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10/05/2019 Mino Carta é o Jesus Cristo do jornalismo - Jornal Opção

Mino Carta é o Jesus Cristo do jornalismo


08/04/2019 18:33  Por Euler de França Belém 

Romance anuncia que o editor de “CartaCapital” é o Senhor da Pureza e ajusta contas com a família de
Roberto Civita, que o demitiu da revista Veja

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Quem diz que o ego do jornalista e pintor Mino Carta, diretor de redação da revista “CartaCapital”, é
hipertrofiado não pode deixar de ser chamado de amante de redundâncias. Mino Carta se acha o mais puro dos
homens e, por extensão, o melhor jornalista do Brasil, quiçá do mundo — depois de Claudio Abramo, diria o

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ítalo-brasileiro. É o que sobressai do livro “O Castelo de Âmbar” (Record, 400 páginas). Estranhíssimo roman à
clef.

Sustentar que “O Castelo de Âmbar” é romance talvez seja mais uma gozação do seriíssimo Mino Carta.

“O Castelo de Âmbar” é o antiromance, não no sentido literário, ao modo de “Finnegans Wake”, de James
Joyce, ou “Aquela Confusão Louca na Via Merulana”, de Carlo Emilio Gadda, e sim no aspecto mais cru: não há
literatura nenhuma no livro — só fatos, cozidos, é verdade, como quer a malícia do autor. Mas o jornalismo
literário de Mino Carta é passional: apresenta a sua versão com ênfase e a dos outros, os “inimigos”, em espaço
mínimo. O romance seria literatura ou fuzilaria?

Se “O Castelo de Âmbar” é estranho, porque Mino Carta tenta transformar a realidade em ficção, para que se
torne ao olho do leitor ainda mais chocante, os resultados são pífios. Muita gente certamente vai buscar em
alguma reportagem ou resenha os nomes verdadeiros por trás dos personagens. Sobretudo jornalistas. O leitor
comum tende a se distanciar de uma obra que, tentando ser ficção, não é mais do que um retrato,
absolutamente ressentido e parcial, da realidade.

O que é ficção e o que é fato no livro de Mino Carta? Nada é ficção. Tudo é realidade. Este, o recado do autor.

Mino Carta diz que pediu demissão da revista “Veja”; não teria sido demitido | Foto: Reprodução

Teria sido mais adequado se, na capa, no lugar da palavrinha “romance”, a editora colocasse memórias. Mino
Carta quer evitar processos judiciais? Decerto não — tanto que é duríssimo com a família Civita, Victor, o capo
falecido, e, sobretudo, Roberto (que ele chama de Robert. O prenome de Mino Carta é, por sinal, Demetrio). O
livro, a rigor, é um ajuste de contas, pela enésima vez — não há uma entrevista na qual Mino Carta não fuzile
Roberto Civita, o “Nero” brasileiro, na acepção do editor da “CartaCapital” —, com os Civita, alguns militares e
Armando Falcão.

A respeito de Victor Civita, Mino Carta era até cordial, agora, o ataca duramente. Conta de sua sunga
minúscula, não apropriada para a idade, e, de leve, aponta uma “suspeita” de homossexualidade. Suspeita,
frise-se. Porque, segundo Mino Carta, o velho Victor era até indiscreto com as mulheres.

No Brasil, há a tendência de o jornalista, por saber escrever fluente e corretamente, julgar que deve ser escritor.
No caso de Mino Carta, como em outros, fica evidenciado que não basta escrever bem. É preciso ter
imaginação literária. As frases curtas lembram, ao longe, a prosa do americano Ernest Hemingway, que
aprendeu a escrever copiando manuais de redação de jornal e, segundo o crítico Edmund Wilson (“11 Ensaios”),
observando a literatura enxuta de Mark Twain. De perto, lembram mesmo jornalismo, especialmente o
jornalismo de revista, com um pé no fato e outro na opinião, esta, quase sempre, devorando aquele.

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Roberto Civita e Mino Carta: o segundo diz que o primeiro entregou sua cabeça para o governo militar,
mas é contestado e apontado como insubordinado e não cumpridor de acordos. Na foto, da esquerda para
a direita, aparecem Roberto Civita, o banqueiro Olavo Setúbal, Victor Civita e Mino Carta | Foto:
Reprodução

Os puxa-tudo — que adoram elogiar livros de coleguinhas — dizem que se trata de um grande romance, o que
é inteiramente falso, do começo ao fim. Como Mino Carta é diretor de redação de uma revista relevante, a
“CartaCapital, na certa ainda vai aparecer um crítico importante garantindo que o autor é um romancista de mão
cheia, o Balzac dos trópicos. Felizmente, até agora não apareceu. Roberto Schwarz, um crítico respeitável, teve
coragem de garantir que “Estorvo”, de Chico Buarque, é um grande romance. A crítica de Schwarz é de
primeira, e diz respeito a um livro inexistente. O livro de Chico Buarque, de terceira.

Há livros de memórias jornalísticas bem melhores do que “O Castelo de Âmbar”. O livro de Mino Carta perde,
por exemplo, para as memórias “Minha Razão de Viver”, de Samuel Wainer (o ghost-writer é Augusto Nunes), e
para a biografia “Chatô — o Rei do Brasil”, de Fernando Morais.

Samuel Wainer não se mostra apenas como um grande homem — o responsável pela volta do “velhinho”
Getúlio Vargas à política; admite que, para fazer jornal, é preciso uma gota (em alguns casos, um oceano) de
cafajestismo e oportunismo.

Fernando Morais poderia ter transformado o empresário e jornalista Assis Chateaubriand, o Chatô, num anjo ou
demônio. Mas soube escapar ao maniqueísmo, do qual não podemos fugir sempre, e trouxe à luz um Chatô
multifacetado: anjo (quando construiu o Masp) e demônio (ao lidar com a vida em geral). As contradições de
Chatô foram captadas com mestria. Estão todas, ou quase, no livro editado pela Companhia das Letras. Faço
um reparo: o nosso Cidadão Kane (Roberto Marinho era mais fleumático, mas não tinha o tutano de Chatô.
Cadê o Masp do homem que construiu o império Globo?) merece uma biografia decente (a escrita por Pedro
Bial, jornalista da TV Globo, é mera hagiografia), mas Getúlio Vargas, muito mais complexo, e absolutamente
mal explicado pelos historiadores, merece uma biografia tão séria e bem escrita quanto a do velho escroque.
Getúlio está à espera de um biógrafo decente, como Fernando Morais (quando não está apaixonado por Fidel
Castro). O jornalista Lira Neto¹, depois de ter escrito excelentes biografia do presidente Castello Branco, do
escritor José Alencar e do Padre Cícero, vai publicar a biografia de Getúlio Vargas, em três volumes, pela
Companhia das Letras. O primeiro volume da trilogia sai em 2012.

Enquanto o crítico mais famoso não aparece, os epígonos se põem em evidência com elogios ao Mestre, o
homem perfeito. Pena que não tenha sido descoberto pelas religiões (exceto a petista): Mino Carta é o Jesus
Cristo da imprensa brasileira. A vestal da hora. Sim, acredite! Nirlando Beirão, na revista “Bravo!” (cada dia mais
bonitinha mas, em conteúdo, ordinária), escreveu que Mino Carta é “O último iluminista”. Não é só o fim da
picada — é o fim do mundo. Os “ossos” de Diderot e Voltaire, e talvez os de Rousseau, tentaram sair da tumba
para surrar, pelas beiradas, o jornalista Nirlando. Isaiah Berlin, o filósofo, convenceu-os, os “ossos”, de que era
uma tarefa bastarda e inglória.
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Nirlando Beirão certamente nunca leu Balzac, e não apenas o de “Ilusões Perdidas”, ou não sabe o valor de sua
obra, pois escreve: “Em Mino Carta, como em Honoré de Balzac, a ficção é o melhor espelho real”. A frase feita,
de efeito, nada diz sobre o autor de “O Castelo de Âmbar”, que, claro, não é o nosso Balzac. Não temos um
Balzac. O excelente memorialista Pedro Nava aproxima-se mais de Proust, inclusive na precisão estilística e na
“imprecisão” histórica, ainda que se aproxime de Balzac.

“O Castelo de Âmbar” não é, claro, um livro péssimo, descartável. Mas não é a nona maravilha da literatura
internacional, como o quer Nirlando Beirão. É ideal para jornalistas, sobretudo para aqueles que se interessam
por fofocas sobre jornalistas e, às vezes, políticos. Como não é um romance, o leitor pode abrir em qualquer
“capítulo”, que funciona como peça independente, e esquecer os outros. Há pouco nexo entre as “partes”. Em
Julio Cortázar, que poderia ser citado para efeito de comparação, há sempre “sentido” quando se junta as
partes. Porque Cortázar faz literatura, não memórias disfarçadas.

Cabeça de Mino foi um presente de Civita a Falcão

Roberto Civita, Victor Civita e o banqueiro Olavo Setúbal | Foto: Reprodução

Mino Carta é um jornalista de mérito. Fez as revistas “Quatro Rodas” — embora nunca tenha dirigido um veículo
—, “Veja”, “IstoÉ”, “CartaCapital” e o jornal “República” (seu único e rotundo fracasso).

O “capítulo” “Um conto, apenas”, em 44 páginas, registra os conflitos de Mino Carta com a família, de quem se
tornou inimigo figadal, perdoando tão-somente Silvana (mulher de Victor Civita, o chefão já falecido) e Richard,
este pela franqueza (e talvez por não ter a mesma importância de Roberto Civita).

Em janeiro de 1974, Mino carta era um prestigiado diretor de redação, um jornalista que falava com ministros,
generais e empresários com facilidade. Ganhava um salário excelente, tinha motorista particular, viajava para o
exterior com frequência (por conta da Editora Abril). Ao aceitar dirigir a revista “Veja”, deixando o “Jornal da
Tarde” (espécie de “JB” de São Paulo, em termos de inventividade jornalística. Hoje, o “JT” é um jornal de
segunda categoria, como o “JB”), Mino Carta assinou um protocolo com os Civita. “No dia-a-dia, os Civita não
teriam interferências e só poderiam discutir cada edição depois de publicada.” Um caso raríssimo de controle de
uma redação pelo editor, o que, hoje, não parece ser mais possível, pois jornalismo não tem mais nenhuma aura
romântica — é negócio, como qualquer outro.

Italiano, Victor Civita quis se enturmar com a elite paulista e pediu a Mino Carta que convidasse Ruy Mesquita,
do “Jornal da Tarde”-“Estadão”, para um jantar. Ao final, depois de provar várias bebidas servidas pelos novos
ricos (ainda que endividados), Ruy Mesquita saiu xingando. “Filhos da puta, americanófilos até a medula,
qualquer um sabe, e ficam aí louvando um papa comunista por puro modismo.” Os Civita elogiaram o papa João
XXIII — que, como se sabe fora da família Mesquita, nada tinha de comunista. Adolpho Bloch era mais

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