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Já é popularmente arraigada a ideia de que conforme envelhecemos passa-
mos pelo processo de declínio de nossas funções cognitivas. Frequentemente
a primeira diferença percebida diz respeito à memória. Dessa forma, é co-
mum os idosos e suas famílias chegarem ao consultório descrevendo suas
queixas no que diz respeito aos episódios de esquecimento e seu impacto no
cotidiano. Entretanto, as queixas definidas pelos pacientes como “de memó-
ria” nem sempre dizem respeito à um comprometimento de memória. É partir
da investigação mais detalhada dessas e outras queixas cognitivas que inicia-
se a avaliação neuropsicológica. A avaliação neuropsicológica tem como obje-
tivo analisar de forma acurada os componentes mnemônicos, executivos, lin-
guísticos, atencionais, práxicos, socioemocionais e seu impacto funcional.
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ses para inúmeras habilidades sejam elas cognitivas, emocionais, sejam soci-
ais (Chan, Shum, Toulopoulou, & Chen, 2008; Lezak, Howieson, Bigler, & Tra-
nel, 2012). Há um consenso de que existam alguns componentes considera-
dos os pilares (núcleos centrais) das funções executivas, como memória de
trabalho, flexibilidade cognitiva e controle inibitório (Diamond, 2013; Miyake
& Friedman, 2012; Snyder, Miyake, & Hankin, 2015). Segundo Diamond (2013)
são as funções executivas que auxiliam aos indivíduos a ter saúde mental e
física, qualidade de vida, sucesso acadêmico e/ou profissional, segurança e
harmonia nas relações sociais.
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(verbais, visuais, espaciais), assim como episódios integrados dentro de um
código multidimensional. De acordo com esse modelo os processos agem de
forma independente e verticalizada obedecendo ao executivo central, porém
funcionam em constante fluxo por estarem dentro de um mesmo sistema
(Baddeley, 2012).
Dados de uma pesquisa realizada com idosos entre 65 a 80 anos sugerem que
a velocidade de processamento e a memória de trabalho (avaliada com tare-
fas de Span de palavras e de números e operações matemáticas) podem estar
relacionadas ao esquecimento nessa faixa etária (Zimprich & Kurtz, 2013). Ou-
tros autores relataram que ao realizar uma tarefa de memória de trabalho ex-
perimental com estímulos multimodais (visuais e auditivos), o grupo que
apresentou maior dificuldade foi os de idosos com maior idade (Solesio-Jofre
et al., 2017). Um estudo longitudinal avaliando idosos com CCL amnéstico e
não-amnéstico sugere que ao longo de dez meses ambos os grupos apresen-
taram uma estabilidade no padrão de déficits em componentes de atenção
(sustentada e dividida), memória de trabalho e funções executivas (Saunders
& Summers, 2011). Alguns autores hipotetizam que idosos com dificuldade na
memória de trabalho sofrem maior interferência, distratibilidade, déficits no
controle inibitório de reativação offline e na tomada de decisão online sobre
informações relevantes/ irrelevantes (Solesio-Jofre et al., 2017). Desse modo
a memória de trabalho isoladamente, ou associada a outros componentes
cognitivos mostra-se como uma função que deve ser considerada como es-
sencial na avaliação de idosos com queixas cognitivas.
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com demência e de um bom envelhecimento (Livingston et al., 2017).
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memória de trabalho em diferentes eixos complementares da reserva cogniti-
va (quais são as medidas empíricas reais que devem ser consideradas) como a
reserva cerebral (relacionado com exames neurorradiológicos), a manutenção
do cérebro (brain maintenance) e brain cognitive health que são conceitos e
construtos ainda poucos explorados de forma isolada na literatura do enve-
lhecimento e focado a componentes cognitivos específicos.
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A neuropsicologia é uma ciência interdisciplinar que tem como foco as re-
lações entre as funções cognitivas, funcionamento do sistema nervoso
central (SNC) e comportamento. Segundo Muriel D. Lezak, é uma discipli-
na que se dedica a entender a expressão comportamental das disfunções
cerebrais.
O termo Neuropsicologia (“Neuropsychology”) surge no século XX, usado
pela primeira vez pelo neurologista William Osler em 1913, e com ele sur-
gem muitas contribuições importantes para o crescimento dessa ciência.
Em 1901, o Dr. Alois Alzheimer identifica e nomeia uma patologia cujos
sintomas são déficits de memória, alterações de comportamento e dificul-
dades nas atividades do dia a dia. Luria (1980) postula a ideia de que
mesmo que a tarefa seja constante, os mecanismos para que ela seja exe-
cutada podem ser diferentes, chamada de teoria dos sistemas funcionais.
Outro trabalho de extrema importância foi o de Brenda Milner (1975),
com estudos de pacientes epilépticos submetidos à cirurgia dos lobos
temporal e frontal. Os exames por imagem, como Ressonância Magnética
e Tomografia Computadorizada cresceram muito na década de 90, que fi-
cou conhecida como Década do Cérebro, e contribuem para o estudo
mais aprofundado das funções cerebrais.
Dentre as muitas formas de aplicação da Neuropsicologia, a avaliação
neuropsicologia é uma importante forma de atuação e se refere à investi-
gação das funções cognitivas através do comportamento (Mäder, 1996).
Esse processo tem como objetivo identificar e descrever alterações psico-
lógicas e cognitivas, estabelecer relação entre tais disfunções com aspec-
tos neurobiológicos, desenvolver um prognóstico, auxiliar no diagnóstico
diferencial, examinar o funcionamento do sujeito, dentre outros
(Hamdan, Pereira e Riechi, 2011). O protocolo de avaliação deve possibili-
tar o exame do funcionamento cognitivo geral e proporcionar um perfil
neuropsicológico do paciente. É preciso sempre ressaltar que a interpreta-
ção cuidadosa e a observação comportamental do sujeito, tanto no mo-
mento da avaliação como no contexto onde vive, são de extrema impor-
tância nesse processo.
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Devido às suas especificidades, a avaliação neuropsicológica de idosos é uma
ferramenta muito utilizada no processo de avaliação global do paciente. O
processo de envelhecimento normal do homem é caracterizado por altera-
ções morfológicas do cérebro, o que leva a um declínio cognitivo inevitável
(Shlindwein-Zanaini, 2009). Além de auxiliar na quantificação do declínio, a
avaliação contribui para identificar estágios iniciais de uma possível patologia
(Hollveg e Hamdan, 2008), além de colaborar para o diagnóstico diferencial
entre demências e outros transtornos, como depressão, do planejamento de
estratégias de reabilitação, e determinar o nível de funcionamento do idoso.
Em 1986, o Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos propõe
critérios diagnósticos para o Prejuízo de Memória Associado à Idade (Age-
associated memory impairment), termo estabelecido pelos autores para a
perda de memória em indivíduos saudáveis na velhice. Dentre os critérios de
inclusão, fica definido a necessidade de desempenho de 1 desvio padrão
abaixo da média em teste de memória validado e normatizado, e evidência de
função intelectual adequada através do subteste Vocabulário da Escala de In-
teligência Wechsler para Adultos (WAIS).
Na década de 90 a Associação Americana de Psicologia (APA – American
Psychological Association) publica diretrizes para avaliação de Demências e
Declínio Cognitivo Relacionado a Idade (Age-Related Cognitive Decline), que
incluem familiaridade com nomenclatura e critérios diagnósticos, considera-
ções éticas como o consentimento do paciente, a necessidade de qualificação
específica do profissional, além de orientações sobre o processo de avaliação,
entre eles a importância da entrevista clínica, o uso de testes padronizados,
confiáveis e validados, com dados normativos específicos para a população
idosa, sensibilidade às limitações do indivíduo.
Das muitas mudanças cognitivas relacionadas ao envelhecimento, o declínio
das funções executivas está associado tanto ao envelhecimento saudável
quanto ao patológico. Segundo Libon, et al (1994) , sujeitos idosos (a partir de
75 anos de idade) apresentam maiores déficits em solução de problemas, fle-
xibilidade cognitiva e na habilidade de manter e mudar sets mentais do que
sujeitos mais novos. Tais déficits são qualitativamente compatíveis com os de
pacientes com lesão no lobo frontal, e são consistentes com outros estudos
que demonstram diminuição no fluxo sanguíneo para essa região se compara-
do a outras na velhice, além de redução do volume dos lobos frontais. Em
1997, West e Bell avaliaram o Efeito de Interferência Atencional (efeito Stro-
op), processo do sistema de controle inibitório, e ativação em Eletroencefalo-
grama. Os resultados do estudo são consistentes com a literatura, e indicam
que as funções cognitivas mantidas pelo córtex pré-frontal sofrem efeito mai-
or da idade do que outras regiões corticais. Neste sentido, observou-se que
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fica evidente a diferença por idade quando o desempenho em uma tarefa de-
pende do sistema atencional anterior, o que não é verdadeiro em tarefas liga-
das ao sistema atencional posterior.
Em 2009, Shlindwein-Zanini realizou uma revisão da literatura com objetivo
de caracterizar os aspectos neuropsicológicos do idoso e sua avaliação neu-
ropsicológica, com foco nos processos demenciais. É evidente em seus resul-
tados as especialidades ligadas à senescência que precisam ser consideradas
no processo de avaliação, como as mudanças naturais vividas pelo idosos,
atenção a fatores como uso de fármacos, considerações médicas, depressão,
auto-estima, qualidade de vida e contexto em que vive, além dos déficits pre-
sentes em cada indivíduo. Considerar as perdas sensoriais comuns a esses in-
divíduos também é importante para obter uma interpretação precisa do de-
sempenho do indivíduo. Esses fatores acabam dificultando a avaliação neu-
ropsicológica nessa população, pois ainda existe necessidade de validação de
testes e escalas para uso na clínica pela heterogeneidade do processo de en-
velhecimento, e consideração sobre o que o indivíduo idoso consegue realizar.
Uma crítica necessária aos instrumentos usados na avaliação é a falta de vali-
dade ecológica. Segundo Morris, Worsley e Matthews (2000) os testes ecoló-
gicos se mostram muito úteis na avaliação das capacidades funcionais do indi-
víduo com transtorno neuropsicológico.
Estudos demonstram uma prevalência de demência em idosos de 1 a 2% em
indivíduos entre 60 e 65 anos, 20% entre 80 e 90 anos e cerca de 40% a partir
dos 91 anos de idade resultante do crescimento do número de idosos na po-
pulação (Azambuja, 2007). A detecção dessas patologias em seus estágios ini-
ciais é muito importante para o tratamento e prognóstico do caso. (Hollveg e
Hamdan, 2008). A avaliação neuropsicológica auxilia na investigação dos declí-
nio e se estão dentro do esperado ou mais acentuados, além da identificação
de pontos fortes do sujeito que podem ser usados na reabilitação.
Hultsch et al (2000) investigou a variabilidade intraindividual no desempenho
cognitivo de idosos e concluiu que indivíduos diagnosticados com demência
leve apresentaram o dobro da variabilidade intraindividual em tarefas cogniti-
vas se comparados a indivíduos neurologicamente intactos. Os autores suge-
rem que pode haver envolvimento de mecanismos neurológicos na produção
de diferenças de grupo entre a variabilidade intraindividual devido a consis-
tência de diferenças individuais na variabilidade intraindividual tanto ao longo
do tempo como através de domínios cognitivos.
O Teste do Desenho do Relógio é um instrumento muito usado nas avalia-
ções por ser simples e de fácil aplicação. Apresentado no começo do século
XX, o teste avalia várias habilidades cognitivas como memória de curto prazo,
compreensão de instruções verbais, orientação espacial, planejamento, con-
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centração e habilidades executivas. Aprahamian e colaboradores (2009)
sugerem que o teste pode ser usado como único instrumento na triagem para
avaliação de declínio cognitivo quando houverem complicadores que impe-
çam uma avaliação mais completa.
Um dos diagnósticos diferenciais para demência mais importantes nessa faixa
etária é a depressão. A identificação da depressão em idosos pode ser difícil
pois alguns sintomas chave para o diagnóstico de depressão em adultos jo-
vens, como problemas relacionados ao sono, não podem ser usados para ava-
liar idosos, já que tais alterações são comuns na velhice. Outro fator confundi-
dor são as queixas subjetivas de perda de memória e prejuízo cognitivo relata-
das por idosos com depressão. Até o começo da década de 80, muitos instru-
mentos usados para avaliação desse transtorno não eram pensados para as
especificidades dessa população. Em 1982 é desenvolvida a Escala de Depres-
são Geriátrica (GDS – Geriatric Depression Scale ), que é um instrumento de
triagem simples e promissor. Em 1989, é realizado estudo para avaliação das
propriedades psicométricas da escala, que apoiou a confiabilidade e validade
da escala para essa população. Em 1996, Ballard e colaboradores apresentam
uma revisão das evidências publicadas até então a respeito de prevalência de
depressão em demências, e concluem que o nível de prevalência é de aproxi-
madamente 20%, além de o transtorno ser mais frequente em casos de De-
mência Vascular do que em Doença de Alzheimer.
O avanços das técnicas de exame por imagens expandiram as investigações
em neurociência. Quando antes só era possível inferir sobre a perda cognitiva
específica à região lesada, agora pode-se analisar o funcionamento cerebral
geral durante a realização de tarefas, mapeando as áreas envolvidas em dife-
rentes tarefas. Busatto Filho e colaboradores (2001) utilizou a o exame de
imagem Tomografia por Emissão de Fóton Único (single photon emission com-
puted tomography - SPECT) para avaliar padrões de ativação cerebral durante
uma tarefa de memória declarativa que exige reconhecimento de material
verbal previamente aprendido. O estudo encontrou ativação pré-frontal bila-
teral, porém com maior intensidade no hemisfério esquerdo, o que pode es-
tar relacionado ao uso de estratégias semânticas para rememoração do mate-
rial aprendido. Foi observada também a ativação bilateral dos hemisférios ce-
rebelares durante a realização da tarefa de memória, que tende a diminuir
com a prática da tarefa, o que sugere menor ativação dessa área a medida
que a tarefa vai sendo automatizada. Em 2008, Glisky e Kong compararam o
desempenho de grupos com adultos jovens e idosos em um paradigma de
memory source (memória relacionada a qualquer aspecto do contexto associ-
ado a um evento, como atributos afetivos), ambos os grupos descritos de
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acordo com seu desempenho em tarefas que avaliavam funções do lobo fron-
tal e lobo temporal medial, ou seja, em que medida o desempenho em testes
neuropsicológicos com medidas dessas áreas cerebrais poderiam prever o de-
sempenho dos grupos em tarefas de memory source. Os achados do estudo
sugerem que idosos usam diferentes processou ou estratégias para realizar
tarefas de memory source e para memória de itens, e indicam que tais estra-
tégias podem estar ligadas a processos de controle frontais. Em contrapartida,
o desempenho de adultos jovens sugere que eles utilizam processos seme-
lhantes para resolver as duas tarefas. A conclusão do estudo é que idosos po-
dem tentar usar as mesmas estratégias de resolução que adultos jovens, po-
rém elas serão menos eficazes pois eles terão que fazer uso de processos de
controle frontais complementares para manter o desempenho em tarefas
mais exigentes.
O nível de escolaridade também afeta o declínio da memória na velhice. De
acordo com Springer e colaboradores (2005), a educação tem grande impacto
na expressão dos déficits em pacientes com demência. A educação fornece
um tipo de reserva cognitiva que reduz o efeito prejudicial do transtorno nas
habilidades cognitivas, aumentando a capacidade do paciente de compensar
as perdas. Um estudo conduzido por esses autores investigou a relação entre
educação e atividade cerebral durante tarefa de memória episódica verbal e a
influência do envelhecimento. Os resultados apontam que em adultos jovens
a mesma rede de regiões envolvida na codificação e recuperação de informa-
ções foi associada com nível educacional.
Adultos jovens com menos anos de escolarização tiveram maior ativação do
córtex pré-frontal e essa atividade acentuada foi correlacionada com memória
de reconhecimento fraca, enquanto os adultos jovens com maior escolaridade
e aqueles com melhor o desempenho da memória ativaram regiões posterio-
res do cérebro. Além disso, o estudo mostrou que idosos com maior nível
educacional e adultos jovens com menor nível educacional acionam com mai-
or frequência regiões frontais, enquanto as regiões temporais mediais são aci-
onadas por idosos com menos anos de escolarização e adultos jovens com
maior nível de escolarização, o que sugere que a rede frontotemporal usada
por idoso com maior nível de escolarização pode servir como um tipo de re-
serva cognitiva ou rede alternativa que auxilia no desempenho cognitivo.
Os efeitos do envelhecimento normal no processo de tomada de decisão fi-
nanceira foram avaliados recentemente por Bangman et al (2017) em um es-
tudo exploratório. Os autores não encontraram evidência de que o envelheci-
mento normal afeta aspectos básicos da tomada de decisão financeira, como
capacidade de tomada de decisão, estilo de decisão financeira, qualidade das
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decisões qualitativas e deliberadas e competência financeira. Com relação a
processos afetivos da tomada de decisão financeira, como tendência de com-
prar impulsivamente, esses parecem melhorar com a idade, enquanto aspec-
tos mais complexos como a habilidade de aplicar regras parece piorar.
Recentemente, Fechine e Trompieri (2012) destacou as principais modifica-
ções que ocorrem no processo de envelhecimento nos campos da biologia e
psicologia. Os autores apontam a heterogeneidade do processo, que não
ocorre de maneira linear, cujo resultado depende não apenas de fatores gené-
ticos, mas também dos hábitos adotados no dia a dia durante toda a vida. O
Sistema Nervoso Central parece ser o sistema mais afetado pelo envelheci-
mento, com reduções no número de neurônios e na velocidade de condução
nervosa. Dentre as mudanças psicológicas do envelhecer, destaca-se a neces-
sidade e dificuldade de se adaptar aos novos papéis sociais, baixa-estima, de-
pressão, dentre outras. Fica evidente mais uma vez a necessidade de se com-
preender o processo de envelhecimento não apenas para estudar e avaliar os
processos degenerativos associados a ele, mas também para desenvolver es-
tratégias que garantam a funcionalidade e a qualidade de vida dos idosos.
Ainda em 2012 a APA atualizou suas diretrizes de avaliação de demência e
mudanças cognitivas relacionadas à idade, originalmente publicadas em 1998,
com descrição mais detalhada da lógica e aplicação de cada diretriz. O objeti-
vo dessa publicação é auxiliar os profissionais que lidam com essa população
a contribuírem de maneira significativa para o cuidado e bem estar dessa po-
pulação que cresce mais a cada década. Entre as diretrizes novas, está a ne-
cessidade de se obter informações apropriadas para realizar a avaliação, inclu-
indo histórico médico e a necessária comunicação entre profissionais e respei-
to das diferentes abordagens, por ser um processo interdisciplinar e holístico
e uso apropriado de dados longitudinais.
Ao longo do desenvolvimento da neuropsicologia como ciência e área de atu-
ação foram surgindo técnicas e teorias que aprimoraram o processo de avalia-
ção. Os exames de imagem e instrumentos especialmente desenvolvidos para
a população idosa têm grande peso na neuropsicologia do envelhecimento.
Ainda existem grandes limitações no processo de avaliação neuropsicológica
do envelhecimento, principalmente por conta de suas particularidade. Enten-
der que a avaliação neuropsicológica do idoso engloba muito mais que ape-
nas a identificação de déficits é entender a heterogeneidade do envelheci-
mento.
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Que o envelhecimento é marcado por alterações/declínio cognitivo considera-
do normal, todos nós neuropsicólogos sabemos. O desafio está em dois pontos:
determinar o que é declínio esperado e portanto normal para a idade e demais
características sociodemográficas do idoso, e saber o nível pré-mórbido desse
idoso para identificar as mudanças que ocorrem de forma intraindividual.
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comprometimento cognitivo leve ou com demência (Canadian Task Force on
Preventive Health Care, 2015).
Uma vez que temos idosos com uma ampla variabilidade sociodemográfica,
esse é outro fator que as amostras devem incluir. A média de escolaridade for-
mal autorrelatada de idosos é considerada baixa (em média 4 a 5 anos de estu-
do) (IBGE, 2010), e varia um pouco entre os estados brasileiros, com médias
entre 3 a 6 anos. Além disso, são grupos mais suscetíveis a viverem em situa-
ção de baixa renda, em situações de menor acesso aos serviços de saúde e
qualidade de vida. Essas informações devem sempre ser coletadas e levadas
em consideração na composição das amostras. Não é porque temos idosos de
mesma idade que eles terão desempenhos cognitivos similares. Se tiverem di-
ferentes perfis sociodemográficos teremos variáveis confundidoras a serem
levadas em consideração (Glymour & Manly, 2008; Wajman, Bertolucci, Man-
sur, & Gauthier, 2015). Bem como a própria idade é um fator que conta para
diferentes perfis. Logo, não é agrupar idosos com grande diferença etária em
um único grupo normativo, sendo necessário criar subdivisões, pelo menos
respeitando o que chamamos de idoso jovem (de 60 até 75-80 anos) e idosos
muito idosos (acima de 80 anos) (Hartshorne & Germine, 2015) . Medidas que
tiverem registro de tempo são ainda mais impactadas pela simples adição de
anos de vida (Salthouse, 1996).
Para exemplificar o desafio, vou oferecer alguns números da pesquisa que rea-
lizei durante o doutorado. A tese produzida foi sobre fatores de resiliência cog-
nitiva para idosos saudáveis, e portanto, a amostra seria composta apenas por
idosos classificados como saudáveis cognitivamente. Por se tratar de uma pes-
quisa de doutorado, com maior tempo para execução e com propósitos que
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foram além da normatização de um instrumento, os idosos realizavam duas
sessões de avaliação.
Na figura 1, podemos ver que de 179 idosos que se voluntariaram para partici-
par da pesquisa entre 2014 e 2015, apenas 114 preencheram critérios para se-
rem classificados como saudáveis cognitivamente.
A importância desse controle se deve não só para excluirmos idosos que não
comporiam grupos normativos com a qualidade cognitiva necessária, mas por-
que ele nos auxilia a enfrentar o segundo desafio.
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Sendo raro que idosos (e não apenas eles) possuam uma avaliação neuropsi-
cológica de base, ou seja, uma medida pré-mórbida, a primeira avaliação reali-
zada por um idoso na clinica requer sempre um cuidado redobrado entre: é
uma dificuldade cognitiva nova versus é uma fraqueza cognitiva que sempre
existiu. E quanto melhor forem as normas e, obviamente, a entrevista clínica,
melhor será a identificação de dificuldades que possam sugerir desempenhos
clínicos.
Desafios listados, quais são então os benefícios de realizar pesquisas com ido-
sos, e nesse caso, saudáveis? Inúmeras! Por exemplo, o avanço da compreen-
são sobre o processo de envelhecimento que invariavelmente acomete todos
nós, que está relacionado a um maior fator de risco para quadros patológicos
que queremos evitar/curar/tratar, quais as respostas a tratamentos que indi-
cam evidências científicas, entre outras.
Pesquisas como essa são extremamente importantes no nosso meio, pois nos
permite ajustar modelos e resultados de acordo com a nossa realidade socio-
cultural e com os impactos que ela ocasiona no processo de envelhecimento.
Nos permite pensar em estratégias que sejam baseadas em evidências para o
nosso meio. Por exemplo, saber que pesquisadores australianos mostraram
que enviar idosos para a universidade pode auxiliar como fator de resiliência
cognitiva (Lenehan et al., 2015) é uma informação relevante, mas ainda, e in-
felizmente, distante da nossa realidade em larga escala. Precisamos então
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compreender nossos idosos para propor para eles condutas viáveis.
Pesquisas com idosos possui mais particularidades que com adultos, por
exemplo, mas é extremamente gratificante ver a participação deles em busca
de auxiliar outros, e eles mesmos, em um futuro próximo, a envelhecerem ca-
da vez melhor.
Referências
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doi.org/10.1590/1980-57642015DN93000002
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1. Quais são os novos achados sobre biomarcadores para quadros demenciais
frequentes (tais como Demência por Doença de Alzheimer e Vascular)? Como
eles impactam diretamente na clínica?
O grande avanço recente nos biomarcadores para doença de Alzheimer foi rela-
cionado ao desenvolvimento dos marcadores da proteína amiloide¹ e Tau² no
cérebro, que podem ser visualizados através de um PET scan³. Alguns desses
marcadores já estão sendo aplicados na prática clínica. O uso desses marcado-
res tem possibilitado refinar o diagnóstico da doença de Alzheimer. Ele permite
a diferenciação dos quadros de doença de Alzheimer de outros quadros demen-
ciais (como a demência vascular ou a demência frontotemporal), principalmen-
te nos estágios iniciais da doença. O uso desses marcadores moleculares de PET
também podem auxiliar a identificação de idosos que estão sob maior risco de
desenvolver a doença de Alzheimer, mesmo antes de aparecerem as primeiras
queixas cognitivas. Finalmente, esses marcadores têm sido usados como end-
points4 para ensaios clínicos cujas drogas afetam a produção, o metabolismo ou
o clearance5 da proteína amilóide no cérebro.
Rodápé
¹ Proteína presente no cérebro que em pacientes com demência (principalmente por Alzheimer) se acumulam em placas, que
por sua vez impedem a comunicação e sinalização neural e geram um efeito inflamatório no cérebro.
² Proteína que auxilia na estruturação do neurônio, que quando possuem defeitos tornam os filamentos neuronais em ema-
ranhados. Esses emaranhados impedem a boa circulação de informação e nutrientes na célula e culminam na morte dessas.
³ Sigla em inglês para a tomografia por emissão de pósitrons (Positron Emission Tomography), uma modalidade de diagnós-
tico por imagem que permite o mapeamento de diferentes substâncias químicas radioativas presentes no organismo.
⁴ Dr. Breno quando utilizada o termo endpoints refere-se aos desfechos. Os remédios têm sido pensados para esses marca-
dores. Por exemplo, se evitarmos a TAU temos maiores chances de evitar a demência. Então o biomarcador é o ponto de
partida para entender a etiologia, e o ponto alvo final de um tratamento farmacológico.
⁵ clearance que ele se refere aqui é o trio de ações das drogas: ou elas inibem a produção de uma proteína como a beta ami-
lóide, ou ela altera o metabolismo do cérebro em lidar com essa proteína ou ela limpa/retira o excesso do ambiente cere-
bral. nesse sentido o clearance seria: limpeza.
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2. Como você vê o papel da Neuropsicologia em um momento de produção
científica voltado para biomarcadores e fatores de risco genético nos quadros
demenciais? Você acredita que em um futuro próximo seremos capazes de
diagnosticar os quadros com base nessas informações?
A Neuropsicologia sempre será fundamental na avaliação dos pacientes com
suspeita de quadros demenciais. Somente ela permite mensurar o declínio
cognitivo de um paciente e assim fazer o diagnóstico de demência vs. declínio
cognitivo leve; avaliar qual o benefício clínico de tratamentos; identificar áreas
que são passíveis de reabilitação neuropsicológica; e determinar o grau de
comprometimento funcional de idosos com queixas cognitivas. Além disso,
precisamos lembrar que os marcadores moleculares de PET são muito caros e
disponíveis apenas em centros muito especializados de tratamento. Portanto,
a avaliação neuropsicológica ainda ocupa um espaço muito importante na ava-
liação de idosos com queixas cognitivas e quadros demenciais.
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6. Em sua prática, quais os principais fatores de risco modificáveis para os
quadros demenciais?
Sedentarismo, obesidade, diabetes, fatores de risco cardiovascular, a presença
de transtornos mentais, "inatividade" intelectual, e pouco engajamento social
e interpessoal são alguns dos fatores de risco para quadros demenciais que
são potencialmente modificáveis através de mudanças de comportamento ou
manejo clínico apropriado.
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