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O social não pode ser construído como uma espécie de material ou domínio e assumir a tarefa

de fornecer uma "explicação social" de algum outro estado de coisas.

Já não se sabe ao certo se existem relações especificas o bastante para serem chamadas de
"sociais" e agrupadas num domínio especial capaz de funcionar como uma "sociedade". Assim,
nem ciência nem sociedade permaneceram estáveis o suficiente para cumprir a promessa de
uma forte “sócio-logia”.

Latour quer, pois, encontrar uma definição alternativa para "sociologia" sem descartar esse
rotulo útil, e continuando fiel a seu apelo tradicional.

Que vem a ser uma sociedade? Que significa a palavra "social"? Por que se diz que
determinadas atividades apresentam uma "dimensão social"? Como alguém pode demonstrar
a presença de "fatores sociais" operando? Quando o estudo da sociedade ou de outro
agregado social se revela profícuo? De que modo o rumo de uma sociedade pode ser alterado?
Para responder a estas perguntas, duas abordagens muito diferentes foram adotadas. Só uma
delas se tornou senso comum - a outra é objeto do presente livro.

A primeira solução foi postular a existência de um tipo especifico de fenômeno chamado por
vários nomes: “sociedade", "ordem social", "prática social", "dimensão social" ou "estrutura
social". No último século, durante o qual foram elaboradas teorias sociais, era importante
distinguir esse domínio da realidade de outras esferas como economia, geografia, biologia,
psicologia, direito, ciência e política. Um dado traço era considerado "social" ou "inerente à
sociedade" quando apresentava, por definição, propriedades especificas, algumas negativas -
não devia ser "puramente" biológico, linguístico. Econômico, natural; e outras positivas - devia
compor, reforçar, exprimir, preservar, reproduzir ou subverter a ordem social. Uma vez
definido esse domínio, ainda que de maneira vaga, podia-se usá-lo para lançar alguma luz
sobre fenômenos especificamente sociais - o social esclarecendo o social - e fornecer uma
explicação qualquer para aquilo que escapava aos outros domínios: um apelo a "fatores
sociais" elucidaria os “aspectos sociais" de fenômenos não sociais.

A outra abordagem não admite o pressuposto básico da primeira. Afirma que não há nada de
especifico na ordem social; que não existe nenhuma dimensão social, nenhum "contexto
social”, nenhuma esfera distinta da realidade a que se possa atribuir o rótulo "social" ou
"sociedade"; que nenhuma “força social” esta ai para "explicar" os traços residuais que outros
domínios não explicam; que os membros sabem muito bem o que estão fazendo, mesmo
quando não falam a respeito para satisfação dos curiosos; que os atores nunca estão inseridos
num contexto social e são, por isso mesmo, muita mais que meros "informantes”; que,
portanto, não há sentido em acrescentar "fatores sociais" a outras especialidades cientificas;
que a relevância política obtida por meio de uma "ciência da sociedade" não e
necessariamente desejável; e que a "sociedade", longe de representar o contexto "no qual"
tudo se enquadra, deveria antes ser vista como um dos muitos elementos de ligação que
circulam por estreitos canais. Na visão alternativa, "social" não é uma cola que pode fixar tudo,
inclusive a que as outras não fixam; é aquilo que outros tipos de conectores amalgamam.
Enquanto os sociólogos (ou socioeconomistas, sociolinguistas, psicólogos sociais etc.)
encaram os agregados sociais como o elemento capaz de lançar luz sabre os aspectos
residuais da economia, linguística, psicologia, administração e assim por diante, os outros
estudiosos, ao contrário, consideram os agregados sociais como algo a ser explicado por
associações especificas fornecidas pela economia, linguística, psicologia, direito,
administração etc.
Podemos permanecer fiéis às instituições originais das ciências sociais redefinindo a
sociologia não como a "ciência do social", mas como a busca de associações. Sob este angulo,
o adjetivo "social" não designa uma coisa entre outras, como um carneiro negro entre
carneiros brancos, e sim um tipo de conexão entre coisas que não são, em si mesmas, sociais.

A cada instância, precisamos reformular nossas conexões daquilo que estava associado, pois a
definição anterior se tornou praticamente irrelevante. Não sabemos muito bem o que o termo
"nós" significa; é como se estivéssemos atados par "laços” que não lembram em nada os
vínculos sociais.

Latour define o social não como um domínio especial, uma esfera exclusiva ou um objeto
particular, mas apenas como um movimento peculiar de reassociação e desagregação.

A ciência não precisa dar lugar ao "quadro social", moldado por "forças sociais" tanto quanto
por sua própria objetividade, pois os objetos dela deslocam, eles próprios, qualquer contexto
graças aos elementos estranhos que os laboratórios de pesquisa associam de maneira
imprevisível.

Se, na primeira abordagem, toda atividade - direito, ciência, tecnologia, religião, organização,
politica, administração etc. - podia relacionar-se e ser explicada pelos mesmos agregados
sociais por trás dela, na segunda versão de sociologia não há nada subjacente a essas
atividades, embora elas possam ser agrupadas de modo a produzir uma sociedade - ou não. Eis
a diferença crucial entre as duas versões. Ser social já não é uma propriedade segura e
simples. É um movimento que as vezes não consegue traçar uma nova conexão e redesenhar
um conjunto bem formado. Após prestar bons serviços no passado, a chamada "explicação
social" tornou-se uma maneira contraproducente de interromper o movimento de associação,
em vez de retomá-lo.

Ao longo da obra. Latour distingue a sociologia padrão do social de uma subfamília mais radical
que chamará de sociologia crítica. Este último ramo será definido pelos três traços seguintes:
ele não só se limita ao social como substitui um objeto de estudo por outro, feito de relações
sociais; alega que essa substituição é inviável para os atores sociais que precisam iludir-se
supondo a existência, aí, de algo "mais" que o social; e julga que as objeções dos atores as suas
explicações sociais fornecem a melhor prova de que estas são corretas. A fim de esclarecer,
chamará a primeira abordagem de "sociologia do social" e a segunda de "sociologia de
associações".

ABRINDO CAMINHO PELA TEORIA DO ATOR-REDE (ANT)

A origem dessa abordagem foi a necessidade de uma nova teoria social ajustada aos estudos
de ciência e tecnologia. Um dos aspectos principais descritos por Latour é o exato papel
atribuído aos não humanos. Eles precisam ser atores e não meras projeções simbólicas. Outro
fator consiste em determinar o rumo da explicação. Se o social permanece estável e consegue
justificar um estado de coisas, não é ANT. O terceiro fator, mais difícil, seria descobrir se um
estudo almeja reagregar o social ou continua insistindo na dispersão e na desconstrução.

Os deveres do cientista social mudam concomitantemente: já não basta restringir os atores ao


papel de informantes de casos de tipos bem conhecidos. E preciso devolver-lhes a capacidade
de elaborar suas próprias teorias sobre a constituição do social. A tarefa não consiste mais em
impor a ordem, em limitar o número de entidades aceitáveis, em revelar aos atores o que eles
são ou em acrescentar alguma lucidez à sua pratica cega. Para empregar um slogan da ANT,
cumpre "seguir os próprios atores", ou seja, tentar entender suas inovações frequentemente
bizarras, a fim de descobrir o que a existência coletiva se tornou em suas mãos, que métodos
elaboraram para sua adequação, quais definições esclareceriam melhor as novas associações
que eles se viram forçados a estabelecer. A sociologia do social funciona bem quando se trata
daquilo que já foi agregado, mas nem tanto quando o problema é reunir novamente os
participantes naquilo que não é – ainda – um tipo de esfera social.

Este livro sobre a maneira de usar a ANT para reunir conexões sociais foi organizado em três
partes correspondentes aos três deveres que a sociologia do social assumiu, por motivos não
mais justificáveis:

Como dispor as muitas controvérsias sobre associações sem restringir, de antemão, o social a
um domínio especifico?

Como tornar plenamente rastreáveis os instrumentos que permitem aos atores estabilizar
essas controvérsias?

Por meio de quais procedimentos e possível reagregar o social não numa sociedade, mas num
coletivo?

Na primeira parte, mostrarei por que não devemos, de início, limitar o tipo de seres existentes
no mundo social. As ciências sociais ficaram excessivamente tímidas quanto a revelar a vasta
complexidade das associações com que se depararam. Argumentarei que é possível alimentar,
por assim dizer, as controvérsias e aprender como nos tomarmos bons relativistas - sem
dúvida, uma preparação necessária antes de explorar novos territórios.

Na segunda parte, mostrarei como rastrear conexões sociais acompanhando o trabalho feito
para estabilizar as controvérsias suscitadas na primeira. Tomando uma metáfora da
cartografia, eu diria que a ANT procurou tornar o mundo social o mais achatado possível para
garantir a total visibilidade de qualquer vínculo novo.

Por fim, concluirei revelando por que a tarefa de reagregar o coletivo se justifica plenamente,
mas só depois de abandonarmos o recurso da sociedade e da "explicação social".

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