (as) pela falta de uma vagina,

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nas transexuais, e do pênis, nos transexuais, apareceu como um dos fatores
para se obter apoio e satisfação conjugal. Mas a mesma autora pontua que,
apesar da “genitalização das relações”, a ideia de que um (a) transexual ou
travesti tem rejeição ao seu corpo e é assexuado, não possui nenhum respaldo
nas narrativas encontradas; e que seriam muitas as técnicas de dar e sentir
prazer, abrindo sempre outras possibilidades de negociação com suas/seus
companheiras/os no contexto das relações afetivas e sexuais.

Neste sentido, faz-se mister assinalar a importância que a cirurgia de


mudança do sexo anatômico para a maior parte do público em questão, pois iria
se tratar de uma forma de eliminar o dualismo sexual presente no corpo das
travestis e das transexuais, permitindo a qualidade da definição do seu sexo
psicológico. Diante disso, muitos indivíduos integrantes do grupo social em
questão veriam na cirurgia de transgenitalização, as melhorias nos
relacionamentos amorosos e uma maior satisfação conjugal, bem como serem
reconhecidos (as) pela sociedade. Porém, esta deve ser entendida apenas como
primeiro passo para se atingir um objetivo maior, que seria a identificação, o
entendimento, a compreensão e a aceitação por parte dos (as) transexuais, de
suas próprias condições de existência, assim como, do acompanhamento e
apoio por parte de equipes multidisciplinares e pela sociedade em geral.

Dessa forma, a identidade transexual e travesti está em constante contato


com a influência contínua do meio social no qual estes sujeitos se inserem.

Num certo sentido, precisamos nos desfazer para que sejamos nós
mesmos: precisamos ser parte de um extenso tecido social para criar
quem nós somos. Este é, sem dúvida, o paradoxo da autonomia, um
paradoxo que é intensificado quando as regulações do gênero
funcionam para paralisar a capacidade de ação do gênero em vários
níveis. Até que essas condições sociais tenham mudado radicalmente,
a liberdade requererá não-liberdade, e a autonomia estará enredada
em sujeição. Se o mundo social - um sinal de nossa heteronomia
constitutiva - precisa mudar para que a autonomia se torne possível,
então a escolha individual mostrará ser dependente desde o início de
condições que nenhum de nós produziu ou desejou, e nenhum
indivíduo será capaz de fazer escolhas fora do contexto de um mundo
social radicalmente mudado. A mudança vem de uma ampliação de
ações coletivas e difusas que não seriam próprias a nenhum sujeito
singular, ainda que um efeito dessas mudanças seja que se venha a
agir como um sujeito. (BUTLER, 2009, p. 123).
Por fim, mediante as diferenças dissipantes entre as formas de se pensar
corpo e gênero da maior parte da população e de homens e mulheres
transexuais, pressupõe-se que a construção da identidade social da
mulher/homem trans. no contexto atual, é fortemente influenciada e determinada
pela relação e redes de apoio sociais estabelecidas entre eles. De outra
maneira, acredita-se que a percepção sobre si envolvendo aspectos como
corporalidade e sexualidade, sobre os grupos de pertença identidade social, tem
estreita conexão com a maneira como a família, os pares, e os
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cônjuges/namorados encaram essas “outras” formas de se sentir mulher/homem
e a identidade de gênero dos sujeitos em questão. Uma vez que não se nasce
sujeito, mas torna-se sujeito numa breve adaptação, a partir do momento em que
é possível perceber pertencimento a uma determinada realidade social e
societal.

3. Questões de Gênero

Discutir gênero vai muito além das questões homem e mulher, dos
aspectos fisiológicos e das diferenças corporais. Quando um determinado
indivíduo nasce, este por sua vez deve ter uma conduta e comportamentos para
seguir de acordo com seu sexo, entretanto, atualmente vivenciamos vários casos
de pessoas que nascem com sexo masculino, mas se enxergam como feminino
e vice-versa. Entende-se por gênero a forma na qual uma pessoa se identifica e
esta pode ser adotada igual ou não ao sexo a qual nasceu. É importante
ressaltar que o indivíduo não deverá seguir na vida exclusivamente o mesmo
sexo que nasceu ou ter comportamentos semelhantes ao seu sexo apenas
porque é o que a sociedade espera, mas sim deverá direcionar-se a forma na
qual se enxerga independentemente do sexo de nascença.

O fato de nascermos “sexualmente indiferenciados”, e não menino ou


menina, faz com que a masculinidade e a feminilidade sejam pontos
de chegada sem que exista uma unicidade. A questão, então, é saber
como a partir da indiferenciação inicial se produz este “artefato social
que é o homem viril, ou uma mulher feminina” (BOURDIEU, 2002, p.
42).
A questão de qual meio que diferencia a interrogação entre os sexos é
extremamente difícil de ser respondida, uma vez que se deve levar em
consideração não apenas o sexo na qual a pessoa nasceu, mas também a
forma que este indivíduo se vê perante a sociedade. Esta diferença não é um
aspecto achado e a sua preferência não será exatamente precisa. As perguntas
entre as opções da sexualidade são muitas vezes inexplicáveis, pois é
enigmático e vai muito além da lógica o ponto de partida do que é ser uma
mulher ou ser um homem.

Existe uma certa forma simbólica que incentiva a diferenciação dos


gêneros, desde quando se descobre o sexo do bebê ainda na barriga de sua
respectiva mãe, uma vez que a partir desse momento começa a ter um mundo
rosa ou azul, que exemplifica a chegada da menina ou do menino. A distinção
socialmente criada para um indivíduo quando ele não se enxerga naquela forma
que a sociedade impôs, ocasiona um grande problema psicológico e de
existência.

Sexualmente falando a diferença entre o homem e a mulher é a


seguinte: o homem faz a mulher engravidar; a mulher menstrua,
desenvolve a gestação e amamenta. Fisicamente falando essa é a

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diferença. Fora disso, qualquer outro tipo de distinção é cultural (e é
aqui que reside a violência de gênero: que é eminentemente cultural).
Cada sociedade (e cada época) forma (cria) uma identidade
(comportamental) para a mulher e para o homem. O modo como a
sociedade vê o papel de cada um, com total independência frente ao
sexo (ou seja: frente ao substrato biológico), é o que define o gênero.
Todas as diferenças não decorrentes da biologia (menstruação,
gestação e amamentação) e impostas pelas regras culturais da
sociedade são diferenças de gênero (GOMES, 2013, p. 02).
Na distinção de gêneros podemos acentuar o grande problema na
diferenciação dos sexos e sua forma na qual a sociedade enxerga. Gomes
segue a ideia de que não se deve diferenciar os sexos, uma vez que a única
diferença visível é a forma corporal e o fato da mulher poder gerar outro
indivíduo. Não se deve dividir os papéis que cada um deverá desenvolver na
sociedade tendo como base o sexo, porque nesse momento entram inúmeros
aspectos que atualmente ambos os sexos desempenham no corpo social. A
dissemelhança entre os gêneros é visível desde o momento do nascimento,
entretanto, a forma na qual a sociedade, a cultura e os pais abordam os filhos é
que se configura o problema. As crianças nascem sem preconceitos ou distinção
de gêneros, os adultos que as impõem. Um exemplo é a discrepância nas
brincadeiras e nos brinquedos que são designados a meninos e meninas.

Garotas tipicamente preferem brinquedos como bonecas, enquanto


meninos tipicamente preferem brinquedos como veículos e bolas.
Desde cedo adultos oferecem às crianças brinquedos congruentes ao
gênero, reforçando a brincadeira típica. O surgimento da identidade de
gênero no início da infância (i.e., por volta dos três anos de idade) e o
subsequente desenvolvimento de esquemas de gênero, contribuem a
favor da preferência por brinquedos [...]. Assim, a preferência por
brinquedos específicos para cada gênero, que emerge no início da
infância, é mantida através do desenvolvimento cognitivo e da
socialização em um gênero ou outro (ALEXANDER, 2006, p. 699).
Os brinquedos são de suma importância na infância de qualquer criança e
cada uma já tem um instinto de preferência, no entanto, a forma neutra de
gêneros, até nas brincadeiras, seria uma característica favorável para que desde
pequenos não se tenha distinção ou preconceitos com ambos os sexos. A forma
de criação neutra de gêneros nas crianças vem se tornando um ato benéfico
para que não se tenham preconceitos em relação aos gêneros e diferenciação
nas opções sexuais na sua vida adulta. A transexualidade não é um relato novo
de forma uma opção sexual, partindo do pressuposto que existem uma gama de
relatos mitológicos e até mesmo fontes literárias que expõem personagens que
viviam como sujeitos de outro sexo diferente do seu de nascença. Atualmente
chamamos de transexualismo, sendo que já é possível em forma de técnicas
cirúrgicas a mudança de sexo e a hormonoterapia, um tratamento por meio de
hormônios.

Tradicionalmente, os estudos sobre transexuais são realizados pelas


ciências da área “psi”, com certa ausência da sociologia, o que conota um

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sentido de conflitos individuais e, de certa forma, reforça a patologização da
identidade, construídos fora do referencial biológico. Contudo, esses estudos
habilitam aqueles designados como pervertidos, desviados, psicóticos, enfermos
e transtornados, incluindo-se as transexuais, travestis, lésbicas, bissexuais e
gays, como sujeitos que constituem suas identidades de gênero mediante os
mesmos processos que os considerados “normais” (BENTO, 2006).

Pensando-se o gênero como uma criação da sociedade, com significação


das diferenças dos corpos sexualizados, firma-se uma dicotomia entre sexo
(natureza) e gênero (cultura). Seguindo esse pensamento, cada cultura moldaria
suas marcas nesse corpo inerte, sexualmente diferenciado pela natureza. Há
uma amarração, no sentido de que o corpo remete ao sexo e que o gênero só
pode ser entendido quando correlacionado com tal pensamento. Assim, o corpo
nasce maculado pela cultura, no entanto, o processo de transexualização é
marcado por conflitos, que trazem à tona ideologias de gênero, colocando assim,
transexuais em transações constantes com as normas de gênero (BENTO,
2006).

4. E Como Fica o Acesso à Saúde no Universo TTT?

Ao abordar a problemática da saúde no universo dos travestis, transexuais


e transgêneros (TTT), o primeiro ponto a ser destacado relaciona-se ao Direito à
Saúde. Este é conceituado como categoria de direito subjetivo público, a partir
do reconhecimento do sujeito como detentor do Direito, e do Estado como
obrigado a garanti-lo, sem, é claro, eximir a responsabilidade do próprio sujeito,
que também deve cuidar de sua saúde. Esse direito no Brasil, está
genericamente consagrado pela Constituição Federal de 1988, que, além de
considerar o direito à saúde em seu sentido mais amplo (reconhecendo seus
determinantes e condicionantes – alimentação, moradia, saneamento, meio
ambiente, renda, trabalho, educação, transporte etc.), cria, ainda, o Sistema
Único de Saúde (BRASIL, 1990).

Sob tal perspectiva, cabe ao Estado a promoção da saúde, através de


políticas sociais e econômicas, visando à redução do risco de doenças, bem
como do acesso, de forma universal e igualitária, a ações e serviços de
promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988). Dessa forma, a saúde não
pode ser vista isoladamente das condições que envolvem o indivíduo e a
coletividade (SANTOS, 2010).

Contudo, o texto legal somente direciona as ações de saúde, as quais são


produzidas a partir do trabalho vivo, em ato no cotidiano dos serviços. Segundo
Cecílio (2001), o acesso universal e equânime de todos os cidadãos representa
um desafio para o setor da saúde, pautado, essencialmente, na micropolítica do
trabalho cotidiano. O Ministério da Saúde, tentando defender os direitos de
indivíduos e coletivos com relação à saúde, elaborou a Carta dos Direitos dos
Usuários, contemplando os diversos grupos sociais e possibilitando uma

12
discussão qualificada. Visando reorientar as políticas de saúde e objetivando a
ampliação do acesso às ações e serviços de qualidade, essas políticas têm
reafirmado o compromisso do SUS com a integralidade e a universalidade, por
contemplarem ações voltadas para a promoção, prevenção e recuperação da
saúde (BRASIL, 2010).

O reconhecimento dos direitos de TTT com preocupações na área da


saúde pública, corrobora as demandas relacionadas aos direitos sociais.
Promovendo os direitos fundamentais dessa população, como a inviolabilização
do direito à vida, à igualdade e à liberdade, dispostos no art. 5º da Constituição
Federal, tenta-se combater o estigma e a discriminação por orientação sexual e
identidade de gênero. A discriminação por identidade de gênero incide na
determinação social da saúde nos processos de sofrimento e adoecimento
decorrentes do preconceito e do estigma social (BRASIL, 2010).

A garantia do direito à saúde para a população TTT, na perspectiva do


SUS, passa por um atendimento humanizado, livre de preconceito e
discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, incluindo, como
estratégia, o uso do nome social como forma de promoção de acesso ao
sistema. Ressalta-se que a entrada nos serviços, como na estratégia de Saúde
da Família, demanda conscientização das diferentes modalidades de
constituição de redes familiares, distintas do padrão heterossexual, primando
pelo respeito à singularidade dos sujeitos e combatendo todas as formas de
normatização que impliquem processos de exclusão e discriminação das
pessoas. Isso só é conseguido com o rompimento dos processos
discriminatórios institucionalizados (LIONÇO, 2008).

O universo trans., no entanto, acaba por, na maior parte das vezes, figurar
como conceitos sem definição para muitos indivíduos, e, consequentemente,
sem a indicação de encaminhamentos pertinentes à especificação da realidade
de vida e saúde da população TTT. Políticas públicas, tal como, a política
nacional de saúde integral de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros
– LGBT (BRASIL, 2010), fazem-se necessárias como estratégias de ação em
saúde diante da especificidade das vivências desses grupos, qualificando ações
e provocando, transversalmente, diversas áreas técnicas, objetivando a
integralidade e a equidade (LIONÇO, 2008).

O universo trans. encontra-se em situação de vulnerabilidade com relação


à garantia de direitos humanos básicos, justificando uma política específica de
saúde que respeite as autonomias do grupo. A política nacional de saúde LGBT
configura-se como uma política transversal, onde o respeito sem preconceito e
sem discriminação é valorizado, como fundamento para promoção, proteção,
atenção e cuidado à saúde.

O Ministério da Saúde, através da Atenção Básica, vislumbrando ampliar e


garantir o acesso da população trans. aos serviços de saúde, tenta respeitar os
princípios de integralidade, igualdade e equidade da assistência através de um
13
atendimento humanizado. O acolhimento de TTTs nos serviços de Atenção
Básica aborda um processo onde estão enredadas ações humanas passíveis de
gerar conflitos.

Com o olhar da bioética, reconhecendo a plena cidadania de todos os


seres humanos, especificamente os mais vulneráveis, pode-se pensar na busca
da convivência entre usuários TTTs e profissionais da saúde. Os problemas
éticos que cercam a Atenção Básica estão relacionados às situações mais
corriqueiras do cotidiano. Assim, a bioética cotidiana reforça que esses conflitos
e dilemas da vida são importantes e merecem ser discutidos, como por exemplo,
a dificuldade do acesso de travestis, transexuais e transgêneros aos serviços de
saúde. Acesso esse entendido como o grau de facilidade com que as pessoas
obtêm cuidados de saúde (TRAVASSOS; MARTINS, 2004).

A população TTT apresenta novos significados, nos quais estão incluídas


as dimensões das necessidades de saúde desde os modos de vida, ao acesso
às tecnologias, à criação de vínculos afetivos entre usuários e serviços e,
também, à necessidade de autonomia (CECÍLIO, 2001). Reporta-se, então, a
acessibilidade aos serviços de saúde, não se restringindo apenas ao uso ou não
dos mesmos, mas incluindo a adequação dos profissionais e dos recursos
tecnológicos utilizados às necessidades de saúde dos usuários, afinal, os
problemas de saúde dessa população são complexos e suas demandas
numerosas (BRASIL, 2010). O uso de serviços depende de fatores
predisponentes, das necessidades de saúde e de fatores contextuais, sendo que
o uso eficiente e efetivo é dependente dos fatores individuais e de fatores
internos dos serviços que interferem na qualidade do cuidado prestado
(TRAVASSOS; MARTINS, 2004).

5. Discussão

Como primeiros resultados deste trabalho, pôde-se notar que a maior parte
do movimento LGBT, não reconhece que a identidade transgênero tenha
reivindicações claras e coerentes que somem lutas importantes ao conjunto
geral, onde o poder dos grupos identitários já estabelecidos cria uma gama de
estratégias discursivas de bloqueio que visam rebater a possibilidade de que
novas categorias ascendam para a formatação geral do movimento.

No Brasil, pessoas da comunidade LGBT são discriminadas, excluídas,


alvos de bullying, desde quando estão se descobrindo, na adolescência e às
vezes na infância. No mercado de trabalho não é diferente. Muitas dessas
pessoas optam pela prostituição por falta de opção, pois não conseguem
empregos por preconceito. Segundo pesquisas do Ministério dos Direitos
Humanos, 36% das violações aos direitos humanos no Brasil ocorrem com a
comunidade LGBT.

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Há quem diga que as questões acerca da sexualidade humana estão “fora
de moda”; na verdade, é agora que estamos começando a entender a
complexidade da sexualidade humana que até pouco tempo era binária, isto é,
homem e mulher heterossexuais e cisgêneros.

Mediante as demonstrações deste trabalho, no âmbito das dificuldades de


uma categoria que busca reconhecimento de liberdade, igualdade, equidade e
integridade, de acordo com o Art. 5º da Constituição Federal que dispõe da
obrigatoriedade de direitos iguais para todos, a Lei de punição 7716/89 ainda
precisa ser revista, pois as aplicações das mesmas deixam brechas para o
pagamento de multas/fianças, cestas básicas contra crimes de ódio, preconceito
e violência.

Ora, podemos mencionar a Lei Maria da Penha que até poucos anos atrás
também havia aplicações de multas/fianças e cestas básicas. Agressores que
eram punidos com penas de multas ou doações de cestas básicas, passaram a
ser proibidos; com a nova redação passou para agravante o que não era
considerado agravante.

O trabalho em epígrafe demonstra claramente que é necessária uma


revisão na Lei 7716/89, onde existe as punições para a discriminação,
preconceito por cor de pele, raça, etnia, religião e nacionalidade.

A sociedade brasileira precisa ser conscientizada de que não há um


“direito” de discriminar alguém pelo simples fato de ter determinada orientação
sexual ou identidade de gênero. O estudo torna-se necessário porque a
sociedade brasileira aparenta considerar que a homofobia não é crime e que tem
o “direito” de discriminar LGBTs. Os ataques violentos contra LGBTs em São
Paulo e no Rio de Janeiro, no final de 2010, deixam isso evidente. Assim, o
Projeto de Lei da Câmara n.º 122/06 terá, inicialmente, um importante efeito
simbólico: declarar à sociedade que o Estado Brasileiro não tolera a
discriminação por orientação sexual e por identidade de gênero, concretizando
legislativamente a promessa constitucional de uma sociedade livre, justa e
solidária, que condena discriminações preconceituosas de qualquer espécie
(BRASIL, 1988).

Sendo assim, o Projeto de Lei Complementar n.º 122/06 (PLC) punirá a


discriminação, não o preconceito – lembrando, todavia, que ofender alguém por
motivos preconceituosos implica discriminação contra a pessoa ofendida.
Entretanto, falamos em direitos constitucionais para uma classe que está
comprovadamente pelas pesquisas com seus direitos dilacerados, que ficam às
margens das exclusões sociais do desemprego, do direito à saúde, e do ir e vir.

Quando a Lei for ampliada, tirando o direito de multas como por exemplo,
toda a sociedade tenderá a respeitar a pessoa em todos os aspectos sociais. Os
travestis, transexuais e os transgêneros são as maiores vítimas de homofobia

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dentre a comunidade LGBT; segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos
as mulheres trans. são os maiores alvos, somando 73%, resultando em uma
expectativa de vida de apenas 35 anos de idade (a média geral brasileira é de 75
anos). Já segundo a Associação Nacional dos Travestis e dos Transexuais, 90%
destas pessoas se prostituem, um número diretamente ligado à evasão escolar,
exclusão social e desemprego.

6. Considerações Finais

A transexualidade desnaturaliza os padrões heteronormativos


estabelecidos na sociedade, pois constrói novas formas de se entender as
relações de gênero, de indivíduos que se vêem aprisionados a um corpo que
determina formas de relações e de construções de rede sociais. No que
concerne este aspecto, a reflexão contra a normatização do gênero que a
discussão sobre transexualidade traz, torna-se uma questão política
contemporânea e umas das faces mais perversas do mundo em que
engendramos: a do controle da singularidade dos corpos.

Com base nas atuais mudanças da sociedade, ainda há pouca visibilidade


no que diz respeito às questões ligadas à transexualidade; muito ainda precisa
ser feito e os cuidados para com esta parcela populacional precisam ser
reafirmados. Nesse sentido, os horizontes desse estudo apontam para o fato de
sensibilizar profissionais das áreas sociais, de saúde e de educação para a
transformação de ideias preconcebidas que mantêm desigualdades entre seres
humanos, visando à compreensão dessa questão, além de poderem construir
em conjunto políticas públicas que possam atender as reais demandas deste
grupo social.

Neste sentido, o presente estudo buscou investigar a importância da rede


de apoio social e do suporte oferecido pela mesma na identidade social, e
consequentemente no sentimento de pertença de sujeitos trans. à sociedade da
qual fazem parte, integram, exercem seus deveres e, portanto, merecem
representatividade e garantia dos direitos universais previstos por lei. Buscamos
atender aqui a necessidade de mais pesquisas que envolvam o público em
questão apesar de que as questões trans. têm ganhado maior destaque em
escala midiática.

A partir das leituras e das análises, pode-se concluir que os transgêneros


têm protagonizado sua história. Mesmo com uma sociedade inflexível e
estigmatizadora, eles têm lutado. Apesar de uma aparente invisibilidade, os
transgêneros estão no meio social, procurando ocupar seus espaços, indo além
da ideia de que a noite, o breu é o único local permitido para sua atuação. Um
dos caminhos encontrados é a organização de grupos atuantes em movimentos
sociais, ampliando suas possibilidades de inserção, e de debate político sobre
sua condição na sociedade. Um dos maiores obstáculos encontrados está na
inserção do grupo no mercado de trabalho, espaço esse cada vez mais marcado

16
pela exclusão, mas que se acentua consideravelmente quando se trata de
transgêneros, tendo em vista que estes trazem as “marcas do corpo” que tanto
incomodam a sociedade pautada pela normatização e padrões definidos como
aceitáveis. Trazer à tona esse debate no campo da Psicologia Social é
importante para o processo de conquista da equidade da sociedade como um
todo.

Este artigo realizou também a tentativa de aliar duas correntes da


Psicologia e os estudos de gênero; a saber, a Psicologia Positiva e a Psicologia
Social. Isso se deu por meio de teorias que abordam os temas da rede de apoio
social, relacionamentos amorosos e do apoio familiar à questão da identidade
trans. Por meio da teoria da identidade social, que foi elencada para compor o
arcabouço teórico, entende-se a identidade não como essência, mas sim como
algo fluido, não determinista e vinculado a todo instante aos grupos sociais de
pertença, assim como pode ser considerada o que se nomeia enquanto
identidade transexual e travesti ou experiência identitária transexual e travesti.

Por fim, a luta pela despatologização da transexualidade e da travestilidade


é uma das pautas que unifica teóricas (os) e ativistas de várias partes do mundo,
pois a experiência trans. desnuda traços estruturantes das verdades sobre os
gêneros e sobre os padrões de normalidade e doença para as sexualidades e
subjetividades.

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