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BOGART, Anne e LANDAU, Tina: The Viewpoints Book: A

practical guide. TCG, NY, 20051.


Capítulo 1: A História do Viewpoints e Composição2

América passou por um abalo cultural ocorrido em meados do


século passado. Foi uma mudança marcada por eventos, tais como
protestos contra a guerra do Vietnã, a marcha pelos direitos civis, o
nascimento do expressionismo abstrato, o pós-modernismo e o
minimalismo. Durante os anos 60, essa explosão cultural e revolução
artística foram marcos históricos em Nova Iorque, São Francisco e
outros centros urbanos que, então, irradiaram sua influência por todo
o país. Era um movimento político, estético e pessoal, que alterou o
modo como os artistas pensavam seus processos, seu público e seu
papel no mundo. Essa erupção abrupta de atividade foi como um ar
fresco para muitos jovens, incluindo o grupo de artistas do Teatro da
Judson Church – reunidos na Judson Church e na Washington Square,
em Nova Iorque. O grupo incluia jovens pintores como Robert
Rauschenberg e Jasper Johns, compositores como John Cage e Philip
Corner, cineastas como Gene Friedman e dançarinos como Yvone
Rainer Trisha Brown, David Gordon, Lucinda Childs, Steve Paxton,
Laura Dean, Simone Forti e outros. Inspirados por seu professor de
composição, Robert Dunn, esses dançarinos queriam questionar a
premissa de seu próprio treinamento e como eles abordavam seu
trabalho. Eles queriam criar alternativas para penetrante influência de
George Balanchine, Martha Graham e mesmo aqueles mais
contemporâneos, como Merce Cunningham. Eles queriam libertar a
coreografia da psicologia e do drama convencional. “O que é dança?”
eles perguntavam. “Se um elefante balança sua tromba, isso é
dança? Se uma pessoa atravessa o palco, é dança?”

1
O livro dos Viewpoints: um guia prático. Tradução de Miriam Rinaldi – PUC 2011.
2
Livremente traduzido por Miriam Rinaldi em Maio de 2009.
Um grande número de experimentos se seguiu: performances
em telhados, platéias assistindo através de buracos de fechaduras,
dançarinos suspensos no ar, dançarinos em plataformas móveis.
Trabalhando com a noção de que tudo é possível, esses artistas
começaram a mudar as regras. Rauschenberg e Johns, por exemplo,
não apenas criaram designs para as apresentações, mas
frequentemente concebiam os eventos e atuavam neles. A
improvisação tornou-se linguagem comum e todos ajudavam todo
mundo.
Um dos fundamentos que unia os grupos era sua crença numa
arte não hierárquica e o uso de atividades em “tempo real” que
aparecia através das estruturas de jogos (teatrais) ou de atividades
como tarefas orientadas. O grupo queria funcionar democraticamente
com todos os membros tendo igual acesso à oportunidade de
apresentação em cena. Nas improvisações, cada participante tinha o
mesmo poder na criação de um evento. O pensamento estético era
igualmente não hierárquico. A música, por exemplo, não poderia ditar
escolhas. Um objeto poderia ter a mesma importância que o corpo
humano. A palavra falada poderia ser tão valorosa que o gesto. Duas
idéias poderiam coexistir com o mesmo grau de importância ao
mesmo tempo num mesmo palco.
Esses pioneiros do pós-modernismo prepararam o território que
nós ocupamos hoje. Eles rejeitaram os temas e as mensagens sociais
do mundo da dança moderna e seu virtuosismo técnico e colocaram
em seu lugar decisões internas, estruturas, regras ou problemas. O
que faz a dança afinal é o contexto da Dança. Qualquer movimento
que ocorra enquanto se trabalha com esses problemas torna-se arte.
Essa filosofia apoia-se no coração de ambos: Viewpoints e
Composição.
No início dos anos 70, Aileen Passloff, um dançarino, coreógrafo
e pessoa fundamntal no movimento da Judson Church, tornou-se
professor de Anne Bogart na Faculdade de Bard. A aula de
composição de Aileen exerceu um enorme efeito na trajetória de
Anne e foi quando ela começou suas criações. Os estudantes eram
convocados a criar seus próprios trabalhos baseados em sonhos,
objetos, diversão ou qualquer coisa que pudesse dar suporte à sua
criação. Para Anne, essa foi a gênesis de como, em sua vida, ela
passaria a se interessar na aplicação de teorias de pintura,
arquitetura, música e cinema no teatro. Aileen também inspirou Anne
para investigar o papel criativo de cada ator/ performer.
Mais tarde, em 1979, Anne encontrou a coreógrafa Mary
Overlie, a inventora dos “Seis Viewpoints”, na Universidade de Nova
Iorque, onde elas estavam juntas na faculdade Experimental de
Teatro (Experimental Theater Wing). Embora bem depois do cenário
da Judson Church, Mary, que havia treinado como dançarina e
coreógrafa, atribuiu suas próprias inovações para os experimentos
ocorridos nesse período. Seu pensamento era também inspirado por
seus companheiros de Sao Francisco, incluindo Anna Halprin em
Berkekey, Deborah Hay e particularmente Barbara Dilley com quem
Mary tinha um grupo formado exclusivamente por mulheres chamado
de História Natural da Dançarina Americana.
Mary mergulhou nessas inovações e surgiu com seu próprio
caminho para estruturar as improvisações em dança no
tempo/espaço – os Seis Viewpoints: Espaço, Forma, Tempo, Emoção,
Movimento e História. Ela começou a aplicar esses princípios, não
apenas em seu próprio trabalho como coreógrafa, mas também
enquanto professora. Consequentemente, seu trabalho foi uma forte
influência as várias gerações de artistas de teatro que viriam.
A abordagem de Mary para os Seis Viewpoints foi e continua
sendo absoluta. Ela é inflexível sobre sua pureza. Como recompensa,
seus alunos e colegas reconhecem a genialidade de sua inovação e
sua relevância para o teatro, a tal ponto de terem extrapolado e
expandido o Viewpoints de Mary para seu próprio uso.
Para Anne e mais tarde Tina, foi instantaneamente claro que a
abordagem de Mary na criação de movimento para o placo fosse
aplicada para criar no teatro momentos dinâmicos e viscerais dos
atores e outros colaboradores. Em 1987, Tina e Anne encontraram-se
enquanto trabalhavam no Teatro de Repetório Americano (American
Repertory Theater) em Cambridge, Massachussets. Para os próximos
dez anos, elas colaboraram extensivamente, experimentando
teatralmente e expandindo os seis Viewpoints de Overlie para nove
Viewpoints Físicos (Relação Espacial, Resposta Kinestésica3, Forma,
Gesto, Repetição, Arquitetura, Tempo, Duração e Topografia) e os
Viewpoints Vocais (Altura4, Dinâmica, Aceleração/Desaceleração,
Silêncio e Timbre).
Passados vinte anos, o treinamento de Viewpoints tem
provocado a imaginação de coreógrafos, atores, diretores, designers,
dramaturgos e escritores. Hoje, embora o Viewpoints seja ensinado
por todo o mundo e usado por muitos artistas de teatro nos
processos de ensaio, sua teoria e aplicação continuam relativamente
novos. A questão emerge frequentemente: O que exatamente é
Viewpoints? O que exatamente é Composição?

3
A palavra Kinestesia não é encontrada em dicionários da língua portuguesa, no entanto, optamos por
mantê-la com a letra k para assim diferenciá-la de sinestesia. Também preferimos manter o radical grego
kinesis, ao invés do anteposto quineses.
4
“Pitch”, que poderia também ser traduzido por alcance, grave ou agudo.

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