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Política 3

Complemento à edição de Passos n. 121/Novembro 2010

Fundamentalismo e laicismo

Por Francisco Borba Ribeiro Neto

Fundamentalismo é o uso de princípios para eliminar a argumentação racional e


a reflexão. Ele se manifesta principalmente quando um grupo, perdendo a
capacidade de compreender e interagir racionalmente com a realidade, utiliza o
argumento principialista para desqualificar o outro ou para não ser obrigado a
aceitar os acontecimentos. O que caracteriza o fundamentalismo, portanto, não é
recorrer aos fundamentos (isto é o que todos deveriam fazer num debate sério:
buscar nos fundamentos da reflexão os argumentos a serem utilizados), mas sim
não conseguir relacionar os fundamentos com a realidade presente.
Bento XVI, em seu célebre discurso na Universidade de Regensburg
(12/09/2006) mostrou que o fundamentalismo está associado à ausência de uma
reflexão racional a partir da fé e que ele, frequentemente, se torna violento para
com o diferente. Normalmente, ele é associado a posições religiosas e a falta de in-
formação e instrução, mas sua realidade social é muito mais complexa...
O fundamentalismo normalmente floresce entre grupos sociais que se encontram
em uma situação social subalterna, não conseguindo explicar seus valores
tradicionais no contexto em que vivem. Os imigrantes pobres que chegam à
periferia da grande cidade, por exemplo, se deparam com uma sociedade com
valores muito diferentes dos seus. A solidariedade, a autoridade dos mais velhos e
da tradição, a dignidade pessoal e a justiça, tudo lhes aparece agora de outra
forma – quando não parece ter desaparecido total-mente. Mas aqueles que
demonstram até desprezo pelos seus valores morais e por seu modo de ser são
patrões, doutores e outras pessoas importantes na sociedade na qual chegaram.
Como dizer a essas pessoas, que “falam difícil” e tem o poder, que seus valores
estão errados, que os valores vividos pelos pobres do interior eram mais humanos?
O fundamentalismo nasce de situações como esta.
As pessoas que adotam uma postura fundamentalista nem sempre são pobres
ou sem instrução. Porém, sempre enfrentam o problema de ter valores que não
conseguem explicar na realidade com a qual se defrontam. Assumem o discurso
fundamentalista para protegerem a si e aos valores que lhes são importantes.
A origem do fundamentalismo não é, portanto, um mero tradicionalismo. O
sincretismo religioso do povo brasileiro mostra bem isso. As pessoas, quando não
se sentem ameaçadas em seus valores, estão abertas ao novo e à integração
cultural. Normalmente, é o sentimento de ameaça frente a uma cultura hegemônica
que as fecha em si mesmas.
Contudo, nos tempos atuais, na sociedade dita pós-moderna, cresce um novo
fundamentalismo, um pouco diferente deste. É o fundamentalismo laicista, que se
propaga entre aqueles que propõem o discurso hegemônico e que procuram, com
este fundamentalismo, disfarçar os limites de sua ideologia. Este fundamentalismo
procura negar o direito de manifestação do discurso religioso. Não conseguindo
racionalmente justificar suas críticas à religião, acusa toda postura religiosa de
fundamentalista – mesmo quando ela não é. Com isto, procura eliminar o incomodo
realismo que nasce da postura religiosa e que o pensamento agnóstico não
consegue superar...
Este realismo se caracteriza por duas constatações que nos levam, se somos
coerentes, a sairmos de nosso comodismo. A primeira constatação é a de que,
diante de um problema, a atitude mais racional é a procurar a solução. Muitas
pessoas reconhecem a pergunta sobre o sentido da dor e da morte e a busca
incessante por um amor maior, capaz de resignificar toda a vida. Reconhecem a
dramaticidade daquela experiência elementar que está na base do senso religioso
do ser humano. Mas não querem reconhecer que, diante deste problema, a postura
mais racional e mais humana é partir em busca de uma solução, aceitar verificar a
hipótese apresentada por aqueles que testemunham ter encontrado a Deus, ao
amor sem limites e ao sentido da vida.
A outra constatação é de natureza política. O esquema de dominação na
sociedade pós-moderna se funda na ideia de que a pessoa pode fazer o que quiser
na vida privada, e será mais feliz quanto mais autonomia tiver aí, mas deve se
submeter ao senso comum, determinado por quem tem o poder, na vida pública.
Mas isto é um absurdo, porque (1) o que me torna feliz não é fazer qualquer coisa
na vida privada, mas sim fazer aquilo que me realiza; (2) não existe esta divisão
radical entre o público e o privado. Nossa privacidade está sendo permanentemente
invadida pelo espaço público através da mídia, da educação, dos padrões de
consumo, da organização do tempo, etc. Mas quem nos fala desta incômoda
relação entre o público e o privado? Quem nos diz que aquilo que fizermos em
nossa intimidade se refletirá na vida pública? A religião! Por isso, o discurso
religioso, por incrível que pareça, é o mais revolucionário e alternativo discurso da
sociedade pós-moderna – o único que nos obriga a questionar o poder, fazendo-nos
a pergunta: mas, afinal, o que nos realiza como ser humano?

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