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LÍNGUA FALADA E NEOLOGIA FORMAL

Marcos Antonio Nakayama


(Universidade Estadual de Londrina)*

Paulo de Tarso Galembeck


(Universidade Estadual de Londrina)**

RESUMO: Esta análise lexicológica está inserida nos trabalhos relacionados à


modalidade falada da língua. Estudos sobre a fala sempre foram menos frequentes que
os da língua escrita. Também os estudos lexicológicos não raro deixam de focar o
contexto e os sentidos criados em volta da interação. Partindo do fato de que a neologia
se apresenta como um fenômeno mais natural à língua falada do que à língua escrita,
este trabalho analisa construções de vocábulos em ocorrências de inquéritos do projeto
NURC. Para isso, é apresentado um referencial teórico a respeito da língua falada, com
base nos processos mentais que possibilitam a neologia. Em seguida, são analisadas as
possibilidades de neologia formal, utilizando-se como exemplos ocorrências retiradas
do projeto NURC. A partir dos resultados, é possível corroborar que a criação vocabular
é benéfica à interação imediata e contribui para a manutenção do diálogo.

PALAVRAS-CHAVE: língua falada; neologia formal; afixos; interação.

ABSTRACT: This lexicologic analysis belongs to works related to spoken language.


Studies about spoken language have always been less frequent than which about
written language. Besides, lexicologic studies many times don’t focus context and
meanings created among interaction. From the fact that neology is a phenomenon more
natural to spoken than the written language, this work analyses creation of words in
occurrences of NURC project. Thus, we present a theoric reference about spoken
language, based on mental processes that allow neology. Then, we analyse the
possibilities of formal neology, taking as examples occurrences from the NURC project.
From the results, it is possible to corroborate that the creation of words is benefic to
immediate interaction and contributes to sustain the dialogue.

KEYWORDS: spoken language; formal neology; affixes; interaction.

Introdução

Os estudos da língua falada constituem um campo muito rico, o que é


comumente confundido com caótico. Por isso houve hesitação em incluir a
sistematização da oralidade na escola. O avanço dos estudos em língua falada sinaliza

*
Aluno de mestrado em Estudos da Linguagem, da área Linguagem e significação – Estudos do
texto/discurso, na Universidade Estadual de Londrina. E-mail: marcosnaka@gmail.com
**
Professor Doutor da Universidade Estadual de londrina. E-mail: ptgal@uel.br
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para uma divulgação cada vez maior do universo complexo da interação oral, e isso se
torna aos poucos um convite para a inclusão da oralidade nas salas de aula.
Embora análises sobre a língua falada tenham conquistado um espaço respeitado
nos estudos linguísticos nos últimos anos, elas ainda ocupam um espaço marginal em
relação à língua escrita. Principalmente na sintaxe e na semântica, ainda que parte dos
resultados possam também ser aplicados à língua falada, os corpora utilizados nos
estudos em geral são na maioria das vezes textos escritos, ou seja, o produto final de um
processo de planejamento, de seleções e de alterações que foram apagados.
Também os estudos lexicológicos, muitas vezes deixando de lado o contexto de
produção, omitem os sentidos criados na língua falada em volta de uma interação.
Vocábulos estão sujeitos a sofrer alterações formais e semânticas a todo o momento e a
qualquer situação, com a única condição de que haja um contexto partilhado entre os
interlocutores que permita o perfeito entendimento dessa alteração. Dessa forma, a
neologia se apresenta como um fenômeno mais natural à língua falada do que à língua
escrita.
Alves (2003) assume que os estudos sobre os neologismos têm buscado fontes
literárias, jornalísticas, além de materiais técnicos e científicos. Como se percebe, pouca
atenção tem sido dada à língua falada. É bem verdade que a grande maioria dos
neologismos criados na fala se esvai antes que possam ser estudados. A dinâmica e
efemeridade características dessa modalidade e a situação informal de produção podem
ser apontadas como a causa desse desinteresse científico. No entanto, projetos como o
NURC (Norma Urbana Culta) têm demonstrado que é possível colher frutos acadêmicos
a partir de registros escritos de textos falados.
Para a análise proposta e a fim de se alcançarem os objetivos, partimos de duas
hipóteses principais. A primeira é a de que, na língua falada, a construção de sentidos –
a qual é resultado de processos mentais de seleção lexical – acontece com uma
sistematização diferente à da língua escrita. Isso ocorre por três motivos: i) o
planejamento é concomitante à interação, fazendo com que o falante tenha menos tempo
para a seleção lexical; ii) se o interlocutor não entende o que é dito, pode questionar ou
solicitar repetição do enunciado; e iii) o enunciador conta, para auxiliar na construção
de sentidos, com sinais paralinguísticos como gestos e expressões fisionômicas, além da
entoação de voz. Tendo isso em vista, parte-se para a segunda hipótese, de que, na
língua falada, a responsabilidade da total compreensão é menor do que na língua escrita,
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e isso permite uma tendência muito forte para a criação vocabular ou adequação de
sentido ao contexto.
Em relação aos procedimentos metodológicos, este estudo irá focar-se num
corpus, que servirá como apoio para a obtenção de resultados. Serão utilizados
inquéritos do projeto NURC/SP e NURC/RJ, ambos da década de 70. Os inquéritos
paulistas foram publicados por Castilho e Preti (1987), e os fluminenses foram
coletados no endereço eletrônico do NURC/RJ1. Abaixo de cada citação constará a
cidade do projeto: São Paulo (SP) ou Rio de Janeiro (RJ); o tipo de inquérito: elocução
formal (EF), diálogo entre dois informantes (D2) ou diálogo entre informante e
documentador (DID) e, por fim, o número do inquérito. Apesar de apresentarmos
ocorrências de diversos inquéritos, focalizamos dois deles, ambos do NURC/RJ, cuja
escolha se deu pela abundância e pela importância das ocorrências: i) inquérito EF-251
– o locutor é um professor de química, 31 anos, formado em Engenharia Química,
morador das zonas Norte e Sul. O professor ministra uma aula sobre solubilidade de
moléculas para o terceiro ano do Ensino Médio; ii) inquérito DID-97 – o locutor é um
professor de psicologia e clínico, 27 anos, pais cariocas, morador da zona Sul e
suburbana. Com o tema família, o falante expõe sua opinião sobre o ato de ter filhos.2
Como este estudo inclui análises de neologismos, faz-se necessário um corpus
de exclusão, haja vista que se consideram neologismos os lexemas que ou não foram
incluídos nos dicionários, ou se apresentam neles como de uso informal. Por esse
motivo, selecionamos Houaiss (2007), por considerarmo-lo como uma fonte bastante
confiável e um dicionário que se apresenta muito aberto às inovações da língua.3

Língua Falada e Língua Escrita

A escrita surgiu pela necessidade de se representar a fala, e por isso não constitui
um sistema linguístico independente. Para Fávero, Andrade e Aquino (2000, p.13), “elas
[oralidade e escrita] mantêm entre si relações mútuas e intercambiáveis”.
Por isso, quando nos referimos à língua falada e à língua escrita, estamos
considerando essas duas realizações de modo geral. É truísmo que existem realizações

1
< www.letras.ufrj.br/nurc-rj>.
2
Admoestamos que este informante utiliza uma linguagem bastante indecorosa, a qual, no entanto, é
muito fértil para este estudo.
3
Este trabalho está redigido na ortografia portuguesa que entrou em vigor em janeiro de 2009. As
citações, quer do corpus, quer do referencial teórico, foram mantidas em sua ortografia original. Todos os
grifos do corpus são nossos, feitos a fim de que o leitor possa localizar com facilidade o termo analisado.
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formais na fala e realizações informais na escrita, de modo que, seguindo Marcuschi


(2001), torna-se errôneo posicionar essas duas práticas sociais em polos opostos. O
autor citado propõe que se observem a fala e a escrita como um continuum (p.37), o que
implica “um conjunto de variações e não uma simples variação linear”.
Embora a língua falada e a língua escrita sejam duas modalidades do mesmo
sistema linguístico (FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, 2000, p.69), elas possuem
marcas muito características que as diferenciam uma da outra, principalmente no que
tange às condições de produção.
A oralidade realiza-se de modo geral em uma relação face a face entre os
interlocutores. Rodrigues (2001, p.18) metaforiza ilustrando que os participantes
“alternam seus papéis de falante e ouvinte, e dessa atividade ‘a quatro mãos’, ou a ‘duas
vozes’, resulta o texto conversacional, elaborado numa determinada situação de
comunicação”. Temos assim o ambiente extralinguístico, ou seja, o lugar físico e
psicológico em que o diálogo acontece. Esse elemento é muito relevante na medida em
que determina muito do que será proferido. Além disso, o discurso em si é enriquecido
pelas circunstâncias da interação, pelos laços entre os participantes e por determinadas
ações, como os gestos, as expressões faciais e os olhares, que constituem os sinais
paralinguísticos.
Como se percebe, há uma situação imediata, em que o texto é produzido e
planejado localmente, no momento de sua execução (GALEMBECK, 1999). Sendo
assim construída passo a passo, a linguagem oral é naturalmente produzida “aos jatos,
aos borbotões, que são unidades de idéia, ou significativas, com um contorno
entonacional típico, e limitadas por pausas” (RODRIGUES, 2001, p.21). Considere-se
ainda que a fala é produzida muito rapidamente; isso é uma estratégia do locutor para
não perder o seu turno conversacional.
Na língua falada, encontram-se, de modo geral, mais anacolutos, pausas,
digressões, alongamentos, além de correções, repetições, paráfrases etc. Isso acontece
tanto no nível morfossintático quanto no discursivo. Muitas vezes uma conversa
descontraída toma rumos totalmente inesperados. O leitor certamente já se questionou,
durante uma interação: “Estávamos falando de outra coisa agora há pouco; como
chegamos a este assunto?”
Todos esses fatores apresentados aqui remetem a uma causa: o fato de que a fala
é produzida concomitantemente ao planejamento, de modo que este se faça mais
explícito no discurso oral do que na língua escrita.
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Dessa forma, para garantir o entendimento, existe da negociação imediata entre


os interlocutores. Campos (1989) garante que a interação é que possibilita as
interrupções, repetições e reformulações na fala. A autora demonstra que as repetições,
por exemplo, “podem ter uma função neutralizadora, encobrindo falhas no desempenho
do falante, limitações de sua memória ou falta de atenção [...], ou ainda ter função
articuladora, acentuando o envolvimento de um falante na fala do outro” (CAMPOS,
1989, p.207).
Nesse envolvimento, os usuários ainda contam com o contexto comum
partilhado, uma vez que a interação oral conta com a identidade temporal e quase
sempre espacial (sendo exceção as conversas a distância). O falante e o ouvinte encetam
um objetivo comum da construção textual e, dessa forma, deixam suas marcas.

Processos Mentais da Construção de Sentidos na Língua Falada

Brown e Yule (1983), ao apresentar as características da língua falada, expõem a


tendência de o falante interagir sobre o ambiente imediato, além de abusar no uso de
unidades pré-fabricadas e um vocabulário genérico. Essas observações vão ao encontro
de Chafe (1988), que, citado Drieman, afirma que a língua escrita possui um
vocabulário mais variado.
Chafe explica essa diferença pela velocidade da escrita e da fala, questionando-
se: “Se nós escrevemos mais de 10 vezes mais devagar do que falamos, o que acontece
em nossos pensamentos durante todo esse tempo extra?” (1988, p.37, tradução nossa).
Partindo do pressuposto de que a fala possui praticamente a mesma velocidade do
pensamento, o autor expõe que, enquanto escrevemos, nossos pensamentos contam com
muito tempo para mudarem.
Pode-se concluir, num primeiro momento, que a língua escrita seja mais
organizada, estruturada e complexa que a língua falada. Esse pensamento merece uma
ressalva importante. Não é que uma modalidade seja inferior à outra nesses aspectos;
apenas são complexas em maneiras diferentes.
Um fato muito interessante para ilustrar essas ideias é a nominalização. Trata-se
do ato de dar um nome a uma ação. Chafe (1988) descobriu que ocorrem mais de 11
vezes mais nominalizações na língua escrita do que na falada. A explicação para isso
não é difícil. Quando um pensamento vem à memória, visualizamos a ação, e não o
nome dela. Ao escrever, há tempo suficiente para chegar a esse estágio da nomeação de
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algo abstrato; mas no processo rápido da fala, é mais cômodo usar um verbo para se
referir à ação, ou um termo genérico, ou até mesmo criar uma palavra para se expressar.
Se por um lado há tendência na língua falada para o uso de termos genéricos, a
recusa à nominalização também se justifica pelo caráter bastante especialista. Basilio
(1995, p.10) se questiona: “Por que não temos uma palavra para cada acréscimo
semântico necessário?” A autora argumenta que isso seria “multiplicar muitas vezes o
número de palavras que teríamos como vocabulário básico”. A linguagem busca
eficiência comunicativa na flexibilidade de um número reduzido de elementos básicos.
Explica-se então, para a autora, a tendência de formar palavras em vez de captar e
guardar formas diferentes para cada necessidade em diferentes contextos.
Quando os estudos da língua falada se voltam para o léxico, o mais comum é
encontrar análises e teorias a respeito da seleção lexical. Nesse campo, a maioria das
obras tem focado os processos que envolvem essa escolha, e os motivos que se podem
depreender delas.
Na língua falada, a busca pelo termo ideal é precipitada, e, dependendo do
contexto, o falante pode até mesmo solicitar ajuda ao interlocutor na busca pela palavra
que traga os sentidos almejados. As opções lexicais, que não se apresentam na fala de
modo pronto e fluente, constituem o fazer enunciativo, e, dessa forma:

a produção do sentido, para a qual a seleção lexical concorre, identifica-se com o próprio ato da
enunciação. O enunciador, em seu fazer enunciativo, faz escolhas lexicais para produzir os
sentidos que viabilizem os seus propósitos em relação ao enunciatário, na interação em
desenvolvimento. (HILGERT, 2003, p.72)

Cabe ressaltar que a relação enunciador/enunciatário não é mais vista da forma


ativo/passivo, em que um é responsável pela produção dos sentidos, e o outro, pela
decodificação. Os interlocutores constroem juntos os sentidos da interação.
Nesse sentido, é cabível e muito comum a colaboração entre os participantes. No
exemplo abaixo, um professor utiliza o termo errado e é corrigido pelos alunos:

(1) Inf. suponhamos que eu tenha uma solução saturada de CaCl2... eu jogo lá dentro AgCl...
quem é que precipita... o CaCl2 ou AgCl?
Al. CaCl2
Inf. eu tenho uma solução sa-turada... tá... de AgCl...
Al. de AgCl? de AgCl?
Inf. é... saturada... desculpe... de CaCl2... saturada de CaCl2... (NURC/RJ, Inquérito EF-
251)

Da mesma forma, um falante pode não encontrar a palavra correta, e ser


auxiliado pelo interlocutor. No exemplo abaixo, o documentador questiona a existência
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de outros nomes para o termo polissêmico “entrada”; a locutora apreende o sentido


inadequado para a palavra e depois é corrigida. Após entrarem num consenso sobre o
objetivo da questão, eles finalmente alcançam o termo almejado:

(2) Doc. hum... como é que se chama o... existem outros nomes pra entrada?
Loc. outros nomes para a entrada?
Doc. é
Loc. saguão?
Doc. Não... a entrada que você compra pra ...
Loc. AH aquela entrada.
Doc. é
Loc. tíquetes né?
Doc. hum (NURC/RJ, Inquérito DID-17)

Hilgert (2003, p.76) argumenta que existe um empenho para o melhor


entendimento, e é por ele que a metalinguagem e a seleção lexical se justificam. Este
estudo não visa a analisar os processos percorridos pelos interlocutores a fim de
escolher o termo mais apropriado (como fazem os estudos acerca de repetições,
correções, paráfrases etc.). Contudo, se o nosso foco não é no processo, o é na
ocorrência. Já foi demonstrado aqui que o falante nem sempre tem à sua disposição o
tempo necessário para aperfeiçoar o enunciado; além disso, nem sempre existe a
preocupação em selecionar a palavra com o melhor sentido, pois o fim primordial da
interação é o estabelecimento dos sentidos, ainda que de formas imprevistas.

Neologia: forma e significado

A neologia é o processo de criação de novas unidades lexicais. Quando uma


nova palavra é formada, ou se acrescenta um novo significado para uma palavra
existente, tem-se um neologismo.
Alves (1990) reforça que todos os membros da comunidade linguística possuem
a faculdade de criar palavras e novos sentidos, mas é pelos meios de comunicação de
massa e obras literárias que geralmente as inovações são difundidas, podendo entrar
definitivamente no léxico da língua. Com base nisso, Alves (2003) afirma que os
estudos referentes à neologia praticamente sempre se voltaram a textos escritos.
Basilio (1995, p.84) acredita que no léxico se encontram as “maiores e mais
sensíveis diferenças entre a língua falada e a língua escrita”. A autora argumenta que
existe uma tendência intuitiva nos usuários de utilizarem um vocabulário diferente para
cada modalidade – obviamente com uma grande área de intersecção entre esses campos.
Citando Câmara Jr., ela apresenta como exemplos os verbos “redarguir” e “fremir”,
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além da preposição “sob”. Essas palavras são típicas da linguagem escrita. Ao contrário,
palavras como “botar”, “coisa” (substituindo palavras mais específicas) e os adjetivos
“bonito” e “gostoso” em função adverbial são exemplos da autora para termos próprios
da língua falada.
Também Fávero, Andrade e Aquino (2000) assumiram a existência de diferenças
léxicas entre fala e escrita. As autoras acreditam que os termos não são selecionados ao
acaso. Assim, existem fatores que afetam o uso do léxico, como:

– contexto e propósito do evento discursivo;


– natureza da atividade comunicativa apropriada ao evento discursivo;
– conhecimento partilhado entre os participantes e nível de conhecimento lingüístico.
(FÁVERO, ANDRADE E AQUINO, 2000, p.71)

Outro aspecto que Basilio (1995) relembra é o fator emocional, que interfere na
criação vocabular. Para ela, a escrita busca uma objetividade que a fala, principalmente
a do dia-a-dia, rejeita. Dessa forma, as palavras faladas carregam maior carga emotiva e
expressiva. Isso poderá ser percebido nas ocorrências do corpus.
Este estudo propõe-se a observar casos de neologia formal e os sentidos
produzidos com elas. Aqui denominamos neologia formal quando a inovação acontece
no significante, isto é, cria-se um novo vocábulo. As classificações de neologia formal
são: neologismos fonológicos, neologismos formados por prefixação, neologismos
formados por sufixação, neologismos formados por parassíntese e neologismos
formados por composição.

Neologismos fonológicos

Os neologismos fonológicos caracterizam-se por uma estrutura fonológica – e


consequentemente gráfica – totalmente nova. São lexemas criados sem que houvesse
qualquer base em alguma palavra já existente.
Alves (1990) comenta a raridade desse processo. Para a autora, nenhuma língua
conta com esse processo como frequente. Isso porque, para que consiga sobreviver, o
significante inédito, além de condizer com o sistema fonético da língua, deve ser
facilmente interpretado pelo receptor. Mello (1998) e muitos outros estilistas admiram a
origem da palavra “fofoca”. Diz o autor que “surgiu de algum sujeito espirituoso, que a
cunhou instintivamente, guiado pelas tais obscuras analogias, por insondáveis e
subterrâneas associações, e certo de que seria entendido e repetido” (MELLO, 1998,
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p.83).
A palavra fofoca faz parte de um grupo de palavras de origem onomatopaica. A
onomatopeia remete aos significantes criados a partir da sugestão que se tem de um
ruído sonoro da natureza. Visto que se trata de um som, as onomatopeias são
essencialmente faladas. Mesmo em textos escritos, a expressividade dessas palavras se
percebe quando o leitor transfere a palavra à sua referência fônica, e é intensificada se o
leitor a lê em voz alta.
Conforme já apresentado, no inquérito EF-251, tem-se a transcrição de uma aula
sobre solubilidade química. O professor está explicando efeitos de elementos químicos
em combinação. Durante toda a elocução, ele procura tornar o conteúdo mais concreto
ao utilizar, por exemplo, metáforas e prosopopeias. Como se sabe, o entendimento do
conteúdo escolar fica mais fácil se aluno puder fazer comparações com o mundo
concreto em que vive. Veja-se o seguinte fragmento, em que o professor cria uma
onomatopeia:

(4) [...] suponhamos agora... que este sal seja... muito pouco solúvel... mas seja...
praticamente... nada dele se dissolve... você pega cloreto de prata... por exemplo... joga
dentro d'água... pum... direto... [...] (NURC/RJ, Inquérito EF-251)

Como se percebe, a palavra pum representa o som de algo caindo na água. É


óbvio que o professor não estava solicitando que os alunos jogassem a substância na
água da forma como ele apresenta. No entanto, o som proferido pelo enunciador
possibilita que os ouvintes visualizem a ação do exemplo dado, e ao mesmo tempo
reforça o fato de o cloreto de prata ser sólido.
Veja-se outro caso. No inquérito D2-343, do NURC/SP, os dois informantes
estão conversando sobre o trânsito nas grandes cidades. Falando da dificuldade em se
dirigir carros nesses lugares, o informante afirma:

(5) [...] então sei lá digamos uma regiãozinha ali::... os que não estão acostumados com a
cidade pum se mete no trânsito e se se se (ficam)... talvez até em São Paulo... eu nunca
pego o trânsito... [...] (NURC/SP, inquérito D2-343)

A onomatopeia nessa ocorrência já não tem muita relação com o som, pois a
ação de entrar no trânsito não gera um ruído como lançar um sólido na água. O som
representado nesse exemplo tem uma função maior de representar o susto do indivíduo
ao passar a dirigir numa cidade grande. Além disso, possivelmente o informante utilizou
a onomatopeia para ganhar tempo e encontrar os termos que buscava, o qual é
apresentado em seguida: “se mete no trânsito”.
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Para melhor ilustrar os neologismos fonológicos, seguem alguns casos de um


mesmo inquérito (NURC/RJ, DID-97), cujo tema é a família e o informante fala sobre o
ato de ter filhos:

(6) [...] ela mete o dedo na boca e não tira mais... o dia inteiro chupando dedo... tum-tum o
dia inteiro chupando dedo [...]

(7) [...] trepar trepar então é uma beleza é ótimo não sei o que: e todo mundo quer e bá-bá bá-
bá... agora depois que nasce o filho aí realmente é uma merda danada [...]

(8) [...] outro dia estava comentando... a minha irmã pega o filho dela vamos dar de mamar...
um troço importante e tal pra criança quá-quá-quá-quá... ri e bá o diabo a quatro... e o
indivíduo está lá mamando [...]

(9) [...] então o problema não é realmente o fato de ter filhos mas o fato de ser mãe é ser uma
coisa... ser realmente ((risos)) transcendental entendeu? pra todo aquele grupo que cerca
eles entendeu? pra todo uma uma comunidade... então vem o pessoal aos quilos visitar...
todo mundo bum-bum todo mundo [...]

(10) [...] como é que vou dizer? eu falei... de uma hora pra outra o sujeito pá... bota um filho no
mundo [...]

(11) [...] por exemplo... vamos dizer assim que eu seja... entendeu? teu pai... então sou um pai
muito castrador entendeu? não pode fazer isso não pode fazer aquilo bó-bó-bó-bó... e você
então... por reação... você atinge um ponto... entendeu? de independência [...]

Em (6), a onomatopeia representa o passar do tempo; em (7), uma forma muito


comum de indicar que já se falou muito sobre uma determinada opinião; em (8) imita a
criança chorando; em (9), o som remete a passos e tumulto e pessoas visitando a
gestante; em (10), o som seco, que, naturalmente representa um ruído de duas
substâncias sólidas em colisão, motivado pelo verbo “botar”, está substituindo todo o
processo de fazer um filho; e finalmente, em (11), representa a continuação do discurso
do pai castrador, como se fossem reticências.
Como foi apresentado anteriormente, os neologismos fonológicos possuem
significantes totalmente inéditos, o que os torna menos recorrentes. No entanto, as
onomatopeias não são absolutamente arbitrárias. Isso possibilita que as criações
espontâneas sejam compreendidas na interação.

Neologismos formados por prefixação

O prefixo tem a função de acrescentar significados ao radical a que se junta,


atribuindo um sema acessório. Como o nome sugere, trata-se de uma partícula
dependente de um radical, a qual se liga pelo lado esquerdo da palavra, isto é, vem
anteposto ao radical.
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Existem vários prefixos em português, cada qual com um sentido peculiar. A


ideia de contrariedade, negação ou aversão, por exemplo, pode ser expressa pelo prefixo
anti-. No fragmento abaixo, o informante faz uma série de usos desse prefixo, e ainda
utiliza o prefixo pseudo- para negar a autenticidade do radical a que se junta.

(12) [...] só mesmo no Grajaú é que tem árvore plantada em rua... porque aqui eles usam essas
jardineiras essas pseudo-jardineiras que são muito fracas assim... anti-estéticas... isso é
um anti-cachorro anti-carro anti-criança que dá... eh... só serve pra atrapalhar [...]
(NURC/RJ, inquérito D2-12)

Nesse excerto, o prefixo anti- foi usado para construir o sentido de que as
“pseudojardineiras” não são adequadas no quesito de estética, além de não satisfazerem
cachorros, carros e crianças.
É possível perceber que o prefixo é capaz de passar com destreza todos os
sentidos necessários, além de carregá-los de expressividade. Alves (1990) comenta
muito bem a economia discursiva que a prefixação traz ao enunciado. A autora acredita
que a alta produtividade desse processo de formação de palavras no português se deve
ao espírito de economia dos usuários. A negação no fragmento foi mais sucinta do que
se tivesse sido construída por processos sintáticos de frase. Um outro fator que vem ao
encontro de nossa hipótese apresentado pela autora é que, pensando na gramática
gerativa, a negação por processos sintáticos é mais complexa e mais longa na estrutura
profunda do que por prefixação.
Baseando-nos nisso, é cabível prever que muitas vezes a construção de sentidos
pela prefixação surge por ser mais “veloz” no processo mental da construção do
enunciado do que outras composições linguísticas mais elaboradas.
Mudando para o sentido de superioridade, exagero ou grandeza, ele é na maioria
dos casos atribuído por meio do prefixo super-. É bastante comum o falante desejar dar
ênfase a algum termo, e isso justifica o uso bastante corrente dos prefixos do tipo
super-, ultra-, mega- e hiper-.

(13) [...] às vezes tem o velhinho que senta na praça e você já... e o velho vai encostar... não sei
o quê: de repente o velho tem uma cabeça super-aberta super-jovem... deixa eu ver o que
mais... [...] (NURC/RJ, inquérito D2-12)

(14) [...] quer dizer... porque se você vai a uma praia com pessoas que te agradam... você está
ultra-bem... [...] (NURC/RJ, inquérito D2-147)

(15) [...] e os moradores também qualquer fumacinha eles dão logo um berro... porque eles
sabem que o: tomou proporções naquela madeira eh... ultra-seca dos edifícios ninguém
controla mais [...] (NURC/SP, inquérito DID-296)

As três ocorrências apresentadas revelam a preocupação em enfatizar a


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característica apresentada pelo radical. Em (13) e (15), o prefixo reforça a ideia de


abertura, juventude e secura dos adjetivos, e em (14), dá mais expressividade ao
advérbio “bem”.
Uma vez que nosso objetivo não é chegar à exaustão das possibilidades de
sentidos criados pela criação lexical por meio da prefixação, segue abaixo um exemplo
de uso do prefixo auto-, para indicar a reflexão da ação do verbo:

(16) [...] não quero dizer com isso que... não estou justificando o fato de não ter passado ou
tentando me auto-convencer que foi melhor assim... não é isso entendeu? [...] (NURC/RJ,
inquérito D2-28)

Como se percebe, o sentido criado pelo prefixo auto- é a reflexão do ato de


convencer. O falante expõe a tentativa de convencer algo a si próprio, o que é expresso
tanto pelo prefixo quanto pelo pronome oblíquo “me”, ou seja, a concomitância dessas
duas partículas garante maior realce à volta a si mesmo como uma ação.
Por meio do uso de prefixos, é comum acontecer o que Alves (1990, p.26)
denomina “transferência de significado para os prefixos”. Uma vez que essas partículas
trazem consigo algum sentido para acrescentar ao radical, essa carga semântica pode ser
transformada em um nome. É o que se percebe em:

(17) L1. uma desintegração total né?


L2. aquilo nem era família... aquilo ali era um pseudo... (NURC/RJ, Inquérito D2-147)

(18) [...] e aliás aliás ela... é super né super eh... ou ela não precisa de ninguém [...]
(NURC/RJ, inquérito D2-12)

Nesse contexto, “pseudo” e “super” passam a ser utilizados como substantivo e


adjetivo, respectivamente. A referência que se faz à família pelo termo “pseudo” pode
ser recuperada pelo co-texto, e a grandeza inerente ao termo “super” passou a servir
como forma de caracterizar. É muito comum na língua falada o uso de prefixos isolados
para enfatizar: super, hiper, mega etc. Por processos semelhantes passaram prefixos que
atualmente são utilizados autonomamente, como auto-, tele- etc., com o porém de que
estes últimos absorveram o sentido do radical que acompanhavam (automóvel e
televisão).
Uma curiosidade muito difundida nos meios cultos é o episódio engraçado entre
os vereadores João Pedro (Pc do B) e Lurdes Lopes (PFL). A gafe foi apresentada pelo
jornal Folha de São Paulo (11 de janeiro de 2000), com o título de “Não fomos
apresentados”. Segue um fragmento do texto:
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No meio do discurso, a vereadora Lurdes Lopes (PFL), pediu um aparte ao colega e foi
logo dizendo:
– Nobre vereador, o presidente Fernando Collor de Mello não é nada disso.
"Disconcordo" totalmente do senhor.
João Pedro não perdoou o erro da parlamentar.
– Vereadora, a senhora está agredindo o Aurélio.
Sem perceber que o parlamentar se referia ao dicionário Aurélio, Lurdes passou a berrar,
muito contrariada, provocando gargalhadas:
– O senhor está fazendo uma acusação absolutamente infundada! Jamais falei mal do
Aurélio. Aliás não conheço ninguém com esse nome!!

Esse episódio corrobora muito do que este estudo vem tratando: de que na
linguagem falada a construção de palavras muitas vezes vem suprir uma lacuna deixada
por uma seleção lexical inicialmente dificultosa. Apenas para esclarecimento, a gafe da
vereadora foi motivo de chacota; no entanto, deve-se também considerar a gafe dos
ouvintes e também do jornalista que redigiu o texto, pois o verbo “desconcordar” (e não
“disconcordar”) existe, e está no Aurélio4. No momento da interação falada, os
interlocutores não tiveram tempo de consultar um dicionário, já o jornalista...

Neologismos formados por sufixação

Da mesma forma como o prefixo, o sufixo traz economia de estrutura linguística


e facilita a construção de sentidos. Trata-se de uma partícula dependente de um radical
que fica posposta a ele.
A atribuição de um sufixo a um radical para formar uma nova palavra, embora
seja um processo bastante rico na língua portuguesa, geralmente não é uma ação
absolutamente inovadora. Ainda que sejam neologismos, a maioria das ocorrências não
remete a palavras absolutamente inventadas pelo falante no ato da interação falada.
Ainda assim, é possível encontrar, nos registros do NURC, casos muito
interessantes de criação lexical por excelência. Veja-se a criação da palavra
“coordenamento”, em um inquérito do acervo do projeto NURC/SP, ainda não
publicado em livro. Trata-se de uma entrevista com mais de um locutor, gravada entre
1990 e 1999 e com o assunto “família”.

(19) L1 é muito exigente comigo e com o meu marido [...] sabe ela não admite uma falha
nossa... no... ponto de vista dela do que seja... o:: o perfei/ a perfeição...
[
L2 o coordenamento dela...

4
FERREIRA, Aurélio B. H. Novo Aurélio século XXI: dicionário da língua portuguesa. 3ª ed. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
183

L1 o:: o normal e tudo mais [...] (NURC/SP, Código: CILP2BCW5855)

Nesse excerto, o Locutor 2 utilizou a palavra “coordenamento” em vez de


“coordenação”. Como se viu, a concomitância entre planejamento e execução da fala
possibilitou esse “desvio” da seleção lexical, de modo que o falante atribuiu ao radical o
sufixo -mento, que acrescenta os mesmos sentidos que o sufixo -ção, “ação ou efeito
de”, mas que, na formação tradicional da palavra, não foi o selecionado para se juntar ao
radical.
É assim que não raro vemos usuários da língua, geralmente crianças, criando
palavras ao juntar radicais e afixos como se fossem peças de um brinquedo de montar.
Um aluno da cidade de Londrina, do segundo ano do Ensino Médio, deixou passar em
sua redação escolar a seguinte frase: “A ingerição da bebida deve ser feita com
moderação”. Não há qualquer dificuldade em compreender que esse neologismo tem o
mesmo sentido de “ingestão”. Acontece que o autor simplesmente usou o radical de
“ingerir” e acrescentou o sufixo -ção. Outros casos parecidos podem ser apreciados em:

(20) [...] no tipo de trabalho que eu faço o que nos interessa mais é a mulher eh... eh.... que que
se conscientiza dos seus direitos do... das suas... eh... possibilidades [...] é esse
alertamento à mulher... ajudar ela que acorde pra esse pra esse estado de coisas [...]
(NURC/RJ, inquérito DID-373)

(21) [...] o fato de ser planalto de ser... de ser reto ele não dá muita margem... então aquele tipo
de de esquadra de superquadra... aquilo planejado muito certinho muito:... entende? você
você entra assim numa espécie de uma de um... de uma forma de um... de um
estandartizamento entende? [...] (NURC/RJ, inquérito DID-215)

Nos dois exemplos o neologismos foi construído utilizando o sufixo -mento.


Ambos os usos dessa partícula trouxeram o sentido original do sufixo. Em (20),
“alertamento” significa a ação de alertar, e, em (21), “estandartizamento” significa o
efeito de estandartizar.
As formações com o sufixo -mento são as mais frequentes. No entanto, vários
são os sufixos potenciais para a construção de novas palavras. Veja-se uma ocorrência
de uma palavra formada com o sufixo de particípio presente -ente:

(22) [...] sobre rádio e televisão... lamentavelmente eu tenho a impressão que no Brasil... com
algumas exceções de... de excelentes programas que nós temos... e eu gostaria de salientar
que na televisão brasileira... eu não sou uma tevente ((risos)) assídua... mas quando assisto
a programas de televisão... os programas de notícias não são bons [...] (NURC/RJ,
inquérito DID-370)

5
Inquérito privado editado por Castilho, Ataliba (coord.). Projeto Norma Urbana Culta. Disponível em:
<http://200.150.149.165:9081/wps/wcm/connect/resources/file/eb16f20dc8eed4b/CILP2BCW585.pdf?M
OD=AJPERES> Acessado em 15 jul. 2009.
184

É interessante notar o processo utilizado pelo falante para construir uma palavra
que significasse “pessoa que assiste a tevê com frequência”. Como se existisse o verbo
“tever”, ele criou uma forma oriunda do particípio presente, assim como “nascente”, de
“nascer”; “atendente”, de “atender”; ou “crescente”, de “crescer”. Os sentidos
almejados só podem ser interpretados pelo contexto da enunciação.
Outra ocorrência é “fodedor”, um exemplo de derivação formada pelo sufixo
-dor:

(23) [...] realmente tiveram filho... ela uma ótima parideira... ele um ótimo fodedor e etc...
realmente tiveram filhos... eh... essas bobagens todas [...] (NURC/RJ, inquérito DID-97)

Nesse exemplo, sufixo atribui ao radical o sentido de “aquele que”, ou seja, de


agente, ativo, e com isso é possível compreender o significado do neologismo.
Entre os neologismos que constam no dicionário Houaiss (2007), destacamos
alguns que apresentam caráter ilustrativo para este estudo. Em:

(24) realmente você não consegue encarar aquele troço ali não... não dimensiona a coisa de
outra forma... entende? então fica uma zona total como é lá entendeu? um... aquilo é uma
esculhambação entendeu? (NURC/RJ, inquérito DID-97)

foi usada a palavra “esculhambação”, que é um neologismo a partir do termo


“esculhambar”, um termo recente (datado do século XX) e de origem obscura. Ainda se
o interlocutor não conhecesse o significado desse termo isoladamente, o contexto
permite que se resgatem os sentidos a ele atribuídos. O uso das palavras “troço” e
“zona” no co-texto contribuem para que o neologismo assuma seu papel depreciativo de
“desordem”, “confusão”.
Outros inquéritos também apresentam ocorrências de sufixação. Vejam-se mais
três exemplos:

(25) [...] o que eu quero dizer é que enquanto você vai colocando íons... tá... em determinado
produto... reparem que vocês... deviam estar grilados em alguma coisa aqui... [...]
(NURC/RJ, Inquérito EF-251)

(26) [...] isso aí é um conceitozinho um pouco maior... é que nós sabemos que os cloretos... por
decoreba... aquele negócio que eu falei... [...] (NURC/RJ, Inquérito EF-251)

(27) [...] então esse pessoal do subúrbio... não está acostumado... é uma ave rara gente... uma
ave rara... meio louquete... as pessoas me tratavam meio louquete lá [...] (NURC/RJ,
Inquérito D2-147)

Em (25), o neologismo “grilados”, forma do particípio do verbo “grilar”, cuja


185

raiz é o substantivo “grilo”, demonstra preocupação e atrapalhação. Já o neologismo


“decoreba”, em (26), é formado pela forma verbal decorar acrescida do sufixo
pejorativo -eba (o mesmo usado em “natureba”). Trata-se de um pospositivo com a
função de depreciar a atitude tradicional de decorar o conteúdo escolar. Com as novas
tendências educacionais, essa palavra tomou força e está começando a ser usada mesmo
em textos escritos e formais. As chamadas para o Novo ENEM (Exame Nacional do
Ensino Médio, que mudou o formato em 2009) garantem o “fim do decoreba”. Por fim,
em (27), o excêntrico sufixo -ete foi utilizado para dar um ar mais descontraído ao
termo “louca”, e excluir o lado patológico desta palavra. Houaiss (2007) percebe
exotismo nesse sufixo, que mistura o modernoso com o pitoresco (como em “quitinete”,
“cotonete”, “sofanete” etc.).
Existe um sufixo que pode ser considerado o mais produtivo em se tratando de
neologismos. Teoricamente, a maioria dos adjetivos pode ser acrescida da partícula -
mente para transformar-se em advérbio. Como essa derivação é muito natural e,
portanto, conhecida, bastam aqui dois exemplos:

(28) [...] se você começar realmente a examinar as coisas é um verdadeiro crime um verdadeiro
crime e o que... o que que... o que que uma pessoa altamente inexperiente uma ga/ [...]
adolescente tendo tendo filho... brincando de ter filho entende? [...] (NURC/RJ, inquérito
DID-97)

(29) [...] no caso se nós conhecemos a molécula especificamente... se eu sei que é a molécula
do H3PO4... eu sei que ela tem dois hidrogênios [...] (NURC/RJ, inquérito EF-251)

Enfim, faz-se necessário apresentar uma das mais comuns construções de


sufixação: o grau. Inevitavelmente, essa abordagem requenta uma longa discussão: o
grau, em português, é uma flexão ou uma derivação? Sem intentarmos entrar em
questões estranhas a este estudo, apoiamo-nos em Câmara Jr. (1976) e Macambira
(1978), para quem o grau é um processo derivacional. Assim, é possível apresentar
construções interessantíssimas em que a atribuição de um sufixo de aumentativo,
diminutivo ou superlativo imprime na palavra um valor expressivo muito forte.
Basilio (1995) afirma que a noção de tamanho de algo para um falante também
expressa a atitude emocional dele em relação ao objeto. Da mesma forma, a atribuição
de um sufixo de grau pode trazer também sentidos pejorativos ou positivos, além de
haver casos em que se usa o grau sem nenhuma referência à dimensão do objeto.
Como se sabe, é na língua falada que a expressividade mais se aflora e o locutor
não se policia para a neutralização como na língua escrita (BASILIO, 1995).
186

O inquérito EF-251 (NURC/RJ), cujo tema é solubilidade de moléculas, traz a


seguinte passagem:

(30) [...] você pega cloreto de prata... por exemplo... joga dentro d'água... pum... direto... você
até pensa... se você pesar... que nenhuma molequinha... nenhum íon... ionzinho de cloro...
de sódio ou de prata estão livres na solução [...] (NURC/RJ, inquérito EF-251)

A palavra “molequinha” chama imediatamente a atenção do pesquisador. Poder-


se-ia arguir que foi um lapso do informante ou do transcritor, ou ainda uma má
articulação fonética. No entanto, o professor usa o mesmo termo uma segunda vez em
outra passagem:

(31) [...] significa que eu tenho Cl2 a danar... não tenho... hein? coloco lá dentro UMA
molequinha de AgCl... quem é que precipita? [...]

O neologismo em questão é, como o leitor já percebeu, uma forma reduzida de


“moleculazinha”, o diminutivo de “molécula”. Embora facilite a pronúncia, essa
redução cria uma homonímia com o diminutivo de “moleca”, o que poderia ser um
obstáculo para o entendimento. Apesar disso, o informante não se preocupa em utilizar
essa palavra, pois a seu favor está o contexto, o qual obriga o ouvinte a interpretar o
termo como diminutivo de “molécula” e não de “moleca”.
O uso do diminutivo, nesses exemplos, reforça não exatamente o radical a que é
ligado, mas o termo anterior a ele. Em (30), o diminutivo -inha reforça a ideia
apresentada em “nenhuma”; e em (31), o mesmo sufixo reforça o artigo definido “uma”,
que já havia sido enfatizado pela entonação de voz. A intenção do professor no primeiro
exemplo é demonstrar o engano do aluno de pensar que é possível haver solubilidade
nula. Argumenta o mestre que sempre haverá pelo menos um mínimo de dissolução; e
para isso não bastou dizer que poderia ser apenas uma molécula, quis ele enfatizar que
pode ser uma única molécula, e ainda pequena. Esse recurso é muito comum na
linguagem do dia-a-dia.
O uso do diminutivo para a finalidade de enfatizar é bastante comum, e pode ser
visualizado nos seguintes exemplos:

(32) [...] isso com um pouquinho de paciência a gente chega lá [...] (NURC/RJ, inquérito EF-
251)

(33) [...] então pergunto... só um minutinho só... quanto de cloreto de prata ele vai precipitar?
[...] (NURC/RJ, inquérito EF-251)

(34) [...] suponhamos que você colocasse por exemplo... eh::... vamos... vamos (colocar uma
coisa bonitinha aqui nove) [...] (NURC/RJ, inquérito EF-251)
187

(35) [...] meu irmão tem dezenove anos... mentalmente tem trinta... garoto avançadinho...
sabe? então ele é muito inteligente... uma intuição incrível... o melhor amigo dele tem
vinte e sete anos [...] (NURC/RJ, inquérito D2-147)

Muito interessante é usar o diminutivo para escala de tempo, como foi feito em
(32) e (33). É sabido que um minuto não pode ser menor que outro. Dessa forma, a
interpretação que se pode apreender do uso do diminutivo nesse caso é a visão subjetiva
do falante a respeito daquela quantidade de tempo. Ou seja, ele argumenta que um
minuto é pouco tempo. Em (34), a função do diminutivo é dar um ar de graça; e em
(35), o uso do diminutivo em “avançadinho” exerce uma função contrária à original de
um diminutivo. Ao invés de reduzir, aumenta o valor de “avançado”, isto é, “garoto
muito avançado”.
É bastante comum o uso do diminutivo para indicar o estado emocional da
pessoa, ou a relação que ela tem com o objeto, em muitos casos uma relação de
admiração ou apreço:

(36) [...] tem outra coisa né? fazer uma peça pra criança você ver rostinhos bonitinhos
simpáticos olhando pra você::... e dando risa::da [...] (NURC/SP, inquérito D2-161)

(37) [...] a mãe não pode realmente dar de mamar ao filho conversando aqui contigo ou com ele
e com quilos de visita... todo mundo que bonitinho puxa pra cá puxa pra lá... realmente
é... é um objeto entendeu? [...] (NURC/SP, inquérito DID-97)

É claro que o diminutivo exerce sua função tradicional, de diminuir o conceito


da referência, seja em dimensão, seja em importância:

(38) [...] ela deita no colo da atendente assim e se enrosca toda... e a coisa vai num crescendo
que já no nono dia ela já anda toda... com um cobertorzinho... toda coberta [...]
(NURC/SP, inquérito EF-251)

(39) [...] você vai modificar a... as... condições de solução... então... vocês reparem que o
produto de solubilidade tem um conceitozinho a mais [...] (NURC/SP, inquérito EF-251)

(40) [...] olha como todo grupo de qualquer coisa... o pessoal se dá bem... e sempre tem os
probleminhas [...] (NURC/SP, inquérito D2-161)

(41) [...] porque eu cansei de ir à boate... qual o irmão que vai à boate com a irmã... com a
garota... com caso... não é com casinho lá... com casinho mesmo só de uma noite... pra
hotel depois [...] (NURC/SP, inquérito D2-147)

Em (38), o diminutivo cria a imagem concreta de um cobertor pequeno, pois é


para uma criança; em (39), “conceitozinho” remete a um conceito de poucas premissas e
argumentos, e ao mesmo tempo um conceito bastante simples. Nos últimos dois casos,
percebe-se que o falante não dá importância aos problemas, (40), nem aos casos, (41).
188

Também os graus aumentativo e superlativo reforçam o caráter expressivo do


que se pretende enunciar:

(42) [...] então o pai vai embora... então a partir daí ela começa a perder uma série de contatos
com os outros... ela se apega... tem um... um urso assim peludão grandão né ela se apega
a esse urso e passa o tempo inteiro agarrada com esse urso... um ursão enorme [...]
(NURC/RJ, inquérito DID-97)

(43) [...] se você botar outra substância... que tiver um ÍON COMUM... acontece... se não tiver
um íon comunão... se não tiver um íon comum [...] (NURC/RJ, inquérito EF-251)

(44) [...] apesar da peça eh estar sendo apresentada pela Comissão Estadual de Teatro... com
apoio dela... Financeiro nós não tivemos apoio nenhum... com exceção de POUquíssima
coisa que nos foi conferida pela:: Prefeitura de São Paulo [...] (NURC/SP, inquérito D2-
161)

(45) [...] o médico realmente se torna uma figura [...] muito importante [...] então acontecem
coisas interessantíssimas... como você realmente deposita tudo isso você tem uma
necessidade de ter esse pai onipotente ali né? [...] (NURC/SP, inquérito DID-97)

Em (42), o uso do aumentativo torna maior o objeto “urso”, e intensifica os


adjetivos “grande” e “peludo”; no entanto, o mais interessante de se observar nessa
ocorrência é que os termos no aumentativo apresentam um caráter masculino e paternal.
Isso porque o falante está comentando casos de meninas que, na ausência do pai,
apegam-se a um objeto que remete à figura masculina. Em (43), o aumentativo
intensifica o adjetivo “comum”, ou seja, “bastante comum”. Da mesma forma, há efeito
de ênfase nos exemplos de usos do superlativo.
Para finalizar nossos comentários a respeito da flexão, é curioso perceber que
não raro o falante “confunde” o gênero da palavra, por um processo analógico, tal quais
os casos de sufixação inadequada apresentados. O motivo é bastante evidente: a fluidez
a qualquer custo da interação:

(46) [...] e sempre tem os probleminhas... então tinha os estrelos... as estrelas ((riu)) e:: os que
são ao meu ver cabeças-dura [...] (NURC/SP, inquérito D2-161)

(47) [...] eu tive momentos em meu consultório... que dar... numa tarde poder dar duas
telefonemas quando dava [...] (NURC/SP, inquérito DID-296)

A explicação para (46) é que o falante pensou em pessoas do sexo masculino, e


assim adequou a palavra que é essencialmente do gênero feminino, e em seguida fez a
correção. Em (47), a concordância com o feminino é um caso frutífero de analogia, pois
raríssimas são as palavras terminadas em “a” pertencentes ao gênero masculino.
189

Neologismos formados por parassíntese

Esse processo de formação de palavras não é dos mais produtivos em português


(ALVES, 1990).
A derivação parassintética acontece quando a um radical acrescentam-se
simultaneamente um prefixo e um sufixo, para a atribuição de um único novo sentido.
Ou seja, se retirado um afixo, a construção restante não se sustenta.
Ilustraremos este tópico com uma ocorrência:

(48) [...] um indivíduo com qualquer tipo de problema ou sem problema dentro de uma
determinada família... quer dizer... a família pode muito muitas vezes servir pra que essa
aquele tipo de problema que ele tenha seja muito aumentado [...] e outras vezes não...
realmente às vezes até faz com que a coisa se transforme numa coisa cada vez mais
difícil... quer dizer... um uma esmerdação total... como se diz né? [...] (NURC/RJ,
inquérito DID-97)

Em (48), o neologismo justifica-se pela extensão fonológica. A palavra “merda”


possui a massa sonora reduzida; quando se amplia a palavra para “esmerdação”, o
volume fonético do vocábulo lhe atribui maior força e poder discursivo.

Neologismos formados por composição

A formação de palavras por composição se difere da derivação pela natureza dos


termos que se juntam. Na derivação, há um radical ao qual se acrescentam afixos. Na
composição, unem-se radicais de um modo subordinativo ou coordenativo. O objetivo
não é mais simplesmente acrescentar ou negar sentidos, mas relacionar ideias.
Muitas das ocorrências de composição nos inquéritos são formas metafóricas de
nomear ou caracterizar algo. Como já foi visto a respeito das onomatopeias, que amiúde
são utilizadas em vez de nominalizações, também neologismos formados por
composição podem surgir no momento da interação. Isso porque o significado da
palavra construída está intimamente relacionado com os sentidos dos termos isolados ou
vem de uma identificação concreta, o que facilita essa forma de nomear. Observem-se
alguns exemplos:

(49) [...] tinha que botar a cabeça pra funcionar... não estava de preguiçoso não... mas passava
dias... ficava conversando como é que quebra esse galho? e não existe a teoria do quebra-
galho pro alemão [...] (NURC/RJ, inquérito DID-135)

(50) L2: o ônibus é interessante esse da Companhia... ele... normalmente pelo menos comigo
normalmente leva o quê? uns quarenta e cinco minutos ou mais... o ônibus normal de
190

carreira leva quinze até minha casa...


L1: não... mas ele sai num pinga-pinga aí (NURC/RJ, inquérito D2-148)

(51) D: e aqui no Rio... eh:... durante a semana... como é a vida de vocês em termos de...
L2: bom... a minha é um corre-corre... (NURC/RJ, inquérito D2-158)

Nessas ocorrências apresentadas, percebe-se claramente o objetivo de nomear


algo abstrato por meio de uma denominação figurativa, concreta. Mais uma vez
remetemos à característica da língua falada de buscar no léxico formas mais concretas
de fazer a referenciação6 ao mundo. Em (51), “quebra-galho” é o nome que o falante
encontra para nomear uma ideologia, que é caracterizada pelo improviso. Já em (52) e
(53)7, os substantivos compostos formados pela repetição de duas formas verbais
denominam ações. No primeiro caso, a ação do ônibus de parar de ponto em ponto para
os passageiros subirem; e, no segundo, o estilo de vida em que não se tem tempo para
descansar.
A composição também pode ser uma ferramenta para nomear objetos concretos,
como em:

(52) [...] uma coisa por exemplo que me chamou atenção são... na Suécia os sanduíches [...]
essas entradas são é uma coisa assim de chama-à-mesa uma variedade enorme de de
sanduíches ou canapés [...] (NURC/RJ, inquérito DID-253)

(53) [...] uma vez saí de casa e fui morar em apartamento meu... aluguei um apartamento...
pequeno sala-quarto conjugado... daquele que a gente abre a porta e vê a janela [...]
(NURC/RJ, inquérito DID-48)

Em (53), os sanduíches recebem um nome formado por um sintagma verbal,


“chama-à-mesa”. Esse nome remete ao efeito do alimento sobre as pessoas. É muito
comum encontrar palavras formadas pelo mesmo processo que (54), em que dois
lexemas distintos possuem semas compatíveis com a referência. Em vez de competirem
entre si, as duas palavras são justapostas, e assim formam uma definição mais precisa do
objeto. Dessa forma, “sala-quarto” é um cômodo que funciona, ao mesmo tempo, como
sala e como quarto. Pela mesma via caminharam vocábulos como “couve-flor” e
“cirurgião-dentista”, até serem difundidos e dicionarizados.
Uma outra finalidade em formar palavras por composição é a caracterização de
algo, como se percebe em:

6
O termo “referenciação” é abordado por MARCUSCHI, L. A. Atos de referenciação na interação face a
face. in. KOCH, I. e MORATO, E. (orgs.). Cadernos de Estudos Lingüísticos. Campinas, nº. 41, 2001.
7
Alves (1990) acrescenta casos como estes em um outro capítulo à parte da composição. A autora
denomina “reduplicação” os neologismos formados por duas bases iguais. Apesar de concordarmos que
se trate de uma repetição de bases, não vemos motivo para discriminar esse processo da neologia por
composição.
191

(54) [...] o pai da criança é um babaca-mor entendeu? eu chamo de babaca-mor porque


realmente é o... mas aquilo é doido de pedra entendeu? [...] (NURC/RJ, inquérito DID-97)

(55) [...] tinha um... um irmão que era muito amigo nosso... irmão Rui... muito boa-praça... hoje
em dia nem mais ele é irmão... quase todos eles que eram boas-praças hoje em dia não são
mais irmãos [...] (NURC/RJ, inquérito DID-115)

(56) Doc. hum hum... eh eh que tipo de filme você co/ você gosta de ver... você costuma ir
ver?
Loc. que eu gosto? eu gosto de filme romântico... água-com-açúcar (NURC/RJ,
inquérito DID-17)

Em (54), a formação “babaca-mor”8 possui a função de enfatizar o termo; trata-


se da mesma função expressiva já apresentada nos termos derivados. Já em (55) e (56),
a adjetivação do amigo e do filme é feita por modo metafórico. Esses exemplos ilustram
como os processos mentais da fala encontram mais facilmente palavras e expressões
figurativas em vez de temáticas.
A composição pode estabelecer relações entre os dois termos componentes,
como no fragmento a seguir:

(57) [...] e [o feirante] nem tem às vezes condições de cálculos e sobretaxas... lucro-benefício...
custo-benefício [...] (NURC/RJ, inquérito DID-253)

Construções como essa são muito comuns tanto na linguagem falada como na
escrita. O lado positivo é que se faz uma economia de estruturas sintáticas para formar
as relações de sentido entre os termos que formam a palavra composta.
Por fim, além de gerar novas palavras, a composição também é fecunda em
construir sintagmas. Uma ocorrência para ilustrar esse processo é de um bacharel
formado em Direito, mas que, conforme reitera no diálogo, não é militante da área em
que se formou:

(58) [...] se ele vem a ser despedido... de duas uma... ou o patrão... comprova... causa justa... que
é a situação prevista na Legislação do Trabalho [...] (NURC/SP, inquérito DID-250)

Nesse inquérito, em várias passagens o informante utiliza a composição


sintagmática “causa justa”. Como se sabe, a formação constante nos dicionários é “justa
causa”. A explicação dessa alteração pode ser a falta de familiaridade do informante
com o sintagma “justa causa”, ou a reprodução de um uso comum na época ou no meio
em que ele vivia, mas que não entrou nos dicionários.

8
Apesar de assemelhar-se a um sufixo, Houaiss (2007) esclarece que “mor” se trata de um elemento de
composição, uma vez que é constituído de radical.
192

Considerações finais

As análises deste estudo buscaram demonstrar quanto o processo de neologia é


comum na língua falada, pois permite que os usuários do idioma satisfaçam uma
necessidade imediata de construção de sentido. Essa função corrobora a importância do
contexto para os estudos das ocorrências, uma vez que geralmente os neologismos são
criados para uma situação de fala, e não raro são descartados logo em seguida.
Além de contribuir com os estudos do sistema linguístico, os trabalhos sobre a
neologia são uma ferramenta de conhecer o próprio ser humano, cuja tendência para a
inércia e o menor esforço é refletida pela acentuada polissemia que se percebe nas
palavras do dia-a-dia, possibilitando a memorização de um universo menor de palavras.
Essa atitude é o que permite ao homem viver num mundo tão veloz e exigente, e
demonstra a criatividade e o dinamismo do ser humano.

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HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Versão 2.0.


Objetiva, 2007.

MACAMBIRA, José Rebouças. Português estrutural. São Paulo: Pioneira, 1978.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 2ª


ed. São Paulo: Cortez, 2001.

MELLO, Gladstone. Ensaio da estilística da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Padrão,


1998.

RODRIGUES, Ângela, Cecília de Souza. Língua falada e língua escrita. In PRETI,


Dino (Org.). Análise de textos orais. 5ª ed. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 2001.
194

ANEXO

Normas para transcrição


Ocorrências Sinais Exemplificação*
Incompreensão de palavras ou () do nível de renda... ( )
segmentos nível de renda nominal...
Hipótese do que se ouviu (hipótese) (estou) meio preocupado (com o gravador)
Truncamento (havendo homografia, / e comé/ e reinicia
usa-se acento indicativo da tônica
e/ou timbre)
Entoação enfática maiúscula porque as pessoas reTÊM moeda
Prolongamento de vogal e consoante :: podendo ao emprestarem os... éh::: ...o dinheiro
(como s, r) aumentar para ::::
ou mais
Silabação - por motivo tran-sa-ção
Interrogação ? eo Banco... Central... certo?
Qualquer pausa ... são três motivos... ou três razões... que
fazem com que se retenha moeda... existe
uma... retenção
Comentários descritivos do ((minúsculas)) ((tossiu))
transcritor
Comentários que quebram a -- -- ... a demanda de moeda -- vamos dar essa
seqüência temática da exposição; notação -- demanda de moeda por motivo
desvio temático
Superposição, simultaneidade de { ligando as linhas A. na { casa da sua irmã
vozes B. sexta-feira?
A. fizeram { lá...
B. cozinharam lá?
Indicação de que a fala foi tomada (...) (...) nós vimos que existem...
ou interrompida em determinado
ponto. Não no seu início, por
exemplo.
Citações literais ou leituras de "" Pedro Lima... ah escreve na ocasião... "O
textos, durante a gravação cinema falado em língua estrangeira não
precisa de nenhuma baRREIra entre
nós"....
* Exemplos retirados dos inquéritos NURC/SP n. 338 EF e 331 D2.

Observações
1. Iniciais maiúsculas: só para nomes próprios ou para siglas (USP etc.)
2. Fáticos: ah, éh, eh, ahn, ehn, uhn, ta (não por está: tá? você está brava?)
3. Nomes de obras ou nomes comuns estrangeiros são grifados.
4. Números: por extenso.
5. Não se indica o ponto de exclamação (frase exclamativa).
6. Não se anota o cadenciamento da frase.
7. Podem-se combinar sinais. Por exemplo: oh:::... (alongamento e pausa).
8. Não se utilizam sinais de pausa, típicos da língua escrita, como ponto-e-vírgula, ponto final, dois
pontos, vírgula. As reticências marcam qualquer tipo de pausa, conforme referido na Introdução.

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