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1.

A MÚSICA CRISTÃ

“Uma das condições fundamentais da música na


liturgia é a sua utilidade ou sujeição ao serviço
do culto divino”

1.1. INTRODUÇÃO.
Começaremos pelos cantos cristãos que nos foram transmitidos pelos
documentos e pela tradição, ou seja, os cantos bizantinos e romanos. A
maioria deles não devem ser considerados como expressões artísticas
embasadas de caráter religioso, mas como elementos musicais a serviço da
liturgia. Dessa forma, a história e a estética devem distinguir o belo do prático
e meditar sobre a forma com que surgiram as melodias na alma dos fiéis.
A palavra liturgia deriva do grego leitos ou letos (público) e ergon
(trabalho, função), tendo diversas concepções de uso. Entre os atenienses,
designava todo o serviço público, civil ou militar; para os cristãos gregos, era
sinônimo de Missa, o mais importante dos ofícios celebrados em público;
entre os romanos, abarcava todos os atos do culto: Missas, Ofícios,
Sacramentos, etc., e todo o cerimonial, desde os cantos e as orações rezadas,
às cores dos paramentos que variavam segundo os dias e as funções. Também
se definiu liturgia como a fórmula de nossas relações com Deus. O canto
também participava como um elemento presente na liturgia aliado à palavra
para expressar os sentimentos e ele var a alma, ou seja, a expressão de
sentimento religioso através do canto e da oração. Não se concebia na liturgia
a música como forma de atitude estética Neste aspecto, a arte musical
conjugada à oração entra plenamente na História da Música. 1
Tal como acontece com as diversas formas da cultura ocidental, a Grécia
foi o ponto de partida, tendo Roma como depositária da cultura grega e
responsável pelos contatos com o restante dos povos da Europa,
principalmente, após ao domínio romano no mundo grego por vol ta de 146
a.C. A partir daí, as artes e as letras começaram a florescer em Roma através
dos gregos, que transmitiram ao mundo ocidental o pensamento e as atitudes
estéticas desta civilização dominada, sobretudo, no campo da filosofia, das
artes, da literatura e da política.
Com relação à música, as referências que nos chegaram são
exclusivamente teóricas, baseadas em descrições da prática musical grega.
Destacamos como fonte de informação, a Ilíada e a Odisséia de Homero, que
menciona hinos a Apolo, coros femininos que choraram a morte de Heitor e a
utilização pelos poetas-músicos de pelo menos dois instrumentos: a lira,
protótipo dos instrumentos de corda e o aulos, igualmente dos de sopro. 2
Roma não demonstrou autonomia artística com relação à inf luência
musical grega, no entanto, destaca -se a importância da música,
desempenhando papel relevante no culto, na sociedade, nos banquetes e nas
campanhas militares.
Na época do Império Romano, existia uma música expressamente
dedicada ao entretenimento, sobretudo nas exibições de luta e nos

1
Cf. DELLA-CORTE, A. e PANNAIN, G. História De La Música. Barcelona, Editorial Labor, 1965.
2
Cf. História da Música Clássica (Fascículo 1). Madrid, Ediciones del Prado, 1995.
espetáculos nos anfiteatros. Sêneca refere-se a coros com muitas vozes
acompanhadas com instrumentos de metal. Também as vozes eram
combinadas com o órgão hidráulico , criado no século III a. C., por Ktesibios,
um engenheiro de Alexandria. 3

1.2. Liturgia Bizantina.

Bizâncio se converteu em um centro cultural motivado por alguns


fatores, tais como, o fato de Constantino, o Grande ter transferido sua
residência, em 330, da Roma Antiga e pagã, para a Bizâncio cristã
(Constantinopla); também, desde que o cristianismo transformou -se, em 391,
em religião oficial do Estado e desde que Bizâncio conservou inalterado seu
posto de capital do Império Romano do Oriente depois da divisão do Império,
em 395, e a decadência do Império Romano do Ocidente em 476. Bizâncio deu
continuidade às antigas tradições, sobretudo no que diz respeito à música
eclesiástica, até a sua derrota para os turcos em 1453.
No Oriente, a prática eclesiástica caracteriza -se por ser multifacetada,
pois compreendia as igrejas dos países cristãos primitivos ( Palestina, Síria,
Grécia, etc.), cada uma delas com sua língua e liturgias próprias, tais como a
igreja bizantina, a ortodoxa grega , a ortodoxa russa , a etíope, a copta (cristã-
egípcia). A separação entre a Igreja O cidental e Oriental se consumou em
1504.
A música eclesiástica bizantina se remonta às tradições do cantos
grego, sírio e sinagogal, este último através do canto hebreu. 4
1.2.1. Cronologia Histórica. dos cantos cristãos. (Séc. I ao VII)

Século I

- Vagas indicações de cantos e hinos em diversas formas e ritmo diferente.


- Execução solista ou coral durante as cerimônias religiosas.
- Confirmação do uso do canto alternado ( antifônico, coro contra coro), em
carta de Plínio, o Jovem ao imperador Trajano.

Séculos II e Século III

- Alguns hinos e salmos davídicos destinados às comunidades cristãs ou


heréticas, mencionam às vezes os nomes dos autores: Justino Mártir,
falecido em Roma, em 170; Clemente de Alexandria , nascido na Palestina,
mas viveu no Ocidente. Parece ser o primeiro poeta cristão latino;
Bardesane, herético sírio que escreveu 150 cânticos, divulgando a hinodia.
- Nos fins do século III, descobre -se um papiro com a anotação de um hino, o
Oxyrhynchos, considerado o mais antigo dos hinos cristãos que se conhece.

Século IV

- Decadência das tradições que Roma havia tomado da Grécia.


- Elevação da música que expressava o sentimento religioso.

3
Cf. MICHELS, Ulrich. Atlas de Música. Madrid, Alianza Editorial, 1989, p.179.
4
Id. ibid.p.183
- São Gregório Nacianceno (330 - 390), teólogo e poeta.
- São Efrén (306 - 373), padre, músico e poeta, que produziu hinos com
estribilhos para coros antifônicos .
- O canto antifônico deixou de limitar-se à declamação, desenvolvendo
melodia. Esta forma se difundiu primeiro na Síria e Palestina, logo se
estendendo por todo o mundo cristão. Foi aceita em Constantinopla com a
ajuda de São João Crisóstomo e em Roma pela vontade do papa Dámaso (366
- 384). Santo Ambrósio a divulgou em Milão.

Séculos V e Século VI

- Desenvolvimento dos novos cantos, apesar da restrição feita a eles pelos


severos cristãos, que os achavam pérfidos e corruptos.

Séculos VII e VIII

- León Isáurico proclama a iconoclastia .


- Desaparecem textos da hinografia bizantina nas ruínas das igrejas, escolas e
bibliotecas.
- A reação seguinte a este período, fomentou um despertar tanto da
consciência religiosa, como das artes inspiradas no sentimento místico.
- Com o final da opressão dos iconoclastas, aumentou rapidamente a atividade
artística.
- Durante o milênio, aonteceram as novidades e evoluções com respeito à
prática musical. Porém, no sé culo X, inicia a decadência do conteúdo poético
musical. O império caminha para o fim e a ruína, acontecida em 1453. O
Estado e a cultura quedavam -se à invasão dos turcos e a expansão do
Império Otomano.

1.3. Música Bizantina.

1.3.1. Fontes:

 Manuscritos antológico s de hinos eclesiásticos.


 Preces do ordinário litúrgico.
 Tratados de teoria e notação musical. ( Crisante di Madito).
 Descrições de cerimônias profanas e sagradas, acompanhadas
com hinos, cantos e instrumentos.
1.3.2. Teoria Musical Bizantina.

 A oitava se dividia em 68 partes (ou graus) desiguais.


 Não praticava a harmonia.
 Mais um “deslizamento” que uma distância entre os sons.
 Quando associada a um texto, mantinha o ritmo poético.
1.3.3. Sistema Musical.

 Modal: OCTOICHOS. Ichos (Modos), Octo (Oito).


 Quatro modos eram agudos (dórico, frígio, lídio, mixolídio ).
 Quatro modos eram plagais (hipodórico, hipofrígio, hipolídio,
hipomixolídio).
 Melodia ascendente, utilizava -se os modos agudos.
 Melodia descendente, utilizava -se os modos plagais.

1.3.4. Prática Musical.

 Antifônica : dois coros alternados.

1.3.5. Cenóbios.

 Classe de religiosos e teóricos que cuidavam do scriptorium:


escola de redação e transcrição dos livros das pregações
cantadas, bem como, do ensino do canto.

1.3.6. Formas de Canto.

 O Tropario: desenvolveu -se no século V; entre os versículos dos


Salmos bíblicos interpolavam -se os tropos na qualidade de
versos de composições novas, sensíveis e na forma de canções
(tropos). A partir daí, receberam o nome de tropário as
canções eclesiásticas independentes.
 O Kontakion: uma configuração multiestrófica, composta e
cantada por Sofronio de Jerusalém, Sérgio de Bizâncio e São
Romão da Síria, no século VI (baseado no modelo de São Efrém,
no século IV).
 O Canon: originou -se entre os séculos VII e IX. Cantos baseados
em passagens bíblicas, que desempenharam papel importante
na liturgia ocidental. A cada trecho seguem várias estrofes
adicionais cantadas sobre a melodia dos tropos. Os poetas mais
importantes autores de cânones foram Andreas de Creta († por
volta de 740) e Juan Damasceno († por volta de 750).

1.3.7. Notação.

 notação mnemônica , onde os cantos são perpetuados através


da tradição oral. Posteriormente, desenvolveu -se a notação
neumática baseadas nos neumas bizantinos para os cantos e
signos ekfonéticos para as letras. Essa notação não codificava
as alturas fixas dos sons, os intervalos, ritmos nem formas de
execução.

1.3.8. Música na Sociedade Bizantina.

Da mesma maneira que a música eclesiástica, a música profana do


império bizantino estava diretamente relacionada a estritas cerimônias. Não
se conservam documentos que possam indicar isso, mas é aceito pela
musicologia que a prática musical bizantina era similar à prática da música
eclesiástica, porque se utilizava o mesmo sistema musical, os mesmos ritmos e
as mesmas formas de execução. Temos notícias de coros alternados
(antifonia), de cantos com acompanhamento instrumental, com a presença do
órgão, um instrumento historicamente profano. 5

1.4. Música da Igreja Cristã Primitiva. (Sec. I - IV).

O ponto de partida estava ligado às novas comunidades cristãs,


sobretudo em Antioquia, centro da Missão de São Paulo. Durante os três
primeiros séculos da Era Cristã, o cristianismo era prática religiosa proibida na
Antiguidade. Só em 330, o Edito de Milão assegurou aos cristãos o livre
exercício de sua religião. Entre as origens da música eclesiástica cristã,
destaca-se:

 a música da sinagoga judaica , sobretudo a tradição dos cantos dos


Salmos do Antigo Testamento.
 música da Antiguidade Clássica, sobretudo o âmbito cultural helênico
do Mediterrâneo. 6

Para citarmos a confluência dos diferentes gostos musicais, basta


darmos uma olhada nos distintos povos que constituíam a Antiguidade. A
princípio, os gregos imprimiram seu selo em todo o mundo. Prov avelmente
existiam poucos gregos puros, pois desde o período helênico haviam se
mesclado com os asiáticos e outros povos. No tempo dos romanos, cruzavam-
se raças de toda a área mediterrânea. Com toda esta população ( Bizâncio
atingia um milhão de habitantes, mas também tínhamos hititas, iranianos,
eslavos, armênios, sírios, hebreus, etc.), naturalmente evidenciava -se a
mesclagem também no âmbito dos ritos eclesiásticos e nas línguas faladas. A
igreja romana começou usando o grego e o latim, posteriormente o latim
como língua dominante. As igrejas orientais usavam o grego, sírio, caldeu,
armênio, etíope, etc.
É certo que a Igreja Cristã recolheu da sinagoga o patrimônio bíblico e
continuou utilizando -o durante muito tempo. Ao me smo tempo, as melopéias
(declamações cantadas de passagens bíblicas) de procedência hebraica
sofreram influências análogas. A origem dos cantos nas igrejas orientais, ou
seja, os primitivos cantos cristãos, partiu das melopéias de Israel transmitidas
pelos hebreus convertidos ao cristianismo, somando-se a influências
helênicas e orientais. Passou à Síria o costume hebraico do canto antifônico,
onde se alternavam dois coros. Ignácio, bispo de Antioquia, introduziu este
costume nas igrejas orientais.
Os instrumentos estavam proibidos nos serviços religiosos. Estavam
vinculados ao culto pagão e poderiam distrair os fiéis da Palavra proclamada.
Na vida social se podiam cantar canções sacras com acompanhamento
instrumental. Conserva -se um fragmento grego do século III,encontrado no
Egito, de uma canção Oxirincos.

5
Cf. DELLA-CORTE, A. PANNAIN, G. Op. cit. p.26; MICHELS, Ulrich. Op. cit. p.183
6
Cf. MICHELS, Ulrich. Op. cit. p.181.
1.5. Música Cristã.

1.5.1. Fontes.

 Antigo Testamento
 Novo Testamento.
 Evangelhos.
 Obra de teóricos da Igreja.
 Textos dos sermões e hinos.

1.5.2. Prática Musical.

 Solista: a cargo do celebrante ou de um cantor escolhido.


 Responsorial: a cargo de um cantor ( Præcentor) e a Schola
(fiéis ordenados).
 Antifônico: canto em que se alternam dois coros, a Schola e o
povo. Foi introduzido no século IV por Santo Ambrósio, na
igreja lombarda (Milão).

1.5.3. Teoria Musical.

 Oito modos, quatro autênticos e quatro plagais.

1.5.4. Notação Musical.

 Quironômica: representada graficamente nos livros


reproduzindo os movimentos da mão do maestro de coro.
Reproduzia o gesto que indicava o ascenso ou o descenso da
melodia, bem como a ondulação da frase melódica.
 Posteriormente, notação alfabética , com as letras do alfabeto
representando os sons e a distância relativa entre eles.
 Notação Neumática (séc. VII - X): pontos ou signos ( neumas)
colocados por cima ou por baixo de uma linha imaginária, para
indicar a ondulação ascendente ou descendente da melopéia.
 Finalmente, traçou -se uma linha e juntou -se uma clave (C
correspondendo ao dó, ou F correspondendo ao fá). Todos os
neumas que se encontrassem naquela linha seriam do ou fa,
conforme a clave.
 Depois de vários séculos de prática musical, foram
acrescentando uma 2ª linha, uma 3ª, e finalmente as quatro
linhas de modo a codificar a altura musical e as relações
intervalares (notação diastemática).

1.5.5. Tipo de execução do canto cristão primitivo.

 A existência do canto alternado está demonstrada desde muito


antes. O termo grego que caracteriza esta forma é antifonal, ou
antifônico (literalmente, “contravoz”), e em latim, responsorial
(“respondendo”). O termo antifonal acabou por representar a
alternância de dois coros, e responsorial, do coro e um solista.

1.5.6. Formas do canto litúrgico.

 Salmo: poema desenvolvido em versículos de duração variável


e sem sujeição métrica. Cada salmo é precedido de uma
antífona, sendo esta um dos versículos que melhor sintetiza os
conceitos do salmo. A antífona é uma frase melódica livre no
tom do salmo. O salmo é entoado pelo Præcentor (cantor) e é
seguido alternativamente pela Schola e o povo. São nove
fórmulas sobre os quais se cantam os salmos, sendo oito
correspondentes aos oito modos citados anteriormente e outra,
a um modo denominado de “peregrino” que possuíam duas
dominantes.

 Hino: Poema constituído por numerosas estrofes com mesma


métrica. A melodia é repetida em toda a hinodia, e cantam
alternadamente a Schola e o povo ou os dois coros da Schola se
o povo falta ao ofício.

1.5.7. Livros da Igreja.

 O Missal: contém as orações, as lições e os cantos entoados


pelo celebrante e por outros ministros durante a Missa.
 O Gradual: contém os cantos confiados à Schola e ao povo
durante a Missa.
 O Antifonário: contém os cantos da Schola e do povo durante
os demais ofícios.

1.6. Canto Gregoriano.

O canto litúrgico, homófono e em latim da Igreja Católica, que se segue


praticando até os dias de hoje, também se denomina canto gregoriano em
razão do Papa Gregório I (590-604) (São Gregório Magno).
A partir do século IV, com o fortalecimento e rápida expansão do
cristianismo, se desenvolveram bispados e conventos relativamente
independentes de Roma. Existiam assim, nos tempos do Papa Gregório,
diferentes liturgias e modos de canto, como a romana, a milanesa
(ambrosiana), a moçárabe (espanhola), a galicana (na Gália), a irlando-
britânica (céltica), a sangallesa (em Sain-Gall), e no Oriente, a bizantina, a
síria, a copta, etc. No Ocidente, o bispo de Roma, em seu caráter de pontifex
maximas, reclamava da condução do canto cristão. Em fins do século VI, o
Papa Gregório I, levou a cabo uma reforma da litu rgia romana, compilando os
cantos empregados nas diversas liturgias cristãs, buscando a unificação da
liturgia sob a condução de Roma. Tendo reformado e codificado o canto
cristão, Gregório I confiou aos beneditinos, o dever de ensinar e mantê -lo
autêntico, reestruturando para isto a Schola Cantorum (“escola de cantores”),
um coro especial que instruía os novos cantores. A Schola Cantorum forneceu
tutores a toda a Europa, cujo dever era cuidar não só de manter o elevado
padrão de execução, mas também de ass egurar que só fosse cantado o canto
reformado e não as músicas tradicionais locais ou variantes da nova música. A
autenticidade longe de Roma, porém, durava enquanto permaneciam claras na
memória as lições obtidas em Roma, pois a vagueza das notações media nte
neumas significava que a música não podia ser escrita com suficiente clareza
para ser mantida com rigor, e a música memorizada é freqüentemente
modificada pelos gostos e pelas tradições de cantores individuais. A época
carolíngia favoreceu a expansão da liturgia, após a criação de um poder
central na Europa por Carlos Magno. O governo do Sacro Império Romano,
embora sempre um mito conveniente, meio político meio religioso, dava
ênfase à posição central do papado e assuntos romanos na vida religiosa
européia. Apesar disso, continuaram a existir os desvios locais quanto ao
ritual romano, e alguns deles diferiam consideravelmente, como o rito
ambrosiano, em Milão. 7
Na Inglaterra, os anglo-saxões haviam proibido a igreja cristã. O
Cristianismo resistia entre os bretões do País de Gales e ao norte, entre os
escoceses, porém sem manter relações com Roma, praticando uma liturgia
diferenciada. O Papa Gregório enviou monges com o intuito de revitalizar o
canto cristão no reino de Kent, estabelecendo também o cristianismo em
Canterbury, Londres e Rochester, nomeando bispos e erigindo mosteiros.
Posteriormente, o Papa Gregório enviou 601 monges com cópias dos livros
litúrgicos usados nas igrejas de Roma. 8
Dessa maneira a igreja romana inicia o processo de depuração do canto
litúrgico, enviando seus colaboradores da Schola Cantorum aos mais
diferentes centros litúrgicos em busca da unificação da prática do canto na
igreja cristã. Formam -se escolas de cópia d e manuscritos do repertório
litúrgico em diferentes épocas e lugares, destacando -se St. Gall, Metz,
Benevento, Aquitânia, etc.
Entre os tantos mosteiros, destacou -se também o de Saint-Gall devido
ao talento e trabalho de inúmeros eruditos, poetas e músicos , dentre eles,
Mauro, um dos fundadores, morto em 856; Iso de Turghau, monge e maestro
especializado no ensino do canto; Notker Balbulus e Tutilo de Saint -Gall, os
quais deram incremento as progressivas formas musicais.

1.6.1. A Seqüência e o Tropo.

Quando no p eríodo carolíngio se difundiu o canto romano como


patrimônio melódico sancionado pela igreja, o impulso da criação de obras
novas no campo da música eclesiástica, encontrou um plano apropriado na
seqüência e no tropo . Supõe-se inclusive, que este estrato p enetrou no
patrimônio musical profano. Os tropos e seqüências são considerados uma
ornamentação especial (nas festividades). São encontrados
predominantemente nas Missas. Ambos enriqueceram o canto litúrgico e
abriram novos caminhos para a música medieval, tanto profana como sacra.
Apesar de existirem ainda muitas dúvidas sobre as origens e transformações
que estas formas sofreram, bem como a participação que tiveram inúmeras

7
RAYNOR, Henry. História Social da Música. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1981.
8
BENNET, Roy. Uma Breve História da Música. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1986.
personalidades que estão historicamente ligadas a elas. Sabe -se com certeza
que Notker Balbulus e Tutilo de Saint -Gall trabalharam com tropos e
seqüências em seus centros religiosos.
O tropo é um complemento do canto, cuja forma não está fixada,
interpolando-se nele mesmo ou acrescentando -se como apêndice. Podemos
caracterizá-lo de acordo com seu uso no canto gregoriano:

 Uso de melismas no texto: um texto novo que se submete


silabicamente a um melisma preexistente no canto gregoriano. A
cada nota do melisma corresponde uma sílaba do novo texto.
 Texto novo com melodia nova: neste procedi mento ambos se guiam
por texto e melodia originais.
 Interpolação puramente melódica: interpola -se ao canto gregoriano,
com fins ornamentais, um melisma em determinada passagem.

A seqüência é um caso particular de tropo: a aplicação de um texto ao


prolongado melisma sobre a última sílaba do Aleluia, denominado Júbilus,
também chamado de seqüência ou longüíssima melodia . O Júbilus ou
Seqüência era comumente usado durante a Missa, na repetição do Aleluia,
depois dos versículos dos Salmos (Aleluia-Versículo-Aleluia), e antes do
Evangelho. 9
Na época primitiva da seqüência, existe o conhecido informe de Notker
Balbulus de Saint-Gall (†912): Notker confirma a dificuldade de aprender de
memória os extensos Júbilus melismáticos (sem textos). Um fugitivo do
convento de Rouen, destruído pelos normandos em 851, afirmou ver Júbilus
com textos (denominados prosa), razão pela qual ele mesmo compôs textos
para os melismas do Aleluia. De ajuda para memória, estes textos se
converteram em uma forma poética, portanto musical, independente, própria.
No âmbito da música profana, o lai e a estampida instrumental
possuíam a mesma estrutura da seqüência, como veremos mais adiante.
Na história da seqüência se distinguem três épocas:

 A Seqüência Clássica, por volta de 850-1050, especialmente em Saint-


Gall e no convento de São Martial de Limoges (repertório franco -
oriental e ocidental). Seus representantes mais célebres foram,
Notker, Ekhehart I (†973) de Saint-Gall, Hermanus Contractus
(†1054), Wipo De Borgonha (†1050).

 A Seqüência Rimada , do século XII, com melodias próprias e sem


relação com o Aleluia. O representante mais importante deste gênero
foi o agostinho Adam de St. Victor, de Paris (†1177).

 A Seqüência Estrófica, do século XIII, uma evolução da seqüência


rimada. Existiram durante a Idade Média, ocupando grande espaço na
liturgia, atingindo o número de 5.000. Os mais importantes
representantes foram, Tomás de Celano († 1256) e São Tomás de

9
MICHELS, Ulrich. Op. cit. p.191.
Aquino (†1274). O Concílio de Trento, no século XVI, limitou o seu
número na liturgia oficial romana da missa, a 4:

 Victinae paschali laudes , de Wipo De Borgonha, para a Páscoa.


 Veni sancte spiritus , de Stephan Langton (Canterbury, †1228),
para Pentecostes.
 Lauda sion, de São Tomás de Aquino, para Corpus Christi .
 Dies Irae, de Tomás de Celano, para o Réquiem.

Posteriormente (1727) uma outra seqüência foi usada:

 - Stabat Mater, de São Boaventura (?) para as Sete Dores de


Maria.

1.7. O Drama Litúrgico.

1.7.1. Origem

A partir dos tropos se desenvolveram diálogos cantados, onde


imediatamente se incorporaram as ações dramáticas. Nasceram então as
pequenas representações sacras independentes, como por exemplo, A
Representação de Daniel, e mais tarde, Os Mistérios, os quais também se
representavam fora da liturgia da Igreja.
O Drama Litúrgico são composições literárias e musicais baseadas em
argumentos e inspirações religiosas que se desenvolveram primeiro, a serviço
da liturgia e depois, alcançando independência. São derivados das tragédias
gregas ao culto de Dionísio e das tragédias inspiradas no martírio do rei
Hussein. Participa do drama litúrgico, elementos do teatro identificados no
literário, na forma dialogada dos responsórios; o musical, nos cantos
litúrgicos; o mímico, no gestual e simbolismo da cerimônia; e o cênico, nos
aparatos e na dramatização da liturgia.

1.7.2. Evolução Histórica do Teatro Religioso.

 O Drama Litúrgico: representado junto ao altar da nave, em catedrais


e mosteiros, por sacerdotes ou monges, durante os variados ofício s,
nos séculos X e XI e metade do século XII, com intercalações
francesas no texto latino.
 O Drama Semi -Litúrgico: séculos XII e XIII. Predominantemente em
francês e representados por sacerdotes e monges nos templos e
mosteiros (Na Itália, Laudes).
 Os Mistérios: produzidos desde o século XIV e representados por
senhores em praças, circos e hostilizados pela Igreja que já havia
deplorado a tendência profana do drama semi -litúrgico.
1.7.3. Elementos Constitutivos do Teatro Religioso.

 Representação dialogada de antífonas e responsórios que se


conservaram dos séculos VII e VIII. Já se esboçavam diálogos
literários e musicais.
 Drama Litúrgico : mosaico de hinos, seqüências e outras cantilenas
executadas em diversas comunidades religiosas.
2. A Idade Média: Polifonia Vocal. Origens; Formas Primitivas.

2.1. Introdução.

Por volta do século X, a fisionomia da sociedade européia modifica -se


progressivamente: o Ocidente organiza as suas estruturas feudais e divide -se
em vilas burguesas, em castelos e em conventos. O s castelos dos suseranos
são os centros do poder e da autoridade militar, que se estendem às regiões
vizinhas. Nesses tempos em que os nobres guerreiam permanentemente entre
si, os conventos são o refúgio da vida espiritual, mas até estes nem sempre
escapam às devastações que por vezes os arruínam. As vilas esboçam -se,
centros econômicos e sociais que prefiguram as grandes cidades futuras.
No que respeita à música, deu -se uma grande transformação desde o
tempo em que o gregoriano reinava sozinho sobre a Igreja e o povo. Num
movimento constante, lento, mas irreprimível, a música profana, invadiu a
Igreja, sendo em seguida rejeitada por esta, e assistimos à separação destes
gêneros por volta do século X. Doravante vai operar -se a associação da música
erudita e da música popular, ambas profanas. Quando qualquer delas tiver
adquirido força autônoma, separar -se-ão por sua vez.
Dissemos mais acima que o canto religioso não evolui; é exato. Teóricos,
copistas, professores, protegeram a cantilena litúrgica de qualque r agressão
exterior. Por outro lado, os compositores (o que, na Idade Média, significa os
“mestres de canto ”) pretenderam enriquecer o gregoriano, conferindo -lhe
maior variedade expressiva ou decorativa. Com a polifonia, vão adorná -lo de
vestes suntuosas. 10
Pelo que hoje sabemos da Idade Média, a música que se praticava
naquela altura era essencialmente monódica, ou seja, constituída por uma
única linha melódica, independente de serem vários seus intérpretes ou de ter
instrumentos que duplicassem as melodias vocais.
Mas já desde os finais do século VIII, se não antes, deve -se ter praticado
de algum modo a polifonia, isto é, de execução simultânea de duas ou mais
melodias diferentes. Os teóricos do século IX falam já, a princípio, a certas
passagens do canto gregoriano. Dessa maneira, dava -se realce a determinadas
solenidades litúrgicas.
Assim, nas origens da nossa cultura musical, a prática polifônica
consistia na execução de uma segunda voz, provavelmente improvisada, que
se cantava num registro mais agudo do que a melodia original, que era
cantada simultaneamente por baixo daquela. O trecho gregoriano que merecia
as honras deste acompanhamento polifônico era chamado, vox principalis,
enquanto a voz superior acompanhante era a vox organalis , visto que o nome

10
STEHMAN, Jacques. História da Música Européia. Lisboa, Livraria Bertrand, 1964, p.44
que se dava a este tipo de música era o de organum, nome inspirado na raiz
latina organicus, o que é composto por partes relacionadas.
Portanto, foi na Idade Média que se desenvolveu a polifonia nas escolas
de canto de algumas catedrais e conventos. Consti tuía-se de uma
ornamentação melódica cujos exemplos resultam de alguns tratados teóricos e
anotações soltas.
A vox organalis movia-se paralelamente à principal, mas já desde o
século XI os tratadistas de música dão notícia do movimento contrário, o que
enriquecia sem dúvida as possibilidades e tornava mais atraente o resultado
musical; assim nasceu o discantus. Todavia, ambas as vozes continuavam
submetidas ao critério de fazer corresponder cada nota da vox organalis a
outra da vox principalis, ou dito segu ndo a terminologia da época, ao
punctum contra punctum .
Foi ao longo do século XII que se produziu uma mudança que teria
grandes repercussões: a possibilidade de libertar a voz superior da tirania da
inferior, de maneira que aquela se pudesse desenvolver c om mais liberdade.
Tenha-se em devida consideração que o que era verdadeiramente importante
era a voz inferior, a vox principalis, procedente do repertório litúrgico,
enquanto que a voz superior era o adorno, o artifício, a renovação. No
momento que se produziu sua independência, assistimos àquilo a que Adolfo
Salazar chamava a transição do espírito de autoridade para o prazer do
descobrimento das possibilidades de invenção, de liberdade criadora.
Não é senão isso o organum melismático , no qual a voz organal se
manifesta por longos floreados melódicos compostos por muitas notas
(melismas), enquanto a voz principal avança lentamente, entoando sua
melodia à base de notas muito longas, que servem de suporte à expansão
lírica da melodia inventada. Por isso, à voz principal dá-se o nome de tenor,
porque sustenta a invenção melódica da vox organalis, a que também se
chama dupla.

2.2. Formas Polifônicas Primitivas.

Como antecedente da polifonia no mundo ocidental, conta -se com duas


obras teóricas de referência: o Musica Enchiriadis, um tratado do século IX e
durante muito tempo atribuído a Hucbald de Saint-Amand, do norte da
França, e hoje reconhecido como de Ogier de Laon; o outro, o Tratado de
Divisões Naturais de Jean Scot. Estas obras descrevem como primeira fonte, o
organum paralelo (quintas e quartas) ambos ligados a uma voz dada, vox
principalis (cantus firmus, a partir do século XIII). Ex.
Nos dois séculos seguintes, os compositores foram gradualmente dando
alguns passos no sentido de libertar a voz organal de seu papel de cópia fiel
da voz principal. Por volta do século XI, além do movimento paralelo , a voz
organal também usava o movimento contrário (divergente, elevando -se
quando a voz principal abaixava e vice -versa), o movimento oblíquo
(conservando -se fixa enquanto a voz principal movia-se) e o movimento direto
(seguindo a mesma direção da voz principal, mas separada desta não
exatamente pelos mesmos intervalos). Exemplo:
No “organum livre”, a polifonia é feita ainda ao estilo nota contra , mas
observe que, no exemplo mostrado acima, há ocasiões em que a voz organal
tem duas notas para cantar contra uma única da voz principal .
No começo do século XII, esse rigoroso estilo nota contra nota foi
inteiramente abandonado, substituído por outro em que a voz principal se
esticava por notas do canto com longos valores. A voz principal passou a ser
chamada de tenor (do latim tenere, manter, sustentar). Acima das notas do
tenor, longamente sustentadas, uma voz mais alta se movia livremente,
expressa por notas de menor valor que, com suavidade, se iam
desenvolvendo. Dá -se a um melodioso grupo de notas cantado numa única
sílaba o nome de melisma, daí esse tipo de organum ser conhecido como
“organum melismático”. Vejamos os exemplos abaixo:
2.3. Questionário II

a) Faça uma comparação entre a monodia gregoriana e as


primeiras formas polifônicas.
b) Que intervalos são mais comuns nos organa.
c) Procure identificar os movimentos das vozes dos organa.
d) Em que tipo de organum até agora descrito a voz organal se
movimenta mais livremente em relação à voz principal.

“ARS ANTIQUA”. A Polifonia Em Notre -Dame.

Nos finais do século XII e princípios do XIII, a polifonia floresceu de


modo singular em Notre-Dame de Paris, constituindo -se um dos primeiros
pontos culminantes da história da polifonia. Essa importância vem da escola
de cantores da Catedral de Notre -Dame, coincidindo cronologicamente com a
construção da Catedral, desde o ano de 1163, até meados do século XIII. Essa
música foi basicamente destinada ao serviço religioso. Na maioria são
compositores anônimos, porém são citados pelos teóricos os maestros Leonin,
que foi o primeiro mestre de coro da catedral, (até 1180) e Perotin (até 1200),
seu sucessor.
Leonin escreveu muitos organa com base em cantos apropriados às
festividades anuais da igreja, como a Páscoa e o Natal.
O organum em Notre-Dame não iria significar a polifonia em geral.
Apesar de servir -se de repertório gregoriano, já se torna uma elaboração
polifônica própria no que se diz respeito às partes solistas.
Os organa de Leonin estão escritos à duas vozes. Uma vez escolhida a
música apropriada - o Benedicamus Domino, por ex.-, o compositor
consideraria como tenor a parte que tivesse apenas uma ou duas nota s em
cada sílaba (be-ne-di-ca-mus), atribuindo -lhes valores extremamente longos
de fato, tão longos que é bem possível que os tenores de Notre-Dame fossem
auxiliados, ou mesmo substituídos, por instrumentos como o órgão ou os
sinos. Acima dessa linha, o co mpositor escreveria um solo (agora com o nome
de duplum, isto é, segunda parte), usando um tipo de notação mais rápida,
como antigos compositores faziam no organum melismático , mas com uma
diferença: nos organa de Notre-Dame, as partes mais altas estão mensuradas
(arranjadas em precisas unidades de tempo musical), com as vozes tecendo
frases parecidas com as de dança e baseadas em padrões rítmicos, todos de
três tempos. Essa técnica é denominada de isorritmia e se constitui em seis
modos rítmicos tomados da poesia latina.
Quando, entretanto, o compositor chegasse a um segmento do canto
original dotado de melisma (“Do.....mi-no”), ele poria o tenor também dentro
do mesmo ritmo, usando as notas desse segmento de canto, agora em
andamento mais rápido. Esse estilo de composição ficou conhecido com
descante e a parte do organum na qual isso ocorria foi chamada de clausula.
As notas do tenor nessas passagens geralmente eram construídas formando
desenhos rítmicos curtos que se repetiam por toda a clausula.
Perotin, que foi sucessor de Leonin na função de mestre-de-coro em
Notre-Dame, revisou grande número de organa anteriores, enriquecendo -os e
fazendo certos tipos de modificações a fim de torná -los estilisticamente ma is
modernos. A um organum duplum, por exemplo, ele poderia acrescentar uma
terceira (triplum) e até mesmo uma quarta voz ( quadruplum). Além disso,
compôs diversas clausulas para serem executadas com peças independentes.

2.4. “ARS ANTIQUA”..

O período “Ars Antiqua” marca como característica fundamental o


desenvolvimento das formas polifônicas entre 1240/1320. Essa denominação
surgiu em 1320 como conceito oposto à “Ars Nova”, sobretudo na obra teórica
de Jacobus de Lieja. É problemático para a musicologia delim itar o Ars
Antiqua da época de Notre-Dame, pois ambos cultivavam os mesmos gêneros.
Por outro lado, no século XII se desenvolveram intensamente o ritmo e a
notação, existindo muitos elementos em favor de uma vinculação do Ars
Antiqua com o surgimento da notação mensural e com o desenvolvimento dos
gêneros correspondentes, delimitando -a à época modal.

2.5. As Formas do Ars Antiqua.

- O organum da época de Notre-Dame (duplum, triplum, quadruplum )


continua em evidência, porém se estanca a criação de novas obras nesse
gênero.
- Desenvolvimento do Motete: consistia na aplicação de um texto (do
francês mot, palavra, ou motet, verso, estribilho) ao duplum, coincidindo
ritmicamente e estruturado na forma original dessa voz modal. Ao duplum
com aplicação de texto, den ominava-se motetus, e o gênero de composição,
motete. Trata-se de uma composição livre do gregoriano, totalmente nova,
sendo considerado o gênero principal do Ars Antiqua e o que possibilitou as
experiências e inovações.
- Hoquetus: a partir de 1200, na época de Notre-Dame se desenvolveu
nas vozes superiores dos organa, partes em que estas vozes apresentavam
alternâncias de pausas diacrônicas entre si, com mudanças rápidas, através de
nota contra nota. A partir do século XIII, o hoquetus se transformou em uma
técnica de composição musical.

2.6. Compositores do Ars Antiqua.

* Johannes de Garlandia (c. 1190-1272): Paris. Tratado “De


Mensurabili Musica”.
* Franco de Colonia (c. 1280) Tratado “Ars Cantus Mensurabilis” .
* Jerônimo de Moravia. Segunda metade do século XIII. Paris.
Compilou vários cantos com acréscimos.
* Anonymus 4. (Depois de 1272): Inglaterra . Tratado “De mensuris
et Discantus”.
* Adam de la Halle (c. 1237 - 1287 ou 1306): troveiro.
* Jehannot de L’Escurel (†1303): troveiro.
* Petrus de Cruce. Segunda metade do século XIII. Compositor.
3. “ARS NOVA”.

A época do “Ars Nova ” compreende aproximadamente o período entre


1330 e 1380 e é essencialmente francesa com o centro cultural sendo Paris.
Essa denominação remonta ao tratado de Philippe de Vitry, de 1322,
intitulado Ars Nova. Antes, Johannes de Muris, matemático e astrônomo de
Sorbonne, havia exposto o sistema mensural do Ars Nova em seu Notitia Artis
Musicale de 1321. As inovações do Ars Nova se concentraram sobretudo nos
seguintes terreno s:

* Motete (isoperiodicidade, isorritmia).


* Canção Polifônica
* Sistema Mensural
* Notação Mensural

O organum desapareceu e houve predomínio da música profana,


revelando a debilidade interna da Igreja no século XIV, ocasionada pelo cisma
papal (um papa em Roma e outro em Avinhão). Em 1324/1325 o Papa João
XXII, de Avinhão, com sua Docta Sanctorum, luta contra o Ars Nova
ameaçando com sanções eclesiásticas no caso de execução na Igreja dessa
nova música.

3.1. Características Gerais.

* Inicia o desenvolvimento de uma concepção harmônica, ainda que


os acordes ocorram incompletos.
* Os ritmos já são mais flexíveis. Pierre de la Croix já iniciara antes
o abandono do ritmo modal.
* Entre as vozes superiores ( duplum e triplum) estabeleceram -se
certas relações de imitação melódica e rítmica (um determinado movimento
melódico ou fórmula rítmica de uma voz era imitado, momentos depois, por
outra voz (Isoperiodicidade).
* Maior preocupação com a unidade da obra. As vozes são
organizadas numa relação direta com o tenor (desenvolvimento do
contraponto).
* O tenor, apesar de não participar do princípio imitativo
(isoperiodicidade), perde sua relação umbilical, ou seja, abandona sua
obediência a velhas melodias litúrgicas, optando por melodias profanas
conhecidas, ou de criação recente, também não se submetendo aos esquemas
rítmicos repetitivos ( modos rítmicos ).
* A composição musical como um todo, buscará de forma racional o
mensuralismo , ou seja, a valorização de cada som como uma partícula do
movimento rítmico e que cada grupo podendo s er decomposto em valores
menores.
* Aparece o compasso binário, as quiálteras, as síncopas e
ligaduras.
* Integração entre a prática e a teoria.
* Elaboração e desenvolvimento de novos instrumentos musicais.

3.2. Formas Musicais.

3.2.1. O Moteto -

Sobre o canto dado (tenor), as vozes superiores se movem com plena


independência rítmica, variedade e contraste. O moteto, ao contrário do
organum, possui letra distinta para as vozes e essa voz, nova, justaposta ao
tenor com um texto novo é o motetus.
Teve difusão também o moteto a duas vozes com acompanhamento
instrumental.
Associou o sagrado ao profano de maneira mais inesperada (texto em
latim e francês), onde o tenor é uma melodia sagrada e o moteto a melodia
profana.
Rítmica: abandono dos modos rítmicos pela talea, uma sequência de
valores de duração, de sons e silêncios, abrangendo muitas vêzes oito ou mais
compassos. Essa talea era repetida ao longo do motete, com variação de
alturas, podendo ser aplicada somente ao tenor ou a todas as vozes.
Esse é o processo pelo qual os compositores do Ars Nova trabalharam
suas composições polifônicas. Ao cantus firmus , se aplicava um tipo de
desenho rítmico extremamente prolongado, que será repetido por toda a
peça, tal como os compositores de Notre Dame fizeram com as notas do tenor
nas clausulas. Essa técnica ficou conhecida como isorritmo (ritmo padrão) e
cada seção do desenho rítmico foi chamada de talea. Então, as demais vozes
serão tecidas acima e abaixo do cantus firmus do tenor.

3.2.2. A Ballade (do francês baler, bailar).

Sua origem remonta aos séculos XII e XIII, com os trovadores. No século
XIV, transforma-se de monódica para polifônica .

3.2.3. A Missa.

Guillaume de Machaut foi o primeiro compositor de que se tem notícia


a fazer um arranjo polifônico com pleto da Missa, a Messe de Notre Dame
(Missa de Nossa Senhora) forma de composição que se tornaria da maior
importância e continuaria nos séculos seguintes. Uma Missa é composta de
cinco partes: Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus, e Agnus Dei.

3.2.4. Rondeuax (Rondó).

Sua origem vem do rondellus, dos trovadores e consistia numa melodia,


com ou sem texto, que era repetida pelas demais vozes. Irá dar origem ao
Canon, possuindo partes instrumentais.

3.2.5. Lai.
Peça musical acompanhada, compreendendo doze estrofes
diferentes quanto ao ritmo poético e a melodia. Pode ser cantada em cânone
sobre texto único, com as entradas sucessivas de vozes provocando o
deslocamento do texto de uma voz para outra.

3.2.6. Virelai.

Peça a uma voz com duas ou três partes instrumentais em contraponto,


alternando estrofes com estribilhos.

3.3. Compositores e Teóricos.

* Pierre de la Croix - final do século XIII


* Philippe de Vitry (1291 - 1361). Publicou o tratado “Ars Nova”
que determinaria os conhecimentos da época e fixava as regras da escrita
polifônica.
* Guillaume de Machaut (1330 - 1377). Organizou a estrutura da
Missa que compôs motetisticamente a quatro vozes.

3.4. Instrumentos Musicais.

3.4.1. Alaúde.

Do árabe Al’ud. Apareceu na época das Cruzadas e existirá até o século


XVIII. De quatro a onze cordas.

3.4.2. O Clavicórdio.

Caixa retangular que se pousa sobre a mesa, munida de um teclado e


cordas. É o antepassado do piano.

3.4.3. Vielas.

Nos séculos X e XI os árabes introduziram na Europa o primeiro


instrumento de cordas friccionadas, o rabat. Deu origem depois a uma grande
família de instrumentos de arco.

3.5. Ars Nova Na Itália.

Durante o século XIV se desenvolve na Itália uma polifonia peculiar.


Trata-se de uma arte da canção profana para vozes masculinas agudas com
acompanhamento instrumental. Se inicia um pouco mais tarde quer o Ars
Nova francês, porém o supera em criação melódica e clareza harmônica.
Esta arte está a cargo da aristocracia, principalmente nas cidades do
norte da Itália e especialmente em Florença. As cortes mais importantes são:

Milão: com os Visconti e Sforza.


Verona: com os Della Scala
Mântua: com os Gonzaga.

Os autores literários preferidos para a musicalização de seus textos


foram Petrarca (1304 - 1374) e Boccaccio (1315 - 1375).
Em 1325, Marchetto de Pádua publicou o tratado “Arte Mensurata”,
onde formulava as teorias do Ars Nova.

3.6. Formas Musicais do Ars Nova Italiano.

3.6.1. O Ricercare.

Peça Instrumental decalcada do motete vocal. Retoma o processo de


imitação. No século XVII se desenvolverá dando origem à Fuga.

3.6.2. A Frottola.

Canção a quatro vozes que provém dos cantos populares. Dará origem
ao madrigal renascentista .

3.6.3. Canzone.

Forma italiana utilizada primitivamente pelos trovadores. Torna -se


polifônica e de vocal passará a instrumental (canzone de sonar), onde dará
origem à sonata pré-clássica.

3.7. Compositores e Teóricos.

* Marchetto de Pádua - Famoso pelo tratado “Arte Musical


Mensurata”.
* Francesco Landini (1325 - 1397) - Compositor cego. Foi organista
em Florença.

4. A Difusão Da Polifonia No Norte.11

No século XV, uma agitada eleição papal ocasionou o Grande Cisma ,


deixando em Roma um papa, e o seu rival, de fato o verdadeiro papa, em
Avinhão. Os resultados para a comunidade francesa, e sobretudo para sua
arte, foram esplêndidos. Os resultados em música não foram a princípio
notados; mas, em fins do século e nos anos seguintes a história não apenas da
música italiana mas da música européia em geral transcorreu por um processo
de internacionalização que foi a conseqüência imediata do cativeiro do papa
do Sul da França.
Quando Clemente V transferiu o seu trono para Avinhão, deixando em
Roma não apenas o seu coro mas também seus regentes, o prestígio do
fornecimento de música para as cerimônias papali nas e dos serviços, passou
para um coro recrutado no local. Esse coro incluía músicos pertencentes às
regiões do Oeste do Reno europeu e contava com o que veio mais tarde a se

11
RAYNOR, Henri. História Social da Música. Da Idade Média a Beethoven. Rio de Janeiro, Zahar Editores,
1972.
chamar cantores “flamengos” e belgas. Tinha também músicos do sul da
França. Tratava-se de cantores em contato com a evolução já alcançada em
São Marcial e Notre Dame, e conhecedores da música dos trovadores e
troveiros, e muito deles eram também experientes nas novas formas e novos
estilos. Os problemas enfrentados por Clemente V deixavam-lhe pouco tempo
para a supervisão pessoal da música litúrgica, de modo que o coro de Avinhão
se converteu num centro de músicos em total afinidade com o novo estilo. As
elaborações e efeitos cada vez mais comuns no norte da Europa obtiveram
quando não sanção oficial, pelo menos consentimento tácito na corte papal, e
o prestígio assim obtido facilitou a sua rápida difusão.
O grau de progresso do novo estilo é indicado pela Bula Docta
Sanctorum, que o papa João XXII, sucessor de Clemente, divulgou em 1323,
no sétimo ano do seu pontificado:

“Certos discípulos da nova escola, ocupando -se muito


com a divisão medida exibem sua prolação em novas
notas para nós, preferindo inventar novos métodos
próprios a continuar cantando à maneira antiga.
Portanto, a músi ca do Ofício divino é perturbada pelas
notas desses valores pequenos. Ademais, prejudicam a
melodia com acréscimos, perturbam com solfejos e às
vezes enchem-na com partes superiores constituídas de
canções seculares. O resultado é que, em geral, perdem
de vista as fontes fundamentais das nossas melodias no
Antifonário e Gradual, e esquecem o que estão
sepultando sob suas superestruturas. Podem tornar -se
inteiramente ignorantes dos modos eclesiásticos, o que
já deixaram distinguir, e os limites que ultrapass am na
prolixidade das suas notas. Estão inteiramente
ofuscados os modestos graus de descida e subida do
cantochão, pelos quais os modos são reconhecidos. As
incessantes indas e vindas das vozes, intoxicando mais
que acalmando o ouvido, enquanto os cantores por sua
vez tentam comunicar a emoção de sua música por
gestos. A conseqüência de tudo isto é que a devoção,
verdadeiro objetivo de todo culto, é negligenciada, e a
distração, que deveria ser evitada, aumenta.
Este estado de coisas, que se tornou comum, n ós e
nossos irmãos achamos necessitar de correção.
Portanto, apressamo -nos em proibir esses métodos ou
antes, afastá -los da casa de Deus [...] Por essa razão,
tendo-nos aconselhado com nossos irmãos,
determinamos estritamente que ninguém doravante se
considere livre para utilizar esses métodos no canto do
Ofício canônico ou em celebrações solenes da missa [...]
Entretanto, não é nosso objetivo proibir o uso ocasional
- sobretudo em dias festivos ou em celebração solene
da missa e do Ofício Divino - do uso de algumas
consonâncias, por exemplo, a oitava, a quinta e a
quarta, que exaltam a beleza da melodia [...] Utilizadas
desse modo, as consonância seriam suavizadas para o
ouvinte e inspiradoras de sua devoção, sem desviar o
sentimento religioso no espírito d os cantores.

A Bula merece citação por extenso, pois ilustra cabalmente a atitude


conservadora no tocante a inovações na música religiosa. João XXII estava
disposto em 1323 a admitir um estilo considerado ofensivo 200 anos antes, ao
mesmo tempo que a proibir um posterior estilo musicalmente mais autônomo.
A questão é, evidentemente, que tudo que pareça novo é, portanto,
perturbador.
Em 1377, quando o papa Gregório XI retornou com o seu coro a Roma,
o antigo coro papal e o novo - o nortista que havia atuado em Avinhão e o
coro romano tradicional que cantava nesse ínterim -amalgamaram-se, não na
antiga Schola Cantorum , mas no novo Colégio Dei Capellani Cantori , sob um
“mestre da capela pontifícia ”. Daquela data em diante o coro era um
organismo internacional composto não apenas de italianos natos, mas
também de cantores provenientes sobretudo da França e da Flandres.
Durante os pontificados de Martinho V (1417 - 1431) e Eugênio IV (1431 -
1447), nos cinqüenta anos que se seguira ao Grande Cisma , dezessete
músicos do norte serviam no coro papal; a maioria provinham das regiões de
Cambrai, Tournai e Arras.
Os cantores eram recrutados do norte não apenas em virtude da beleza
de suas vozes, pois a Itália sempre fora amplamente dotada de vozes de
excepcional qualidade. O desenvolvimento da civilização urbana no norte
ensejara a criação de grandes corais bem preparados e inteiramente
familiarizados com o novo estilo polifônico que prosseguira não obstante a s
objeções de João XXII. Os coros cresciam em tamanho graças às doações de
homens enriquecidos no comércio, e tantos meninos como adultos podiam
não só cantar polifonia, mas lê -la fluentemente na difícil notação da Idade
Média Superior; havia entre eles impressionante número de compositores,
pois parece que absorver a mente da criança em música dos oito ou nove anos
em diante, e basear a sua educação na música e na sua prática, não é apenas
ministrar-lhe sólidos fundamentos técnicos, mas também estimular as
tendências criativas que ela possua. Portanto, dado que o coro papal, como
quase todos os demais, estava admitindo música polifônica em seu repertório,
e dependesse de seus próprios integrantes para composições cantáveis,
impunha-se a necessidade de especialistas para esse fim. Sua adoção do novo
estilo e o patrocínio de compositores do norte aumentou o prestígio do novo
estilo por toda a Europa.
A liberdade de experimentação em música decorreu originariamente da
evolução não historiada da música e da dan ça seculares, bem como da
disponibilidade de suficientes vozes boas e bem preparadas a fim de
estimular a imaginação do compositor. Deveu -se também à dificuldade de
manter a disciplina papal num mundo de comunicações limitadas. Por isso, os
fatos mais ausp iciosos em música religiosa ocorreram longe de Roma. Em fins
do século XIV, outros fatores influíram. A paulatina conquista da música
italiana por músicos da França e de Flandres mostra que o estilo por eles
desenvolvido e que florescia na Inglaterra era atraente a países estranhos; e
também que músicos preparados estavam sendo produzidos no norte em
quantidade suficiente para que o novo estilo pudesse difundir -se além da
Itália. Por outro lado, mostra que os padrões de composição, ensino e
execução podiam ser mantidos em outros países além da Itália. Em geral, os
maiores é que deixavam seu país natal e passavam anos no sul, quando não
toda a sua vida profissional. Isso se devia à riqueza e prestígio do papado, dos
grandes aristocratas e das grandes cidades italianas, que podiam oferecer
recompensas maiores do que nas regiões de onde provinham compositores e
cantores.
Em muitas cidades do norte da Europa eram feitas doações para
substituir os vigários clericais do coro por profissionais leigos (não
ordenados). Os negociantes abastados não apenas faziam doações a catedrais
e igrejas; fundam também irmandades religiosas que tinham entre as suas
normas o dever de sustentar os serviços diários com coro e pleno
acompanhamento musical. No século XV temos o exemplo d o laicato que
levou o Capítulo da Catedral de Antuérpia a aplicar certa parte das rendas de
suas prebendas no pagamento de cantores profissionais e para aumentar o
tamanho do coro. Em 1443, quando Jean Ockeghem o integrou com a voz de
soprano, a Catedral da Antuérpia tinha vinte e cinco cantores de música
polifônica e vinte e seis de cantochão; em 1480 tinha perto de sessenta no
coro. Se, como é razoável afirmar, as grandes coisas na arte, arquitetura e
música religiosa dependiam da riqueza da nova classe m édia, isso se aplicava
especificamente à região mais urbanizada da Flandres e dos Países Baixos do
que a qualquer outra parte da Europa.
O grande progresso na vida urbana nos séculos XII e XIII criou o desejo
de música como também as instituições que podia m ampará-la. Os grandes
corais das cidades do norte preparavam excedentes de cantores que podiam
viajar através da Europa levando consigo o estilo flamengo , e também
músicas altamente dotadas e qualificadas para manter os elevados padrões
em seus países.
Os progressos dos coros do Norte, e o número de músicos altamente
qualificados que eles preparavam, significavam um excedente vindo do Norte,
o qual levava consigo o estilo mais intricado que lá se desenvolvera. Até que
o estilo do Norte fosse internacional mente aceito, juntamente com os
métodos semelhantes de preparo existentes no Norte da França, na Flandres
e no Oeste dos Países Baixos , houve grande procura de cantores preparados,
adultos e meninos, por sua musicalidade e qualidade de suas vozes, em todo
o Sul da Europa, logo que o estilo de canto por eles executado recebeu o
prestígio da aprovação papal em Avinhão.
O centro dos primeiros experimentos foi Paris. A Guerra dos Cem Anos
desviou o centro de gravidade mais para o Norte, para Flandres, onde a
prosperidade comercial de cidades como Cambrai, Arras, Liège, Lille, Bruges ,
Antuérpia e outras, teve um efeito sobre a música que pode ser percebido
pelo número de compositores surgidos dos seus corais ou que passavam pelo
menos parte de suas vidas servindo nos corais.
A natureza ambulante do emprego palaciano, que do século XV em
diante se tornou uma alternativa ao serviço da Igreja para músicos
preparados, ajuda a explicar a popularização do estilo flamengo . Os duques
da Burgúndia, embora considerassem Dijon sua capital, estavam quase
sempre em andanças entre o Franco-Condado e o Mar do Norte, levando
consigo suas capelas particulares de músicos. Um séquito de músicos
acompanhava-os em suas missões diplomáticas, não apenas respingando
novos interesses musicais como também divulgando estilos e técnicas de sua
corte; o processo de internacionalização foi, ao todo, notadamente rápido
uma vez passado o grande cisma, e ajuda a explicar a predominância dos
compositores do Norte a quem os manuais se referem como da Burgúndia ou
Flamenga. Roma, Milão, Florença, Mântua, Nápoles, Veneza , todas sofreram,
direta ou indiretamente, a influência do Norte. Além do mais, a música
secular desfrutava posição social mais privilegiada nas cidades italianas e por
isso estava mais desenvolvida. Como o compositor era um funcionário
assalariado, encarregado da música de entretenimento da corte, o novo estilo
aplicava-se tão poderosamente à música secular quanto às obras religiosas.

5. Polifonia, Renascença e Humanismo. 12

De 1330, data da Ars Nova, a 1600, nascem e desenvolvem -se múltiplos


gêneros e formas musicais, traduzindo o desejo e a necessidade de novidades
que animam os homens ao sair da Idade Média : a música manifesta as
mesmas aspirações que as outras disciplinas culturais; a audácia do gótico
flamejante, com seus requintes ornamentais e expressivos simboliza a
polifonia em toda a sua proliferação. No momento em que os territórios da
cristandade se cobrem de catedrais, de palácios e de castelos, a arte musical
enriquece-se de vastas composições polifônicas, cujo caráter monumental
responde perfeitamente, tanto no espírito como na forma, ao ideal dos
grandes arquitetos e pintores do tempo.
Bastará, para compreender a que ponto a música permanece ligada ao
século, pensar na sociedade da Renascença , nos ricos mercadores, nos
burgueses, cujo poderio econômico e social se defronta com o dos reis e
príncipes. Estes vivem faustosamente no seio dos seus domínios e protegem
as artes. Aqueles rodeiam -se de um fausto semelhante, contribuem para a
prosperidade das cidades e reúnem nas suas residências as mais belas criações
da arte do artesanato: móveis, tapetes, tapeçarias, pratas, louças, roupas,
jóias, quadros, etc. Cantores e músicos também têm o seu lugar no seio desta
ordem social. Como poderia a música da Renascença, no meio do esplendor
das igrejas, dos luxos dos palácios burgueses, ter deixado de assumir o mesmo
caráter de grandiosidade e opulência?
Talvez seja na Itália que a proliferação artística européia tenha
encontrado o seu centro mais ativo. Podemos até certo ponto, dissociar o
século XIV do século XV, no sentido em que foi nos anos 1400 que floresceu
uma arte em que os temas profanos são tratados com ousadia; as fontes
tradicionais do cristianismo, tão abundantes e demoradamente exploradas,
parecem tornar-se menos necessárias para os homens da Renascença ,
voltados para outros horizontes, sob a influência progressiva das idéias e dos
acontecimentos que transformam o século. O humanismo, essa nova atitude
filosófica que vai modificar a face do mundo, nasce em parte da descoberta da
civilização grega revelada ao Ocidente - e em primeiro lugar à Itália - pelos
sábios bizantinos fugindo diante dos turcos (tomada de Constantinopla por
12
STEHMAN, Jacques. História da Música Européia. Lisboa, Livraria Bertrand, 1964.
Mohamed II). A Antiguidade torna-se um tema de inspiração para artistas e,
ao mesmo tempo, uma espécie de modelo de vida. O homem da Renascença
liberta-se de quatorze séculos de docilidade religiosa e de anonimato. Ele
entrevê outros destinos arrastado pelas recentes descobertas, sente -se
orgulhoso das suas próprias forças.
Algumas datas são o bastante para revelar a vitalidade do século:

* 1454: Gutenberg faz imprimir o seu primeiro livro.


* 1456: reabilitação de Joana D’Arc e, em seguida, reinado de Luís
XI. A França será doravante um estado u nificado por uma sólida instituição
monárquica.
* 1470: a Sorbonne imprime o primeiro livro na França.
* 1492: Cristóvão Colombo desembarca na América; no mesmo ano,
em Espanha, os Reis católicos, Fernando e Isabel retomam Granada do
domínio árabe.

Efetivamen te, a grande revolução da Renascença pode resumir-se da


seguinte forma: até o século XV, o homem dedica -se inteiramente a Deus; nas
suas obras - e sobretudo, nas suas obras de arte - ele dirige-se a Deus, pois
pintar, escrever ou tocar são formas diversas de orar, de prestar homenagem
à glória divina, perante a qual o homem manifesta uma humildade tão
absoluta que as suas obras de arte até esse momento são, na sua maioria,
anônimas. Em suma, Deus é o centro do universo para o homem da Idade
Média. Pode dizer-se, ao inverso e esquematizando, que para o homem da
Renascença o centro do universo será o Homem. A sua obra representa uma
forma de se afirmar ele próprio e de cultivar todos os valores humanos. O
humanismo vai provocar - mesmo no campo religioso - a grande florescência
dos séculos XV e XVI e suscitar um mundo onde os artistas exprimem a vida na
sua plenitude, um mundo que parece ter sido criado por e para os artistas.
Este fato é o que melhor define a ruptu ra com a austeridade, a gravidade, a
nobreza, muitas vezes dura da Idade Média.
Renascença e Reforma são movimentos antagônicos na música, assim
como nos outros setores da vida. Não é possível defini -los em termos
musicais, porque o novo século, por enquan to, não significa mudança de
estilo: continua-se a escrever em estilo “ flamengo”, mas o centro desloca -se
para outras regiões, a França, a Alemanha, a Itália e a Inglaterra. Também
nota-se uma diferença de natureza social: nos países que continuam fiéis à fé
romana, a música sai do recinto das igrejas para encher a vida da sociedade
aristocrática; nos países que aderem à Reforma, a música retira -se,
principalmente, para a igreja, adaptando -se às formas mais simples de
devoção do povo.
A região franco -flamenga foi o foco da música renascentista, onde havia
sociedades aristocráticas que continuavam seguindo o credo de Roma, como
na Alemanha do Sul e na Itália; ou então, sociedades que escolheu uma via
média entre a velha fé e os rigores do calvinismo, como na Inglaterra
elisabetana. Mas os primeiros portadores dessa nova mensagem musical ainda
são “flamengos”.
O século XVI vê brilhar o maior esplendor da Renascença: um
materialismo evidente conjuga -se com um gosto pelo fausto e pela grandeza,
e um sentido religioso, fervente também, mas renovado por esse mesmo gosto
faustoso. É nesse quadro que se inscrevem as opulentas polifonias de um
Adriano Willaert, dos Gabrielli em Veneza, as prodigalidades de um Orlando
de Lassus, o radiar de um Palestrina , cujas obras abandonam toda a rudeza
para assumir uma linguagem extremamente sutil.
Da grandeza deste século XVI, a música apenas oferece um aspecto,
contudo estritamente ligado à época que fervilha novas forças. Basta evocar
Ticiano, Miguel Ângelo , Leonardo Da Vinci , esses arautos das idéias novas,
que abrem de par em par as portas do futuro. Se pensarmos nos seus
contemporâneos e nos predecessores, nos poetas, nos pintores ou nos
filósofos, em Brughel, na Flandres, Rabelais ou Montaigne, na França,
Shakespeare, na Inglaterra, El Greco, na Espanha, encontraremos por todos
os lados resplandecentes manifestações do espírito novo, ou seja, do
individualismo oposto ao espírito coletivo da Idade Média . Pela sua poderosa
personalidade, todos esses artistas arrastam a sua época para novas
realidades humanas e morais. À parte, sem que por isso deixe de ser
igualmente característico do seu tempo, Hieronimus Bosch, visionário
alucinado, liberta com surpreendente violência os terrores, os pesadelos e as
visões do inferno das crenças medievais. É a reação de um espírito que
ultrapassou a fase submissão. No domínio científico, é um Copérnico que
descobre o movimento dos planetas, e está prestes a surgir o gênio de
Gallileu. O universo alarga -se em todas as direções.

5.1. Características Gerais da Renascença.

* A sonoridade mista do gótico cede lugar à sonoridade plena do


Renascimento, com a polifonia vocal franco-flamenga.
* Desenvolvimento da harmonia trídica funcional .
* A concepção sucessiva das vozes cede lugar à concepção
simultânea.
* Desenvolvimento da rítmica mensural.
* A música ainda se baseia em modos, mas estes são gradualmente
tratados com maior liberdade, à medida que vai aumentando o número de
“acidentes” introduzidos.
* Texturas mais cheias e ricas em músicas escritas para quatro ou
mais vozes; a parte do baixo vocal é acrescida à do tenor.
* Música sacra: algumas peças destinadas à execução a capella,
freqüentemente contrapontísticas, com alguma imitação e nas quais os
elementos musicais estão combinados e entrelaçados de modo a se criar uma
tessitura de fluxo contínuo, sem remendos; outras músicas de igreja
acompanhadas por instrumentos - por exemplo, peças policorais em estilo
antifônico, muitas vezes envolvendo fortes contrastes musicais.
* Música profana: rica variedade de músicas de canto, de dança e
peças instrumentais - muitas vezes copiando o estilo vocal, mas outras
genuinamente ligadas a instrumentos, não a vozes.
* Internacionalização da música: entram em cena países que até
então não tinham produção.
* Criam-se novos instrumento s; formam-se famílias à semelhança
dos conjuntos vocais e surge uma vasta literatura para alaúde, cravo, órgão,
etc.
* Composição sem o cantus firmus. Paulatino desaparecimento do
tenor dos motetos. O tenor era a melodia, profana ou sacra, tomada como
célula melódica da composição. A ele se juntava por um processo aditivo as
demais vozes.
* Surgimento de um princípio racional de composição: construção
de uma linha melódica a partir de outra, por imitação.
* Harmonicamente a linguagem muda totalmente. Desaparece a
rudeza da harmonia gótica que se baseava na consonância sem terça, nos
tempos fortes, enquanto dissonâncias mais agressivas eram permitidas
* A harmonia se ameniza com a introdução sistemática dos acordes
perfeitos (maiores e menores).
* As dissonâncias são p reparadas e resolvidas, resultando numa
harmonia mais cheia.
* Freqüentes passagens homofônicas, nas quais as vozes cantam ao
mesmo tempo as mesmas palavras, tornando compreensível o texto.
* Desenvolvimentos de temas: fragmento melódico, apresentado
por uma das vozes e logo imitado pelas outras (mesmo antes do término da
primeira exposição).

5.2. Compositores.

1ª Geração. (1420 - 1460): John Dunstable, Guillaume Dufay, Gille


Binchois
2ª Geração. (1460 - 1490): Jean Ockeghem, Antoine Busnois .
3ª Geração. (1490 - 1520): Jacob Obrecht, Josquin Des Près, Jean
Mouton.
4ª Geração. (1520 - 1560): Adrian Willaert, Nicholas Gombert,
Clement Non Papa, Clement Janequin.
5ª Geração. (1560 - 1590): Andréa Gabrielli, Felipe do Monte, Orlando
de Lasso, Palestrina.
6ª Geração. (Introdutores do Barroco): Giovanni Gabrielli, Luca
Marenzio, Gesualdi, Cláudio Monteverdi.

5.3. Formas Musicais.

Na Renascença, os compositores passaram a ter um interesse muito


mais vivo pela música profana , inclusive em escrever peças para
instrumentos, já não mais usados somente para acompanhar as vozes. No
entanto, os maiores tesouros musicais renascentistas foram compostos para a
Igreja, num estilo descrito como “polifonia coral” - música contrapontística
para um ou mais coros, com divers os cantores encarregados de cada parte
vocal. Boa quantidade dessa música devia ser cantada a capella: ea música
essencialmente coral, cantada sem o acompnhamento de instrumentos.
As principais formas de música sacra continuam sendo a missa e o
moteto, escritos no mínimo para quatro vozes, pois os compositores
começaram a explorar os registros abaixo do tenor, escrevendo a parte que
atualmente chamamos de baixo, e desse modo criando uma textura mais rica
e cheia.
As técnicas medievais, como o hoquetus e o isorritmo foram esquecidas,
e o cantus firmus foi substituído por uma canção popular.
Paralelamente ao desenvolvimento da música sacra renascentista ,
houve o rico florescimento das canções populares, variadas em estilo e
expressando todo tipo de emoções e e stados de espírito. Umas têm a tessitura
extremamente contrapontística, outras são construídas com acordes, soando
num alegre e bem ritmado tempo de dança. Destacam -se a frótola e o
madrigal italianos , o Lied alemão, o villancico espanhol e a canção francesa.
Moteto: o antigo moteto com cantus firmus aparece com menor
freqüência. O moteto renascentista é de invenção livre, com o texto
constituindo -se na espinha dorsal da estrutura, sendo musicalizado por seções
onde cada seção possui um motivo melódico dife rente, imitado por todas as
vozes. Os motetos a 5 e 6 vozes se converteram em norma.
Missa: as missas revelam os mesmos recursos contrapontósticos que os
motetos. Uma forma que gozou de predileçãofoi a Missa Paródia. Caracteriza -
se por ser uma composição p olifônica, um moteto sacro, uma chanson ou
madrigal profanos, onde o tenor (um cantus firmus profano, ou seja, uma
melodia de canção) expõe uma melodia popular.

6. Reforma e Contra -Reforma. 13

Século de ouro da civilização espanhola e de grande prosperidade dos


Países Baixos, século de ouro da Inglaterra sob o reinado de Isabel e século
de ouro também da Renascença Italiana, sabemos contudo que esse século
XVI também assistirá a conflitos religiosos, que lhe imprimirão a marca dos
seus tumultos, tal como as artes e o pensamento o marcaram com sua riqueza.
O acontecimento dominante é a promulgação da Reforma por Martinho
Lutero, em 1517. Sem nos alargarmos neste trabalho sobre o caráter religioso
e político, verificaremos a profunda perturbação que a Reforma causará nos
espíritos, bem como o estilo que ela vai impor à música da igreja - luterana na
Alemanha e nos países vizinhos, e calvinista em Genebra, em França e na
Inglaterra .
Um sopro de austeridade e purificação espalha -se pela Europa. Lutero
escreve os Corais, espécie de cânticos lentos e solenes, cantados a quatro
vozes, em acordes, sem ornamentos, cuja beleza atingirá seu apogeu com J S.
Bach. Numerosos músicos adotam por sua vez o Coral, que introduz no canto
reformado uma liturgia musical pura e gran diosa. Calvino faz cantar os salmos
em uníssono e proíbe que a igreja ostente pinturas, esculturas, ou qualquer
pompa exterior. O estilo musical do rito protestante impor -se-á doravante ao
lado do estilo católico romano. Deve -se observar que vários composi tores
escreveram versões polifônicas dos salmos para uso profano, pois a polifonia,
banida da igreja pela Reforma, continua a viver uma vida intensa e agora
profundamente enraizada na sociedade.
13
RAYNOR, Henry. Op. cit.
Johann Walther (1496 - 1570), amigo de Lutero, compôs ou faz compor
inúmeras obras sob a forma de Corais. Walther pode ser considerado como o
mais eminente dos compositores luteranos.
O salmo protestante é uma paráfrase em língua vulgar dos salmos de
Davi. Enquanto os católicos os cantam em latim, os protestantes vã o cantá-lo
na língua do país onde praticam o seu culto. A pedido de Calvino, Clément
Marot e, em seguida, Théodore de Béze traduzem para o francês os cento e
cinqüenta salmos, numa obra que ficará conhecida pelo nome de Saltério
Huguenote. Numerosos compositores adaptam estes salmos, de acordo com a
escrita polifônica; mas a Igreja Calvinista não admite o canto neste estilo. O
francês Claude Goudimel (1505 - 1572) dará duas versões do Saltério: uma no
estilo contrapontístico, a outra no estilo harmônico (em acordes). Será esta
segunda versão, mais próxima das concepções de Calvino, que se imporá.
Os rápidos progressos do movimento da Reforma levam a Igreja
Católica a tomar medidas enérgicas para resistir ao Cisma; criam-se ordens
novas, entre estas a dos Jesuítas, verdadeiros soldados de Deus. Nascem duas
instituições: a Inquisição, que exercerá terríveis repressões, e a Congregação
do Índex, dedicada à defesa da doutrina católica. Finalmente, um Concílio
reúne todos os representantes da Igreja na cidade de Trento, o Concílio de
Trento, que durará de 1545 a 1563 e terá como conseqüência a reorganização
total da vida interna da Igreja Católica e a consolidação da sua doutrina. O
movimento de Contra-Reforma terá também consideráveis repercussões no
domínio artístico. Perante a austeridade da Reforma, esse movimento ergue
um conjunto de crenças que já não são sombrias, mas sim reconfortantes
(culto da Virgem Maria, dos santos, verdadeira presença de Cristo na
eucaristia, etc.), e atinge uma humanização da religião que comunicará aos
crentes uma espécie de júbilo, um sentimento de renovação. A Contra-
Reforma provoca uma verdadeira explosão de alegria; os aspectos mais
espetaculares e mais tangíveis da religi ão são postos em evidência: cerimônias
e manifestações religiosas grandiosas, imagens sagradas, culto do Sagrado
Coração de Jesus, tudo isto se impõe ao rigor protestante e manifesta -se no
domínio artístico por uma libertação de forças novas, que irão glor ificar e
magnificar a religião. O espírito da Contra-Reforma vai dar origem ao Barroco.
Chegamos no fim do século XVI, uma nova geração de artistas começa a
abandonar a ordem e a harmonia da Renascença, para exprimir mais
liberdade, mais realismo, mais “au tenticidade”, como hoje diríamos.
Se colocarmos a música neste movimento geral das idéias,
compreenderemos melhor a sua evolução. O desabrochar da Renascença
conduziu os músicos a uma espécie de ponto de equilíbrio supremo, que
alcança todos os apogeus de uma época e que se conserva milagrosamente
durante certo tempo. Com relação à polifonia, pode dizer -se que ela viveu as
suas horas mais gloriosas na segunda metade do século XVI. À medida em que
os anos passam, vamos vê -la enterrar-se pouco a pouco numa escolástica tão
erudita que acabará por se tornar confusa, obscura, esotérica. Vítima de uma
espécie de orgulho do seu próprio poder, ela concede o triunfo aos “fortes em
tema”, que se entregam a jogos sutis de escrita; mas esta arte de retóricos
perde progressivamente todo o contato com a realidade. Cai finalmente na
decadência e cederá amanhã perante o impulso irresistível das duas criações
estéticas do século XVII: o Barroco e a Ópera.
O espírito musical da Reforma, com seu caráter democrático e
racionalista e sua tendência baseada no popular, evitou o perigo que havia
acontecido na Igreja Católica de corromper a polifonia sagrada, inacessível
para a massa dos profanos, não obstante seus esforços. Na realidade, a música
da Igreja Romana está solidamente fundada na História; não pode nem sabe
desviar-se do canto gregoriano, sobre o qual levanta o monumento de suas
vozes múltiplas. O estilo polifônico, visto do p anorama plurissecular, nos
apresenta comum coral gigantesco e variado, enquanto o movimento
protestante se esforçava em simplificar o mais possível essa variação e reduzir
o canto melódico ao mais essencial possível. Mais tarde, com o Coral para
órgão, essa variação florescerá es sua constituição, representando
precisamente um posterior renascimento do contraponto.
Com o desenvolvimento do movimento da Contra-Reforma, ressurge-se
e consolida-se a música polifônica que convenhamos, nunca havia decaído
com a ininterrupta produção dos músicos flamengos, apenas transladou -se
para a Itália. Com Palestrina e a escola italiana, levará suas vozes artísticas à
ressurreição do espírito religioso.

7. O Período Barroco. 14

Uma mudança de estilo tão decisiva como a que tran sformou a música
renascentista nos 50 anos entre 1575 e 1625 não assinalava o esgotamento do
ideal polifônico que motivara os compositores do Renascimento, porque a
polifonia simplesmente se tornou um dos muitos elementos possíveis numa
linguagem musical mais plena e, por muitos anos, coexistiu
independentemente lado a lado com o novo estilo. Monteverdi, fora de
qualquer dúvida o maior compositor do “barroco primitivo”, foi nomeado para
a Catedral de São Marcos em Veneza para restaurar o velho estilo barroco
que ajudou a inaugurar. O que mudou foram as atitudes e sentimentos de uma
geração, e a música mudou com eles.
Para Ernest Meyer, “os efeitos harmônicos de massa” produzidos por
“grandes conjuntos orquestrais” no período do barroco eram “um meio pelo
qual o compositor e o executante falavam ao público”. “Em todos os
sentidos”, conclui Meyer, “a música na Itália agitada de inícios do século XVII
preenchia uma função propagandista na luta desesperada da antiga ordem
social e religiosa contra a nova”.
O modo de ver de Meyer, embora às vezes tendenciosamente, é o de um
escritor sempre cônscio da dependência mútua de música e sociedade, e
merece consideração. Explica ele com enfática convicção, como a intensidade
e acentos do barroco destruíram uma tradição ma is sutil, a do conjunto
instrumental e vocal renascentista, e suplantaram o amistoso discurso de
igualdade democrática com uma nova arte ditatorial, em estilo fanfarrão e
demagógico. O problema é que a agitação no início do Barroco não era, em
sentido algum popular. Não descobrimos a menor prova de qualquer agitação
popular contra as novas disposições da Contra-Reforma.
Por tudo isso, o fator decisivo na vitória do Barroco foi a consonância
dele com a perspectiva da época. Um catolicismo purificado e, pouco depois,
um protestantismo impregnável recorriam ambos à música para exemplificar
14
RAYNOR, Henry. Op. cit.
sua glória e sua fé. Para os jesuítas, por exemplo, as emoções do novo estilo
eram valiosas simplesmente porque maravilhosas e punham seu encanto à
disposição da igreja. O es tilo Barroco exemplificava a fé, sendo, portanto,
inestimável tanto para católicos como para protestantes.
A música barroca explorava não apenas o princípio da monodia e seu
acompanhamento harmonicamente motivado, mas também um novo princípio
de composição por contraste. Esses novos princípios levaram a estruturas
musicais de grande robustez e força, e forjaram uma com a religião, tanto
católica como protestante, graças à posição que atribuíram ao texto. O estilo
recitativo monódico foi revelado como meio de declamar um texto; os seus
contornos foram deliberados pela necessidade de transmitir palavras
claramente aos ouvintes. O estilo airoso que surgiu do recitativo foi motivado
pelo mesmo princípio declamatório, mas enriquecido pela necessidade de
intensificar o poder emocional das palavras. As passagens homofônicas em
harmonia compacta eram também consideradas em relação às palavras, e
quanto a isso, pelo menos, embora sua cor vívida e intensidade dramática não
fossem qualidades gratas às autoridades católicas, identificavam -se de perto
com os princípios dos reformadores católicos mais que a música antiga que,
com sua homogeneidade de textura e isenção de drama e sensacionalismo, era
inatamente devocional.
A deliberada magnificência do Barroco (desde os motetos corais ou
melhor, policorais de Andréa Gabrieli em inícios do período até o Sanctus da
Missa em Si menor de Bach e o Aleluia de Haendel, no final do Barroco, esse
período é pleno de magnificência) parecia refletir a época da co nsolidação
católica assim como refletia o nacionalismo que era expresso no brilhantismo
palaciano e na bajulação da monarquia. A música que Schütz ouviu em Veneza
e levou consigo para a Alemanha protestante obviamente não transmitia
quaisquer implicações c atólicas especificamente, e o Barroco totalmente
protestante de Schütz é tão intensamente dramático e espetacular quanto o
de Monteverdi. Ao mesmo tempo, o emocionalismo extremo do estilo
formulava figuras musicais universalmente aceitas como simbólicas; a música
barroca é feita dessas figurações simbólicas que contribuíram para o novo
estilo ser facilmente aceito.
Sob outro aspecto, a música barroca era nova. Dirigia -se a um público
em vez de ser música precipuamente destinada a seus executantes. O cantor
ou instrumentista, ao executar música do Renascimento, está em condições
de viver uma obra pelo menos tão plenamente quanto qualquer ouvinte; o
executante de uma grande obra barroca vivencia pouco mais que a sua própria
partitura.
Enquanto a monodia se desenvolvia em Florença, o princípio de
contraste era explorado pela primeira vez em Veneza, numa época anterior à
que poderíamos chamar legitimamente de “barroca”. Veneza era
fabulosamente rica, tendo dominado o comércio europeu com o Extremo
Oriente desde Marco Polo, por sua vez veneziano, que abriu a rota comercial
para a China em meados do século XIII. A cidade e os territórios por ela
dominados ficaram alheios à maioria das querelas dos Estados italianos nos
séculos XV e XVI, e a sua posição geográfica de u-lhe quase completa
segurança. Tratava -se de uma república governada por uma oligarquia
perpétua de príncipes mercadores cujo governo era muito mais tolerante do
que poderia ocorrer em fins do Renascimento. Acolhia refugiados, sobretudo
os que podiam dar uma efetiva contribuição à vida pública, intelectual e
artística da cidade, e adquiriu um modo mais esclarecido do que os demais
governos da época de ver as idéias e condutas não convencionais.
Essas condições atraíram músicos do Norte a Veneza desde inícios do
Renascimento, e podemos recuar a Adriano Willaert natural de Bruges e
nascido por volta de 1490, a exploração consciente dos pesos e dinâmicas
contrastantes da música para dois coros que cantavam em antifonia
tradicional. Willaert havia viajado muito e trabalhou muitos anos na Itália
antes de 1527 quando conseguiu o posto de mestre-de-capela na Catedral de
São Marcos através de concurso público que era o meio normal de obter -se
nomeação. Era estudante de direito em Paris, desprezando pela música em
1514. Quatro anos depois trabalhava como músico em Bolonha, e em 1522 era
membro da capela de Afonso I em Ferrara; em 1525 estava a serviço de
Ipolito, arcebispo de Milão. Parece que o saque de Roma por Carlos V o
convenceu de que a vida em Veneza era mais segura.
Em São Marcos encarregou -se de uma organização musical que contava
entre seus subordinados o primeiro e o segundo organistas da Catedral, um
conjunto completo de músicos de cordas e sopro e um grande coro, famoso na
época por seus padrões musicais. O coro da Catedral de São Marcos, com
galerias ocupadas pelos cônegos da catedral, foi arquitetado para ter uma
galeria de cantores de cada lado, e cada uma delas tinha o próprio órgão para
ser utilizado na antifonia. Com essas condições à sua d isposição, Willaert teve
a idéia de um coro duplo, cada metade independentemente acompanhada,
dando a todos os cantores uma música belamente suave na qual um estilo
declamatório, dramático, por vezes irrompe quando as palavras o exigem.
Willaert morreu em 1562. Seus sucessores foram Cláudio Merulo, que
se tornou primeiro organista em 1566, Andréa Gabrieli, que substituiu Merulo
no segundo órgão até 1584, quando foi promovido ao lugar de Merulo. Depois
de sua morte, o sobrinho Giovanni inseriu as suas canzone e sonatas
instrumentais num volume que incluía também a obra de seu tio. O volume
surgiu como Concerti de Andréa e di Giovanni Gabrieli...continenti Musica de
Chiesa, Madrigali per voci instrumenti musicali . Giovanni foi provavelmente
responsável pela no va nomenclatura; além dos concerti e sonate, Giovanni
também chamava as suas obras de Symphonie e Dialoghy Musicali. As sonate
eram apenas instrumentais, música soada diferentemente de Cantate ou
música cantada. Concerti era música para coro e instrumentos , ao passo que
Symphonie em geral se aplicava a solos vocais e orquestras. A distinção
barroca não era entre inatamente sacro e inatamente secular; era questão
apenas de música para ser ouvida, assim como pouco mais de uma geração
depois parece haver pouco da natureza de muitas sonatas de chiesa para
convencer-nos de que bem poderíamos falar de sonata de câmera. Temos
relativamente poucos dados sobre os métodos de Giovanni Gabrielli , a não
ser as partituras que dão prova que ele jamais trabalhou ao acaso e que não
estava contente com um método casual.
Grande parte do ímpeto no sentido do estilo contrastante que a época
barroca chamava de concertato era proveniente da música cerimonial
veneziana. O caráter maciço dessas obras, que os musicólogos alemães
chamaram de “barroco colossal ”, evoluiu num estilo para ocasiões especiais,
assim como as obras em estilo concertato de Monteverdi para a Igreja de São
Marcos parece terem sido escritas para grandes comemorações. O “barroco
colossal” atingiu o ponto máximo com a música de Virgílio Mazzochi, mestre-
de-capela de São João Latrão em Roma entre 1628 e 1629 que escreveu uma
obra cantada na Basílica de São Pedro em Roma, com um coro no seu lugar
convencional, outro na galeria perto da cúpula e um terceiro na torre sob a
cúpula. Orazio Benevoli , que escrevia às vezes até para 12 coros
acompanhados, foi ainda mais longe; para a consagração da Catedral de
Salzburg em 1628 ele compôs uma música para dois coros duplos
acompanhados cada um pelo seu contínuo, apoiado por cinco orquestras, duas
de instrumentos de sopro, duas de cordas e uma de metais, cada qual situado
num local diferente da catedral. Toda a obra era calcada num baixo cifrado
que reduz toda a obra à ingenuidade harmônica.
A música escrita para muitos coros e a intensa expressividade a que
aspirava o barroco foram desastrosas para a liturgia, que evoluía no sentido
de uma forma musical mais que para uma expressão d o espírito e devoção da
igreja. O Kyrie converteu suas súplicas centrais, Christi eleison , em solo ou
peça solista de conjunto - às vezes na dominante ou no relativo maior da
principal tonalidade do movimento. Gloria e Credo terminavam cada um com
uma fuga; não raro as duas fugas tinham o mesmo tema. O Sanctus, como da
Missa em si menor de Bach, é em geral grandiosamente solene e direto,
levando a um Hosana vívido que é retomado depois de um Benedictus lírico e
extenso. A Itália, e compositores italianos em toda parte revelaram a Missa
Cantata que fragmenta o texto em movimentos distintos, árias, duetos e
coros; em outros países católicos os compositores foram mais lentos em
fragmentar a unidade do texto litúrgico.
Contudo, na maioria dos casos, o estilo bar roco difundiu -se pela Europa
de modo um tanto semelhante a uma sucessão apostólica. Os discípulos de
Willaert, Cypriano de Rore, Zarlino e Andréa Gabrielli vieram a ser a geração
seguinte na Catedral de São Marcos. A eles juntou -se Cláudio Merulo em
1557, que escreveu em estilo veneziano e em 1574 transferiu -se para Mântua
e depois Brescia. De Rore deixou Veneza em 1547 para ser mestre -de-capela
do duque de Ferrara. Andréa antes de fixar-se em Veneza como segundo e
depois primeiro organista da Igreja de São Marcos sob as ordens de Zarlino,
havia trabalhado em Munique com Lassus. Andréa ensinou a seu sobrinho
Giovanni Gabrielli, que foi o líder da geração seguinte.
A nova terminologia do estilo barroco difundiu -se rapidamente, mas
nem sempre foi utilizada de maneira correta. O adjetivo “concertato”
indicava, do mesmo modo que o título concerto, a reunião de orquestra e
cantores. Isso, nos primeiros dias da orquestra, implicava o emprego de
instrumentos em blocos contrastantes. O emprego do termo impossibilita
concluir se o termo “ concerto” vem do latim “consortio”, “companheiros ou
parceria”, ou de “concertare”, “lutar, competir”. Estamos acostumados à
noção de músico s tocando como parceiros, “em concerto”, mais os primeiros
empregos dos termos “concerto” e “concertato” sugerem que qualquer das
duas raízes latinas poderia ter originado o nome.
Concerto, porém foi o termo que Viadana empregou, aparentemente
pela primeira vez, em 1602 como títulos de seus Concerti Eclesiatici; trata-se
de uma coletânea de motetos e salmos em solo, ao que tudo indica em estilo
monódico, escrito sobre um baixo cifrado que de fato condensa uma textura
polifônica tradicional. Quando a Guerra dos 30 Anos deixou Schütz com
apenas um esqueleto de um coro, ele escreveu o seu Kleine Konzerte para
uma, duas, três ou quatro vozes com acompanhamento de dois violinos, cello
e órgão como contínuo. Mas o monumental Musikalische Exequiem, para seis,
oito e mais vozes, mas com acompanhamento de baixo contínuo, tem o
subtítulo “Concerto na Forma de Réquiem Alemão ”. Esse emprego do termo
concerto como extensa obra para solistas, coro e orquestra, utilizando
conjunto de vozes de diferentes tipos para contraste , continuou a ser aplicado
até o século XVIII; Bach chamou muitas de suas primeiras cantatas religiosas
de “concerto”. Originariamente, o termo parece ter sido aplicado a qualquer
obra religiosa para uma variedade de instrumentos e vozes. Esse gênero, nos
inícios do século XVII antes que a orquestra barroca tendesse a uma
sonoridade homogênea, seria quase inevitavelmente em estilo concertato,
dependendo do contraste.
“Sinfonia”, termo que Giovanni Gabrielli empregou para as obras corais
e orquestrais suas e de seu tio em estilo concertato, está mais próxima de
“concerto”. As grandes obras corais das Symphonie Sacrae de Gabrielli
encerram imensos motetos para três coros a cinco vozes e um coro a quatro
vozes, com metais, cordas e órgão, e In Ecclesiis , para soprano e barítono
solistas, dois coros com vozes desiguais (os sopranos estão no coro um e os
baixos no coro dois), ainda com metais, cordas e órgão. Em cada um desses (
que são mais antigos que os Concerti de Viadana ) os coros e os dois conjuntos
de instrumentos tocam em estilo concertato assim como em passagens
orquestrais poderosamente maciças. As Symphonie Sacrae de Gabrielli
incluem também certa quantidade de obras instrumentais como a Sonata
pian’a forte.
As sonatas no início de sua história para compositores como Giovanni
Gabrielli, era apenas música para ser tocada, diferentemente de sinfonia, que
implicava instrumentos e coro, e concerto que podia exigir vozes e
instrumentos ou apenas vozes; cantata, exato oposto de sonata, significava
apenas música cantada, em geral por uma só voz com baixo cifrado, e não
apropriada para igreja.
A evolução da sonata resultou sobretudo da evolução do violino e
instrumentos aparentados com ele como a viola, o cello e o baixo. A evolução
do violino parece ter-se completado em 1550. As violas eram instrumentos
domésticos, melodiosas e suaves; à medida em que a música se voltou para o
público, o timbre brilhante e mais extrovertido do violino tornou -se mais
desejável. Os grandes artesãos do violino em Cremona - Nicolo Amati,
Antônio Stradivari, Giuseppe Guarnieri - surgidos quando o instrumento já
adquirira sua forma final, abrem a época que vai de 1596, quando nasceu
Amati, a 1774, com a morte de Guarnieri, e ao final daquele período o violino
já se tornara imensamente popular e teve influência considerável na música
instrumental.
A orquestra cada vez mais homogênea, com base num quinteto de mais
ou menos 12 cordas, foi paulatinamente suplantando a sonata instrumental.
Em estabelecimentos como a Igreja de São Petrônio em Bolonha , onde havia
uma das melhores orquestras da Itália, o estilo sonata barroco converteu -se
em sonata para instrumento solista.
A música de teatro - a sinfonia introdutória e os intermezzi entre os
atos de ópera - naturalmente trouxeram melodias mais líricas, ritmos mais
marcantes e vivos no todo da música orquestral. Ao mesmo tempo a posição
da França de Luís XIV como pátria da civilização difundiu a influência da suíte,
reunião de danças variadas coligidas de óperas e bailados franceses,
apreciadas sobretudo na música palaciana alemã.
Todas essas influências nutriram o Concerto Grosso, criado por Corelli e
por seus contemporâneos. Corelli nasceu em 1653 e foi estudar em Bolonha
em 1666. No Concerto Grosso tal como Corelli o escreveu, o ripieno, ou
orquestra completa, é contrastado por um grupo concertino solista. Toda a
orquestra de cordas, com a crescente popularidade da forma da ária
operística, tornou-se por sua vez cada vez mais responsável pela música
ritornello em que entra o concertino como paralelo à voz.
O concerto e a suíte eram música religiosa, palaciana e popular. O
progresso da suíte na Europa central deveu -se em grande parte às bandas
Stadtpfeifer cuja especialidade era a música religio sa e de dança.
O ano de 1600 é importante na história da música: o movimento das
idéias, que se preparava a cerca de um quarto de século, define -se e
manifesta-se subitamente. É o rompimento, nítido desta vez com o estilo
polifônico, pelo aparecimento de um novo estilo: a melodia acompanhada, a
que se costuma chamar de “o reinado do baixo contínuo ”. Melodia
acompanhada e baixo contínuo designam, na realidade, uma estética que vai
ditar leis a um século e meio de criação musical.
Na Itália, que devolveu à Europa o que a Europa havia lhe dado (uma
arte polifônica magistral) acrescido de sua própria riqueza (o lirismo, a
flexibilidade de expressão), a Itália, que se encontrou no centro espiritual da
Renascença, vê manifestarem -se as primeiras e mais férteis i mpaciências de
uma geração que pretende romper com as leis dos músicos do Norte. É então
que vai nascer esse movimento tumultuoso que vivifica toda a história da
música: o Barroco. Simultaneamente, o desejo de renovação, a necessidade de
uma música que represente com realismo os sentimentos humanos, inspira um
gênero novo, que vai ocupar um lugar imenso na vida musical: a Ópera.

8. A Origem da Ópera. 15

Jamais poderemos realmente imaginar porque um estilo mais ou menos


universal é superado por outro. Seria per igoso simplificar a questão
examinando as origens da música barroca em fins do século XVI e dizendo que
um estilo morre de exaustão enquanto outro toma o seu lugar. O estilo
polifônico estabelecido continuou lado a lado com a nova música, e
Monteverdi, o maior dos mestres do início do Barroco, também escreveu no
velho estilo. A mudança deu -se não em virtude do esgotamento da polifonia,
mas da verdadeira transformação na sensibilidade européia; as causas dela
estão entre os imponderáveis da história os quais só podemos conhecer pelos
resultados que apresenta.
Dois princípios encontraram expressão na música barroca. Um, a
monodia dramática que veio a dar na ópera, era novo e revolucionário; o
outro, o princípio pelo qual obras extensas eram elaboradas por contrastes, o
15
RAYNOR, Henry. Op. cit.
estilo concertato que deu origem ao concerto na sua forma primitiva, foi uma
evolução, devida mais a compositores venezianos que a quaisquer outros, da
prática renascentista.
Uma simplificação tradicional atribui a criação da ópera aos encontros
dos Camerata - grupo de artistas que discutiam os seus problemas com
Giovanni Bardi, conde de Vernio. Vicenzo Galileu, Caccini, Stronzzi, Corsi,
Peri e Rinuccini, juntamente com o patrão deles, eram uma “ academia”, ou
clube de artistas, de notável distinçã o intelectual e artística. A simplificação é
justificável, pois inicia a história da ópera num ponto de partida a partir do
qual seus futuros desdobramentos fluem com precisão e ordem lógica. A
ópera contudo, evoluiu a partir de variadas causas, algumas da s quais os
“cameratas” teriam repudiado com desdém. Seja qual for a época e
autenticidade do drama popular tal como mantido pelos folcloristas, suas
sobrevivências modernas assim como os primeiros autos dos milagres
mostram que os primeiros dramaturgos eur opeus escolheram uma forma na
qual a música devia acrescentar intensidade as palavras que eram por vezes
cantadas e às vezes recitadas com acompanhamento musical.
Podemos recuar ao que se poderia chamar “ drama artístico”, até aos
manuscritos do século X da biblioteca de St. Gall. Eles contém tropos que se
expandiram em dramas curtos independentes da liturgia. Desde as suas
origens, o drama europeu parece ter aceito a noção de música como uma
intensificação do drama.
No século XVI, as “ mascherata ”, que foram uma das atrações do
carnaval das cidades italianas, evoluiu para o balé e foram copiadas para
representações palacianas na França. Mistura de mitologia alegórica e lenda
medieval era tratada pelos franceses, em poesia palaciana em vez das cantigas
rudes e singelas do carnaval. Disso surgiu o balé de cour francês, tal como os
membros da Camerata do conde Bardi, estavam fascinados pela possibilidade
de formas nas quais música e poesia se integrassem, e começaram a promover
encontros na Académie de Poésie et Musique, em 1570, quase trinta anos
antes que os intelectuais florentinos começassem seus debates. Fizeram
experiências com versos fortemente acentuados e poesia altamente rítmica a
que chamavam “vers mesures ”. O ritmo é forte mas muito variado, e veio a
ser o estilo dos trechos para solo vocal ( récits) da música do balé de cour, até
que em meados do século XVII, Lully a transformou no recitativo francês.
O objetivo da Académie era a restauração de um estilo que seus
componentes acreditavam ter sido uma das glórias da era clássica da
literatura grega; descobriria um estilo musical que não mais tratasse versos
como simples matéria prima para exploração pelo compositor, mas um estilo
no qual reforçado pela música, os versos seriam dec larados de modo que a
música mantivesse o atrativo próprio ao mesmo tempo que o esquema verbal
de ritmo e inflexão fossem realçados por sua união com os valores musicais de
ritmo e tom determinados. Isso era um reflexo, em termos especificamente
franceses, da paixão renascentista pelas glórias da Antiguidade Clássica e uma
determinação em restaurar as suas glórias. O homem culto do Renascimento
estava persuadido de que muito do teatro grego havia sido musical.
Aristófanes, em As Rãs, referiu-se desdenhosamente ao “plunqueti -plunque-
plunque” das cordas de alaúde entre as estrofes de um coro trágico, e havia
outros textos para amparar a opinião do drama grego como um tipo primitivo
de ópera. Os eruditos renascentistas estabeleceram que a música deve ter
sido destinada não a exprimir as palavras de uma peça grega, mas a transmiti -
la com o máximo de eficácia pelo domínio do tom e do ritmo. Essa noção é
que eles introduziram na mistura de canto, dança, coro e mímica que era o
ballet de cour.
O ballet de cour consistia em certas entrées, dançadas ou
representadas por mímica, precedidas de versos cantados como recités ou
falados. Música coral, canto com acompanhamento de alaúde ou conjunto
instrumentais acompanhavam a dança e a mímica. Cantores e instrumentistas
eram mantidos fora da cena a menos que alguma coisa na história exigisse que
tomassem parte na representação. A forma era totalmente palaciana: os
bailarinos eram cortesãos e o “ finale”, um grand ballet, convertia-se em
oportunidade para a realeza mostrar a sua dignidade, graça e habilidade
técnica na dança. Paulatinamente tornou -se mais estilizada, eliminou a fala e
ficou totalmente unificada pela música. Caccini, o compositor e cantor
florentino que era um dos componentes mais importantes da Camerata do
conde Bardi, foi para Paris a chamado da rainha Maria de Médicis, esposa de
Henrique IV. O estilo de cantar de Caccini, que revelou a rápida
correspondência com o drama dos músicos italianos modernos e vinha sendo
chamado de “stilo rappressentativo ”, com a sua dependência em relação ao
recitativo e declamação dramática, impressionou a corte francesa e,
sobretudo, Pierre Guédron, que em 1601 se tornou compositor da corte e foi,
portanto, responsável pela criação de um grande número de bailados. Como
foi depois d a visita de Caccini que a poesia falada desapareceu do ballet de
cour para ser substituída por música em estilo recitativo livre, os ensinos dos
pioneiros florentinos tiveram influência no estilo extremamente diverso da
música dramática que surgiu na França, embora depois de 1620 a noção de
drama continuado desaparecesse do ballet de cour, que voltou a ser uma
mistura de cenas divertidas sem qualquer noção de continuidade. O sacrifício
de poetas, coreógrafos e compositores, veio a dar ao ballet sua continuidade
e forma; a dança converteu -se numa elaborada interpretação o que também
ocorreu com a decoração das partituras que a motivavam.
O resultado das experiências em monodias realizadas pela Camerata,
foi, a princípio, romper com as tradições populares tão completamente como
o ballet de cour rompeu com as tradições populares na França. O drama
palaciano, na Itália como em toda parte, deu ensejo a inserções musicais
chamadas ”intermezzi” (ou originariamente intermeddii); cada intermédio
apresentava uma peça autônoma, ou peças autônomas, de músicas-bailados,
madrigais, motetos seculares , solos de canto ou obras para conjunto
instrumental, cada qual destinado apenas a alegre contraste com a peça.
Antes do final do século XVI quando Fernando de Médicis se casou com
Cristina de Lorena , os intermeddii, que foram elaborados pelo próprio Bardi,
tiveram textos de Rinuccini, autor de libretos das primeiras óperas. Marenzio
e Cavalieri, madrigalista e pretenso operista, estavam entre os compositores
que compunham madrigais, coros duplos, coros triplos, “sinfonie”
instrumentais. A obra foi composta para órgão, alaúdes, violas, liras, harpas,
trombones, cornetas, orquestra palaciana típica na Itália daquela época, que
Monteverdi utilizou com alguns acréscimos e prodi giosa imaginação no seu
Orfeu.
Embora o conde Bardi, como conhecedor aristocrático e diletante
estivesse envolvido em entretenimento palaciano convencional, quando sua
Camerata começou a reunir -se por volta de 1550, procurava algo bem distante
do tipo de drama musical que pudesse utilizar qualquer das formas populares
da moda. A Camerata voltou as costas às tradições populares que já haviam
levado a música ao palco e eram até certo ponto exploradas tanto pela
mascarada inglesa como pelo “ballet de cour”. O círculo de Bardi era formado
por intelectuais em condições de determinar o tipo de entretenimento que
desejassem e capazes social e financeiramente de por à prova o efeito dele na
representação. Com os colegas franceses da Académie de Poésie et Musique ”,
o círculo de Bardi estava entusiasticamente resolvido a restaurar as glórias da
antiga tragédia grega, com sua seriedade, elevação e poder. Se a música
ouvida no teatro grego fosse digna dos temas trágicos - e essa crença persistiu
até fins do séc XVIII - devia ter sido música de incomparável poder e beleza.
Mas ao mesmo tempo deve ter transmitido e não obscurecido as palavras a
que se ajustavam, e deve portanto ter tomado por base as inflexões e
entonações da voz falada de um ator capaz de fazer jus às glór ias da
dramaturgia grega. Deve achar o equivalente musical das leis da retórica e
cumpri-las fielmente.
Essa era a censura da Camerata contra a música da época anterior a
sua; ela devorava palavras para seus próprios fins e podia transmitir todo os
tipos de coisas - as emoções predispostas no compositor pelo texto, a
atmosfera geral criada pelo texto e a situação dramática - mas não podia
transmitir palavras de maneira clara e distinta, de modo que, como a música,
causassem seu próprio efeito no ouvinte. A polifonia renascentista era uma
arte rejeitada por eles em virtude da relativa independência das palavras.
As primeiras obras dos músicos da Camerata a por suas idéias em
prática eram composições para uma voz e com acompanhamento de um único
instrumento musical. Il Conte Ugolino de Galilei era uma adaptação de
palavras de Dante a voz de tiorba. Algumas de suas peças, juntamente com
música de Peri e Caccini , nas quais acreditavam haver restaurado o segredo da
declamação dramática tal como praticada pelos gr egos antigos, foram
publicadas em 1602, numa coletânea chamada Le Nueve Musiche. No prefácio
Caccini escreveu: “Se quisermos falar bem em música, precisamos ter certo
nobre desdém pelo canto”. Quer dizer, para que a grande poesia seja
fielmente transmitida em música, a música deve sacrificar -se ao padrão de
declamação do poeta, e não impor seus próprios esquemas rítmicos e
melódicos às palavras. Nisso, Caccini está declarando que seguiu o
ensinamento transmitido pelo conde Bardi: ”ao compor, seja o seu prin cipal
objetivo dispor bem os versos e declamar as palavras os mais inteligivelmente
possível, não se deixando desviar pelo contraponto”.
A total rejeição da polifonia por esses compositores, mesmo numa
época em que a polifonia se simplificava, pode ser pe rcebida nas obras
contidas em Le nueve Musiche. As partes vocais desprezam a melodia, dando
ênfase retóricas às palavras e o acompanhamento era não raro de maior
simplicidade, quando não apenas uma nota grave que os ouvidos modernos
acham tosca. O que atin giram foi o estilo recitativo essencial que a música
tinha de realizar antes que pudesse pôr -se inteiramente a serviço do drama.
As primeiras óperas que surgiram da Camerata Fiorentina em fins do
século XVI, obedeciam totalmente às doutrinas do grupo que a s elaborou.
Eram obras quase totalmente declamatórias, não muitas vezes marcadas por
atividades relevantes tais como dissonâncias expressivas e sua resolução no
acompanhamento. Os enredos eram extraídos da mitologia clássica.
A primeira ópera florentina é uma forma quase terrivelmente cerebral,
tentativa dos eruditos de limitar o poder da música a serviço das palavras. A
Eurídice de Jacopo Peri foi algo de notável na primeira apresentação por ser
nova. A ópera como Peri a compôs era por demais despojada e p uritana para
sobreviver como estava, fugindo à expressividade musical. Passaram -se
apenas sete anos entre a Eurídice de Peri e o Orfeu de Monteverdi, um
“drama per musica ” na qual, como em toda grande ópera, música e texto se
casam na intenção dramática. A distância entre a obra de Peri e a de
Monteverdi, é imensa, pois em Monteverdi o dramaturgo musical assimila
totalmente a peça na música.
Em 1600, ano de Eurídice, a Representazione de anima e di corpo de
Cavalieri foi criada no Oratório de São Felipe Néri, em Roma. Os padres do
oratório geralmente reuniam congregações para serviços devocionais
extralitúrgicos, nos quais música em estilo popular eram cantadas; como seu
interesse era fomentar a fé e inspirar devoção, estavam dispostos a utilizar o
que pudesse para alcançar esses objetivos, de modo que já haviam introduzido
o drama religioso falado nos serviços devocionais com pregações de sermões e
cantos de hinos entre os atos da peça. Conquanto possa ser contada como o
primeiro oratório, a forma extraiu o nome do tipo de obra religiosa semi -
operística apresentada no oratório. A Representazione di anima e di corpo
tinha de ser representada e dançada e era inteiramente operística. Era grega
não apenas o estilo recitativo declamado, mas também canções, madr igais e
danças. Revelava um estilo mais elaboradamente expressivo de recitativo que
os compositores florentinos haviam até agora mostrado. Com sua paixão pela
nomenclatura técnica, chamava a nova abertura de “ stilo rappresentativo”-
estilo teatral e cênico . A ópera de Cavalieri é a origem tanto do oratório como
da ópera romana. Cavalieri devia levar em consideração o estilo popular na
sua ópera religiosa se quisesse ter público para a obra que escreveu. Tinha de
ter uma melodia normal, vitalidade de ritmo, cor e graça na harmonia e
orquestração, admitir o tipo de elaboração melódica livre, que ficou
conhecido por “airoso”, para que a música agradasse ao público. Nessas
diretrizes é que a ópera em Roma veio a evoluir paralelamente ao trabalho de
Monteverdi entre 1607, quando escreveu o Orfeu e 1642, quando
L’incoronazione de Poppea foi encenada em Veneza.
Em fins do século XVII, a ópera era uma arte totalmente internacional,
tendo revelado forma própria na França, lutado para esse fim na Inglaterra ,
onde conseguiu a isolada maravilha de Dido e Enéias (1669) de Henri Purcell
(1659-1695), e sendo em toda parte invariavelmente italiana tanto em língua
como em estilo.

Camerata Fiorentina

Vicenzo Galilei --------------------- 1520 - 1591


Giulio Caccini ----------------------1550 - 1618
Ottavio Rinuccini ------------------ 1560 - 1621
Jacopo Peri --------------------------1561 - 1633

Oratório: originou -se dos “laudi spirituali ”cantados nos oratórios em Roma.
Narrativas em poesia e música de feitos sacros, para apoiar as verdades
cristãs.

Emílio de Cavalieri ----------------1550 - 1602


Giacomo Carissimi ----------------1605 - 1674
Heinrich Schütz -------------------- 1585 - 1672

8.1. Características do Barroco.

 Inicialmente, a retomada de tessituras homofônicas, com a melodia apoiada


em acordes simples. No “barroco clássico” há um retorno às tessituras
polifônicas.
 O baixo-contínuo ou baixo cifrado torna-se a base de quase toda a música
barroca, fornecendo uma decidida linha de baixo que impulsiona o músico
para a frente, do início ao fim.
 A orquestra de cordas transforma -se no núcleo da orquestra barroca, mas
conservando um teclado contínuo (cravo ou órgão), de modo a preencher as
harmonias sobre a linha do baixo cifrado e a enriquecer as tessituras.
 No fim do século XVII, ocorre a substituição do sistema de modos pelo
sistema tonal (maior - menor).
 Principais tipos de músicas: coral, recitativo, ária, ópera, oratório,
abertura italiana, abertura francesa, tocata, prelúdio coral, suíte de
danças, sonata de câmera, sonata de chiesa, concerto grosso, concerto
solo.
 Freqüentemente, a música é exuberante. Ritmos enérgicos a impulsion am
para frente; muitos ornamentos (trinados, por exemplo); contrastes de
timbres instrumentais, de poucos instrumentos contra muitos e de
sonoridades fortes com suaves.
 Orquestra: foi durante o Barroco que a orquestra começou a tomar forma
(cada seção ou família como uma unidade independente).
 Estilo contrastante. Principalmente de dinâmica (forte/piano) e de timbres
instrumentais.

8.2. Formas Musicais do Barroco.

8.2.1. A Cantata.

É uma obra para solistas, orquestra e coro, podendo ser sacra ou


profana. Consiste num monólogo dividido em árias e recitativos, com
intervenção corais e instrumentais. Assemelha -se à ópera no que diz respeito
aos desenhos melódicos das árias e recitativos, porém não é representada ou
desenvolvida como uma ação dramática no palco.
Estrutura formal: composição dramática para uma ou várias vozes, com
coros, acompanhamento orquestral.
Partes: Recitativo, árias, duetos, corais, passagens instrumentais .
Construção dos trechos corais: estilo homofônico - melodia
acompanhada de acordes; estilo polifônico - melodias sobrepostas.
Formas mais correntes:

a) Forma Primitiva (Séc. XVI)


* Um Recitativo
* Uma Ária
* Baixo-Contínuo.
b) Forma do Século XVII.
* Coros
* Recitativos
* Árias.

c) Forma de Bach (adotadas por outros compositores)


Forma Profana

* Coros
* Recitativos
* Árias
* Coro Final

Forma Religiosa.

* Introdução Instrumental
* Coros
* Árias
* Recitativos
* Coro Final.

8.2.2. Concerto Grosso.

Surgiu dos Concertinos de Corelli (1653 - 1713) que publicou em 1709


uma coleção de concertos para violino.
Estrutura Formal: em 1712 Corelli acrescentou ao violino ou violinos
solistas um violoncello e um cravo. Este grupos era chamado de concertino e
era acompanhado pelo grosso, o conjunto reforçado. Com Corelli, o ripieno (a
orquestra), dialoga com o concerti no (solistas), ou junta -se a ele nos tutti
(todos os instrumentos juntos.
Estrutura.

* Movimento Rápido
* Movimento Lento
* Movimento Rápido.

8.2.3. A Suíte.

Os compositores da Renascença algumas vezes ligavam uma dança a


outra (por exemplo, a pavana e a galharda). Os compositores do Barroco
ampliaram essa concepção, chegando à forma da suíte: um grupo de peças
para um ou mais instrumentos. Houve muitas suítes escritas para cravo, e o
esquema mais comum acabou abrangendo uma série de quatro danças de
diferentes paíse s:
* Allemande, no compasso 4/4, de andamento rápido.
* Courante, francesa, no compasso 6/4 ou 3/2, moderadamente
rápida; ou uma corrente italiana, em 3/4 ou 3/8, bem mais rápida.
* Sarabanda, espanhola, em vagaroso compasso ternário, quase
sempre com os segund os tempos acentuados.
* Giga, geralmente em tempos compostos (6/8).
Entretanto, antes ou depois da giga, o compositor podia introduzir uma
ou mais danças, como o minueto, a bourée, a gavota ou passed-pied. E
algumas vezes a suíte começava por um prelúdio (ou peça de abertura).
As peças estão na forma binária: duas seções A e B, normalmente com
repetições. No entanto, os compositores franceses, como Couperin, gostavam
de incluir em suas suítes peças na forma de um rondó, em que um tema
principal se alterna com episódios contrastantes (A B A C A...). Purcell
chamava as suas de “lições”; Couperin preferia o nome “ordem”; e Bach,
apesar de ter composto as seis Suítes Inglesas e as Seis Suítes Francesas,
usou às vezes também a designação de “ partita”.
Forma:

* Prelúdio (Fantasia)
* Pavana, Itália, binária.
* Bourée, França, binária.
* Allemande, Alemanha, quaternária.
* Courante - Corrente, França/Itália, ternária.
* Sarabanda, Espanha, ternária.
* Giga, Inglesa, binária.
* Gavota, França, binária.
* Minuetto, França, ternária.
* Polonaise, polonesa, ternária.

8.2.4. Oratório.

Por oratório se entende uma obra de caráter sacro, para solistas, coro e
orquestra, sem ter representação cênica. O termo deriva do oratório - sala de
orações - em que se celebravam as leituras bíblicas e as medi tações com
cancões sacras, as laudi.
O testemunho mais antigo que se tem conservado é a Representazione
di anima e di corpo (Representação de alma e corpo, Roma, 1600) de Emilio
Cavalieri, com recitativos, coros e danças, ou seja, com os rcursos estlístic os
do novo gênero que estava surgindo, a ópera.
A figura central do oratório é o narrador, que, por meio de recitativos
(tenor com baixo contínuo) expõe o texto bíblico ou a ação como elemento
condutor dos diversos números musicais. Os temas originam -se do Antigo
Testamento, do Novo e das vidas dos Santos.
A escola napolitana é que irá introduzir no oratório o modelo operístico
do recitativo seco, o recitativo accompagnato e a ária-da-capo.
A culminação do gênero foi atingida pela escola alemã, com Haendel e
Bach, sucessores diretos de Schütz.

8.2.5. Recitativo.

O recitativo (do italiano recitare, recitar ou representar) é um canto


falado. Esse modo de falar em tom declamado já era conhecido em âmbito
cultural como declamação solene , principalmente entre as culturas mais
antigas. Como exemplo, o canto monódico da Igreja, o recitativo litúrgico, que
se remonta a modelos antigos e hebreus, desempenha um importante papel
na origem do recitativo.
No século XVII, as primeiras óperas constavam de recitativos e coros, ou
seja, canto solista acompanhado de baixo contínuo.
Formas:

* stilo narrativo, sem ação, com a melodia seguindo a rítmica


poética.
* stilo recitativo, qualquer canto falado.
* stilo rappresentativo, que descreve os personagens. É expressivo
seguindo o modelo do madrigal renascentista. Inclui o gesto teatral, o diálogo,
e a ação dramático-cênica, se paroximando da ária de ópera primitiva.
* recitativo seco, aompanhado por baixo contínuo, conten do a ação
narrada da ópera ou do oratório.
* recitativo accompagnato (acompanhado), sustentado pela
orquestra, também denominado arioso. É lírico, situado entre o recitativo
seco e a ária.

8.2.6. Abertura.

É uma peça instrumental introdutória de uma ópera, oratório, de uma


obra teatral, de uma suíte, etc. Até o século XVII não existiam formas fixas
para este tipo de prelúdio. Tratava -se de fragmentos breves que marcavam o
começo da representação, com o objetivo de despertar a atenção do público.

8.2.6.1.Abertura Francesa .

Apareceu pela primeira vez em Paris, composta por Lully, em 1658, e se


transformou no tipo mais conhecido de abertura do Barroco. Sua forma é
tripartida:
1ª parte: lenta, de expressão solene.
2ª parte: rápida, em compasso ternário e estilo fugato.
3ª parte: retoma tematicamente a primeira parte.

8.2.6.2.Abertura Italiana.

Um tipo oposto de abertura desenvolveu -se em Nápoles, sobretudo por


Alessandro Scarlatti (1696).

1ª parte: rápida concertante.


2ª parte: lenta, cantável, com um instrumento solista.
3ª parte: rápida, fugada, de caráter dançante.

8.2.7. Ária-da-capo.

Sua origem remonta a Claudio Monteverdi , em Mântua e Veneza. Mas


irá se converter em forma principal de ária na época do florescimento da
ópera napolitana, com Alessandro Scarlatti (1660-1725).
Forma: A B Á. A terceira parte é repetição da primeira por isso, da capo
(D.C.).

8.2.8. Fuga.

A fuga é uma peça contrapontística que se fundamenta essencialmente


na técnica de imitação . Geralmente, é escrita para três ou quatro partes,
chamadas “vozes” (não importando o fato de a peça ser vocal ou
instrumental). Estas são referidas como soprano, tenor, contralto e baixo.
A detalhada estrutura de uma fuga pode ser um tanto complicada, mas,
basicamente, a idéia é a seguinte: toda a peça se desenvolve a partir d e uma
melodia razoavelmente curta, mas de acentuado caráter musical. A essa
melodia se dá o nome de tema (no sentido de “tema de uma discussão”). Este
aparece pela primeira vez em uma voz, sendo depois imitado pelas outras
vozes, cada qual de uma vez e em sua altura adequada.
Durante toda a fuga, o tema - ora em uma voz, ora em outra - aparece
em novas tonalidades. Essas entradas são separadas por seções denominadas
episódios. O compositor tanto pode fundamentar o episódio em uma idéia
tirada do próprio tema, como se valer de novos motivos musicais.
Podemos perceber as origens da fuga no estilo imitativo presente em
quase toda a música vocal renascentista e também, na canzona e no ricercare
instrumentais. Durante o Barroco tardio (final do Barroco), a idéia foi levada à
perfeição por Haendel e, sobretudo por Bach, que compôs magníficas fugas
para órgão, uma coleção de 48 Prelúdios e Fugas para cravo, O Cravo Bem
Temperado, além da Arte da Fuga.
A palavra fuga dá idéia de vozes escapando ou se perseguindo, a cada
vez que entram com o tema. Pode acontecer de um compositor escrever uma
peça ao estilo de fuga (estilo fugato), sem que esteja compondo uma fuga
completa.

9. Bibliografia.

BENNET, Roy. Uma Breve História da Música. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1986.

CALDWELL, John. La Música Medieval. Madrid, Alianza Editorial, 1984.

DELLA CORTE, A. PANNAIN, G. Historia De La Música. Barcelona, Editorial Labor,


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