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RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo principal identificar as possíveis variáveis que afetam a permanência
da mulher em relacionamentos abusivos. Sabe-se que mais da metade das mulheres que já sofreram algum
tipo de violência não denunciaram seus agressores, algumas inclusive permanecem no relacionamento. Para
conhecimento dessa realidade, foi realizada pesquisa de campo por meio de entrevista semidirigida com três
mulheres vítimas de violência doméstica. Para análise e compreensão desse contexto, utilizou-se o referencial
analítico-comportamental. Como resultados, foram identificadas contingências mantenedoras para a
permanência no relacionamento abusivo, sendo elas: a esperança sobre a mudança de comportamento do
parceiro, dependência financeira, emocional, preocupação com a criação dos filhos, falta de rede de apoio e
passividade.
danielycristina95@gmail.com
Análise funcional da permanência das mulheres nos relacionamentos abusivos: Um estudo prático
ABSTRACT
The main goal of the present study was to identify the possible variables that affect women staying in abusive
relationships. It is known that more than half of the women who already have suffered some type of violence
did not report their aggressors, and most of them stayed in the relationship. To investigate this reality, a field
work was conducted through semi-directed interview with three women victims of domestic violence. The
behavior-analytic approach was used to analyze and understand this context. Results identified contingencies
for staying in the abusive relationship, such as: hope for behavior change from the partner, financial and
emotional dependence, concerns about raising children, lack of support, and passivity.
Keywords: aggressive relationship, conjugal violence, domestic violence
RESUMEN
El presente trabajo tiene como objetivo principal identificar las posibles variables que afectan la permanencia
de la mujer en relaciones abusivas. Se sabe que más de la mitad de las mujeres que sufrieron algún tipo de
violencia no denunciaron a sus agresores, algunas, incluso, permanecen en la relación. Para conocer mejor
esta realidad, se realizó una encuesta de campo, por medio de entrevistas semi estructuradas con tres mujeres
víctimas de violencia doméstica. Para el análisis y la comprensión de este contexto, se utilizó el marco de
referencia analítico conductual. Como resultados, se identificaron las siguientes contingencias mantenedoras
para la permanencia en la relación abusiva: la esperanza sobre el cambio de comportamiento del compañero;
la dependencia económica, emocional; preocupación por la crianza de los hijos; falta de red de apoyo y la
pasividad.
Palabras clave: relación agresiva, violencia conyugal, violencia doméstica
podendo caracterizar coerção (Parodi & Gama, prostituição. Já no que se refere à violência
2009). patrimonial, verifica-se que é caracterizada por
Schraiber e Oliveira (1999) dizem que a violência ações que configurem retenção, subtração ou
doméstica (física, psicológica ou sexual) está ligada destruição (parcial ou total) dos objetos da mulher
a condições interpessoais associadas às (Lei nº 11.340, 2006).
desigualdades de gênero humano. Os vários tipos de A última forma prevista na Lei nº 11.340 (2006) é
violência são considerados “pequenos assassinatos violência moral, que consiste em qualquer
diários” (p. 4), e, contra a mulher, no âmbito comportamento que represente calúnia, difamação
interpessoal, a violência é uma das mais difíceis de ou injúria. Esses comportamentos são denominados,
ser prevenida e evitada. Além dos problemas segundo Greco e Rassi (2010), respectivamente
surgidos na saúde física e mental, a relação violenta como o ato de imputar falsamente a alguém fato
diminui a qualidade de vida da mulher, sua definido como crime, a imputação de fato ofensivo
capacidade produtiva, seu trabalho, sua educação e à reputação de outrem e ofensa à dignidade da
autoestima (Rede Nacional, 2002). vítima.
O art. 7º da Lei nº 11.340 (2006), intitulada “Lei Segundo pesquisa do instituto Datafolha (Acayaba
Maria da Penha”, que versa sobre a violência contra & Reis 2017), a cada hora do ano de 2016, 503
a mulher e sua proteção, estabelece algumas formas mulheres sofreram algum tipo de agressão física,
gerais de violência, tendo em vista que outras sendo que 26% delas ainda convivem com o
condutas possam se enquadrar nesses contextos, agressor. Além disso, no que se refere ao agressor,
sendo elas: a) a violência física; b) a violência verifica-se que, em 49% dos casos, ele era o próprio
psicológica; c) a violência sexual. d) a violência marido ou companheiro. No ano de 2015, o
patrimonial; e) a violência moral. Datasenado publicou que praticamente 100% das
De acordo com essa lei, a violência física é mulheres declararam saber da Lei Maria da Penha,
compreendida como qualquer comportamento que entretanto o Datafolha reitera que 52% das mulheres
venha a denegrir a integridade física ou a saúde não fizeram nada após a agressão.
corporal. No que tange à violência psicológica, O art. 5º da Lei nº 11.340 (2006) caracteriza
verifica-se que é caracterizada por qualquer conduta violência doméstica e familiar contra a mulher
que cause um dano emocional na pessoa agredida, como quaisquer ações e/ou omissões que lhe
diminuindo a autoestima, prejudicando seu pleno causem morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou
desenvolvimento, bem como controlando seus
psicológico e dano moral ou patrimonial. A
comportamentos e crenças. Ameaça,
violência doméstica não é somente um caso de
constrangimento, humilhação, manipulação,
polícia, mesmo porque se lida com relações
chantagem e exploração também representam
intrafamiliares, que são complexas, embora a
prejuízo à saúde psicológica (Lei nº 11.340, 2006).
polícia também deva ser vista como uma das partes
A mesma lei diz que a violência sexual representa que compõem a rede de combate à violência
modos de coerção que gerem constrangimento ao doméstica (Lima, 1999).
violado em presenciar, manter ou participar de
No Brasil, os primeiros frutos das reivindicações
relação sexual não consentida, bem como que a
feministas foram os Conselhos Estaduais de
impeça de usar qualquer método contraceptivo; que
Direitos das Mulheres (1982; 1983), as delegacias
a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à
de Polícia de Defesa da Mulher e a primeira Casa
Abrigo para Mulheres (1986). Essas iniciativas com grandes e inexplicáveis mudanças de humor; 6)
visam a diminuir a violência doméstica, mais externamente agradáveis, mas incapazes de lidar
especificamente a violência conjugal contra a com a rejeição e agressivos quando sentem que a
mulher (Rede Nacional, 2002). companheira os decepcionou; 7) excessivamente
dependentes, ansiosos e deprimidos; 8) que só
Características de um relacionamento abusivo/ apresentam pequenos sinais das outras sete
coercitivo
características e, para as autoras, não têm nenhuma
Miller (1999) afirma que o propósito de todo abuso, psicopatologia.
diferentemente do sadismo, não é o prazer de
Caballo (1999) afirma que o indivíduo que se
infligir dor, mas a necessidade de controlar: o
comporta de modo agressivo impõe suas opiniões
controle é o fim em si mesmo. O seu grau de
de forma coercitiva (o que gera conflitos
consciência a respeito do próprio comportamento e
interpessoais e contrarreação quase automática),
dos resultados é determinado pelo grupo social no
gerando assim sentimento de culpa e frustração,
qual ele se encaixa. Os agressores que utilizam o
prejuízo aos demais, perda de oportunidades,
abuso como método normal para solucionar
sensação de tensão, sensação de perda de controle,
controvérsias e erradicar irritações sabem o que
percebendo-se solitário e ineficaz e não aprovando
estão fazendo e o fazem com indiferença, não vendo
a proximidade dos demais.
o que está errado em seu comportamento. Na
realidade, eles não consideram seu comportamento Violência para a análise do comportamento
como um abuso. Para eles, esses atos são normais, a
Sob a perspectiva da Análise do Comportamento,
maneira natural de marido e esposa se relacionarem.
Skinner (2003) enfatiza que toda contingência em
A maioria não sente culpa. Os homens que recorrem
que estiver operando alguma forma de evento
ao abuso quando a frustração ultrapassa a sua
aversivo será chamada de contingência coercitiva.
habilidade para lidar com ela tendem a discriminar
Guilhardi (2005) denomina esse contexto como
o que estão fazendo: enfraquecendo a esposa para
coercitivo, sendo qualquer condição em que as
fortalecer-se.
relações entre os indivíduos e o ambiente forem
Ainda segundo Miller (1999), o agressor manipula tipicamente de natureza coercitiva. Assim, por
a vítima fazendo-a pensar que é culpada, e, como exemplo, uma família em que as relações entre as
resultado, ela tenta agradá-lo cada vez mais. pessoas se definem por punições e comportamentos
Durante muito tempo, ele a faz acreditar que as de fuga-esquiva pode ser definida como um
coisas vão melhorar concedendo-lhe momentos contexto coercitivo. Em tais contextos, o controle
ocasionais de concórdia, mas, depois de algum aversivo se dá basicamente por reforçamento
tempo, deixa apenas a incessante dor da esperança. negativo e punição (negativa e positiva).
Miller (1999) cita um estudo no qual se identificou Na mesma linhagem, Keefe, Kopel e Gordon (1980)
oito grupos característicos de perfis de agressores. afirmam que, em geral, os casais com problemas
Eles são homens: 1) incapazes de controlar os seus não conseguem aplicar adequadamente os
impulsos, mudam rapidamente seguindo um princípios de reforço positivo. Geralmente,
padrão; 2) que exigem obediência total às regras e empregam a coerção recíproca como uma estratégia
que, sem nenhuma emoção, aplicam castigos primária para a alteração de comportamento. Isso
àqueles que as infringem; 3) rebeldes, hostis e com conduz a ressentimentos, frustrações, hostilidade e
baixa autoestima; 4) agressivos e antissociais; 5) agressões. Sidman (2009) relata violência como
coerção e a define como uso da punição, ameaça de Andery e Sério (1997) afirmam que na sociedade o
punição e reforçamento negativo na relação entre as controle aversivo é predominante nas relações
pessoas e entre elas e o ambiente. Para Catania humanas e que essa mesma sociedade incentiva seus
(1999), a punição é uma relação funcional na qual membros a fazerem uso da estimulação aversiva
certas consequências que seguem o responder o como punição. Segundo as autoras, o uso da
tornam menos provável de ocorrer no futuro. Sendo violência acarreta mais violência e nos torna
assim, é tradicionalmente usada para eliminar impotentes, pois, em um ambiente com muitos
comportamentos classificados como indesejáveis estímulos aversivos, a esquiva e a fuga são as
por quem a aplica. É chamada popularmente de alternativas mais prováveis, produzindo pessoas
castigo para uma conduta considerada má. passivas ou agressivas. Segundo Medeiros (2010),
pessoas que provavelmente foram punidas no
A punição pode assumir duas funções: a punição
passado ao discordarem de opiniões, principalmente
negativa e a punição positiva. A punição negativa
as expostas por figuras de autoridade, tenderão a
confronta o organismo com o término ou retirada de
concordar com a opinião de outras pessoas, mesmo
algo que é um reforçador positivo. Já a punição
que ela não lhes faça sentido algum.
positiva se dá quando há o acréscimo de um
estímulo aversivo (Sidman, 2009). Por outro lado, Além disso, Martins e Guilhardi (2006) esclarecem
existem os reforçadores que, por sua vez, tendem a que punições severas dificultam o contracontrole: a
aumentar a probabilidade de um determinado agência controladora que maneja os eventos
comportamento voltar a ocorrer. Moreira e aversivos inibe e inviabiliza qualquer
Medeiros (2007) esclarecem dizendo que os comportamento de oposição. Uma longa história de
reforçadores possuem duas características contato com contingências coercitivas intensas
importantes: o reforçador deve seguir uma ação; o produz déficits importantes de repertório, um deles
reforçador deve fazer com que essa ação tenha mais é a ausência de iniciativa, contribuindo para o
probabilidade de se repetir. Portanto, quando o surgimento de um padrão submisso.
comportamento é reforçado positivamente, o Pesquisas indicam haver um histórico de
sentimento correspondente geralmente é de bem- experiência de violência na vida individual das
estar; quando reforçado negativamente, remove-se, mulheres vítimas de alguma forma de abuso que é
foge-se ou esquiva-se de algum estímulo aversivo. transmitido ao longo das gerações (Carrasco, 2003;
Os tipos de comportamentos fortalecidos por Cecconello, 2003; Narvaz, 2005). Junto a esse fator,
reforço negativo são os de fuga e esquiva. A fuga é identificada também a falta de modelo de família
consiste na suspensão de um estímulo aversivo, protetiva (Narvaz, 2005). A partir dessas condições,
quando está presente no ambiente, após a resposta verifica-se que a mulher vítima de violência
de um organismo. Na esquiva, a resposta do doméstica pode, em sua história de vida, já
organismo é reforçada por evitar que o estímulo apresentar um repertório de vivências violentas, o
aversivo ocorra, ou seja, ele não está presente no que pode favorecer seu assujeitamento frente à
ambiente quando a resposta é emitida (Moreira & violência.
Medeiros, 2007). Andery e Sério (1997) escrevem que outros efeitos
Segundo Catania (1999), um padrão agressivo pode oriundos do controle aversivo são: ficar sempre em
ser produzido ou controlado por contingências em estado de vigilância com o objetivo de diminuir ou
vigor ou também pode ser aprendido por meio do evitar a coerção; limitação no desenvolvimento do
ambiente social, de imitação e controle por regras. repertório comportamental; estereotipia, compulsão
estado de choque, que ocorre imediatamente após a clínicas de universidades e centros de apoio às
agressão, permanecendo por várias horas ou dias vítimas de violência (Paiva, 1999a). Grossi (1994)
(Lei n. 9.984, 2000). afirma que as mulheres, quando realizam queixa na
delegacia, estão em um momento de conflito, pois,
Os sintomas psicológicos frequentemente
a esses sentimentos de desespero, vergonha e
encontrados em vítimas de violência doméstica são:
humilhação, junta-se o temor de expor o homem a
insônia, pesadelos, falta de concentração,
quem escolheu para ser o pai de seus filhos.
irritabilidade, falta de apetite e até o aparecimento
de psicopatologias como a depressão, ansiedade, Há, na literatura, relatos de que, no caso de casais
síndrome do pânico, estresse pós-traumático, além separados judicialmente, persiste a violência
de comportamentos autodestrutivos, como o uso de psicológica, e não existe sistema jurídico que
álcool e drogas, ou mesmo tentativas de suicídio impeça sua perpetuação. Ficam sequelas
(Kashani & Allan, 1998). Nesse sentido, Marques irreparáveis tanto nos filhos quanto na mulher
(2005) afirma que o comportamento abusivo causa, (Fagundes, 1999). Uma das características dessa
nos parceiros íntimos, sofrimento e injúrias violência é tornar-se rotineira e crônica, uma vez
emocionais. A mulher vítima de abuso psicológico que obedece a uma escalada formada por ameaças
pode apresentar sintomas como perda da iniciativa, de morte dirigidas a ela ou mesmo aos filhos e a
resignação e até mesmo incapacidade para lidar com outros parentes e por tentativas de homicídios
tarefas simples do dia a dia. Loring (1994) anteriores (Teles, 1999).
complementa reconhecendo que o abuso emocional
é um processo contínuo no qual um indivíduo Possíveis intervenções: Mulheres em situação de
violência
deprecia sistematicamente e destrói o círculo
pessoal de outra pessoa. As ideias essenciais, Segundo Porto (2002), é de extrema importância o
sentimentos, percepções e características da estabelecimento de uma rede de atendimento à
personalidade da vítima são constantemente mulher em situação de violência que realize uma
depreciadas. atenção integral à saúde das mulheres e promova
ações intersetoriais de combate, prevenção e
A decisão de buscar ajuda assistência à violência contra a mulher. O autor
O momento em que decide efetuar a denúncia é afirma ainda que a intervenção psicológica aparece
muito difícil para a mulher vítima de violência, pois como uma ação especializada que precisa de uma
é comum haver pressão da própria família para decisão da paciente.
acomodação do conflito, especialmente em brigas Soares (2005) declara que o psicólogo,
entre casais. Em um primeiro momento, ocorre independentemente de sua abordagem, deverá
revolta tanto da família quanto da mulher, e, primeiramente criar um rapport e um vínculo
posteriormente, tenta-se colocar a responsabilidade terapêutico com a vítima. Outro objetivo do
sobre ela (Barros, 1999). atendimento psicológico às vítimas é fazer com que
A busca por auxílio para cessar as agressões pode, elas resgatem sua condição de sujeito, bem como
algumas vezes, ser de grande importância, assim sua autoestima, seus desejos e vontades que ficaram
como a intervenção da família do agressor, a ajuda encobertos e anulados durante todo o período em
do profissional de saúde, do psicoterapeuta, do que conviveram em uma relação marcada pela
advogado, de um líder religioso ou de centros de violência. Hirigoyen (2006) complementa
ajuda comunitária, como a Delegacia da Mulher, afirmando que a pessoa consegue superar o
Para Skinner (1978/ 2000), o autoconhecimento (ou Para a coleta de dados, foi realizada uma entrevista
conhecimento do “eu”) é de origem social, pois semidirigida (Tabela 1) com cada uma das
somente quando se torna relevante para os outros é participantes vítimas de violência doméstica lotadas
que também se torna importante para o falante. A na Delegacia da Mulher e Abrigo de Mulheres
comunidade verbal modela a capacidade do Vanusa Covatti, da cidade de Cascavel, PR. A
indivíduo de discriminar seu próprio entrevista foi dividida em duas partes; na primeira,
comportamento quando responde sobre ele. Assim, elencaram-se dados sociodemográficos, e, na
pode-se dizer, que o self, o “eu” surge quando um segunda parte, foram direcionadas perguntas
indivíduo aprende por meio de interações verbais a relacionadas aos objetivos deste trabalho
discriminar seus próprios comportamentos. Diante fundamentadas pela teoria da Análise do
disso vale ressaltar que a mulher que vive em Comportamento.
contexto coercitivo, com interações da mesma Após prévia aprovação para pesquisa de campo, via
natureza, tende a construir uma autoimagem submissão à Plataforma Brasil (CAAE:
“enfraquecida”. Dessa forma, a partir da aceitação 68940217.3.0000.0109), as pesquisadoras
de si mesma e da sua história, podem ocorrer as dirigiram-se até os locais onde foram realizadas as
possibilidades de mudança subjetiva. entrevistas para apresentar a proposta deste trabalho
Tendo em vista essas múltiplas variáveis atuando na e solicitar a autorização para realizar as entrevistas
dinâmica da vida da mulher e do relacionamento, com alguma usuária do serviço em questão. Posto
este estudo visou a investigar as percepções de isso, após a permissão, foram realizadas três
mulheres vítimas de violência doméstica, bem como entrevistas, uma na Delegacia da Mulher e duas no
da bibliografia já existente, em relação aos Abrigo de Mulheres. Antes de cada entrevista,
relacionamentos abusivos que vivenciaram com foram fornecidos às participantes os termos de
seus companheiros. Para tanto, alguns objetivos consentimento livre e esclarecido (TCLE), bem
foram elencados, pautando-se na teoria da Análise como demais informações sobre a
do Comportamento: 1) compreender as confidencialidade das entrevistas.
Os dados coletados foram analisados segundo o técnica afirmando que ela leva em conta aspectos do
referencial da Análise do Comportamento, que ambiente e a função que o comportamento tem ali.
utiliza a Análise Funcional como ferramenta de Apesar de a autora ressaltar a importância da
compreensão dos comportamentos apresentados verificação das hipóteses, este trabalho limitou-se
pelas participantes. Matos (1999) define essa apenas ao levantamento delas.
Tabela 1
Questões norteadoras para as entrevistas e suas respectivas funções
QUESTÕES FUNÇÃO
1. Gostaríamos que nos falasse como foi seu relacionamento. Conhecer a história do relacionamento, bem como
identificar possíveis padrões de comportamento de
ambos os cônjuges.
2. O que essa relação teve de bom e de ruim para você? Identificar as contingências de reforço e punição da
relação.
3. Você considera que sofreu algum tipo de agressão? Obter a discriminação da participante em relação à
ocorrência (ou não) de agressão.
4. Quais eram seus sentimentos e pensamentos no período que Identificar comportamentos eliciados pelo
vivenciou este relacionamento? relacionamento abusivo.
5. Quanto tempo você permaneceu nesta relação? Dados complementares utilizados para caracterização
de cada participante.
6. O que você acha que a manteve nesse relacionamento? Identificar a percepção da participante sobre a
contingência mantenedora da relação.
7. Você acha que a violência te afetou? De que forma? Distinguir possíveis consequências da violência no
relacionamento.
8. Quando e como você tomou a decisão de denunciar? Analisar o estímulo decisivo para a denúncia.
9. Como se sentiu ao fazer a denúncia? Discriminar o sentimento frente a uma tomada de
decisão para acabar com a relação abusiva e ao possível
afastamento do parceiro.
10. Como é o seu contato com o agressor atualmente? Pergunta complementar à questão 11.
11. Como você está hoje? Explorar sentimentos atuais da participante após um
histórico de violência e denúncia do abusador.
12. Qual seu sentimento por ele hoje? Averiguar sentimento atual da participante em relação
ao companheiro abusador.
13. O que você diria para uma mulher que está sofrendo agressão Ponderar, por parte da participante, possíveis
hoje? discriminações de uma relação abusiva em relação à
outra vítima.
Nota. As perguntas foram feitas seguindo o andamento de cada entrevista, não respeitando, necessariamente, a ordem apresentada. Fonte: as
autoras.
RESULTADOS E DISCUSSÃO meses e sete anos, sendo que duas delas tiveram
relacionamentos anteriores caracterizados também
Este trabalho proporcionou o contato com três
como abusivos. As entrevistadas serão chamadas
mulheres que foram vítimas de agressões por parte
neste relato de P1, P2 e P3.
dos cônjuges. Caracterizando-as, têm entre 26 e 40
anos, sendo 2 amasiadas e 1 casada. Sobre o nível Sobre como avaliavam suas relações conjugais e o
de instrução, elas têm de ensino fundamental que elas observavam como pontos positivos e
completo à superior incompleto. O tempo de negativos, a P1 diz que a parte boa da relação é o
duração dos relacionamentos está entre quatro sentimento recíproco que ela e o parceiro têm um
pelo outro, e a ruim é que são estressados. P2, por possivelmente, em suas histórias de vida, elas
sua vez, relatou que conviviam bem e que o parceiro podem ter sido sujeitadas a esse tipo de violência,
a ajudava nas tarefas domésticas e familiares; por aprendendo assim a responder às contingências
outro lado, mostrava-se agressivo sem motivos aversivas e compreendendo-as como um processo
aparentes. A entrevistada P3 disse que o que via de natural aos relacionamentos.
bom em seu relacionamento era a atividade sexual Sobre os sentimentos eliciados no período que
do casal; a parte ruim eram “apenas” as agressões. vivenciaram violência na relação, duas das três
Com isso percebe-se que a parte reforçadora dos participantes relataram que a violência é prejudicial
relacionamentos entre as entrevistadas não é à autoestima da mulher, sendo que a terceira fez
consensual, uma vez que uma remete às questões menção ao medo decorrente do arrependimento da
emocionais, outra traz o ponto do auxílio prestado denúncia: “a gente fica meio perdida, desanimada”
pelo parceiro, e, por fim, a terceira coloca a (P2); “[Senti-me] Humilhada! Humilhada! Falei
satisfação sexual. Sobre o que essas relações tinham meu Deus, onde fui me meter? Tudo de novo...”
de ruim, a agressão apareceu em dois dos três (P3); “Me senti horrível, a pior das mulheres, você
relatos, sendo o terceiro caracterizado pela alteração se sente um lixo. Um lixo, um lixo, um lixo, a cada
do estado de humor dos cônjuges. Ou seja, a dia pior. Eu me olhava no espelho, não era mais eu”
contingência de punição positiva (agressão) está (P3).
diretamente relacionada ao aspecto nocivo da
relação avaliada pelas participantes. [...] baixa muito a autoestima da mulher,
primeira coisa que acontece, ela não se
Avaliando com as entrevistadas sobre o tipo de
arruma, fica jogada, fica feia, horrorosa, o
agressão sofrida, percebeu-se que apenas uma
pensamento da mulher agredida é que você
relatou sofrer violência física e psicológica: “das
não presta mais pra nada, que ninguém vai
duas partes, tanto psicológica quanto soco na cara,
ter olhos pra você, que você é feia mesmo,
física” (P3). As demais entrevistadas descreveram
que você é horrorosa. (P3).
somente agressão física. Entretanto, no relato de
uma delas, foram verificados também indícios de Sobre isso, confirma-se o que afirma Miller (1999):
violência psicológica: “na verdade eu queria sair de para tentar suportar essa realidade (violência), a
lá (casa) faz tempo, só que eu não conseguia. Eu mulher precisa abdicar não somente de seus
arrumava minhas coisas para ir embora e ele não sentimentos, mas também de sua vontade. Com isso,
deixava. [...] Às vezes nem me deixava trabalhar, ela passa a desenvolver uma autopercepção de
me trancava em casa” (P2). incapacidade, inutilidade e baixa autoestima pela
perda da valorização de si mesma e do amor próprio,
Evidencia-se, portanto, na fala das participantes,
sendo essas, portanto, algumas das consequências
indícios de humilhação e manipulação que são
emocionais produzidas pelo permanecer em um
características de violência psicológica de acordo
relacionamento abusivo.
com a lei Maria da Penha (11.340/2006), causando
assim prejuízos à saúde emocional das vítimas, o No que se refere aos motivos que as fizeram
que se confirma nos relatos posteriores. Também é permanecer nessa relação, as três colocaram como
possível compreender como as mulheres estão principal o sentimento pelo agressor, sendo que uma
submetidas à violência psicológica e não a delas acrescentou o fator financeiro e sexual. Nota-
percebem, uma vez que ela se dá de forma velada. se aqui que as participantes estão sob o manejo de
Testificando Martins e Guilhardi (2006), reforçamento positivo, uma vez que tanto o
sentimento pelo agressor quanto o dinheiro e o sexo Pensando em como as entrevistadas tomaram a
são estímulos reforçadores acrescentados à decisão de denunciar os agressores e como se
contingência: “O que eu sinto por ele, eu sinto muito sentiram ao fazê-lo, tem-se que a primeira decidiu,
amor por ele, muito” (P1); “Eu gostava dele né? segundo ela, por impulso a fim de amedrontar o
Gostava, ou achava que gostava né? Não sei... só parceiro e sentiu-se preocupada com a possibilidade
isso, mais nada” (P2); “Eu senti que ele me amou de ser apreendido. Verifica-se nesse relato o
muito, era amor mesmo, e a gente não se separou, sentimento de culpa da vítima, reforçando o que
não deixava se separar mesmo com as agressões, afirma Guilhardi (2002), que a pessoa que se sente
porque na minha cabeça outro homem não iria me culpada não tem uma visão crítica sobre o controle
satisfazer no sexo” (P3); “Porque eu não precisava aversivo de que é vítima e acaba admitindo que são
trabalhar, ele me dava de tudo mesmo preso” (P3). seus comportamentos (ou, até pior que isso, que é
ela) que geram sofrimento no outro. Já a segunda
Diante dos relatos, verifica-se que os motivos
participante fez a denúncia em um episódio em que
mencionados pelas entrevistadas como
foi agredida e, por acaso, encontrou-se com um
condicionantes para permanência nas relações
policial na rua. Por fim, a terceira solicitou reforço
abusivas aparecem nessa circunstância pelo fato de
policial para retirar seus pertences da casa após uma
que possivelmente lhes foram privados em suas
agressão: “Num momento de raiva, raiva no sentido
histórias de reforçamento, tornando-os objeto de
de... ‘Ah você me paga por ter me machucado [...]’
necessidade, trazendo-nos à tona o que declara
mas tudo eu fiz na euforia” (P1); “Preocupada por
Skinner (1974/2006) sobre o tipo de comportamento
que eu ‘tava’ com medo dele ser preso” (P1); “Ah
no qual membros individuais comportam-se de
por que eu ‘tava’ cansada, daí ele me agrediu e eu
acordo com as consequências importantes para si
saí pra rua e um policial ‘tava’ na academia e me
durante a sua vida. Do ponto de vista da teoria da
ajudou, daí ele (agressor) fugiu. Eu chamei a polícia
evolução, uma suscetibilidade ao reforço deve-se ao
e fiz o B.O. né?” (P2); “Mais segura, mais segura
seu valor de sobrevivência, e não a qualquer
[...] a qualquer momento pode sair o mandado de
sensação que lhe esteja associada.
prisão dele” (P3).
Sobre o sentimento em relação ao agressor, observa-
Por que depois de algumas horas (desde a
se afetividade ainda presente, confirmando o que
afirma Grossi (1998), que a violência na relação última agressão), eu liguei pra mãe dele e
afetivo-conjugal faz parte da relação de falei: ‟Eu quero tirar minhas coisas daí. Eu
comunicação entre alguns casais, o que faz com que posso ir sozinha ou tem que descer com a
o relacionamento tenha ação nas duas vias, polícia?” Eu já entendi pelo tom da voz dela
oscilando entre o amor e a dor. que eu teria que ir lá com a polícia. [...] e eu
fui lá com a polícia, e ele não deixou retirar
Complementando, observa-se ainda que os relatos
minhas coisas, eu saí só com a roupa do
coincidem com a literatura pesquisada, uma vez que
corpo [...] depois eu vim na polícia e fiz o
Paiva (1999) afirma que a dependência financeira
B.O. tive coragem de fazer e eu sabia o que
faz com que as vítimas aceitem a violação. Isto é,
eu ‟tava” fazendo. (P3).
para evitar a privação de recursos financeiros, a
mulher permanece nesses relacionamentos, A partir dos relatos, nota-se que duas das três
comportando-se em esquema de reforçamento entrevistadas passaram por diversos episódios de
negativo. violência para então realizarem a denúncia. Diante
disso, comprova-se o que Marcon e Aceti (1999) ainda. Eu não ‘tô’, porque ele que fez a maldade pra
relatam: que a decisão da denúncia parte da própria mim né? E agora nesse momento quem ‘tá’ presa
vítima, o que aponta para o caráter privado e sou eu” (P3).
doméstico que reveste os episódios de violência nas Identifica-se que os relatos das entrevistadas P2 e
relações de gênero. O sentimento que leva as P3 descrevem consequências de contingência de
mulheres à denúncia é a exaustão com a situação de punição negativa, visto que mencionam o
agressão, especialmente a vergonha diante dos desconforto da retirada do privilégio de estarem em
filhos. Outro sentimento detectado é o medo de que suas casas. Pensando nisso, nota-se certa
a situação se agrave mais. insatisfação sobre a situação atual das entrevistadas.
A respeito do contato com o agressor atualmente, Pode-se dizer, então, segundo Marques (2005), que
bem como sobre seu sentimento por ele, apenas uma o abuso emocional ameaça os limites do bem-estar
participante permanece no relacionamento, sendo da vítima, aterroriza e provoca danos mentais. Além
que as outras duas estão sob medida protetiva. Das disso, deve-se levar em conta que podem existir
três, duas possuem vínculo afetivo fortalecido com outros fatores relacionados à insatisfação.
o agressor: “Ah eu gosto muito dele, eu quero ficar Indagadas sobre o que falariam a uma mulher que
com ele e, [...] eu não me vejo sem ele” (P1); “Eu está sofrendo agressão, todas encorajam a busca
sinto raiva, por que eu não amava ele, eu gostava pela ajuda: “Ai, por mais que doa, você tem que
dele. Eu sinto raiva pelo que ele me fez” (P2); P3 seguir em frente (com a denúncia) por que o homem
“Eu amo ele, é incrível, mas eu ‘tô’ sendo sincera” fica com receio e acaba não querendo agredir né?”
(P3). (P1); “Pra ela procurar ajuda e não ficar mais com o
Os relatos reafirmam Lins (2017), que afirma que agressor por que não muda. É só promessa,
dependência emocional e amor se confundem, e isso promessa. Isso é só ilusão, não muda” (P2).
pode levar as pessoas a continuarem juntas,
Por mais que ama a pessoa tem que se
acomodadas, dando a impressão de estarem
afastar, por que a primeira coisa é a vida,
anestesiadas. Diante disso, a dependência
uma pessoa que fala que te ama, ela cuida.
emocional caracteriza-se como reforço negativo,
Então pode amar o companheiro do jeito que
levando-se em consideração o medo da perda do
for, tem que se afastar, tem que desapegar.
afeto do companheiro, e o amor configura-se como
(P3).
reforço positivo, visto o acréscimo da afetividade.
Quando alguém fica junto por hábito ou Observam-se nos relatos recomendações no sentido
dependência emocional, não é raro desencadear um de agir sobre a situação, contradizendo o que foi, por
sentimento de ódio pelo outro, mesmo que não um período considerável, seu próprio
consciente. comportamento. Medeiros (2010) explica isso
afirmando que, segundo a Análise do
No que se refere ao sentimento atual de cada uma
Comportamento, não basta apenas descrever o
das entrevistadas em relação a si mesmas, apenas
comportamento, identificar suas variáveis
uma relata estar bem; as demais disseram sentir-se controladoras e especificar as consequências de
descontentes: “Eu ‘tô’ me sentindo bem com ele” novos cursos de ação para que o comportamento
(P1); “A gente se sente perdida [...] você queria tá mude. É essencial que se modifiquem suas
na sua casa, né?” (P2); “[suspiro] Ó eu não ‘tô’ legal contingências mantenedoras.
Recebido em 23/03/2018
Revisado em 24/05/2018
Aceito em 30/06/2018