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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

GIOVANA SIQUEIRA PRINCIPE

A ESCRITA DE MONOGRAFIA NO ENSINO TÉCNICO


INTEGRADO AO MÉDIO: UMA PRÁTICA DIALÓGICA DE
LETRAMENTO ACADÊMICO

CAMPINAS,
2017
GIOVANA SIQUEIRA PRINCIPE

A ESCRITA DE MONOGRAFIA NO ENSINO TÉCNICO


INTEGRADO AO MÉDIO: UMA PRÁTICA DIALÓGICA DE
LETRAMENTO ACADÊMICO

Tese de doutorado apresentada ao Instituto


de Estudos da Linguagem da Universidade
Estadual de Campinas para obtenção do título
de Doutora em Linguística Aplicada na área
de Linguagem e Educação

Orientadora: Profa. Dra. Raquel Salek Fiad

Este exemplar corresponde à versão


final da Tese defendida pela aluna
Giovana Siqueira Principe e orientada
pela Profa. Dra. Raquel Salek Fiad

CAMPINAS,
2017
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.
ORCID: http://orcid.org/http://orcid.org/ht

Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem
Crisllene Queiroz Custódio - CRB 8/8624

Principe, Giovana Siqueira, 1982-


P935e PriA escrita de monografia no ensino técnico integrado ao médio : uma prática
dialógica de letramento acadêmico / Giovana Siqueira Principe. – Campinas,
SP : [s.n.], 2017.

PriOrientador: Raquel Salek Fiad.


PriTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Estudos da Linguagem.

Pri1. Letramento - Estudo e ensino (Ensino médio) - Brasil. 2. Letramento -


Estudo e ensino (Ensino técnico) - Brasil. 3. Redação acadêmica. 4. Ensino
médio. 5. Ensino técnico. 6. Ensino integrado. 7. Dialogismo. I. Fiad, Raquel
Salek,1948-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da
Linguagem. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Monograph writing in High School/Professional Education : a


dialogical academic literacy practice
Palavras-chave em inglês:
Literacy - Study and teaching (High school) - Brazil
Literacy - Study and teaching (Technical education) - Brazil
Academic writing
High school education
Technical education
Articulation (Education)
Dialogism
Área de concentração: Linguagem e Educação
Titulação: Doutora em Linguística Aplicada
Banca examinadora:
Raquel Salek Fiad [Orientador]
Cynthia Agra de Brito Neves
Márcia Rodrigues de Souza Mendonça
Émerson de Pietri
Adriana Fischer
Data de defesa: 16-08-2017
Programa de Pós-Graduação: Linguística Aplicada

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)


BANCA EXAMINADORA

Raquel Salek Fiad

Cynthia Agra de Brito Neves

Márcia Rodrigues de Souza Mendonça

Émerson de Pietri

Adriana Fischer

IEL/UNICAMP
2017
Ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se
no SIGA – Sistema de Gestão Acadêmica.
Aos meus amados pais, Antônio Carlos e Hilda.
AGRADECIMENTOS

Primeiramente, e em especial, à professora Raquel, minha orientadora, cujos


encaminhamentos foram essenciais tanto para a pesquisa quanto para a escrita da
tese, por ter me acompanhado nesse processo importante da minha vida acadêmica.
Minha eterna gratidão e admiração.

Aos colegas do grupo de pesquisa coordenado pela professora Raquel: Eliane P.


Vieira, Marcela Lima, Eliane Feitoza, Shirlei Neves, Ângela Fuza, Lucas Carvalho
Maciel. Larissa Paris, Nathalie Letouzé e Flávia Sordi Miranda.

Aos professores do IEL: Roxane Rojo e Márcia Mendonça, pelos encaminhamentos


na qualificação do projeto da tese; Petrilson Pinheiro da Silva, pela orientação na
qualificação de área. Jacqueline Barbosa, pelas considerações e sugestões
encaminhadas em Seminário de apresentação da tese em andamento.

Às professoras Márcia Rodrigues de Souza Mendonça e Cynthia Agra de Brito


Neves, pela leitura atenciosa do meu trabalho para qualificação e pelos valiosos
encaminhamentos, que, com certeza, estão indiciados na tese. Muito obrigada.
Agradeço também por aceitarem fazer parte da banca de defesa.

Aos professores Émerson de Pietri e Adriana Fischer, por aceitarem compor a banca
de defesa e pelas valiosas contribuições. Aos professores Lucas Vinício de Carvalho
Maciel, Jacqueline Peixoto Barbosa e Nelita Bortolotto, pela participação como
suplentes.

Ao IFSP, que concedeu afastamento das minhas atividades docentes, para que eu
pudesse ter dedicação exclusiva ao doutorado.

Ao diretor da minha escola, por autorizar a geração dos dados.

Às amigas: Flávia Sordi Miranda, pelos inúmeros conselhos acadêmicos, pela


parceria em artigo para finalização de disciplina, pela companhia em viagens para
Unicamp e congressos, enfim, pela amizade especial, e Gisele Lima, pela
hospedagem e estimada amizade desde a graduação.

Ao meu marido, Rafael, sempre compreensivo e sábio ao me acalmar nos


momentos de tensão. Muito obrigada pela companhia e carinho.

Aos colegas de trabalho que participaram da minha pesquisa, pelas entrevistas,


documentos gentilmente cedidos e por estarem sempre dispostos a sanar minhas
dúvidas sobre o contexto. Não é possível citar os nomes dos professores que me
ajudaram, porém gostaria muito que sentissem minha gratidão.

Aos alunos, que foram extremamente solícitos e compreensivos, por confiarem no


meu trabalho, além de como professora, como pesquisadora.
RESUMO

Inserida no campo da Linguística Aplicada, esta tese tem como objetivo principal
discutir, a partir de uma perspectiva dialógica de linguagem, a escrita acadêmica no
ensino técnico integrado ao médio, modalidade de ensino defendida por documentos
do Ministério da Educação até a recente reforma do ensino médio. No âmbito dessa
discussão, busca-se compreender a situação de produção da escrita de monografia,
como Trabalho de Conclusão de Curso, em um contexto específico de ensino-
aprendizagem, a saber, um curso técnico integrado ao médio em Automação
Industrial de uma escola técnica federal, por meio da composição de um mosaico
dialógico das práticas de letramento acadêmico envolvidas nessa escrita. A geração
dos dados partiu de duas vertentes metodológicas: (i) a base etnográfica sugerida
pelos estudos dos Letramentos Acadêmicos, caracterizada pela compreensão do
contexto de produção, dando voz aos agentes sociais participantes da prática de
letramento, a fim de elucidar os significados por eles atribuídos à escrita da
monografia, por meio das entrevistas realizadas com os professores e alunos; (ii) a
pesquisa-ação (NOFFKE; SOMEKH, 2005), pelo caráter reflexivo sobre minha
própria prática, a partir da minha constituição como uma das mediadoras desse
letramento (LILLIS; CURRY, 2006), que até então não contava com a participação
do professor de Língua Portuguesa, ou seja, minha mediação passa a fazer parte
das relações dialógicas inseridas nas práticas envolvidas na escrita. Os dados foram
compostos por transcrição de entrevistas realizadas com os sujeitos de pesquisa,
transcrição de áudio-vídeo das minhas aulas, trechos das versões das monografias
dos alunos e as apreciações dos professores membros da banca examinadora dos
trabalhos. Para a análise dos dados, articulamos o conceito de dialogismo, no
sentido bakhtiniano do termo, ao aporte teórico-metodológico oferecido pelos Novos
Estudos do Letramento (STREET, 2014) e mais especificamente pela área dos
Letramentos Acadêmicos (LEA; STREET, 2006, 1998; LILLIS; SCOTT, 2008),
metodologia sugerida por alguns autores brasileiros, dentre eles, Fiad (2015, 2013b,
2011) e Fischer (2010, 2008), que defendem tal articulação para o estudo das
práticas dos letramentos acadêmicos em suas pesquisas. A análise é direcionada
por três categorias, as quais emergiram da própria análise dos dados, visto que
perpassam todas as vozes sociais presentes na prática de letramento: 1)
Monografia: concepção do gênero, função social, identidade discursiva de alunos e
professores; 2) Concepções de linguagem, de ensino de língua, de letramento 3) A
escrita da monografia e as concepções de pesquisa. Os resultados mostraram
conflitos de vozes gerados em meio a relações de poder e aspectos ocultos do
letramento (STREET, 2009), os quais subsidiam discussões e reflexões sobre a
escrita da monografia e seu ensino, no curso técnico integrado ao médio.

Palavras-chave: Monografia; Dialogismo; Letramentos Acadêmicos; Ensino


Técnico/Médio.
ABSTRACT

This work is established in Applied Linguistics and it aimed at discussing, from a


dialogical perspective of language, academic writing in professional/secondary
education, modality defended by government documents about education in Brazil,
until the recent modifications that has been made by public policies. Based on this, it
aimed at comprehending the production context of a monograph writing, in a specific
teaching-learning context – a course of Industrial Automation from a Technological
Federal School, by constructing a dialogical map of the literacy practices associated
to the text writing. There were two research methodology: (i) ethnography basis from
Academic Literacies Studies, that suggest the comprehension of production context,
by listening to social agents voices who were the literacy practice participants, in
order to recognize meanings they see in monography writing, based on interviews
with teachers and students; (ii) action research (NOFFKE; SOMEKH, 2005), because
of the intention of discussing my own practice as one of the literacy brokers of this
literacy practice (LILLIS; CURRY, 2006). Until then, Portuguese teacher did not
participate in monography teaching-learning process. Therefore, my mediation
became one of the dialogical relations involved in monograph writing. Data were
made up of Interviews with teachers and students, my classes audio-video
transcriptions, parts of student’s monography and teachers evaluation of student’s
monography. Data were analyzed, based on dialogism (Bakhtin) and some concepts
from New Literacy Studies (STREET, 2014), more specifically from Academic
Literacy Studies (LEA; STREET, 2006, 1998; LILLIS; SCOTT, 2008), methodology
suggested by some Brazilian authors, such as Fiad (2015, 2013b, 2011) and Fischer
(2010, 2008), who use both theories to research on academic practices. Tree
categories, which emerged from the own data analyses, guided our study since they
were seen in all social voices of the literacy practice: 1) monograph: genre
conception, social function, Students’ and teachers’ discursive identify; 2) Language,
language teaching and literacy conceptions. 3) monograph writing and research
conceptions. The results showed voices conflicts emerged from power relations and
hidden features (STREET, 2009), which enable discussion about monograph writing
and its teaching, in professional/secondary courses.

Keywords: Monograph Writing; Dialogism; Academic Literacies;


Professional/Secondary Education
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – descrição dos dados gerados e dos dados contemplados na tese (Fonte:
formulação própria) ................................................................................................... 60
Quadro 2 – Perfis dos professores entrevistados, referente à formação e às funções
exercidas no ano da geração dos dados (Fonte: Plataforma Lattes) ...................... 103
Quadro 3 – relação dos alunos, orientadores e trechos da monografia analisados
(Fonte: elaboração própria) ..................................................................................... 104
Quadro 4 – resumo das aulas sobre monografia (Fonte: elaboração própria) ....... 104
Quadro 5 – Perfis dos professores membros da banca, referente à formação e às
funções exercidas no ano da geração dos dados (Fonte: Plataforma Lattes) ......... 106
Quadro 6 - opinião dos membros da banca sobre o gênero monografia (Fonte:
elaboração própria) ................................................................................................. 129
Quadro 7 – versões 1 e 2 dos objetivos da monografia (Fonte: monografia de A1)
................................................................................................................................ 145
Quadro 8 – versões 3 e 4 dos objetivos (Fonte: monografia de A1) ...................... 146
Quadro 9 - A opinião dos professores da banca sobre a língua e seu ensino (Fonte:
elaboração própria) ................................................................................................. 148
Quadro 10 – duas versões de um trecho da monografia de A3 (Fonte: monografia de
A3)........................................................................................................................... 174
Quadro 11 – comentários dos professores da banca sobre as concepções de
pesquisa (Fonte: elaboração própria) ...................................................................... 175
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BNCC – Base Nacional Comum Curricular


CEFET – Centro Federal de Educação Profissional e Tecnológica
CEP – Comitê de Ética em Pesquisa
EAF – Escola Agrotécnica Federal
EBTT – Ensino Básico Técnico e Tecnológico
EM – Ensino Médio
ETF – Escola Técnica Federal
IFs – Institutos Federais
IFSP – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo
LP – Língua Portuguesa
MEC – Ministério da Educação
MTb – Ministério do Trabalho
NEL – Novos Estudos do Letramento
PROEJA – Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a
Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos
SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
TCC – Trabalho de Conclusão de Curso
TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TICs – Tecnologias da Informação e Comunicação
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
CONVENÇÕES DE TRANSCRIÇÃO1

/ Truncamento brusco ou interrupção

(...) Suspensão de trecho da transcrição original

/.../ Transcrição parcial ou eliminação

(+) Pausa

MAIÚSCULA Ênfase ou acento

:: Alongamento de vogal

((comentário)) Comentário do Analista

” Subida rápida de entonação, principalmente, interrogações

’ Subida leve de entonação, principalmente vírgulas e pontos finais

Duplicação de letra, sílaba ou palavra para marcar repetições

1 Baseada em Marcuschi, Luiz Antônio. Análise da Conversação, 1986, Ed. Ática.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 14
Interesse pelo objeto de pesquisa, justificativas, objetivos ....................................... 14
Organização da tese ................................................................................................. 21

1. ENSINO TÉCNICO NO BRASIL: DO ENSINO DE OFÍCIOS À REDE FEDERAL


DE ENSINO TÉCNICO E TECNOLÓGICO............................................................... 25
1.1 BREVE HISTÓRICO SOBRE O ENSINO TÉCNICO NO BRASIL ...................... 25
1.2 INSTITUTOS FEDERAIS: SURGIMENTO, CURSOS, ALUNOS E FORMA DE
INGRESSO ............................................................................................................... 32
1.3 O CAMPUS DA GERAÇÃO DOS DADOS .......................................................... 38
1.4 TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO: PRÁTICA DE USO DA
LINGUAGEM MANIFESTADA VIA DIFERENTES GÊNEROS ................................ 39
1.5 A ESCOLHA DO GÊNERO MONOGRAFIA COMO TRABALHO DE
CONCLUSÃO DE CURSO ........................................................................................ 43

2. METODOLOGIA ................................................................................................... 49
A LA e a opção pela abordagem qualitativa .............................................................. 49
O cunho etnográfico da pesquisa .............................................................................. 52
Os sujeitos da pesquisa ............................................................................................ 55
As entrevistas ............................................................................................................ 57
A geração de dados .................................................................................................. 59

3. LETRAMENTO, NOVOS ESTUDOS DO LETRAMENTO, LETRAMENTO


ACADÊMICO. ........................................................................................................... 63
3.1 NOVOS ESTUDOS DO LETRAMENTO ............................................................. 63
Eventos de letramento e práticas de letramento ....................................................... 68
3.2 LETRAMENTOS ACADÊMICOS ........................................................................ 70
3.3 ESTUDOS DOS LETRAMENTOS ACADÊMICOS E O CONTEXTO DE
PESQUISA ................................................................................................................ 75
Dimensões escondidas e prática institucional do mistério ........................................ 77

4. CONCEPÇÕES BAKHTINIANAS COMO APORTE TEÓRICO PARA ANÁLISE


DOS DADOS............................................................................................................. 80
4.1 DIALOGISMO COMO PRINCÍPIO CONSTITUTIVO DA LINGUAGEM .............. 80
4.2 OS DIÁLOGOS ENUNCIATIVOS COMO GUIAS DA ANÁLISE DOS DADOS ... 82
Diálogo entre os enunciados ..................................................................................... 83
Diálogo entre a alternância de vozes do enunciado .................................................. 87
Diálogo entre os sujeitos do discurso: alteridade ...................................................... 92
4.3 DIÁLOGO COM O PROFESSOR DE LP: PESQUISA-AÇÃO............................. 95
O modelo dialógico dos letramentos acadêmicos ..................................................... 97
5. A ESCRITA DA MONOGRAFIA: UMA PRÁTICA DIALÓGICA DE
LETRAMENTO ACADÊMICO ................................................................................ 102
5.1 MONOGRAFIA: CONCEPÇÃO DO GÊNERO, FUNÇÃO SOCIAL, IDENTIDADE
DISCURSIVA DE ALUNOS E PROFESSORES ..................................................... 107
Voz dos professores orientadores: conversa com P1 e P2 ..................................... 107
Voz dos alunos: conversa com A1, A2 e A3............................................................ 115
Voz da professora de Língua Portuguesa: minhas aulas. ....................................... 120
O que os alunos fizeram ......................................................................................... 126
A banca examinadora ............................................................................................. 128
5.2 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM, DE ENSINO DE LÍNGUA, DE LETRAMENTO
................................................................................................................................ 132
Voz dos professores orientadores: conversas com P1, P2 e P3 ............................. 132
Voz dos alunos: conversa com A1 .......................................................................... 139
Voz da professora de LP: minhas aulas .................................................................. 140
O que os alunos fizeram ......................................................................................... 144
A banca examinadora ............................................................................................. 148
5.3 A ESCRITA DA MONOGRAFIA E AS CONCEPÇÕES DE PESQUISA ........... 155
Voz dos professores orientadores: conversa com P1 e P2 ..................................... 155
Voz dos alunos: conversa com A1, A4 e A3............................................................ 159
Voz da professora de LP: minhas aulas .................................................................. 162
Onde os alunos pesquisaram e o que escreveram ................................................. 170
A banca examinadora ............................................................................................. 175

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 179


Primeiro conflito....................................................................................................... 180
Segundo conflito...................................................................................................... 182
Terceiro conflito ...................................................................................................... 184
A pesquisa-ação...................................................................................................... 186

REFERÊNCIAS....................................................................................................... 191

APÊNDICES ........................................................................................................... 198

ANEXOS ................................................................................................................. 203


14

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa de doutorado tem como tema a escrita de


monografia no ensino técnico integrado ao médio, tomada como uma prática
dialógica de letramento acadêmico. Para discutir esse assunto, acompanhei a escrita
de uma monografia como objeto de Trabalho de Conclusão de Curso (doravante
TCC) em um curso técnico integrado ao médio, do campus do Instituto Federal, onde
atuo como professora de Língua Portuguesa. Será narrado nesta tese, então, como
se deu a escrita, em meio às relações dialógicas emergentes da situação de
produção, circulação e uso da linguagem, dentre elas, minha mediação como
professora de Língua Portuguesa (LP). Serão apresentados, nesta seção
introdutória, o interesse pelo objeto de investigação, os objetivos da pesquisa, sua
caracterização geral e organização.

Interesse pelo objeto de pesquisa, justificativas, objetivos

Para compreender as motivações que levaram ao objeto de pesquisa,


retomo minha trajetória acadêmica. Como aluna do curso de mestrado em Estudos
da Linguagem, na Universidade Estadual de Londrina (2005-2007), estudei a
argumentação no discurso publicitário. Contudo, desde a graduação, sem dúvidas
de que queria atuar como professora de ensino médio, demonstrava interesse por
questões mais diretamente ligadas ao ensino de Língua Portuguesa, em especial,
sobre a prática do professor. Assim, ao longo do curso de mestrado e após ele,
sempre houve uma inquietação e vontade de direcionar meus estudos para o
ensino. Após o mestrado, em 2008, iniciei minha carreira como docente de Ensino
Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT), no Instituto Federal do Estado de São Paulo,
o que alimentou ainda mais minha preocupação com questões de ensino-
aprendizagem, especialmente as relacionadas à escrita. No desejo de sanar essa
inquietação, adentrei-me no campo da Linguística Aplicada, no programa de pós-
graduação da Unicamp, para o qual apresentei um projeto de pesquisa cujo tema
nasceu da minha prática como professora atuante no ensino técnico integrado ao
médio.
O interesse pela investigação surgiu da minha prática como professora de
Língua Portuguesa, por seis anos até o ano da geração dos dados, dos dois cursos
15

técnicos integrados do campus onde atuo. O ensino técnico integrado ao médio é


aquele em que o aluno cursa as disciplinas do ensino médio regular e as disciplinas
da área técnica ao mesmo tempo, recebendo, ao final do curso, os dois diplomas.
Essa modalidade de ensino vinha sendo defendida por documentos do Ministério da
Educação até agora (antes das recentes discussões sobre a reforma do ensino
médio).
Ao interagir com os professores responsáveis pela formação técnica dos
dois cursos, deparei-me com depoimentos de insatisfação quanto à escrita de
gêneros científicos nas suas disciplinas, principalmente no último ano dos cursos,
que são, no Técnico em Automação Industrial, uma monografia e, no Técnico em
Química, relatórios de estágio. Chamou-me a atenção o fato de, até então, o
professor de Língua Portuguesa não se envolver no desenvolvimento da escrita
desses gêneros, criando-se uma separação entre o trabalho dos professores das
disciplinas de formação técnica e o do professor de Português, sem
interdisciplinaridade, indo na contramão da proposta de um ensino técnico
efetivamente integrado. Causava-se, assim, a impressão de que o professor de
Português, de um lado, devesse instrumentalizar os alunos para a escrita dos
gêneros produzidos nas outras disciplinas, e os professores da área técnica, de
outro, já contassem com a competência dos alunos na escrita de gêneros
acadêmicos. Decidi, então, tentar compreender o contexto de produção desses
gêneros, optando por acompanhar a escrita da monografia, gênero que os alunos
não estavam acostumados a escrever na esfera escolar. A opção pela monografia
do curso de Automação decorre da possibilidade de acompanhar todo o processo, já
que os alunos a escrevem apenas no último ano, além da adesão dos professores
da área na colaboração com a geração dos dados para a pesquisa.
Nesse caso, o interesse por estudar essa prática de letramento específica
veio após a constatação de que os professores orientadores e os membros das
bancas de apresentação das monografias estavam insatisfeitos com os textos
produzidos pelos alunos, isto é, os textos não estavam de acordo com a concepção
de escrita científica dos professores dessa instituição, fazendo-nos indagar sobre
quais eram as suas expectativas e como essas interferem na construção do gênero
ali situado. Diante desse cenário, tomo como objeto de pesquisa a compreensão
dessa prática de linguagem, assim como das relações dialógicas que a envolvem,
16

com intuito de oferecer subsídios para a discussão sobre o ensino-aprendizagem do


gênero.
Outro ponto incentivador da pesquisa foi a observação da grade curricular
dos cursos, a qual possui, no total, onze aulas semanais de Língua Portuguesa
distribuídas nos quatro anos de curso (primeiro ano: 3 aulas semanais; segundo
ano: 3 aulas semanais; terceiro ano: 3 aulas semanais; quarto ano: 2 aulas
semanais). Apesar de ser um número reduzido, se comparado à grade do ensino
médio regular, cria-se a expectativa, notadamente dos professores, mas também por
parte dos alunos, de que as aulas de português e o processo de escolarização em si
sejam suficientes para formar alunos escritores de qualquer gênero discursivo, ideia
resultante de uma concepção de letramento baseada no modelo autônomo de
letramento (STREET, 2014), que pressupõe a existência de habilidades de leitura e
escrita que, uma vez aprendidas na escola, são aplicáveis a todas as práticas.
Nesse modelo, “o contato (escolar) com a leitura e a escrita, pela própria natureza
da escrita, faria com que o indivíduo aprendesse gradualmente habilidades que o
levariam a estágios universais de desenvolvimento (níveis)” (ROJO, 2009, p. 99).
Um terceiro motivo para a escolha do tema é a falta de pesquisas
especificamente relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa no Ensino Médio,
com foco na compreensão dos motivos que levam os alunos a não atingirem um
rendimento satisfatório quanto ao uso da linguagem, como apontam Mendonça e
Bunzen (2006, p. 13):

Há de fato uma demanda por pesquisas que ajudem a compreender


por que razões, no EM, as competências relativas ao campo da
linguagem ainda estão longe do patamar desejado, como indicam,
mesmo que de maneira parcial, avaliações de nível nacional como o
Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e o Exame
Nacional do Ensino Médio (ENEM).

Ademais, a realização da pesquisa no ensino técnico integrado ao médio


é relevante pelo aumento do número de escolas técnicas no país. Segundo portal do
MEC2, o número de escolas técnicas federais, por exemplo, mais que dobrou,
contando com 578 unidades no ano da geração dos dados. Segundo a Lei
11.892/2008 acerca da estrutura organizacional dos Institutos Federais, 50% dos

2PORTAL DO MEC. Disponível em: http://redefederal.mec.gov.br/expansao-da-rede-federal. Acesso


em 27 set. 2017.
17

cursos ofertados devem ser técnicos, prioritariamente na modalidade integrada.


Além disso, há a rede estadual de ensino, que também oferece cursos nesse
formato. Os cursos integrados, como o próprio nome sugere, devem ocorrer de
forma que haja um diálogo entre as disciplinas da formação geral e da formação
profissionalizante, por isso, abordar a atuação do professor de Língua Portuguesa,
nessa modalidade de ensino, torna-se relevante.
Traçados o objeto, as justificativas e a motivação da pesquisa, vale contar
como seu objetivo central foi ressignificado. A ideia inicial, diante do não
contentamento dos professores da área técnica com os textos dos alunos, era
intervir no processo de ensino da escrita da monografia, com foco no meu trabalho
como professora de LP, a fim de avaliar, por meio da pesquisa-ação, os resultados
da minha mediação. No entanto, após a geração dos dados, realizada por meio de
entrevistas com os professores e alunos, com o intuito de deixar transparecer as
relações dialógicas circunscritas na produção da monografia, os dados mostraram
que minha mediação e os outros diálogos ali presentes estavam imbricados e que,
portanto, todos são igualmente relevantes e dizem muito sobre essa prática de
letramento.
Nesse sentido, a tese passou a não mais ser sobre a mediação do
professor de Português na escrita da monografia no ensino técnico/médio, mas
sobre a escrita de monografia no ensino técnico integrado ao médio, diante das
relações dialógicas presentes no contexto de produção, dentre elas a minha
mediação, questionando a respeito de como o aluno se forma em meio aos diálogos
estabelecidos. Por isso, optei por duas vertentes metodológicas, que serão mais
bem detalhadas no capítulo de metodologia: a base etnográfica proposta pelos
estudiosos dos Letramentos Acadêmicos, articulada ao conceito de dialogismo de
Bakhtin, e a pesquisa-ação. A primeira nos permite olhar para as relações dialógicas
presentes na prática de letramento, enquanto a pesquisa-ação propõe uma reflexão
sobre minha própria prática, também perpassada pelos diálogos.
Como se trata também de uma pesquisa-ação, o objetivo é encontrar
maneiras de compreender os agentes sociais dessa prática de escrita, para planejar
minha intervenção, como mediadora do letramento, nesse processo. Eversen (1998,
p. 91), ao falar sobre o objeto da LA, ressalta a importância da compreensão do
contexto para o aprimoramento das práticas envolvidas:
18

se indagarmos que tipo de conhecimento é buscado na Linguística


Aplicada, teremos que considerar, em primeiro lugar, o que
denominei de "interesse primário de conhecimento", que abrangeria
entender, explicar, ou solucionar problemas e aprimorar soluções
existentes.
.
Leva-se, assim, em consideração a responsabilidade social da pesquisa,
visto que a visão dos participantes ajuda a compreender os conflitos que porventura
possam emergir das práticas de uso da linguagem. Além disso, o relato de uma
pesquisa-ação possibilita que o professor-pesquisador reflita sobre a própria prática,
podendo fomentar a reflexão de outros pesquisadores e professores (MOITA
LOPES, 1998). Nessa perspectiva, intenciona-se colaborar com o entendimento
dessa prática de letramento exigida por alguns cursos técnicos integrados, assim
como discutir o trabalho do professor de LP no ensino-aprendizagem da escrita da
monografia nessa modalidade de ensino, diante das vozes dialógicas que a cercam.
Em suma, o objetivo principal da pesquisa é compreender a escrita
acadêmica, em um contexto de ensino-aprendizagem específico, por meio da
composição de um mosaico3 dialógico das práticas de letramento acadêmico
envolvidas na escrita da monografia, verificando o que esses diálogos nos dizem
sobre essa prática. Dessa forma, o interesse volta-se para como os alunos
produzem um gênero científico, em contato com as diferentes vozes dos mediadores
do letramento e como eles respondem a esses diálogos no processo de
textualização. Lembrando ainda que, dentre os mediadores do letramento está a
minha prática como professora de LP e, por isso, a reflexão sobre ela faz parte do
objetivo geral da tese. Para atingir o objetivo principal, enumero os objetivos iniciais
e específicos do trabalho:

• Compreender o contexto de produção da monografia, dando voz


aos participantes – professores e alunos –, a fim de elucidar os
sentidos por eles atribuídos a essa prática letrada, conforme
sugerem os estudiosos da área dos Letramentos Acadêmicos, por
meio das entrevistas e das apreciações feitas pela banca
examinadora;

3 Gostaria de agradecer à professora Márcia Mendonça que sugeriu, na qualificação, a visão de


“mosaico” das relações dialógicas, o que se encaixou perfeitamente com a atividade de análise dos
dados realizada nesta tese.
19

• Compreender as concepções e expectativas dos professores e


alunos com relação aos textos, assim como suas dificuldades
apresentadas ao longo da escrita e orientação;
• Propor uma intervenção, a fim de coparticipar do ensino da escrita
da monografia;
• Buscar indícios, nos textos dos alunos, das ações responsivas às
relações dialógicas estabelecidas no contexto de produção; em
seguida, verificar o que esses diálogos dizem sobre a escrita de
monografia e seu ensino, nesse contexto específico;
• Refletir sobre minha própria prática a partir da experiência de
contato com as vozes sociais e da intervenção proposta.

Com relação à questão de pesquisa, a pesquisa-ação frequentemente


não tem como ponto de partida uma única pergunta, pois é, sobretudo, motivada por
uma vontade de inovação da própria prática (do pesquisador). Para atingir o desejo
de mudança, faz-se necessária a compreensão do contexto onde a prática social
está inserida assim como a visão dos participantes do processo, a fim de
desenvolver estratégias de ação (NOFFKE; SOMEKH, 2005). Assim sendo, não
temos apenas uma questão de pesquisa, mas questões norteadoras do meu
trabalho como pesquisadora, com a finalidade de entender as concepções dos
participantes (alunos, professores da área técnica e professor de Língua
Portuguesa) sobre a prática social estudada: escrita de monografia no Ensino
Técnico Integrado. Tais questões são:

1. Quais são as peculiaridades do contexto de produção da escrita da


monografia, visto que valorizamos o caráter situado das práticas
letradas?
2. Quais são as expectativas dos professores da área técnica quanto
ao texto científico e, consequentemente, seu conceito de
letramento?
3. Qual a concepção dos alunos de “um bom texto”?
4. Quais as dificuldades dos alunos nesse processo de escrita?
5. Quais as expectativas dos alunos referentes às aulas de Língua
Portuguesa?
20

6. Quais os significados que tanto os alunos quanto os professores da


área técnica atribuem a essa prática social? Eles enxergam a
escrita da monografia como uma prática social situada?
7. Quais as dificuldades dos professores da área técnica na
orientação desse processo?
8. Como o professor de LP pode proceder para auxiliar os alunos na
produção da monografia?
9. Como os alunos respondem aos diálogos travados entre os
mediadores do letramento (professores da área técnica, orientador,
professor de LP)?
10. Qual a opinião dos professores membros da banca sobre a versão
final do trabalho?
11. O que a compreensão da situação de produção, sob a perspectiva
dialógica, nos fala sobre o ensino de monografia no ensino
técnico/médio?

Para atender a tais objetivos, assumo aqui que o aluno do ensino médio
está em constante processo de letramento, o qual não se limita à fase de aquisição
do código linguístico, mas estende-se a todos os usos da língua escrita (KLEIMAN,
2007). No caso da prática pesquisada, trata-se de um letramento não vivenciado
anteriormente pelos alunos do curso. Entender o contexto de produção desse
gênero discursivo envolve caracterizá-lo, sobretudo com relação ao seu significado
social, quando pensamos que os alunos pesquisados cursam o ensino médio
profissionalizante e, logo, estão a um passo de atuarem no mercado de trabalho ou
de ingressarem no ensino superior. Ou seja, pretende-se compreender o papel
dessa prática escolar, diante dos objetivos do ensino médio e do ensino técnico.
Segundo Ribeiro (2005), para que o letramento escolar atenda às
necessidades dos jovens, tornando-os autônomos, de maneira que possam,
inclusive, adequar-se às exigências do mercado de trabalho, é preciso que eles se
insiram de modo mais profundo e diversificado na cultura letrada e, para isso,

é importante conhecer os usos e os significados que os jovens


atribuem à leitura e à escrita, compreendendo como o letramento se
insere num conjunto mais amplo de práticas e disposições
21

relacionadas ao consumo e à produção cultural, à formação para o


trabalho e à participação cidadã. (RIBEIRO, 2005, p. 25)

A partir dessa perspectiva, torna-se salutar não só investigar os


significados atribuídos à monografia, mas compará-los com os sentidos atribuídos a
outros gêneros escolares, para descobrir como essa escrita, mais comumente
exigida no nível superior, dialoga com a história de letramento dos alunos.
Os desvios dos padrões institucionalizados, presentes nos textos dos
alunos, não serão tomados, nesta tese, como problemas de linguagem, mas sim
como acontecimentos constitutivos dela, os quais decorrem dos contextos reais de
interação verbal, já que o intuito é compreender e analisar a prática de linguagem
observada, de forma crítica e reflexiva, como postulam os estudos na área de LA:

O principal interesse para o campo aplicado de uma concepção anti-


idealista da comunicação verbal, não assentada no ideal de
cooperação, está justamente na reconfiguração da noção de mal-
entendido e de incompreensão como desvios ou perturbações a
serem reparadas. Em práticas reais de uso da língua, o mal-
entendido e a incompreensão são constitutivos do processo de
comunicação, e não a negação ou o impedimento desse processo.
(SIGNORINI, 1998, p. 107)

Organização da tese

A escrita da tese é organizada em cinco capítulos, além das


considerações finais. No primeiro, com o intuito de delinear o contexto da pesquisa,
faço um breve panorama histórico do ensino profissionalizante, abordando o
surgimento, objetivos e público, relacionados ao cenário econômico e histórico do
Brasil. Após essa parte, centro-me na história dos Institutos Federais, até o nosso
contexto específico de pesquisa, focando na maneira como o gênero monografia foi
escolhido pelos professores para compor o Trabalho de Conclusão de Curso, além
de justificar que, para esta tese, tomo como gênero discursivo a monografia e não o
TCC, já que este pode ser manifestado via diversos gêneros, dependendo da
instituição e do curso nos quais esteja situado.
Segue-se então o segundo capítulo, sobre a metodologia da geração e
análise dos dados. Sendo um trabalho inserido na área da Linguística Aplicada, sua
metodologia é definida como qualitativa do tipo pesquisa-ação. Nesse capítulo,
justifico o enquadramento da pesquisa, caracterizo os sujeitos, explicito os passos
22

da geração dos dados e justifico a opção pelo aporte teórico que orientou a análise
dos dados: a articulação entre a concepção dialógica da linguagem provinda dos
estudos bakhtinianos e a teoria dos Letramentos Acadêmicos. Decorrente da opção
por esse aporte teórico, chamo de segunda vertente metodológica, além da
pesquisa-ação, a ancoragem etnográfica proposta pelos estudos dos Letramentos
Acadêmicos.
No terceiro capítulo, apresento os conceitos advindos dos estudos dos
Letramentos Acadêmicos, os modelos de letramento observados por Lea e Street
(1998, 2006) no contexto acadêmico: o modelo das habilidades, o modelo da
socialização acadêmica e o modelo dos letramentos acadêmicos, este último
defendido pelos autores como o mais adequado para se observar as práticas no
contexto acadêmico. Antes disso, esclareço a concepção de letramento adotada
para o trabalho, passando por alguns conceitos importantes vindos dos estudos dos
Letramentos e dos Novos Estudos do Letramento (doravante NEL), norteadores da
análise dos dados, dentre os quais destaco os conceitos de evento de letramento e
prática de letramento; modelo autônomo de letramento e modelo ideológico de
letramento. Por fim, discuto sobre as dimensões que ficam escondidas (hidden
features) (STREET, 2009) durante o ensino-aprendizagem da escrita e, ainda, a
prática institucional do mistério (LILLIS, 1999), discussão que subsidia a análise das
práticas dos professores envolvidos (inclusive de LP) no ensino da escrita da
monografia.
O quarto capítulo foca o modo como os conceitos bakhtinianos de gênero
do discurso e de dialogismo constitutivo da linguagem guiam a análise do
desenvolvimento da monografia. Para isso, divido as relações dialógicas em três
instâncias: diálogo entre os enunciados; diálogo entre a alternância de vozes do
enunciado e diálogo entre os sujeitos do discurso (alteridade), de forma que se
possa reconhecer esses diálogos todos, na análise dos dados, para compreensão
do contexto da escrita da monografia e da minha prática como professora de
Português e mediadora do letramento.
O quinto capítulo é destinado à análise dos dados e está dividido em três
partes, as quais constituem as três categorias surgidas da observação dos dados, à
medida que aparecem nas três vozes sociais da prática de letramento: dos
professores da área técnica, da minha voz como professora de LP e da voz dos
alunos. Todas as categorias corroboram com a compreensão do contexto da escrita
23

da monografia, a partir da perspectiva de cunho etnográfico dos estudos dos


Letramentos Acadêmicos, pois procuro entender os significados atribuídos pelos
sujeitos às práticas de letramentos, considerando as relações de poder e questões
identitárias envolvidas no trabalho dos sujeitos com a linguagem. A primeira
categoria de análise, intitulada Monografia: concepção do gênero, função social,
identidade discursiva de alunos e professores, aborda as concepções do gênero
monografia trazidas pelas vozes, como os alunos e professores levam em
consideração a função social do gênero e como essas questões interferem na
construção da identidade dos sujeitos como pesquisadores e escritores de textos
científicos. Na segunda categoria, intitulada Concepções de linguagem, de ensino de
língua, de letramento, é mostrado como, nas vozes dos professores e dos alunos,
essas concepções ficam implícitas e influenciam a escrita. A terceira categoria, A
escrita da monografia e as concepções de pesquisa, mostra como os professores
ensinaram os alunos a pesquisar e como os alunos pesquisaram, além das
implicações das concepções de pesquisa na escrita da monografia.
Vale ressaltar dois pontos importantes: em todas as categorias, são
trazidas as vozes na seguinte ordem: as vozes dos professores da área técnica
presentes nas entrevistas, as vozes dos alunos também nas entrevistas, minha voz
nas minhas aulas, trechos dos textos dos alunos, para ver como responderam às
relações dialógicas e, novamente, as vozes dos professores da área técnica, agora
como membros da banca examinadora. Quanto à minha prática, analiso/reflito sobre
minha intervenção no ensino de escrita da monografia por meio dos indícios
deixados nos textos dos estudantes em respostas dadas aos diálogos travados
pelas minhas aulas e pelas interferências visíveis (MAYRINK-SABINSON, 1997),
como perguntas, sinais de correção, comentários etc., realizadas por mim nos textos
dos alunos.
Nas considerações finais, apresento uma síntese das questões
observadas nas três categorias de análise, as quais, a partir da perspectiva
dialógica, relacionam-se entre si e evidenciam os conflitos gerados pelo mosaico das
práticas envolvidas na escrita. Por fim, com o intuito de contemplar uma das
vertentes metodológicas, trago também alguns pontos reflexivos a respeito do antes
e depois da pesquisa-ação, caracterizada pela minha participação não só como
pesquisadora, mas também como um dos sujeitos da pesquisa, ocupando o lugar
discursivo e, portanto, dialógico, de mediadora do letramento. Esse envolvimento
24

permitiu-me refletir, repensar e reformular minhas práticas futuras, enfatizando seu


caráter desafiador.
25

Capítulo 1

ENSINO TÉCNICO NO BRASIL: DO ENSINO DE OFÍCIOS À REDE


FEDERAL DE ENSINO TÉCNICO E TECNOLÓGICO

Conforme relatado na Introdução, as teorias que guiam a análise dos


dados, a partir da articulação de concepções bakhtinianas e conceitos vindos dos
NEL e Letramentos Acadêmicos, convidam-nos a atentar para a situação de
produção dos enunciados, o que justifica este primeiro capítulo sobre o contexto da
geração dos dados.
Farei um breve resgate histórico do ensino profissionalizante no Brasil,
sublinhando os seus objetivos, abrangência e público até a atualidade, sobretudo
com relação à rede federal de ensino técnico e tecnológico, para compreensão do
contexto mais amplo da pesquisa. A primeira parte do capítulo aborda os primeiros
sinais do que poderia ser chamado de ensino técnico no Brasil, passa pela sua
identidade no decorrer da história, pela influência do setor econômico e industrial e
das políticas públicas, até chegar ao que se defendia nesse momento. Ressalto que,
nos anos de 2016 e 2017, estão ocorrendo propostas políticas de reforma do ensino
médio que interferem na concepção de ensino técnico e tecnológico, podendo,
assim, alterar o cenário que contextualiza esta pesquisa até então. Na segunda
parte, é focado o surgimento dos Institutos Federais e são destacadas algumas
características importantes para o entendimento do contexto institucional e cultural
em que se inserem os participantes da pesquisa. Por fim, é feita uma discussão a
respeito da escolha da monografia como o gênero do Trabalho de Conclusão de
Curso.

1.1 BREVE HISTÓRICO SOBRE O ENSINO TÉCNICO NO BRASIL

Ao ensino de ofícios no Brasil foram atribuídas, ao longo de sua história,


diferentes conotações, as quais se modificaram paralelamente ao quadro político e
econômico do país, até se chegar à educação profissional atual, chamada de ensino
técnico e tecnológico.
Nos seus primórdios, a formação do trabalhador era vinculada à servidão,
por remeter-se ao período colonial, quando os índios e escravos aprendiam ofícios a
serviço dos colonizadores, enquanto os filhos dos colonos recebiam educação
26

puramente intelectual, afastada de qualquer trabalho braçal. Mais tarde, ficou ligada
ao assistencialismo, pelo fato de algumas escolas de ensino de ofícios terem sido
abertas para atenderem desfavorecidos, deficientes físicos e idosos (GARCIA,
2000). Desde sua criação, em 1809, pelo príncipe D. João VI, o ensino
profissionalizante oferecido no colégio das fábricas era de natureza assistencial, com
fins de atender às necessidades da economia, já que os alunos eram postos nas
indústrias. Esse perfil de formação perdurou até o começo do período republicano,
com qualificação direcionada a setores específicos da indústria (REGATTIERI;
CASTRO, 2010).
Com o intuito de consolidar o ensino profissional desvinculado às classes
sociais – o que não passou de um projeto – após a proclamação da República,
verbas federativas foram repassadas aos estados para que se abrissem escolas
técnicas profissionais, para atender à demanda crescente das indústrias por mão-de-
obra qualificada. Buscava-se, então, maior número de trabalhadores para a
indústria, assim como a qualificação dos estudantes para o trabalho, porém a
educação formal ainda ficava separada do ensino da profissão e a quantidade de
trabalhadores não era suficiente, gerando forte pressão, vinda dos empresários, em
cima do Estado, para intervir no sistema educacional. Em consequência disso, na
década de 40, foi fundado um setor para administrar a formação de trabalhadores, o
qual ainda existe, o SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial,

justificado pela ineficiência do poder público na concretização e


expansão do ensino secundário profissionalizante, a indústria, que
pressionava para a criação de formas alternativas (mais rápidas)
para a formação do trabalhador, criou-se um sistema de ensino
paralelo ao sistema oficial, que foi organizado em convênio com as
indústrias, através da Confederação Nacional das Indústrias – CNI
(GARCIA, 2000, p. 7)

Na década de 70, houve a tentativa de acrescentar a formação


profissional ao que hoje se denomina ensino médio. Por meio de uma lei, todos os
cursos médios teriam uma carga mínima de disciplinas do ensino profissional, o que
acarretou em uma perda de identidade do ensino de segundo grau, impulsionando,
uma década depois, com a Lei nº 7.044/1982, o Conselho Federal de Educação a
tornar essa junção facultativa (REGATTIERI; CASTRO, 2010). Nota-se, assim, que,
27

no Brasil, a educação profissional não surgiu de forma integrada à educação


convencional, dualidade ainda existente nas políticas educacionais.
Em meados dos anos 90, a globalização da economia de mercado, em
constante processo de transformação, interferiu no setor industrial, sobretudo com
relação às tecnologias, o que consequentemente modificou as exigências do
mercado de trabalho quanto ao perfil do trabalhador. Com isso, “disseminou-se a
concepção de que são as ‘novas tecnologias’ (na maior parte das vezes
identificadas como sendo as de base física) que determinam as novas demandas
por qualificação” (FERRETTI, 1997, p.227).
De acordo com Ferretti (1997), essa relação entre novas tecnologias e
qualificação não se dá de forma tão linear, já que as novas exigências de
qualificação profissional não são apenas potencializadas pela tecnologia. Apesar
disso, há que se encarar que a globalização do mercado econômico interfere no
processo de produção e na competitividade, incitando os órgãos responsáveis pela
formação de trabalhadores e os interessados nela a discutirem a qualificação
profissional, logo, estabelecerem alterações nos sistemas educacionais do país. “A
questão principal a ser enfocada pela formação profissional tem a ver,
evidentemente, com as novas demandas que lhe faz o setor empresarial”
(FERRETTI, 1997, p. 230).
Foram as agências de formação profissional mais diretamente ligadas aos
empresários (SENAI, SENAC, etc.) que sofreram, primeiramente, modificações, as
quais se consolidaram no início da década de 90; já o ensino técnico federal mudou
mais profundamente no final da década, destacando “a possível contribuição desse
setor do sistema de ensino público para a formação de recursos humanos
supostamente demandados pelos setores modernos da economia nacional”
(FERRETTI, 1997, p. 233).
Prova do quanto a reestruturação econômica influenciou a concepção do
que era o ensino técnico profissional da época foram as várias ações promovidas
pelos Ministério da Educação (doravante MEC) e Ministério do Trabalho (doravante
MTb), como debates registrados em documento oficial, envolvendo representantes
de comissões e programas sobre educação, capacitação e produtividade, junto com
o governo, universidades, empresários, trabalhadores e outras instituições
(FERRETTI, 1997).
28

A partir daí, passa-se a pensar na criação de Centros de Educação


Profissional e na reestruturação da rede de ensino técnico nos âmbitos federal,
estadual e municipal, além do setor privado, projetando-se, na educação básica de
qualidade, a expectativa de obter competitividade global e desenvolvimento
econômico. Em decorrência disso, passa-se a discutir a Lei das Diretrizes e Bases, a
reforma do ensino médio e da educação profissional. Vale ressaltar um dos pontos
discutidos nesses debates: a relação entre o ensino básico e a formação profissional
(FERRETTI, 1997), discussão que questiona, por exemplo, se o ensino técnico deve
ser integrado ao ensino médio, concomitante ou subsequente, ou ainda, se a
formação básica e a formação técnica devem ser realizadas na mesma instituição.
Há, nesse período, recomendações vindas de órgãos internacionais,
sugerindo que o sistema público de ensino, já que menos flexível, deva ser
encarregado da formação básica, a qual tem caráter mais geral e é mais longa,
servindo como base para a formação profissional. Esta deve ser promovida pelos
setores responsáveis, de forma rápida e flexível, a fim de atender às demandas
geradas pela economia, sobretudo pelos setores propulsores de inovações
tecnológicas. O MEC e MTb concordam com essa ideia de flexibilização e agilidade
da formação profissional, propondo que as escolas técnicas federais, estaduais e
particulares, cujos sistemas são considerados “rígidos” e “antiquados”, reavaliem sua
estrutura e organização para, assim, suprir as novas necessidades do setor
empresarial e tecnológico (FERRETTI, 1997).
A partir de 1997, diferentemente dos cursos técnicos com duração de 3 a
4 anos, cujos diplomas conferiam aos alunos a dupla formação do ensino médio e
técnico e, logo, a possibilidade de ingresso no ensino superior,

Todos os sistemas (federal, estaduais e privados) foram obrigados,


por decreto federal, a oferecer apenas ensino técnico modular,
excluindo-se desses módulos as disciplinas de formação geral. A
conclusão de cada módulo pode dar ao aluno um certificado de
conclusão desse módulo. O diploma de técnico de nível médio,
todavia, só é concedido a quem termina o ensino médio regular (que
pode ser cursado antes, depois ou concomitantemente ao ensino
técnico modular). O objetivo claro dessa reforma foi flexibilizar a
formação técnica de nível médio, aproximando-a das necessidades
mais imediatas da produção (ZIBAS, 2007, p. 3).

Por meio de um Decreto Federal nº 2.208/1997, houve a separação entre


o ensino médio e o profissionalizante. Apesar de não ter havido muita aceitação por
29

parte das instituições, principalmente da rede federal de ensino, alguns anos depois,
essa separação fez com que o ensino profissional crescesse no país, recebendo um
público com vocação direcionada ao foco dos cursos, público este que atendia à
função social da formação profissional: estudantes de mais idade, com menor renda,
com objetivos de inserção no mercado de trabalho e não de ingressar em cursos
superiores (REGATTIERI; CASTRO, 2010).
Em 2004, o governo federal decretou que as escolas de ensino técnico,
nas suas três instâncias, poderiam optar por oferecer o ensino técnico integrado ao
médio ou continuar com o ensino modular, na modalidade sequencial ou
subsequente (ZIBAS, 2007). Dessa forma, as instituições tinham autonomia para
optar pelo formato de curso mais adequado ao seu projeto político pedagógico. No
caso da escolha pela modalidade integrada, havia a exigência de ampliação da
carga horária dos cursos, pois a instituição deveria obrigatoriamente oferecer uma
carga horária mínima destinada à formação geral, a qual não poderia, de jeito algum,
ser prejudicada em detrimento da formação profissional. (REGATTIERI; CASTRO,
2010). Nesse mesmo ano, classificou-se a educação profissional em três níveis: “i -
formação inicial e continuada de trabalhadores; ii - educação profissional técnica de
nível médio; e iii - educação profissional tecnológica de graduação” (CASTIONI;
ANDRADE, 2010, p. 111).
O documento Políticas públicas para a educação profissional e
tecnológica: proposta em discussão, de 2004, um dos oito documentos ministeriais
analisados no texto da UNESCO, Ensino Médio e educação profissional: desafios da
integração, organizado por Regattieri e Castro (2010), passa a denominar a
educação profissional com o acréscimo do termo tecnológica.

Mais adiante, subentendendo a forma integrada de curso, indica que


o horizonte que deve nortear a organização da educação profissional
e tecnológica, vinculada ao ensino médio, é propiciar aos alunos o
domínio dos fundamentos científicos das técnicas diversificadas e
utilizadas na produção, e não o simples adestramento em técnicas
produtivas. (REGATTIERI; CASTRO, 2010, p. 31)

A partir da análise dos organizadores, fica evidente, nesses documentos


do MEC, a valorização da modalidade integrada do ensino médio e da educação
profissional tecnológica em um único curso, além da exaltação da importância da
30

formação básica de qualidade, destacando os conhecimentos científicos,


tecnológicos, humanísticos, culturais e sociais,

fundamentando-se na concepção de educação unitária (ensino para


a formação integral, geral e técnica, na perspectiva da superação da
dualidade escolar) e de educação politécnica ou tecnológica,
“necessária à compreensão teórica e prática dos fundamentos
científicos das múltiplas técnicas utilizadas no processo produtivo.
(REGATTIERI; CASTRO, 2010, p. 35-36)

Para atingir os objetivos da integração entre a formação geral e a


formação profissional tecnológica, a ideia era a reformulação curricular e não a mera
sobreposição de currículos. Algo que, com base na análise da grade curricular e das
ementas do curso foco desta pesquisa, torna-se um desafio, pois parece ter havido
apenas a soma das disciplinas técnicas e ajuste daquelas destinadas ao ensino
propedêutico, respeitando suas cargas horárias mínimas. Outra prova dessa
dificuldade é o fato de os cursos técnicos integrados ao médio do campus estarem
passando por reformulações, sugeridas pela reitoria do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do estado de São Paulo (IFSP), com o intuito de
atingir a integração curricular, já que o próprio currículo não a permite.
Além da integração, o documento da UNESCO chama atenção para o fato
de o ensino médio em si já ser vinculado à formação para o trabalho, enfatizado na
fala do expositor Carlos Artexis Simões:

Neste momento, estamos discutindo a identidade do ensino médio,


superando a ideia de sua função propedêutica oposta à
profissionalização e apontando o fato de que o trabalho pode
estruturar todo e qualquer ensino médio. O trabalho não se resume à
profissionalização; é uma referência estruturante do currículo do
ensino médio, seja ela profissional ou não. Do meu ponto de vista,
esta é a novidade no Brasil, porque temos uma tradição
academicista, bacharelesca e escravocrata, que separa trabalho
intelectual e manual. O trabalho, a ciência e a cultura devem ser os
eixos constituintes de todo e qualquer ensino médio “ofertado”.
(REGATTIERI; CASTRO, 2010, p. 10)

Apesar da geração dos dados ter ocorrido em um contexto cujas políticas


públicas defendiam o ensino técnico integrado, como constatado no documento da
UNESCO, no ano de 2017, surgem novas concepções de ensino técnico devido à
31

Lei4 que define a reforma do ensino médio aprovada pelo senado e publicada no
diário oficial da união em fevereiro de 2017.
Segundo portal do MEC5, a reforma propõe uma flexibilização da grade
curricular ao permitir que uma parte da sua estrutura seja composta por opções de
itinerários formativos, dentre eles a formação técnica e profissional. Tal flexibilização
é justificada pela maior possibilidade de atender às “novas demandas profissionais
do mercado de trabalho”, discurso recorrente no pensamento dos planejadores do
ensino técnico em toda sua história, como visto anteriormente.
Das partes concernentes ao ensino técnico e profissional abordadas na
Lei 13.415, resumidamente, interpreto que: a formação técnica, assim como os
outros possíveis itinerários, será oferecida de acordo com a disponibilidade da
instituição e importância para o contexto local, ou seja, não há a obrigatoriedade de
todas as instituições de ensino médio disponibilizarem os quatro itinerários
formativos possíveis. A formação técnica, antes ofertada de forma integrada ao
ensino médio (com uma carga horária ampliada), concomitante (ensino médio e
ensino técnico em instituições distintas), ou ainda subsequente (ensino técnico após
conclusão do ensino médio), com a lei, poderá ocorrer inserida na carga horária do
ensino médio, com conclusão em três anos, com dupla certificação; além disso, a lei
permite certificações intermediárias, pois possibilita que os cursos organizem-se em
módulos e adotem o sistema de créditos com terminalidade específica.
As únicas disciplinas obrigatórias nos três anos do curso são Língua
Portuguesa e Matemática. Desse modo, os alunos cursistas do itinerário formativo
de formação técnica e profissional terão as disciplinas da área técnica, além de
Língua Portuguesa e Matemática, o que pode fomentar a concepção dessas
disciplinas como instrumentais, pois tal organização curricular sugere que estarão a
serviço do ensino técnico.
Há um trecho na lei que faz referência à possibilidade de oferta dos
itinerários formativos de forma integrada à Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), no terceiro parágrafo do artigo 36:

A critério dos sistemas de ensino, poderá ser composto itinerário


formativo integrado, que se traduz na composição de componentes

4BRASIL. Lei nº. 13.415, de fevereiro de 2017.


5Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=40361, consultado em 17 mai.
2017
32

curriculares da Base Nacional Comum Curricular - BNCC e dos


itinerários formativos, considerando os incisos I a V do caput.

Há, dessa forma, a possibilidade de o ensino técnico efetuar-se na


modalidade integrada, porém não há menção à prioridade dessa modalidade de
ensino, nem maiores especificações de como isso ocorreria.

1.2 INSTITUTOS FEDERAIS: SURGIMENTO, CURSOS, ALUNOS E FORMA DE


INGRESSO

Para melhor compreensão do contexto institucional onde se dá a


pesquisa e, logo, o perfil de seus participantes, procuro, após o breve resgate da
história da educação profissional, atentar-me às características dos Institutos
Federais (IF), instituídos pela Lei n. 11.892, em 2008, passando por seu surgimento,
forma de ingresso, classe social atendida e cursos ofertados, sobretudo a respeito
do IF do estado de São Paulo, do qual o campus da pesquisa faz parte.
O embrião da atual rede de instituições federais de educação
tecnológica e o primeiro passo significativo para constituição da educação
profissional no país foi a criação, em 1910, por meio de um documento do governo
federal, de 19 escolas de aprendizes e artífices destinadas, segundo o documento, a
acolher os pobres e humildes. De acordo com documento do MEC6, que comemora
o centenário da rede federal de educação, no ano de 1959, essas escolas são
transformadas em autarquias com o nome de Escolas Técnicas Federais (ETFs): “As
instituições ganham autonomia didática e de gestão. Com isso, intensificam a
formação de técnicos, mão de obra indispensável diante da aceleração do processo
de industrialização”.
A partir da década de 70, aumenta expressivamente a oferta de cursos
técnicos e, gradativamente, até 1994, essas escolas, com exceção da ETF de
Palmas, foram transformadas em Centros Federais de Educação Profissional e
Tecnológica (CEFETs) até, mais tarde, a Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008,
instituir a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica,

6Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/centenario/historico_educacao_profissional.pdf. Acesso em 16
nov. 2016.
33

transformando os CEFETs em Institutos Federais de Educação, Ciência e


Tecnologia (IFETs):
O ano de 2009 começou produzindo um evento de grande impacto
para a Educação Profissional e Tecnológica, que foi a transformação
dos Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs), Escolas
Técnicas e Agrotécnicas Federais (ETFs e EAFs) e Escolas Técnicas
Vinculadas a Universidades Federais em Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia (PACHECO; PEREIRA;
SOBRINHO, 2010, p. 71-72)

De acordo com a Lei supracitada,

Os Institutos Federais são instituições de educação superior, básica


e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta
de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades
de ensino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e
tecnológicos com as suas práticas pedagógicas, nos termos desta
Lei. (Lei n° 11.892, de 29 de dezembro de 2008)

Segundo Ferretti (2011), o cenário subjacente à criação dos IFs,


consolidado pelos até então CEFETs, era permeado pelo pensamento sobre a
educação profissional não mais destinada unicamente à formação técnica do
trabalhador no nível médio, mas como uma formação que poderia se verticalizar até
o pós-doutorado, em uma mesma instituição. Junto a isso, os IFs são vistos como
escolas que oferecem educação de qualidade e, sendo bastante seletivos, passam a
atrair a classe média, diferentemente de quando a educação geral era destinada
apenas à elite e a formação técnica, aos trabalhadores.
Durante o processo de mudança das ETF-SP para CEFET-SP, alguns
aspectos promoveram discussões entre os professores da instituição, dentre eles a
opção do governo, após a reforma, de separar o ensino médio do ensino técnico,
pois, por um lado, quando eles se integram, passam a atrair a elite interessada no
ingresso na universidade e não no trabalho fabril, impedindo sua democratização;
enquanto, por outro, havia a defesa da não separação em nome da excelência da
qualidade dos cursos técnicos oferecidos pela escola até então, por meio, além da
oferta da modalidade integrada, de seu rigoroso processo seletivo (FERRETTI,
2011).
A discussão sobre a separação ou integração da formação geral e da
formação técnica é um tema recorrente nas discussões sobre a educação
profissional. Não só documentos do MEC e autores, como Kuenzer (2000), Ferretti
34

(1997, 2011), Regattieri; Castro (2010), Castioni; Andrade (2010), tratam do tema,
mas também, em reuniões pedagógicas, os professores da escola, onde situa esta
pesquisa. Dentre outras, as discussões passam pelas possíveis consequências
dessa decisão refletidas no público recebido pela escola, na qualidade de ensino,
até nos diferentes pesos de valorização que a escolha pela modalidade integrada,
quando da confecção da grade curricular, poderia atribuir às disciplinas do ensino
propedêutico e às de formação específica.
O IFSP (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do estado
de São Paulo), em 2008, baseado no Decreto n. 5.154/04, decidiu oferecer as duas
possibilidades de abertura de curso, tanto a modalidade concomitante/sequencial,
como a de Ensino Técnico Integrado. Esta é bem vista pelos professores pelo fato
de, em primeiro lugar, possibilitar a integração entre a formação geral e a técnica e,
em segundo, não favorecer a modularização e a formação por competência
encontradas na política pedagógica da modalidade concomitante/sequencial
(FERRETTI, 2011). No entanto, a junção dos currículos em um mesmo curso não
garante a sua integração, caso as duas frentes não sejam igualmente valorizadas e
interdependentes.
A decisão referida no parágrafo acima ainda está em vigência, com
ambas as possibilidades de oferta de ensino técnico. Vale ressaltar que o fato da
presente pesquisa ter ocorrido no ensino técnico integrado ao médio permitiu-nos
entrar em contato com as práticas de letramento acadêmico envolvidas na escrita da
monografia, em diálogo com a professora de LP e os professores da área técnica,
devido às disciplinas da formação geral e técnica serem trabalhadas em uma mesma
instituição. Neste caso, a professora de LP está a serviço da escrita de um gênero
proposto pela área técnica, porém não colocamos em discussão se a função da
disciplina de Língua Portuguesa, assim como das outras responsáveis pela
formação geral, seria a de atender às demandas do ensino técnico. Essa discussão
é relevante e é trazida por Ferretti (2011), porém não é o foco desta pesquisa, já que
a proposta de trabalho do professor de língua, aqui, partiu de uma ideia de se fazer
uma atividade conjunta e interdisciplinar com os professores da área técnica, após a
constatação de que esses não estavam satisfeitos com a escrita dos seus alunos.
Como mencionado anteriormente, há um consenso na avaliação da rede
federal de ensino como uma instituição que historicamente oferece educação de
qualidade, como é possível constatar em algumas citações, as quais são
35

importantes de serem trazidas à baila para melhor caracterizar o contexto da


geração dos dados:

Com efeito, um exame da história das escolas técnicas mostrará que


anteriormente ao advento da Lei 5.692/71, muitas delas ofereciam
um ensino de boa qualidade, seja do ponto de vista da formação
geral, seja da perspectiva da capacitação específica, embora esta
última se mostrasse quase sempre defasada em relação aos
avanços da tecnologia, ainda que estes também fossem lentos. As
Escolas Técnicas Federais, por seu turno, apesar dos reparos que
tantas vezes lhes foram feitos, eram (e continuam sendo)
consideradas centros de excelência em ambos os tipos de formação,
mostrando-se, inclusive, mais atualizadas que suas congêneres
estaduais no que se refere à formação técnica. É verdade que a
profissionalização compulsória desarticulou boa parte do ensino
técnico nos estados, embora tenha afetado pouco o federal. No
entanto, as escolas de uma e de outra rede, apesar desses
percalços, ainda reúnem as condições mais favoráveis para uma
articulação entre ambos os tipos de formação por oferecê-las no
mesmo espaço físico. (FERRETTI, 1997, p. 254)

Ao referir-se às escolas técnicas federais, Saviani (1997) afirma:

provavelmente a experiência mais bem sucedida de organização do


nível médio a qual contém os gérmens de uma concepção que
articula formação geral de base científica com o trabalho produtivo,
de onde poderia se originar um novo modelo de ensino médio
unificado e suscetível de ser generalizado para todo o país”.
(SAVIANI, 1997, p. 216)

Ferretti (1997) e Saviani (1997) referem-se às escolas técnicas antes da


atual denominação (Institutos Federais). O primeiro autor destaca a excelência da
educação oferecida pela rede, trazendo algumas ressalvas, como o atraso do
acompanhamento da formação específica em relação ao ritmo da tecnologia, apesar
de ser vista como melhor que a rede estadual nesse quesito. Além disso, indica as
consequências das alterações feitas nas estruturas curriculares dos cursos técnicos
sofridas pela educação profissional; no entanto ainda ressalta a qualidade de ensino
da rede federal, cuja estrutura física coopera com a integração da educação básica
e profissional, da mesma forma que a rede estadual. O segundo sublinha a possível
caracterização da rede federal como modelo dessa articulação.
A citação seguinte, que se refere a um contexto mais recente, justifica a
excelência do ensino oferecido pela rede federal, com os recursos financeiros a ela
destinados e o seu rigoroso processo seletivo. Faz ainda referência a sua falta de
36

representatividade de matrículas no ensino técnico de nível médio com relação a


todo o ensino médio nacional:

É notório que as escolas da rede federal são em geral de qualidade


incomparável, pelo menos por dois motivos: têm uma fonte de
recursos assegurada e contam com um nível de alunos com seleção
de ingresso altamente competitiva, o que a torna referência em nível
nacional. No entanto, se os dados da oferta dessa rede forem
cotejados com as matrículas do ensino médio, não chegam a atingir
1% da população matriculada. (CASTIONI; ANDRADE 2010, p. 126)

De acordo com o site do MEC7, em 2014, 562 escolas compunham a rede


federal de educação profissional, dentre elas, 29 escolas não aderiram aos Institutos
Federais, mas também oferecem educação profissional
(BRASIL/MEC/SETEC/2016). Das vagas oferecidas pelos Institutos, a Lei nº 11.892,
de 29 de dezembro de 2008, estabelece que os Institutos devem garantir que 50%
das vagas oferecidas sejam destinadas a atender a educação técnica de nível
médio, prioritariamente na modalidade integrada.
Para ilustrar o rigoroso processo seletivo dos IFs, um exemplo da sua
competitividade são os números de inscritos para o curso em que foram gerados os
dados, o curso de Automação Industrial (integrado ao médio). Para o ano de 2016,
por exemplo, de acordo com edital de divulgação dos números do processo seletivo
para o ensino técnico de nível médio de discentes para o primeiro semestre, edital
nº. 556/2016 dos IFs do estado de São Paulo, houve 378 inscrições e 301
realizaram a prova para ocuparem uma das 40 vagas disponíveis, o que gera uma
concorrência de 7,5 candidatos por vaga. O curso mais concorrido desse mesmo
ano foi no campus São Paulo, o de Informática (integrado-manhã), com 1.429
inscrições para 40 vagas (35,7 por vaga), e o com o menor número de inscrições foi
o de Campos do Jordão, de Hospedagem (concomitante/ subsequente), com 30
inscritos e apenas 18 participantes na prova. Por meio da análise do edital de
divulgação do número de alunos inscritos para todos os cursos oferecidos pelos IFs
do estado de São Paulo, é possível ver que nem todos apresentam alta
concorrência. Dos 118 cursos que aplicaram o processo seletivo, 13 tiveram o
número de alunos que realizaram a prova menor do que o número de vagas, algo

7PORTAL DO MEC. Apresentação da expansão educação superior. Disponível em:


http://portal.mec.gov.br/expansao/images/APRESENTACAO_EXPANSAO_EDUCACAO_SUPERIOR
14.pdf. Acesso 05 dez. 2013
37

que pode ser atribuído à expansão recente de toda a rede federal e à baixa
popularidade dos IFs no estado de São Paulo, que até 2008, contava apenas com 3
campi e agora possui em torno de 30.
O campus onde foram gerados os dados é um desses três mais antigos e
oferece, atualmente, cursos técnicos de nível médio, cursos superiores de
tecnologia, licenciaturas, curso de formação pedagógica e engenharias. Assim, é um
campus atuante nos diferentes níveis de ensino, fruto da verticalização contemplada
pela Lei de criação dos Institutos Federais. É importante salientar que os professores
dos Institutos Federais possuem um plano de carreira próximo aos das
Universidades Federais, com a opção de regime de dedicação exclusiva e incentivos
à realização de pós-graduação tanto na forma de aumento de salário por titulação
quanto pela possibilidade de afastamento remunerado, gerando mais um fator
responsável pela visão positiva quanto à qualidade dos cursos oferecidos pela
instituição.
Em suma, neste capítulo, foi possível concluir que o ensino técnico e
tecnológico cresceu substancialmente desde sua criação, percorrendo diferentes
objetivos: primeiro destaca-se por seu caráter assistencial; depois, por
prioritariamente estar a serviço da indústria, moldando-se em favor das suas
necessidades; por último, há uma discussão recente sobre o papel da educação
profissional de formar não apenas mão-de-obra, mas também enfatizar a formação
humanística, cultural, científica e tecnológica, a fim de desenvolver alunos com visão
crítica do seu papel como trabalhador. O capítulo aponta ainda para a importância
de valorizar a formação para o trabalho e cita o ensino técnico de nível médio como
um caminho para consolidação do que já é uma das funções do ensino médio, a de
formar para o trabalho.
Quando a educação profissional atendia ao setor industrial, já se via a
necessidade de uma formação geral de qualidade. Isso é acentuado pela discussão
mais recente, que vê, no ensino integrado, um formato favorável para atingir tal
formação. Conforme visto, a rede federal de ensino técnico e tecnológico, a qual
privilegia a oferta de cursos nessa modalidade, é considerada, por alguns autores,
uma instituição de ensino de qualidade, dadas as suas peculiaridades, como a
condição de trabalho dos professores, recursos, métodos de seleção do alunado e
outros. Assim, esse relato foi necessário para melhor visualizar esse contexto
38

específico de geração dos dados, cujo detalhamento é feito no capítulo sobre os


procedimentos metodológicos.

1.3 O CAMPUS DA GERAÇÃO DOS DADOS

A pesquisa foi realizada em um dos campi do Instituto Federal de


Educação, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (IFSP), no curso técnico
integrado ao médio em Automação Industrial, em uma turma composta por 26
alunos, cujas aulas ocorriam no período da manhã. O curso na modalidade
integrada teve sua primeira turma no início de 2008, ano da lei que institui os IFs.
Até aquele ano apenas cursos técnicos subsequentes e concomitantes eram
ofertados no campus. A turma que participou da geração dos dados foi a terceira
turma a iniciar o curso, o que justifica algumas questões a serem amadurecidas,
dentre elas a escolha do gênero discursivo para ser o Trabalho de Conclusão de
Curso, como será visto mais adiante.
Trata-se de um Curso Técnico Integrado ao Médio em que tanto as
disciplinas técnicas quanto as do núcleo comum são distribuídas em quatro anos. As
aulas de Língua Portuguesa são distribuídas da seguinte forma: três aulas
semanais, nos três primeiros anos do curso, e duas aulas semanais no quarto ano.
O nome da disciplina é Língua Portuguesa, Literatura e Redação e, como o próprio
nome sugere, contempla o conteúdo programático de gramática, literatura e
produção de texto em uma mesma disciplina, com um único professor, que tem
autonomia para organizar a abordagem do conteúdo, podendo integrá-lo ou separá-
lo. No último ano do curso, os alunos têm uma disciplina intitulada Projeto Integrador
(antigo nome era TCC), ministrada por dois professores da área de Automação
Industrial. As aulas dessas disciplinas não foram observadas por mim, porém foi
possível obter informações sobre elas nas entrevistas realizadas com os alunos e os
professores, como será visto na análise dos dados. De acordo com os dados,
nessas aulas, os alunos reuniam-se em grupos para escreverem os trabalhos na
sala de informática ou para organizarem a parte prática do projeto, com orientação
dos professores responsáveis pela disciplina.
Apesar de se tratar de um curso técnico integrado, a integração entre as
disciplinas é desmotivada pelo organograma da escola. Os professores são
distribuídos em áreas de atuação. Nesse organograma, faço parte da área intitulada
39

Gestão, Humanas e Linguagens, onde são alocados os professores de Geografia,


História, Sociologia, Filosofia, Língua Portuguesa e Línguas Estrangeiras, Educação
Física, Informática, Artes e os da área de Gestão, enquanto os professores
orientadores da monografia e da disciplina Projeto Integrador pertencem à área
intitulada Automação Industrial. O planejamento pedagógico é feito dentro das
áreas, o que dificulta a integração entre as disciplinas do núcleo comum (formação
geral) e as disciplinas da formação profissional. Os momentos de encontro com
esses professores resumem-se à sala dos professores e aos conselhos pedagógicos
bimestrais, destinados a discutir, principalmente, questões de notas e
comportamento dos alunos. A organização escolar ajuda a compreender por que o
professor de LP não participava da escrita da monografia, nem da escolha desse
gênero discursivo como Trabalho de Conclusão de Curso.
Após essa curta descrição do curso, passo para o relato sobre a escolha
da monografia como o TCC do curso de Automação Industrial, aproveitando para
delinear sua concepção como gênero. Como me baseio nos estudos dos
Letramentos Acadêmicos, que destaca o caráter situado das práticas sociais, esse
relato é importante para a compreensão das peculiaridades do gênero quando
produzido nessa instituição, por esses alunos e orientado e avaliado por esses
professores específicos.

1.4 TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO: PRÁTICA DE USO DA


LINGUAGEM MANIFESTADA VIA DIFERENTES GÊNEROS8

O relato sobre a escolha da monografia como formato do TCC ajuda a


compreender a prática situada de letramento e a explicar como concebemos essa
prática diante dos seguintes questionamentos: O TCC é um gênero ou um trabalho
que pode se manifestar em diversos gêneros? Tanto TCC quanto monografia são
gêneros?
No contexto de pesquisa, a denominação dada à escrita pelos
professores e alunos é TCC, porém, nesta tese, não concebo o TCC como um
gênero, mas um trabalho que pode ser manifestado via diferentes gêneros, da
mesma forma que avaliação (prova) pode se dar por meio de gêneros orais, gêneros

8 Gostaria de agradecer à professora Jacqueline Barbosa que, em seminário de apresentação da


tese, sugeriu que eu esclarecesse o que tomo como gênero.
40

escritos, uma sequência de perguntas e respostas escritas, um relato de uma


pesquisa, a escrita de um conto etc.
A fim de embasar a concepção de monografia como gênero e não o TCC
como tal, serão mostrados alguns exemplos, a título de ilustração – já que
demandaria pesquisa extensa fazer um levantamento profundo sobre o tema – de
como esses termos são abordados em textos acadêmicos e por instituições de
ensino, para então focarmos no contexto da pesquisa, cuja história de escolha do
gênero monografia fortalece a concepção proposta.
Foram pesquisados artigos na plataforma do scielo e dissertações e teses
no mecanismo de busca google, com a palavra chave “trabalho de conclusão de
curso”, além de projetos pedagógicos de cursos da área de artes, na tentativa de
encontrar um curso cujo TCC seja constituído por gêneros diferentes da monografia.
Seguem dois trechos de uma tese da área de educação onde é possível
perceber a concepção de TCC como gênero e sinônimo de monografia:

O Trabalho de Conclusão de Curso, que também tem como sinônimo


o termo monografia, é um gênero acadêmico que permite a
divulgação de resultados de investigação científica, bem como a
obtenção de um determinado grau relativo ao ensino superior do
Brasil e do mundo. (MORETTO, 2014, p. 18)

Assim, lhes é exigido que saibam ler, compreender e produzir


diversos gêneros escritos como relatórios de pesquisa, resumos ,
resenhas, TCCs; além dos orais, como seminários, arguições,
exposição oral etc. (MORETTO, 2014, p. 37)9

A autora da tese concebe o TCC como sinônimo de monografia,


colocando-o na lista de gêneros escritos exigidos pela universidade como resenhas,
relatórios etc. Uma possível explicação para esse fato é o quanto é comum, nos
cursos de graduação, o TCC ser apresentado em formato monográfico, porém me
parece complicada essa generalização, visto que alguns cursos possuem
especificidades que requerem ou permitem outros gêneros para o trabalho, tais

9 Trechos retirados da tese de doutorado: MORETTO, Milena. Um modelo didático do gênero trabalho
de conclusão de curso e uma perspectiva de trabalho de sala de aula. Universidade São Francisco.
Itatiba, 2014. Disponível em:
https://www.google.com.br/#q=UM+MODELO+DID%C3%81TICO+DO+G%C3%8ANERO+TRABALH
O+DE+CONCLUS%C3%83O+DE+CURSO+E+UMA+PERSPECTIVA+DE+TRABALHO+EM+SALA+
DE+AULA+Itatiba. Acesso em 09 de jun. 2016.
41

como o de Música, Artes Cênicas, além de cursos técnicos, cujos TCCs podem ser
apresentações de maquetes ou protótipos, em feiras de ciência.
Um exemplo do TCC concebido como gênero, em artigo científico:

Quanto à monografia, na qualidade de trabalho de conclusão do


curso de especialização, contribuirá para que o aluno visualize e
compreenda que os principais ritos de passagem no ambiente
acadêmico são mediados por gêneros muito específicos e
extremamente poderosos, tais como os TCCs (trabalhos de
conclusão de curso de graduação), monografias (para conclusão de
cursos de especialização), dissertações (para conclusão de cursos
de mestrado) e teses (para conclusão de curso de doutorado).
(BEZERRA, 2012, p.454, grifo meu)

Nesse caso, o autor diferencia TCC de monografia, de acordo com o nível


de ensino, graduação e especialização.
O projeto político-pedagógico da primeira licenciatura em Música da
UFMA (Universidade Federal do Maranhão)10 é um exemplo ilustrativo do TCC visto
não como gênero, mas um trabalho que pode ser realizado via diferentes gêneros,
os quais são nomeados como modalidades, de acordo com o projeto:

Tendo como base as Normas de Trabalho de Conclusão do Curso de


Licenciatura em Música do Campus Bacanga, evidencia-se o amplo
espectro de modalidades possível, entre eles: elaboração de material
didático, relato de experiência pedagógico-musical, monografia
tradicional e apresentação musical didática, entre outros. (PPP do
curso de Música da Universidade Federal do Maranhão, vigente em
2016, p. 16)

Nas “Normas Complementares de Monografia do Curso de Música


Licenciatura”, anexas ao projeto político-pedagógico.

Parágrafo Único. Para fins de melhor compreensão das


modalidades de trabalhos aceitos para conclusão de curso, sem
prejuízo do disposto na Resolução CONSEPE nº 22/86, utilizaremos
a terminologia “Trabalho de Conclusão de Curso” ao invés de
“Monografia”.

Mais adiante são especificados os possíveis gêneros que podem compor


o Trabalho de Conclusão de Curso.

10Disponível no endereço: http://musica.ufma.br/ens/ppp_parfor_1a_licenciaturamusica.pdf. Acesso


em 23 de jun. 2016.
42

Art. 3º As modalidades de trabalho de conclusão aceitas pelo Curso


de Música Licenciatura são: a) Monografia; b) Relato de experiência
docente; c) Artigo científico; d) Elaboração de material didático-
instrucional; e) Apresentação musical de caráter didático.

O projeto pedagógico do curso de Artes Cênicas da Unicamp11 faz


referência a um Trabalho de Conclusão de Curso (cênico), como um dos critérios de
avaliação de duas disciplinas e a um “Projeto Integrado de Criação Cênica” por ano.
Além disso, há a exigência de uma monografia, não chamada de TCC, que se trata
de uma “Reflexão teórica abordando um tema específico da área teatral, com
orientação de um professor, redigido na forma de um artigo” (p. 46).
Para abordar um exemplo de TCC de um curso técnico, já que é o
contexto dessa pesquisa, trago um exemplo retirado do plano de um curso técnico
em Automação Industrial da ETEC São Paulo:

O desenvolvimento do Trabalho de Conclusão de Curso pautar-se-á


em pressupostos interdisciplinares, podendo exprimir-se por meio de
um trabalho escrito ou de uma proposta de projeto. Caso seja
adotada a forma de proposta de projeto, os produtos poderão ser
compostos por elementos gráficos e/ ou volumétricos (maquetes ou
protótipos) necessários à apresentação do trabalho, devidamente
acompanhados pelas respectivas especificações técnicas; memorial
descritivo, memórias de cálculos e demais reflexões de caráter
teórico e metodológico pertinentes ao tema. (Plano de Curso Técnico
em Automação Industrial, ETEC/SP, vigente em 2016, p. 57)

Com relação ao ensino técnico de nível médio, não foi encontrado em


documentos oficiais como o Trabalho de Conclusão de Curso deve se configurar.
Nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível
Médio12, na LDB e no Catálogo Nacional de Cursos Técnicos, instituído e mantido
pelo MEC, não há menção à obrigatoriedade do TCC. O único documento que o cita
é o primeiro, referindo-se ao PROEJA:

Parágrafo único. Nos cursos do Programa Nacional de Integração da


Educação Profissional com a Educação Básica, na Modalidade de

11 Disponível em: https://www.iar.unicamp.br/cenicas/ProjetoPedagogico.pdf. Acesso em 23 de jun.


2016.
12 Resolução CNE/CEB 6/2012. Diário Oficial da União, Brasília, 21 de setembro de 2012, Seção 1, p.

22. Disponível em: http://www.cps.sp.gov.br/emissao-de-parecer-tecnico/resolucao-cne-ceb-6-


2012.pdf
43

Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) exige-se a seguinte


duração:
I - mínimo geral de 2.400 horas;
II - pode ser computado no total de duração o tempo que venha a ser
destinado à realização de estágio profissional supervisionado e/ou
dedicado a trabalho de conclusão de curso ou similar nas seguintes
proporções:

Tanto o estágio supervisionado quanto o TCC são facultativos, não


contendo regras estabelecidas por esses documentos. No documento já citado no
capítulo sobre o ensino técnico no Brasil, intitulado Ensino Médio e educação
profissional: desafios da integração, o único trecho que menciona o TCC é na
enumeração dos passos para se organizar o ensino profissional por competência, na
perspectiva da CNE (Conselho Nacional de Educação) e obedecendo às normas da
LDB:

Somente no quinto passo é que a escola vai partir para a


organização curricular, incluindo o estágio supervisionado, eventual
trabalho de conclusão de curso – que pode ser por disciplina, projeto,
núcleo temático etc., desde que o resultado da aprendizagem assim
o recomende.

Dessa forma, há uma autonomia dada às instituições, durante a


elaboração do projeto pedagógico dos cursos técnicos de nível médio com relação
tanto à obrigatoriedade do TCC, quanto à sua configuração, ou seja, seu gênero
discursivo. O Instituto, onde os dados foram gerados, oferece dois cursos técnicos
na modalidade integrada ao médio (sem contar os PROEJAs), o de Automação
Industrial (foco da nossa pesquisa) e o de Química, sendo que no segundo os
alunos não produzem o TCC, apenas realizam o estágio supervisionado e escrevem
relatórios, provando essa flexibilização.

1.5 A ESCOLHA DO GÊNERO MONOGRAFIA COMO TRABALHO DE


CONCLUSÃO DE CURSO

O relato da trajetória da escolha do gênero monografia como Trabalho de


Conclusão de Curso no nosso contexto de pesquisa terá como base as entrevistas
realizadas para a tese e documentos sobre o curso: o Projeto Pedagógico do Curso
44

(PPC), o ementário da disciplina intitulada Trabalho de Conclusão de Curso13 e o


plano de aula da disciplina14 referente ao ano da geração dos dados. O PPC não faz
menção alguma ao TCC, apenas o ementário faz referência à ideia inicial do que
comporia o TCC no curso. Ambos os documentos foram criados na implantação do
curso, cuja primeira turma foi em 2008. A disciplina destinada a abordar o TCC teve
alteração de nomenclatura para Projeto Integrador Automação, porém seus objetivos
e ementa não sofreram alterações até o momento da geração dos dados. Por isso,
os objetivos e a ementa são os mesmos no ementário e no plano de ensino da
disciplina (anexo 1).
Seguem os objetivos e ementa contidos no ementário da disciplina
Trabalho de Conclusão de Curso15 e no plano de ensino da disciplina Projeto
Integrador Automação:

Objetivos
Conhecer a definição de projeto técnico, suas características e
classificação; entender o conceito de “espiral de projeto”; conhecer
as técnicas de elaboração de um projeto, levando em consideração
as variáveis intervenientes globais, como impacto ambiental, impacto
social e econômico; atuar na concepção de projetos; especificar os
elementos que compõem o projeto: estudo de viabilidade, projeto
básico ou anteprojeto, projeto executivo, planejamento de produção e
de disponibilização ao cliente; fazer levantamento de disponibilidade
de materiais; conhecer as técnicas de elaboração de cronogramas e
de levantamento de custos; saber como elaborar orçamentos;
conhecer como participar de reuniões para a elaboração das ações a
serem desenvolvidas nas etapas do projeto.

Ementa
Introdução ao módulo Projetos; dinâmica de grupo (jogos
integração); produtos e a sociedade (conceituação de
desenvolvimento de produto); estudo de viabilidade; projeto básico
ou anteprojeto; métodos e processos; metodologia do trabalho
científico aplicado ao projeto de sistemas automatizados; elaboração
de um projeto industrial que envolva sistemas automatizados.
Desenvolvimento de produtos (Projetos); administração do fluxo de
informações; administração da qualidade do projeto; administração
dos custos; administração do tempo; administração da tecnologia do
produto; administração dos suprimentos necessários; planejamento
estratégico: administração das interfaces entre os vários projetos a

13 Esses documentos encontram-se disponíveis no endereço


http://srt.ifsp.edu.br/index.php?option=com_content&view=article&id=102&Itemid=56&limitstart=1.
Acesso em 29 jun. 2016.
14 O plano de ensino vigente no ano da geração dos dados foi gentilmente cedido pelos professores

responsáveis pela disciplina (anexo 1).


15 Agora Projeto Integrador Automação.
45

serem desenvolvidos concomitantemente; fornecimento de apoio


técnico e administrativo aos projetos; planejamento operacional:
definição das atividades; elaboração de cronogramas; determinação
dos pontos de controle; previsão de recursos humanos, tecnológicos
e financeiros; critérios para a avaliação dos resultados.

Os objetivos e a ementa são elaborados durante a implantação do curso e


não podem ser alterados até reformulação do projeto pedagógico. Nota-se que
esses conteúdos focam, em especial, o desenvolvimento prático do projeto, de forma
que não há direcionamento para o gênero discursivo utilizado para apresentação
formal do TCC, o que necessariamente deixa para os professores responsáveis pelo
plano de aulas da disciplina tomarem essa decisão. O conteúdo programático do
plano de ensino do ano da geração dos dados continha o seguinte planejamento:

Etapa 1: PLANEJAMENTO
1. Apresentação do Componente Curricular
2. Apresentação do Cronograma de Atividades do Componente
Curricular
3. Definição da estrutura do trabalho
4. Estudo do cenário da área profissional/setor produtivo (micro e
macro regiões) Avanços tecnológicos, Ciclo de Vida do Setor,
demandas e tendências futuras.
5. Identificação de lacunas/situações-problema do setor.
6. Identificação de possíveis temas para desenvolvimento do
TCC.
7. Definição dos temas e das equipes.
8. Problematização.
9. Construção de Hipóteses (possíveis soluções)
10. Objetivos (Geral e Específicos)
11. Justificativa
12. Apresentação e validação do Trabalho (1ª. Parte)

Etapa 2: DESENVOLVIMENTO
1. Revisão da proposta de trabalho (reformulação, se necessário)
2. Definição da Metodologia
3. Construção do cronograma de atividades do trabalho
4. Construção dos referenciais teóricos (bibliografia, normas
técnicas, legislação etc)
5. Identificação dos recursos necessários e possíveis provedores.
6. Desenvolvimento (aplicação da pesquisa, construção do
fluxograma do processo, construção de protótipos,
elaboração de desenhos etc)
7. Apresentação e análise dos resultados
8. Conclusão/Considerações finais;
9. Revisão da formatação do trabalho
10. Apresentação e validação do TCC
46

A primeira parte do conteúdo programático do plano de ensino, centrada


principalmente no ponto de partida e na natureza do trabalho, mostra a intenção, no
início da disciplina, de que o trabalho parta de uma lacuna ou situação problema do
setor (provavelmente o industrial), após análise do cenário profissional do curso,
parecendo, assim, haver uma preocupação com a aplicabilidade da pesquisa. Na
segunda parte, referente ao desenvolvimento do trabalho, inserem-se as partes do
TCC, sugerindo tratar-se de uma monografia.
Um dos professores entrevistados relatou que a primeira turma formada
no curso técnico integrado ao médio em Automação Industrial teve como TCC a
tarefa de expor apenas a parte prática do projeto, em uma espécie de feira de
ciências, sem produzir um trabalho escrito. Segundo o professor, apenas mais tarde,
o grupo de professores da área técnica decidiu alterar o gênero para uma
monografia, alegando que essa decisão foi impulsionada pela sugestão de uma
professora, influenciada pelo fato de estar inserida no universo acadêmico no
momento de seu mestrado.
É preciso ponderar que é difícil afirmar as reais motivações que levaram o
grupo de professores à decisão de alterar o gênero do trabalho, do caráter mais
pragmático para o mais acadêmico, pois me baseio apenas no relato de um
professor envolvido. Ressalto, ainda, que não quero aqui defender um gênero ou
outro, sobretudo porque meus dados não focaram esse período de transição, nem o
modo como esse trabalho era feito antes de ser uma monografia. No entanto, a
própria alteração em si nos mostra a valorização que os sujeitos desse contexto
social deram à escrita de um gênero recorrente na esfera acadêmica, nesse
momento específico. A partir desse ponto de vista, podemos dizer, pois, com Costa-
Hübes (2014), que

Considerar a linguagem como elemento concreto significa ancorá-la


em um contexto social, histórico e ideológico que envolve sujeitos, os
quais sustentam seus discursos em um projeto de dizer, a partir do
qual validam seus enunciados e assumem uma posição axiológica.
Sob esse prisma, é necessário ter ciência, então, que há um contexto
que abarca as situações enunciativas, interferindo decisivamente nas
formas de uso da linguagem (COSTA-HÜBES, 2014, p. 14).

Como foi dito, não é possível resgatar precisamente o contexto que


interferiu na forma de uso da linguagem (gênero) em que os alunos iriam enunciar o
seu projeto para conclusão do curso, mas a ciência dessa interferência nos faz
47

enxergar as coerções e relações de poder que subjazem à enunciação. Nesse


contexto específico, fica evidente a valorização da escrita, na alteração do gênero de
apresentação do TCC, antes composto pela parte prática (um experimento em forma
de maquete ou protótipo) acrescida da parte oral (exposição dos projetos com a
disponibilidade de demonstração, tirar de dúvidas), para a monografia escrita a partir
da parte prática (experimento, protótipo) acrescida da parte oral (apresentação para
a banca examinadora).
Quando pensamos nos três aspectos que compõem o gênero, segundo
Bakhtin (2016), conteúdo temático, estilo e construção composicional, e tomamos
como exemplo os dois gêneros já escolhidos para compor a avaliação do TCC,
exposição de maquete/protótipo e escrita/apresentação de trabalho monográfico,
notamos que, apesar do objetivo, da esfera de circulação e dos interlocutores serem
os mesmos, eles se diferem nos três aspectos constituintes do gênero discursivo, o
que reafirma nossa visão de TCC não como gênero, mas como um trabalho escolar
cuja enunciação ocorre via diferentes gêneros, dependendo do contexto
institucional, histórico e social que o circunscreve.
Sabe-se ainda que o TCC pressupõe enunciações em diversos gêneros:
primeiro os alunos escrevem um projeto de monografia, depois a monografia,
apresentação oral da monografia; para isso, eles fazem discussões em grupo,
discussões com o orientador, trocam e-mails, apresentam seminários (relatado nas
entrevistas com os alunos) etc. Dessa forma, os estudantes inserem-se em diversas
práticas de uso da linguagem, orais e escritas, para elaborarem o gênero foco do
trabalho, a monografia.
Partindo dessa linha de pensamento, reitero a concepção do TCC como
um componente curricular que pode se manifestar em diferentes gêneros do
discurso, dependendo das decisões pedagógicas tomadas pelo corpo docente, do
curso e da instituição. No caso pesquisado, o corpo docente optou pela monografia.
Foi a opção pelo gênero monografia que gerou o discurso sobre os alunos
não saberem escrever, discurso que motiva os estudos na área dos letramentos
acadêmicos (LEA; STREET, 1998; LILLIS; SCOTT, 2008; FISHER, 2008; STREET,
2010; FIAD, 2011) e desperta também o interesse da presente pesquisa. Essa
escolha contribuiu para a emergência de aspectos extralinguísticos dessa prática
social, tais como as coerções linguísticas, enunciativas e discursivas que a
compõem, aspectos que não sobressaíam quando o TCC era outro gênero, visto
48

que não gerava os conflitos entre a expectativa dos professores e os letramentos


dos alunos. No gênero monografia, as coerções, embora não explicitadas aos
alunos, constituindo uma dimensão escondida do letramento (STREET, 2010),
parecem mais fortes, nas vozes dos professores durante a banca de avaliação dos
trabalhos (demonstradas no capítulo da análise)
49

Capítulo 2

METODOLOGIA

Neste capítulo serão abordados os aspectos metodológicos da pesquisa.


Inicia-se pelo seu enquadramento na área da Linguística Aplicada, sob o viés
qualitativo e interpretativista, subdividindo-se em duas vertentes metodológicas: a
pesquisa-ação e o cunho etnográfico da pesquisa de campo. Em seguida, serão
apresentados os perfis dos sujeitos, os instrumentos e mecanismos da geração dos
dados, a caracterização do aporte teórico e os procedimentos da análise dos dados.

A LA e a opção pela abordagem qualitativa

Segundo Signorini (1998, p. 101), o objeto de pesquisa da LA – “o estudo


de práticas específicas de uso da linguagem em contextos específicos –, objeto esse
que a constitui como campo de estudo outro, distinto, não transparente e muito
menos neutro”, exige uma abertura a rupturas de conceitos além do apelo a
diferentes disciplinas, traçando percursos transdisciplinares de análise, pois “é o
problema no contexto de aplicação que determina as disciplinas relevantes que vão
iluminar a questão em estudo” (MOITA LOPES, 1998, p. 123).
Assumir o objeto da LA como um objeto múltiplo e complexo e conceber
os desvios e mal-entendidos como constitutivos da linguagem fazem com que os
pesquisadores da área optem por uma abordagem interpretativista, portanto
qualitativa, já que o pesquisador se baseia em um planejamento de ação, não pré-
fixado, mas com maior flexibilidade, para que seja possível interagir e refletir sobre
interesses que surgem durante a investigação, pois nem sempre podem ser
previstos (SIGNORINI, 1998). A investigação de natureza transdisciplinar faz com
que o conhecimento surja no contexto de aplicação dependendo do foco da
pesquisa, permitindo que a prática interfira na teoria e vice-versa (MOITA LOPES,
1998).
Assim, a opção pela abordagem qualitativa justifica-se por se admitir que
a interpretação dos dados é subjetiva, ainda mais por eu ocupar ao mesmo tempo o
lugar de pesquisadora e sujeito de pesquisa, ao analisar as práticas de letramento
presentes nos diálogos que constroem a escrita da monografia, a partir dos sentidos
50

que os participantes da prática social dão ao fenômeno e os resultados desses


significados na textualização. Opondo-se à perspectiva positivista de análise, a
pesquisa qualitativa, cuja origem é, entre outras, a concepção idealista-subjetiva,
não aceita que

a realidade seja algo externo ao sujeito, (...). Em oposição a uma


visão empirista de ciência, busca a interpretação em lugar da
mensuração, a descoberta em lugar da constatação, valoriza a
indução e assume que fatos e valores estão intimamente
relacionados, tornando-se inaceitável uma postura neutra do
pesquisador. (ANDRÉ, 2004, p. 17)

Este trabalho insere-se na abordagem qualitativa não apenas por não


partir de uma perspectiva quantitativa/positivista, por não lidar somente com dados
estatísticos (CHIZZOTTI, 2003; ANDRE, 2004), mas por considerar a subjetividade
na pesquisa, mesmo quando essa apresentar números. A dicotomia entre qualitativo
e quantitativo não mais é suficiente para diferenciar a abordagem qualitativa, pois é
o modo como os dados são gerados e interpretados que constitui o tipo de pesquisa.
Na pesquisa qualitativa a observação é participante, “porque parte do princípio de
que o pesquisador tem sempre um grau de interação com a situação estudada,
afetando-a e sendo por ela afetado, e além disso o pesquisador é o instrumento
principal na coleta e na análise dos dados” (ANDRÉ, 2004, p. 28).
Nesta tese, a participação se amplia, pois não se limita à observação
participante, mas se trata da participação como um dos objetos de análise, já que
minha intervenção no ensino da escrita da monografia faz parte do mosaico
dialógico constituinte da prática de letramento estudada.

Primeira vertente metodológica: pesquisa-ação

Dentro da diversidade de pesquisas que se enquadram na pesquisa


qualitativa, encontra-se a pesquisa-ação (CHIZZOTTI, 2003), a qual caracteriza o
presente trabalho. André (2008, p. 31) aponta como um exemplo clássico de
pesquisa-ação:

o professor que decide fazer uma mudança na sua prática docente e


a acompanha com um processo de pesquisa, ou seja, com um
51

planejamento de intervenção, coleta sistemática dos dados, análise


fundamentada na literatura pertinente e relato dos resultados.

A pesquisa-ação surgiu no EUA, na década de 40 e 50, centrada em


questões psicossociais (NOFFKE; SOMEKH, 2005; ANDRÉ, 2004). Em vários
países, foi realizada na área de educação, com foco em questões como currículo,
formas inovadoras de ensinar assuntos morais, reforma no ensino de ciência,
política governamental para educação e melhoria do ensino-aprendizagem
(NOFFKE; SOMEKH, 2005).
O ponto central comum a várias correntes da pesquisa-ação é seu caráter
cíclico. A pesquisa parte de uma insatisfação com a própria prática, para, a partir da
compreensão do contexto, criar um plano de ação, colocar o plano em prática e
avaliar os resultados obtidos, para então, se necessário, repetir o processo (ANDRÉ,
2004).
Para Noffke e Somekh (2005, p. 91, tradução livre), o ponto de partida
desse tipo de pesquisa é um “sentimento de insatisfação sem ter certeza da razão,
ou um desejo de entender algum aspecto da atividade mais profundamente” 16 e,
para ilustrar os passos a serem seguidos a partir disso, as autoras citam a sequência
criada por Altrichter et al. (1993): encontrar um ponto de partida; compreender o
contexto social; desenvolver estratégias, colocá-las em prática e divulgar os
resultados para os envolvidos, de forma que, antes da publicação dos resultados, o
segundo e o terceiro passos possam se repetir quantas vezes forem necessárias.
O reconhecimento da metodologia desta pesquisa como pesquisa-ação
deriva da motivação que a impulsionou: como professora de Língua Portuguesa
decidi interferir no cenário do meu contexto de ensino – no sentido de passar a
participar de uma prática de letramento da qual eu não participava e compreender as
práticas e os discursos ali mobilizados – após constatar que os alunos não atingiam
as expectativas de seus orientadores com relação à escrita de gêneros científicos.
Portanto, a escrita da monografia, antes desenvolvida paralelamente ao trabalho do
professor de Português, passa a ter minha intervenção.
O planejamento da intervenção ancorou-se na compreensão mais
profunda do contexto da escrita, por meio do contato com as vozes dos professores
e alunos, para então refletir sobre minha mediação diante das práticas. O caráter

16No original, “A feeling of dissatisfaction without being sure of the reason, or a desire to understand
some aspect of activity more deeply.” (NOFFKE; SOMEKH, 2005, p. 91)
52

cíclico da pesquisa-ação é contemplado no processo reflexivo gerado pela pesquisa,


à medida que essa reflexão é contínua e ininterrupta, sendo os resultados desta
pesquisa apenas pontos de partida para inúmeras outras intervenções, “quantas
vezes forem necessárias”, conforme dito acima.

O cunho etnográfico da pesquisa

A opção pela pesquisa-ação, cujo primeiro passo é a compreensão do


contexto social, converge com a escolha do aporte teórico metodológico de base
etnográfica proposto pelos Novos Estudos do Letramento (NEL), cujo princípio é dar
voz aos participantes das práticas de letramento, para que, reconhecidas como
situadas, sejam compreendidas e levadas à discussão.
O cunho etnográfico está no envolvimento direto com os sujeitos de
pesquisa, principalmente os alunos, dos quais fui professora durante três anos,
acompanhando uma parte importante do processo de letramento deles: o agenciado
pela escola. Pretende-se, dessa forma, compreender os significados atribuídos à
escrita da monografia pelos sujeitos e como esses significados dialogam com o
enunciado em si, por meio da metodologia etnográfica adotada por alguns
estudiosos dos Letramentos Acadêmicos. Conforme Marinho (2010, p. 375),

A metodologia etnográfica enfatiza a observação direta, a entrevista,


e outros modos de análise do contexto social, em adição à análise do
texto. (...) A perspectiva etnográfica nos permite conhecer os usos e
funções da escrita do letramento – o quê, como e para quê –, as
disposições e expectativas.

Desse modo, para análise dos dados, parte-se do aporte teórico


epistemológico dos Novos Estudos do Letramento, mais especificamente da área de
estudos dos Letramentos Acadêmicos, ramificação do primeiro, alinhada às
concepções bakhtinianas de gênero do discurso e dialogismo. A escolha pela
metodologia, com base na junção de teorias enunciativas, a partir de uma
perspectiva dialógica da linguagem, articulada aos estudos de cunho etnográfico da
área dos Letramentos Acadêmicos apoia-se em Fiad (2016, 2015, 2013), que
propõe a aproximação dessas teorias para o estudo sobre a escrita. Assim também
o fazem outros autores citados nesta tese, como Fischer (2016, 2010, 2008),
Pasquotte-Vieira (2014), Fuza (2015) e Miranda (2016).
53

A etnografia orientada pelos estudos dos Letramentos Acadêmicos, que


tomam o letramento como prática social situada, está em coerência com o conceito
de gênero discursivo obrigatoriamente constituído por sua dimensão dialógica, pois
é somente no diálogo com os outros discursos, com os sujeitos envolvidos e com o
contexto de produção que o caráter situado de uma prática social evidencia-se.
Já há algum tempo, estudos cujo objeto de investigação é o gênero
(independente da filiação teórica) consideram o contexto como condição de
significação do texto no processo de análise. Uma forma de realizar tal procedimento
de análise dos gêneros é através da perspectiva etnográfica dos estudos dos
Letramentos Acadêmicos aqui escolhida como metodologia de pesquisa. Segundo
Motta-Roth (2005):

Verificar o ponto de vista dos participantes do gênero na


interpretação das características do texto parece ser uma tendência
em ascensão entre trabalhos recentes em Análise de Gênero,
conforme nos mostra a textografia de Swales 17 (1998), com uma
clara preocupação em descrever detalhadamente a situação de
pesquisa – o espaço físico do contexto estudado, o grupo social
observado, os modos de interação e a cultura grupal. (p. 196)

A escolha pelo conceito de gêneros discursivos, pressupondo seu


princípio dialógico, auxilia a reflexão sobre o trabalho do professor quanto à sua
abordagem da língua, possibilitando reconhecer se o ensino centra-se apenas na
forma, e não no seu aspecto discursivo, dinâmico e dialógico. Os conceitos de
interação verbal, dialogismo e, sobretudo, de gêneros do discurso, como uso da
linguagem em práticas sociais situadas, contribuem expressivamente para uma nova
abordagem das práticas escolares (RODRIGUES, 2005), conforme se almeja nesta
tese.
A perspectiva dialógica alinhada aos estudos dos Letramentos
Acadêmicos é coerente à abordagem de gênero proposta por Marcuschi (2005), que
defende que os gêneros “devem ser vistos na relação com as práticas sociais, os
aspectos cognitivos, os interesses, as relações de poder, as tecnologias, as
atividades discursivas e no interior da cultura” (MARCUSCHI, 2005, p. 19).

17SWALES, J. M. Other floors, other voices: a textography of a small university building. Mahwah, NJ:
Lawrence Erlbaum, 1998.
54

Uma análise da escrita direcionada não exclusivamente ao texto, mas


também à história desse texto, deve contribuir para “uma melhor compreensão do
processo e para a proposta de situações didáticas que possibilitem a explicitação de
diálogos possíveis entre os escreventes e seus leitores” (FIAD, 2013b, p. 477).
Portanto, é necessário analisar os significados do gênero monografia, nessa
instituição específica, construídos por esse grupo social específico, conforme
postulam os estudos dos Letramentos Acadêmicos de base etnográfica.
Antes da geração dos dados, o intuito principal da pesquisa era refletir
sobre a mediação do professor de Língua Portuguesa na escrita de um texto
solicitado por professores da área técnica, após análise do contexto de produção e
contato com os participantes do evento de letramento. Contudo, conforme os dados
foram se constituindo, ficou clara a necessidade de compreensão do que acontece
nesse contexto com relação aos diálogos presentes na escrita da monografia, dos
quais a minha mediação faz parte.
Desse modo, o interesse da pesquisa foi transferido para o acontecimento
da escrita diante desse mosaico dialógico que cerca o aluno em processo de
letramento, a fim de entender como o aluno responde a esse emaranhado de
diálogos, dentre os quais está minha mediação. Ou seja, no início a ideia era dar
relevância a minha mediação, porém o cunho etnográfico da pesquisa mostrou que
o cruzamento das vozes discursivas envolvidas na escrita da monografia nos diz
muito sobre essa prática.
Cronologicamente, os dados dividem-se em três momentos 1)
compreensão do contexto de produção da escrita da monografia com base nas
vozes dos alunos e dos professores (trechos das entrevistas), antes das minhas
aulas; 2) reflexão sobre a minha prática como professora de Língua Portuguesa por
meio das respostas às relações dialógicas travadas entre mim e os alunos,
identificando indícios – “marcas deixadas pelo escrevente e que indiciam, de algum
modo, o trabalho realizado” (FIAD, 2013b, p. 467) – dos diálogos estabelecidos entre
os trechos transcritos das aulas e os excertos das monografias com foco no seu
processo de escrita/reescrita; 3) por fim, análise das opiniões dos professores a
respeito da escrita dos alunos, apoiada nas anotações realizadas no diário de
campo durante a banca de apresentação dos trabalhos e nas entrevistas realizadas
com os alunos após minha intervenção.
55

Apesar da cronologia dos dados, eles serão apresentados por categorias


por mim construídas. As categorias derivam da própria análise, emergentes da
constatação de que perpassam os três momentos expostos acima e existem em
todas as vozes analisadas: alunos, professores da área técnica ocupando o lugar
discursivo de orientadores e/ou professores da disciplina Projeto Integrador, minha e
professores da área técnica ocupando o lugar discursivo de membros da banca
examinadora. Assim, em cada categoria serão trazidas todas as vozes e os três
momentos, com intuito de mostrar os conflitos enfrentados pelos alunos ao longo da
escrita da monografia, provando o quanto as relações dialógicas inter-relacionam-se
e ilustram a concepção de dialogismo. Desse modo, trazer as vozes nas categorias
de análise vai de encontro ao princípio dialógico de Bakhtin, escolhido como viés
para apresentar a pesquisa.
Para a análise dos textos dos alunos, concebe-se a escrita como trabalho
e como processo, concepção que, alinhada ao princípio dialógico da linguagem,
permite-nos captar as mudanças ocorridas no processo de retextualização a partir
dos diálogos travados entre os sujeitos (FIAD, 2013a, 2013b). O caráter processual
e heterogêneo dos gêneros discursivos, fruto do princípio dialógico da linguagem,
“confere aos enunciados a construção de sentidos situada no tempo e no espaço”
(PASQUOTTE-VIEIRA, 2014, p. 58), o que realça o caráter situado das práticas
sociais letradas. Esse processo de escrita é um reflexo das relações observadas nas
três categorias de análise, a saber: 1) Monografia: concepção do gênero, função
social, identidade discursiva de alunos e professores; 2) Concepções de linguagem,
de ensino de língua, de letramento 3) A escrita da monografia e as concepções de
pesquisa.

Os sujeitos da pesquisa

Antes do contato com os sujeitos da pesquisa, o projeto da tese foi


submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa18, cujos parâmetros

18 CEPUNICAMP – Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas, campus


Campinas, via Plataforma Brasil. Processo número 41302915.0.0000.5404, aprovado com o título
inicial de “O professor de língua portuguesa no ensino técnico integrado ao médio: uma pesquisa-
ação baseada na escrita de um TCC”. Com o nome do pesquisador responsável e/ou número do
processo, é possível consultar a aprovação pela página da Plataforma Brasil, disponível em:
http://aplicacao.saude.gov.br/plataformabrasil/login.jsf. O parecer consubstanciado está no anexo 3
desta tese.
56

orientaram os passos para abordagem dos sujeitos e elaboração dos documentos


necessários, como: autorização para coleta de dados assinado pelo diretor da
escola, Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (apêndice 2), relatórios parciais
e final.

a) Os professores participantes da pesquisa:

A fim de compreender as expectativas e as insatisfações dos professores,


foram entrevistados três professores: dois deles são, ao mesmo tempo,
responsáveis pela disciplina Projeto Integrador19 e orientadores, cada um, de um
trabalho, e o terceiro, apenas professor orientador. Todos os orientadores foram
solicitados a colaborar com a pesquisa, porém nem todos dispuseram-se a dar
entrevistas. Os alunos escreveram a monografia em grupos de 5 a 6 alunos (turma
de 26 alunos), cada grupo com um orientador responsável, portanto apenas dois
professores orientadores não foram entrevistados. Apesar disso, participaram da
pesquisa quando observei a banca de avaliação das monografias, junto com outros
professores20 da área técnica convidados para serem membros da banca.
Finalmente, como na pesquisa-ação é o professor que decide investigar a própria
prática, nessa pesquisa, como professora de Língua Portuguesa, serei uma das
participantes do contexto social analisado.

b) Os alunos:

O ano da geração dos dados foi o terceiro ano consecutivo como


professora de Português da turma, o que me permitiu decidir quais alunos poderiam
colaborar com a pesquisa. O critério da escolha partiu das seguintes questões:
alunos comunicativos, com disponibilidade, que não trabalhavam no período oposto
ao horário das aulas, além de questões subjetivas, como os que me davam
liberdade para fazer tal proposta. Cinco deles se disponibilizaram a ser
entrevistados, dos cinco, dois compunham um mesmo grupo de trabalho. Os outros
alunos não deram entrevistas, mas participaram da pesquisa, na interação comigo
durante as aulas e permitindo o arquivamento dos seus trabalhos para análise,

19Cf descrição, ementa e objetivo no capítulo anterior.


20Aos membros da banca e aos professores que não foram entrevistados, foram explicados
pessoalmente os intuitos da pesquisa e todos assinaram o TCLE.
57

assim como minha observação da apresentação para a banca examinadora. Esses


sujeitos foram os participantes da pesquisa, já os que aparecem nos dados
analisados são especificados mais detalhadamente no item sobre a geração dos
dados.

As entrevistas

Rosa e Arnoldi (2006, p. 7) consideram a entrevista na pesquisa


qualitativa uma “técnica de coleta de dados, responsável por resultados e, inúmeras
vezes, possibilitadora de intervenções para resolução dos problemas apontados e
detectados”. Decidi por esse instrumento de geração de dados, a fim de trazer à
tona as vozes dos envolvidos na prática social observada, para responder a algumas
das questões de pesquisa referentes ao contexto da escrita da monografia. Além
disso, como citam as autoras, a entrevista é um objeto necessário quando o
pesquisador não consegue responder às perguntas de pesquisa apenas com base
em documentos.
Por meio da entrevista, é possível identificar o comportamento dos
sujeitos, resgatar valores, sentimentos dos sujeitos de maneira mais profunda:

podemos certificar que a opção pela técnica de coleta de dados da


Entrevista deve ser feita quando o pesquisador/entrevistador precisar
valer-se de respostas mais profundas para que os resultados da sua
pesquisa sejam realmente atingidos e de forma fidedigna” (ROSA;
ARNOLDI, 2006, p. 16).

O tipo de entrevista elaborada para conversar com os sujeitos de


pesquisa foi a semiestruturada, cujas questões devem

ser formuladas de forma a permitir que o sujeito discorra e verbalize


seus pensamentos, tendências e reflexões sobre os temas
apresentados. O questionamento é mais profundo e, também, mais
subjetivo, levando ambos a um relacionamento recíproco, muitas
vezes, de confiabilidade. Frequentemente, elas dizem respeito a uma
avaliação de crenças, sentimentos, valores, atitudes, razões e
motivos acompanhados de fatos e comportamentos. (ROSA;
ARNOLDI, 2006, p. 31).

Segundo as autoras, o ideal é fazer um roteiro com os tópicos essenciais


que devem compor a entrevista, com questões ou indicações formuladas de uma
58

maneira que proporcione flexibilidade ao entrevistado, em respeito aos dados


imprevistos que naturalmente surjam durante a conversa. Baseado nisso, seguem os
roteiros utilizados nas entrevistas, porém, conforme mencionado, não
necessariamente seguidos à risca:
Roteiro da entrevista semiestruturada, feita com os alunos que já haviam
iniciado a escrita da monografia na disciplina lecionada por professores da área
técnica, antes da minha intervenção:

1) Em que fase está a escrita do texto: o que eles já escreveram, o tema


de seu projeto, como eles escolheram esse tema;
2) Quais textos eles leem para ajudá-los na escrita do trabalho;
3) Como foi esse processo: se a escrita foi colaborativa, se houve
dificuldades, quais dificuldades; o que eles pesquisaram para elaborar
esse início do trabalho;
4) Qual a visão do aluno sobre o seu próprio texto: se está bem escrito,
porque está bem escrito ou mal escrito, quais as dificuldades
principais;
5) Se eles enxergam alguma forma de o professor de Língua Portuguesa
ajudá-los e como;
6) Se eles têm claro o porquê de estarem escrevendo uma monografia; se
sabem para quem estão escrevendo;
7) Se acham uma tarefa importante e por que, se acham que essa prática
irá ajudá-los na vida profissional21.

Roteiro da entrevista semiestruturada que direcionou a conversa com os


professores da área específica de Automação Industrial:

1) Como eles conduziram o processo até agora (o texto está em fase


inicial);

21 Por meio das questões 6 e 7 tenta-se reconhecer na fala dos alunos se eles estabelecem um
significado social à escrita do texto científico. Conforme RIBEIRO (2005), foi possível reconhecer na
fala dos jovens entrevistados em sua pesquisa a qual envolvia jovens militantes da periferia, após
relatarem uma certa indisposição com relação à leitura e à escrita “que a leitura e a escrita podem ser
exercitadas em função de objetivos práticos, com relativa intensidade, sem que necessariamente o
sujeito as reconheça como um gosto ou inclinação pessoal” (RIBEIRO, 2005, p. 33).
59

2) Quais serão as próximas etapas;


3) Se encontraram dificuldades, quais;
4) Se eles interferiram nos textos dos alunos;
5) Como eles classificam esses textos (tanto os de anos anteriores,
como os de agora);
6) Na visão deles, quais são as dificuldades dos alunos;
7) Como eles direcionam as leituras e/ou pesquisas/experimentos que
os alunos devem fazer;
8) Na opinião deles, quais aspectos o professor de Língua Portuguesa
poderia trabalhar paralelamente.

A geração de dados

Para se atingir o objetivo dessa pesquisa, obediente à abordagem


qualitativa, observando o fenômeno situado no local em que ocorre, não só para
compreendê-lo, mas também para interpretar os significados que os envolvidos no
fenômeno dão a ele (CHIZZOTTI, 2003), analiso o processo sob a ótica dos atores
sociais, dentre os quais está inclusa a própria professora-pesquisadora.
No momento da geração dos dados, por ser a pesquisa-ação uma
reflexão sobre a própria prática, a triangulação dos dados é muito importante para
ampliar a visão do(a) pesquisador(a), apesar de já se pressupor uma análise
subjetiva nesse caso. Como confirmam as autoras:

pesquisa-ação envolve um processo de coleta e análise de dados


que permite ao pesquisador, com alguma objetividade e distância,
olhar para sua própria prática de um outro ponto de vista, muitas
vezes por meio da junção de mais de um tipo de dado, em um
processo de triangulação. (NOFFKE; SOMEKH, 2005, p. 90,
tradução livre)22

Assim, os dados foram gerados por diferentes técnicas e instrumentos


com a finalidade de atingir a triangulação: (1) para compreensão das expectativas
dos professores e alunos com relação aos textos produzidos e do contexto social,

22 No original: “Action research involves a process of the collection and analysis of data that provides
the practitioner with some objectivity and distance, looking at his or her own practice from another
point of view, sometimes through bringing to bear more than one kind of data in a process of
triangulation.” (NOFFKE; SOMEKH, 2005, p. 90)
60

foram feitas entrevistas semiestruturadas com os professores e com os alunos; (2)


foram arquivadas todas as versões das cinco monografias, com minhas intervenções
escritas, a fim de resgatar o processo, a reescrita do texto mediada pelas relações
dialógicas mantidas com as aulas de Português, e ainda, (3) as minhas aulas sobre
a escrita da monografia foram gravadas em vídeo, totalizando seis vídeos, cada um
com a gravação de aproximadamente 1h30 minutos de aula (duas aulas de 45 min).
Com o objetivo de obter indícios dos resultados da minha intervenção, por
meio da visão dos professores com relação ao trabalho, assisti às bancas de defesa
das monografias, as quais ocorreram no mesmo dia e em sequência, com exceção
de um grupo, que apresentou no dia seguinte, porque os grupos excederam o tempo
determinado para apresentação. O registro das opiniões dos membros da banca foi
feito em um diário de campo.
Em suma, o corpus dessa pesquisa foi constituído por: transcrição de
trechos das entrevistas dos alunos e professores envolvidos; partes transcritas e
selecionadas dos vídeos das minhas aulas; excertos das versões da monografia
escrita pelos alunos; anotações no diário de campo sobre as opiniões dos
professores, durante as bancas de defesa das monografias.
Segue um quadro, onde apresento os dados gerados e os dados
utilizados na análise.

Quadro 1 – descrição dos dados gerados e dos dados contemplados na tese (Fonte: formulação
própria)

Sujeitos Instrumento de geração23 dos dados Dados analisados


3 professores24 da Entrevistas: Trechos da
área técnica transcrição das
P1 – 26min, em maio entrevistas com os
P2 – 20 min, em maio três professores
P3 – 30 min, em agosto

Alunos da turma do Entrevistas: Trechos da


4° ano do ensino transcrição da
médio integrado ao A1 – 15 min, em setembro entrevista realizada
técnico em A2 – 18 min, em maio com A1, A2, A3 e
Automação A3 – 20 min em novembro A4
Industrial A4 – 16 min, em maio
A5 – 25 min, em maio

23Todo o processo de geração dos dados ocorreu ao longo do ano de 2014.


24Os professores foram abordados pessoalmente por mim. Após explicação da pesquisa, convidei-os
a colaborarem, agendando os horários das entrevistas, quando disponíveis, na própria instituição,
com anuência do diretor da escola e após assinarem o TCLE.
61

Obs: também realizei entrevistas com A1, A2


e A4, após a banca examinadora, com a
finalidade de verificar os resultados da minha
intervenção, porém esses dados não
trouxeram discussões distintas das já
apresentadas, por isso não foram
contemplados na análise.

Eu Aulas gravadas em vídeo: Trechos da


transcrição das
6 aulas duplas (duas aulas de 45 min cada) aulas
com início dia 10 de setembro e término dia
22 de outubro, praticamente o último
bimestre inteiro. Aliás, a nota do bimestre foi
atribuída à escrita da monografia, cujos
critérios foram a pontualidade da entrega das
escritas e reescritas do texto, assim como o
processo, a evolução das reescritas com
relação aos temas trabalhados em aula

Alunos25 (26 alunos 11 versões de 626 monografias Trechos das


da turma) monografias de A1
Obs: os alunos postavam, em uma pasta e A2
compartilhada no Dropbox, as versões dos
textos, conforme eu lhes solicitava.

Professores Anotações em diário de campo de 528 Anotações


membros da banca bancas, compostas por dois professores e o referentes a
examinadora orientador, com duração de quatro29 das
(727 professores que aproximadamente 30 minutos (20 minutos bancas
se revezaram, destinados à apresentação e 10 minutos, à acompanhadas.
dentre eles os 3 discussão), ocorridas no dia 03 de dezembro,
professores como finalização do curso. Todas as bancas
entrevistados) ocorreram pela manhã, em um mesmo dia,
em sequência. Como todos os alunos
apresentariam no mesmo dia, eles assistiram
à apresentação uns dos outros.

25 Foram explicados a toda turma o objetivo e os procedimentos da pesquisa, no início do ano da


geração dos dados, durante minhas aulas. Os alunos assinaram o TCLE, concordando em ceder os
textos e a participação nas aulas gravadas em vídeo. Quase todos os alunos tinham 18 anos, dentro
da idade certa escolar, com exceção de dois, um de 17 e outro mais velho, com aproximadamente 40
anos.
26 Durante o processo da escrita, houve a separação de um dos grupos, por isso que de 5

monografias, passei a registrar as versões de 6.


27 Aos professores membros da banca foi pedido permissão pessoalmente para que eu utilizasse os

comentários feitos por eles durante a banca e também assinaram o TCLE.


28 Como dito anteriormente, a apresentação de um dos grupos ocorreu em outro dia, porque o tempo

não foi suficiente para todos os grupos apresentarem-se. O grupo que apresentou no outro dia, foi o
de A4.
29 As anotações referentes à quinta banca não foram utilizadas como dados porque um dos alunos

pertencente ao grupo que apresentou o TCC não assinou o TCLE, não por não querer participar da
pesquisa, mas por ser menor de idade, não se interessou em pedir a assinatura dos pais ou
responsável. A monografia desse grupo também não foi mencionada em nenhum momento por esse
mesmo motivo.
62

As aulas dedicadas à escrita da monografia ocorreram somente no último


semestre do curso porque deduzi que nessa fase a parte prática do trabalho já
estaria finalizada e os alunos estariam no desenvolvimento da escrita, portanto, eu
poderia auxiliá-los nessa parte final do TCC. Além disso, a escolha pela duração de
apenas um bimestre, deveu-se a minha responsabilidade de inserir um conteúdo,
antes não contemplado no meu plano de ensino para a disciplina, junto aos outros já
presentes nele. A análise dos dados, porém, traz subsídios para discussão acerca
de tal escolha, visto que foi possível levantar hipóteses sobre os conflitos
encontrados no caminho.
Nos dois capítulos seguintes são desenvolvidos os conceitos que formam
o aporte teórico mencionado neste capítulo metodológico, a fim de que, no final do
quarto capítulo, seja esclarecida a união dos conceitos provindos dos estudos dos
Letramentos Acadêmicos articulados ao princípio dialógico da linguagem, para a
análise dos dados.
63

Capítulo 3

LETRAMENTO, NOVOS ESTUDOS DO LETRAMENTO,


LETRAMENTO ACADÊMICO.

Neste capítulo é destacada a concepção de letramento adotada para o


trabalho e são explicitados alguns conceitos importantes vindos dos estudos dos
Letramentos e dos Novos Estudos do Letramento (NEL), norteadores da análise dos
dados, com base principalmente em Street (2003; 2012; 2014), dentre os quais
destaco os conceitos de evento de letramento e prática de letramento; modelo
autônomo de letramento e modelo ideológico de letramento. Além disso, situo a
pesquisa dentro dos estudos dos Letramentos Acadêmicos por, primeiro, abordar a
escrita de um gênero recorrente na esfera acadêmica (monografia); segundo, por
encontrar pontos de convergência entre a motivação desses estudos com a da
pesquisa: o descontentamento dos professores a respeito da escrita dos alunos; por
último, pelo fato de alguns autores, inclusive Lea e Street (1998), autores nos quais
me baseio, considerarem que os letramentos acadêmicos abrangem, além das
práticas letradas da universidade, as situadas em outros níveis escolares, como
nesta pesquisa, o ensino médio. Após o enquadramento da pesquisa, serão
mostrados os modelos de letramento observados no ensino superior, pelos autores:
o modelo das habilidades, o modelo de socialização acadêmica e, o defendido por
eles, o modelo dos letramentos acadêmicos. Por fim, serão explicados os conceitos
de dimensões escondidas do letramento e prática institucional do mistério, os quais
nos fazem levantar hipóteses sobre as práticas dos professores envolvidos na
prática de letramento analisada.

3.1 NOVOS ESTUDOS DO LETRAMENTO

Os primeiros usos do termo “letramento” no Brasil ocorreram na década


de 80, inicialmente relacionado à alfabetização (Cf. TFOUNI, 1988; KLEIMAN, 1995;
SOARES, 2014). É comum ver o conceito de letramento em confronto com o de
alfabetização, como, por exemplo, na posição de Tfouni (2010, p. 32), ao explicitar
seu ponto de vista sobre o assunto, publicado em uma coletânea de artigos revistos
de publicações anteriores, intitulada Letramento e alfabetização:
64

explicito aqui minha posição: letramento, para mim, é um processo,


cuja natureza é sócio-histórica. Pretendo, com essa colocação, opor-
me a outras concepções de letramento atualmente em uso, que não
são nem processuais, nem históricas, ou então adotam uma posição
“fraca” quanto à sua opção processual e histórica. Refiro-me a
trabalhos nos quais, muitas vezes, encontra-se a palavra letramento
usada como sinônimo de alfabetização. (grifos do original)

Segundo Fiad (2015, p. 26):

Essa entrada, no país, do conceito de letramento, em dicotomia com


conceito já corrente de alfabetização, acontece no momento em que
estudiosos já propunham uma visão de letramento como um
fenômeno social, distanciando-se da concepção mais calcada no
indivíduo e apoiada em crenças e concepções que começaram a ser
relativizados e criticados.

A partir dessa perspectiva, o letramento não está somente ligado à


escola, já que pessoas não alfabetizadas têm suas práticas perpassadas por
práticas de leitura e escrita (TFOUNI, 2010) e crianças, antes mesmo de saberem ler
e escrever, inserem-se em eventos de letramento e aprendem práticas discursivas
letradas (Cf. KLEIMAN, 1995). O conceito de letramento, portanto, que derruba a
ideia de o letrado estar condicionalmente ligado ao alfabetizado e,
consequentemente, ao escolarizado, permite-nos ver a existência de outras
agências de letramento.
Apesar de se reconhecer que a escola não é a única instituição
responsável pelo letramento, há o consenso sobre ela ser uma agência de
letramento importante, mobilizadora de práticas dominantes, “que desenvolve alguns
tipos de habilidades mas não outros, e que determina uma forma de utilizar o
conhecimento sobre a escrita” (KLEIMAN, 1995, p. 19), portanto é indispensável
entender como a escola conduz os letramentos dominantes, trazendo à tona as
relações de poder e os discursos que circulam nessa esfera.
Parte-se do pressuposto de que o aluno está em constante processo de
letramento durante todo o período de escolarização, reconhecendo a importância
desse conceito para o ensino e aprendizagem de língua materna (KLEIMAN, 2007).
Dessa forma, esclareço como concebo o letramento para abordagem dos dados da
pesquisa. Letramento refere-se ao uso da escrita em práticas sociais e significados
que indivíduos e grupos atribuem a essas práticas (KLEIMAN, 1995).
65

Assumir o letramento como objetivo do ensino no contexto dos ciclos


escolares implica adotar uma concepção social da escrita, em
contraste com uma concepção de cunho tradicional que considera a
aprendizagem de leitura e produção textual como a aprendizagem de
competências e habilidades individuais. (KLEIMAN, 2007, p. 4)

Os estudos do letramento “partem de uma concepção de leitura e de


escrita como práticas discursivas, com múltiplas funções e inseparáveis dos
contextos em que se desenvolvem” (KLEIMAN, 2007, p. 4). A partir da perspectiva
dos estudos do letramento, o intuito da pesquisa é explicar o fenômeno do
letramento com base no estudo de caso de alunos do ensino médio que entram em
contato com uma prática letrada distinta das que estavam habituados no ambiente
escolar, o que lhes traz novas demandas discursivas, dentro da trajetória de
letramento desses sujeitos, dada em uma única esfera de socialização, a escola. A
inserção de uma prática (a escrita da monografia) distinta das práticas letradas do
aluno é potencialmente conflitiva, pois traz diferenças significativas na interação com
a linguagem e com os sujeitos nela envolvidos quando comparada com as outras
práticas letradas dessa mesma esfera.
A concepção de letramento, como prática cultural e socialmente situada,
tem sua raiz no que os estudiosos chamam de Novos Estudos do Letramento (NEL).
Tal corrente opõe-se à teoria da grande divisa entre oralidade e letramento, critica o
privilégio dado pela cultura ocidental aos letramentos dominantes, fazendo,
consequentemente, com que outros sejam marginalizados, e questiona a conexão
direta entre letramento e desenvolvimento (FIAD, 2015).
Segundo Street (1984, 2003, 2006, 2012, 2014), um dos autores
responsáveis pela concepção de letramento dos NEL, o pensamento que endossa a
existência de um único letramento dominante baseia-se no modelo autônomo de
letramento. Para o autor, tal modelo é aquele que “funciona com base na suposição
de que em si mesmo o letramento – de forma autônoma – terá efeitos sobre outras
práticas sociais e cognitivas” (STREET, 2003, p. 4), como se o sujeito, uma vez
munido de técnicas de leitura e escrita, possa ler e escrever qualquer texto. “A
característica de ‘autonomia’ refere-se ao fato de que a escrita seria, nesse modelo,
um produto completo em si mesmo, que não estaria preso ao contexto de sua
produção para ser interpretado” (KLEIMAN, 1995, p. 21-22). O modelo autônomo de
letramento não enxerga que o que define a forma de utilizar o conhecimento sobre a
escrita de um sujeito é o seu engajamento em uma prática social (KLEIMAN, 1995).
66

O modelo autônomo reforça a ideia que conecta letramento e desenvolvimento:


“essa abordagem pressupõe que as consequências sociais do letramento são
pontos pacíficos – maiores oportunidades de emprego, mobilidade social, vidas mais
plenas etc”. (STREET, 2014. p. 43), cabendo à escola apenas decidir como o
letramento será conduzido.
Segundo Street (2014), há processos que colaboram para a construção
de um modelo autônomo de letramento “no qual muitos indivíduos, frequentemente
contra sua própria experiência, passam a conceituar o letramento como um conjunto
separado, reificado de competências ‘neutras’, desvinculado do contexto social” (p.
129). Duas das razões da disseminação e interiorização desse modelo são, primeiro,
o modo como a língua é tratada na escola, como se fosse algo não pertencente aos
sujeitos, professores e alunos, de forma que a prática do uso da língua seja
ensinada como um conjunto de competências neutras, tendenciosamente por meio
de conhecimentos metalinguísticos, sem ressaltar os significados que as práticas de
leitura e escrita adquirem em processos sociais, envolvidos por relações ideológicas
e de poder, e, segundo, pela ausência de reconhecimento da relação entre a
oralidade e a escrita, tomando essas modalidades linguísticas como dicotômicas.
Em oposição ao modelo autônomo de letramento e como alicerce da
concepção de letramento dos NEL, o autor propõe o modelo ideológico de
letramento,

o qual reconhece uma multiplicidade de letramentos; que o


significado e os usos das práticas de letramento estão relacionados
com contextos culturais específicos; e que essas práticas estão
sempre associadas com relações de poder e ideologia: não são
simplesmente tecnologias neutras. (STREET, 2006, p. 433).

Esse modelo

força a pessoa a ficar mais cautelosa com grandes generalizações e


pressupostos acalentados acerca do letramento “em si mesmo”.
Aqueles que aderem a este segundo modelo se concentram em
práticas sociais específicas de leitura e escrita. Reconhecem a
natureza ideológica e, portanto, culturalmente incrustada dessas
práticas. (STREET, 2014, p. 44)

O modelo ideológico de letramento fundamenta a concepção de


letramento articulada dentro dos NEL, como “uma prática ideológica, envolvida em
67

relações de poder e incrustada em significados e práticas culturais específicos”


(STREET, 2014, p. 17), em vez de uma habilidade “neutra” pertencente a um
letramento dominante, no singular.
Passa-se, assim, a reconhecer a existência de múltiplos letramentos, que
variam de acordo com o tempo e espaço, associados a contextos multiculturais e em
oposição a um Letramento único no singular, com letra maiúscula e autônomo, o que
potencializa a discussão sobre quais letramentos são considerados dominantes e
quais são marginalizados, por meio de pesquisas etnográficas (STREET, 2003). Os
estudos sobre letramentos, principalmente os influenciados pelos NEL, “têm
apontado para a heterogeneidade das práticas sociais de leitura, escrita e uso da
língua/linguagem em geral em sociedades letradas e têm insistido no caráter
sociocultural e situado das práticas de letramento” (ROJO, 2009, p. 102).
Essa visão nos conscientiza dos diferentes significados atribuídos a uma
prática de letramento, dependendo do grupo social nela envolvido, o que nos move a
tentar elucidá-los. Por isso atentei-me, nessa pesquisa, para os significados que os
professores e os alunos dão para a escrita da monografia no ensino médio, a fim de
compreender as atitudes dos professores orientadores e a minha durante a
intervenção no processo de ensino-aprendizagem da escrita desse gênero
específico.
Como implicações dos NEL para o ensino, Street (2014) defende que
para uma abordagem crítica do letramento como prática social é necessário que os
professores conscientizem os alunos quanto aos pressupostos e às relações de
poder fundantes dos modelos de letramento ensinados na escola, presentes no
ensino dos gêneros dominantes, tidos como “gêneros do poder”, cujo domínio
proporcionaria oportunidades aos alunos de obter posições importantes na
sociedade. “O modo como os professores ou facilitadores e seus alunos interagem já
configura uma prática social que afeta a natureza do letramento a ser aprendido”
(STREET, 2003 p. 78)30, configurando os significados sobre o letramento dados
pelos participantes e estabelecendo as posições destes em relações de poder. “Não
é válido sugerir que ‘letramento’ possa ser ‘dado’ de maneira neutra e então seus

30No original: “The ways in which teachers or facilitators and their students interact is already a social
practice that affects the nature of the literacy” (STREET, 2003, p. 78)
68

efeitos ‘sociais’ sejam somente experienciados depois”31 (STREET, 2003 p. 78),


tradução livre).
Apesar de os NEL direcionarem a pesquisa etnográfica para os
letramentos marginalizados, a fim de ressaltar os múltiplos letramentos existentes,
segundo Rojo (2009), os letramentos dominantes também merecem investigação,
sobretudo os escolares, por vários motivos, dentre eles, a presença das inovações
tecnológicas advindas da globalização do mundo contemporâneo. Em artigo
publicado antes da defesa da tese (PRÍNCIPE, 2016), quando analisei a mediação
da tecnologia na escrita da monografia, os dados mostraram que as tecnologias de
informação e comunicação foram essenciais no processo de escrita, tornando-se um
aspecto merecedor de atenção, já que o seu uso para o letramento em questão não
se assemelha ou não deve se assemelhar ao uso das TICs em outros letramentos,
mostrando a importância de se considerar os múltiplos letramentos no ensino da
escrita. As TICs interferem significativamente nas práticas de leitura e escrita,
sobretudo pelo modo de circulação dos textos, o que demanda mais ao professor:
ensinar o aluno a ler e escrever na rede, em especial quando se trata da produção
de um gênero científico, o qual exige do aluno agir como sujeito da linguagem
(KOMESU; GALLI, 2014), ciente das coerções linguístico-discursivas envolvidas na
pesquisa e na escrita desse gênero.
Com isso, apesar da mediação da tecnologia digital no processo de
escrita não ser o foco do trabalho, ela também será abordada quando necessário
para compreensão dos aspectos que nos propomos a analisar, em consonância com
a abordagem proposta pelos NEL, que reconhece os múltiplos letramentos dos
usuários da linguagem.

Eventos de letramento e práticas de letramento

Street (2012) chama atenção para os conceitos de eventos de letramento


e práticas de letramento, dando destaque ao segundo termo para os aspectos
metodológicos das pesquisas sobre letramento “na tentativa de analisar e não
apenas descrever o que acontece nos contextos sociais em relação aos significados
e aos usos do letramento” (STREET, 2012, p. 70). Após enumerar modos como

31 No original: “It is not valid to suggest that "literacy" can be "given" neutrally and then its "social"
effects only experienced afterwards” (STREET, 2003, p. 78)
69

diversos autores lidam com os conceitos, o autor mostra sua própria concepção das
relações entre eventos e práticas, assim como seu significado para os estudos dos
Letramentos.
Para falar sobre o primeiro conceito, Street (2012) cita Heath (1992), que
define um evento de letramento como qualquer momento em que a escrita faça parte
da interação entre os participantes e de seus processos interpretativos. Esse
conceito é importante na medida em que permite ao pesquisador observar atividades
de letramento específicas e socialmente situadas. No entanto, segundo o autor, ele
não é suficiente por limitar-se à descrição das atividades, sem se ater aos
significados que lhes são atribuídos pelos participantes. A partir disso, sugere o
conceito de práticas de letramento, as quais constituem “modos culturais de utilizar a
escrita, envolvem o significado que é atribuído pelos participantes e pela instituição à
atividade ou à tarefa de leitura e escrita em um contexto interacional específico”
(FIAD, 2015, p. 27). Dessa forma, as práticas pressupõem eventos de letramento,
incluindo “o julgamento das pessoas sobre letramento, como falam sobre e como
constroem sentidos com e para o letramento” e envolvem “valores, atitudes,
sentimentos e relações sociais” (FISCHER, 2008, p. 178).

Se as práticas, no sentido de maneiras culturais de utilização do


letramento, são unidades que não podem ser observadas, na sua
totalidade, em pequenas atividades e tarefas, os eventos de
letramento, outro decisivo conceito na teoria de caráter social,
representam episódios observáveis, os quais se formam e se
constituem por essas práticas (FISCHER, 2008, p. 178).

O conceito de práticas de letramento modifica o viés do pesquisador


quando olha para os diferentes eventos de letramento, de forma a não somente
descrevê-los. Ao tomá-los como práticas sociais, enxerga também os significados
sociais e culturais atribuídos a eles por seus participantes, por isso a defesa da
pesquisa etnográfica pelo autor, pois, para trabalhar com práticas, é necessário ouvir
os participantes na tentativa de encontrar ligações de fatores externos aos eventos
que atribuam significados às práticas: “As práticas de letramento referem-se a essa
concepção cultural mais ampla de modos particulares de pensar sobre a leitura e a
escrita e de realizá-las em contextos culturais” (STREET, 2012, p. 77).
Considerando os aspectos metodológicos de pesquisa influenciados por
esses conceitos e suas relações, procurei olhar para as práticas nesse evento de
70

letramento, a fim de investigar os diferentes significados atribuídos pelos


participantes (professores e alunos) a um mesmo evento de letramento. A relação
entre esses conceitos nos indaga sobre os significados atribuídos pelos participantes
a um evento de letramento, escrita de uma monografia, situado no ensino médio,
especificamente. Já que o contexto cultural e os participantes constituem as práticas
de letramento, a escrita de uma monografia no ensino médio terá significados
diferentes da escrita desse gênero no ensino superior, por exemplo. O conceito de
práticas de letramento permite-nos, assim, perguntar sobre como esses significados
interferem no processo de ensino-aprendizagem da escrita desse gênero. Como
sugere Fischer (2008, p. 179), “mais produtivo que abordar conceitos, eventos e
possibilidades de acontecimentos futuros no ambiente acadêmico, é oportunizar
reflexão a partir do vivido, com vistas a mudanças diversas, viabilizadas nas e pelas
interações”.
Após o esclarecimento dos conceitos que embasam a análise dos dados,
será explicado o surgimento dos estudos dos Letramentos Acadêmicos e os
modelos identificados por Lea e Street (1998), nos quais as práticas dos professores
se apoiam para constituírem as relações entre eles e os estudantes.

3.2 LETRAMENTOS ACADÊMICOS

A linha de pesquisa definida como Letramentos Acadêmicos teve início no


Reino Unido e surgiu dentro do referencial teórico dos NEL (GEE, 1990; STREET,
1984), que concebem o letramento como uma prática social situada e reconhecem a
existência de múltiplos letramentos. Alinhado a isso, admite-se que há práticas de
letramento específicas dentro do contexto acadêmico. Um dos motivos fundantes
desses estudos é a ampliação, tanto em número como em diversidade, do público
que chega ao ensino superior (FIAD, 2015).
Entre os estudiosos da área dos Letramento Acadêmicos, há um ponto de
partida comum da investigação e discussão sobre os usos da linguagem nesse
contexto: o famigerado discurso sobre os alunos não saberem ler e escrever textos
acadêmicos (MARINHO 2010; FIAD, 2011), o que alimenta argumentos a respeito
de uma crise do letramento acadêmico (FISCHER, 2008) ou de um modelo do déficit
(LEA e STREET, 1998). O discurso de insatisfação acerca das práticas de leitura e
escrita dos alunos não se restringe ao ensino superior, mas também está presente
71

em outros contextos escolares, conforme as justificativas desta tese. Esse ponto de


convergência mostra que, apesar da pesquisa estar situada no ensino médio, alguns
aspectos do aporte teórico dos estudos dos Letramentos Acadêmicos podem
contribuir para análise dos dados.
O estudo de Lea e Street (1998) tem como princípio negar a visão da
escrita como habilidade e o modelo do déficit, admitindo a complexidade das
práticas de letramento na universidade. Para isso é preciso entender os significados
dados a essas práticas tanto pelos alunos quanto pela própria academia (que inclui
os professores), a fim de conjecturar sobre a enigmática definição do que
efetivamente significa ser academicamente letrado.
Essa definição é complexa, pois, “aprender no ensino superior envolve
adaptação com novas formas de adquirir conhecimento: novas maneiras de
compreensão, interpretação e organização do conhecimento"32 (LEA; STREET,
1998, p. 157, tradução livre), processos sempre mediados por práticas letradas, já
que são atividades valorizadas nesse contexto. Ler e escrever, portanto, são as
principais práticas mobilizadas pelos alunos ao lidarem com novas áreas de
conhecimento. Para os autores, considerar os componentes culturais e contextuais
das práticas de letramento na universidade é essencial para compreender como os
alunos aprendem. Os autores veem, por exemplo, que uma habilidade específica de
uso da linguagem, como quando usar a primeira pessoa, pode ser ensinado de
maneira significativa quando se esclarece aos alunos o que esse uso significa dentro
do contexto institucional e epistemológico, além de seu significado no interior do
processo de socialização acadêmica.
No artigo citado anteriormente, intitulado Student Writing in higher
education: an academic literacies approach, Lea e Street (1998) observam as
práticas encontradas no contexto acadêmico, com base em três modelos: o modelo
das habilidades (study skills model), o da socialização acadêmica (academic
socialization model) e o dos letramentos acadêmicos (academic literacies model), os
quais possuem uma hierarquia, em que um engloba o outro e o amplia. Nesse caso,
o modelo dos letramentos acadêmicos “incorpora os dois outros modelos, incluindo
uma maior compreensão da natureza da escrita dos alunos dentro de práticas

32No original: “Learning in higher education involves adapting to new ways of knowing: new ways of
understanding, interpreting and organizing knowledge” (LEA; STREET, 1998, p. 157).
72

institucionais, relações de poder e identidades”33 (LEA; STREET, 1998, p. 158,


tradução livre).
O primeiro modelo é o das habilidades, que vê a escrita como técnica e
instrumento, sugerindo a existência de um conjunto de habilidades individuais e
cognitivas de escrita, as quais os alunos devem adquirir individualmente para serem
bem-sucedidos como escritores. Esse modelo não considera que tais habilidades
podem variar de acordo com a disciplina ou área do conhecimento, pois foca em
aspectos formais da linguagem, tais como gramática, ortografia, pontuação,
estrutura frasal etc. Há pouca preocupação com o contexto e ficam implícitas
influências de teorias da aprendizagem como, por exemplo, o behaviorismo, cujo
princípio é a transmissão do conhecimento (LEA; STREET, 2006). Os autores citam,
por exemplo, o professor que pede para o aluno treinar a escrita fora da sua
disciplina, em uma espécie de aula de reforço, análoga a uma clínica que trata de
patologias, atitude ilustrativa de um procedimento pautado no modelo das
habilidades, como se existissem habilidades genéricas sobre a escrita acessíveis
aos alunos que, uma vez aprendidas, pudessem ser utilizadas em todas as práticas
de escrita. É esse modelo que desperta o discurso do déficit, atribuindo aos alunos e
não à instituição, os problemas de escrita dos alunos (LEA; STREET, 1998).
Marinho (2010, p. 371) aborda esse modelo quando menciona a atitude
dos professores universitários pautada na “crença no domínio da língua como
garantia para o domínio do gênero”, o que manifesta o seguinte pressuposto:

um trabalho de ensino-aprendizagem da escrita acadêmica é uma


estratégia compensatória, interessada em oferecer aos alunos, que
“têm dificuldades de leitura e de escrita”, a oportunidade de recompor
lacunas de um processo de escolarização supostamente deficitário,
de aprender aquilo que deveriam ter aprendido antes de entrar na
universidade. (aspas no original)

Como um aprofundamento do modelo das habilidades, passa-se a pensar


em outros aspectos da escrita além dos instrumentais, incluindo o seu contexto
social, o que leva à abordagem do modelo de socialização acadêmica, cuja natureza
se associa ao construtivismo e à aprendizagem situada, e aos campos de estudo da
sociolinguística, análise do discurso e teoria dos gêneros (LEA e STREET, 2006). Há

33No original: “incorporates both of the other models into a more encompassing understanding of the
nature of student writing within institutional practices, power relations and identities” ((LEA e STREET,
1998, p. 158)
73

o reconhecimento, nesse caso, das peculiaridades nas formas de construir o


conhecimento na academia, levando-se em consideração, de alguma forma,
diferenças entre disciplinas e áreas, marcadas por diferentes usos de gêneros e
discursos. Assim, os professores têm o objetivo de incluir os alunos na cultura
acadêmica por meio do domínio das práticas comunicativas desse contexto, porém
essa abordagem enxerga a universidade como uma cultura relativamente
homogênea em que a escrita se dá de modo transparente (LEA e STREET, 1998).
Esse modelo trata os gêneros e os discursos reproduzidos pelas diferentes
disciplinas como relativamente estáveis de forma que se possa pensar que o
domínio de um montante de regras e normas de um discurso acadêmico específico
torne os alunos aptos a se inserirem em todas as práticas de letramento da
academia (LEA e STREET, 2006).
Finalmente, o modelo dos letramentos acadêmicos, defendido pelos
autores como o mais adequado para se olhar para as práticas letradas desse
contexto social, ao contrário do modelo do déficit, vê os letramentos como práticas
sociais situadas, em que o discurso e o poder das instituições são constitutivos das
práticas que nelas se dão. O letramento acadêmico refere-se “à fluência em formas
particulares de pensar, ser, fazer, ler e escrever, muitas das quais são peculiares a
esse contexto social” (FISCHER, 2008, p. 180). A partir desse ponto de vista,
emergem os conflitos enfrentados pelos alunos, gerados pelas diferentes práticas de
comunicação exigidas pelos diversos gêneros, campos do conhecimento e
disciplinas presentes na academia, o que ultrapassa questões postas pelo modelo
das habilidades e enxerga a complexidade da inserção na cultura acadêmica, que
não se dá pela transparência da escrita e simples domínio de práticas com o intuito
de atingir a socialização acadêmica. O modelo dos letramentos acadêmicos entra
em consonância com a perspectiva dialógica assumida nesta tese e detalhada no
próximo capítulo, pois são das relações dialógicas que emergem os conflitos
discursivos enfrentados pelos alunos, no processo de ensino e aprendizagem dos
gêneros, requeridos pela escola/universidade.
Ao contrário do modelo das habilidades que atribui ao aluno os entraves
do letramento, os estudos com base no modelo dos letramentos acadêmicos abrem
a possibilidade de os problemas serem consequências do embate entre o que as
instituições esperam dos alunos e a interpretação dos alunos sobre como devem ser
suas práticas de letramento na universidade. Por isso,
74

adota uma perspectiva de entender os significados que os sujeitos


que estão na academia atribuem ao que nela acontece em termos de
leituras e escritas. A interpretação dessas práticas é orientada por
questões epistemológicas envolvendo as relações que os sujeitos
estabelecem com o conhecimento, as relações de poder envolvidas
na produção e divulgação do conhecimento e as questões de
identidade (FIAD, 2015, p. 28).

Segundo Lea e Street (1998), olhar para os dados da pesquisa sob a


perspectiva do modelo dos letramentos acadêmicos permitiu-lhes chegar a
conclusões diferentes sobre as práticas e crenças dos professores e alunos, das
análises que eles fariam se olhassem para os dados enviesados pelos modelos de
habilidades ou de socialização acadêmica. Observaram, por exemplo, que os
professores não conseguem definir exatamente os fatores responsáveis por um texto
ser apropriado para o contexto acadêmico, porque variam de acordo com o curso,
disciplina ou área de conhecimento. Nessa perspectiva, esses fatores não podem
ser tomados como simplesmente transferíveis ou se tratarem de habilidades
genéricas, conforme sugere o modelo das habilidades. Além disso, a pesquisa
mostra que a interpretação dos alunos, referente a como eles deveriam escrever,
variou dependendo do aluno e da disciplina, mesmo quando referente ao mesmo
gênero. Portanto, os alunos também não são convencidos do conceito sugerido pelo
modelo das habilidades quanto às habilidades de escrita serem genéricas e
transferíveis para todas as práticas de escrita na universidade.
Os autores destacam a falta de comunicação entre professores e alunos,
pois, nas análises, perceberam algumas dúvidas dos estudantes, dentre elas duas
relacionadas à questão da autoridade do texto acadêmico: como fazer as devidas
referências sem instaurar um plágio e como inserir seus próprios pensamentos
quando são as ideias dos autores que são valorizadas nesse contexto. As anotações
feitas pelos professores nos textos geralmente não são claras aos alunos,
evidenciando a relação de poder entre eles.
Após essa breve exposição dos objetivos e motivações da linha de
pesquisa dos Letramentos Acadêmicos e dos modelos identificados por Lea e Street
(1998), na próxima seção, enquadro a pesquisa dentro desse aporte teórico,
destacando aspectos que nortearão a análise dos dados, como os conceitos de
dimensões escondidas do letramento acadêmico (STREET, 2010) e prática
institucional do mistério (LILLIS, 1998).
75

3.3 ESTUDOS DOS LETRAMENTOS ACADÊMICOS E O CONTEXTO DE


PESQUISA

Logo no resumo do artigo de Lea e Street (2014 [2006], p. 477), intitulado


O modelo de “letramentos acadêmicos”: teoria e aplicações, os autores fazem o
seguinte esclarecimento: “Embora o termo ‘letramentos acadêmicos’ tenha sido
originalmente desenvolvido visando ao estudo de letramentos em nível superior, o
conceito também se aplica ao período da pré-escola ao ensino médio”. Isso me fez
considerar que o aporte teórico dessa linha de pesquisa pudesse embasar a criação
de categorias de análise para compreensão do meu objeto de estudo, situado no
ensino técnico integrado ao médio. Como afirma FIAD (2016, p. 210), “uma das
contribuições dos estudos dos letramentos para a análise da escrita no contexto
acadêmico é reverter o discurso do déficit em relação aos estudantes universitários,
assim como também em outros contextos escolares”.
No contexto brasileiro, os estudos que focam o letramento acadêmico
ainda são relativamente recentes (FIAD, 2016). Dentre os autores brasileiros citados
neste capítulo, há os que tratam os letramentos acadêmicos como as práticas de
leitura e escrita situadas na universidade (MARINHO, 2010; FIAD, 2011), assim
como há autores que expandem o conceito para os outros contextos escolares em
que há práticas formais de letramento (FISCHER, 2008; CORRÊA, 2011). Para
Fischer (2008, p. 181), “muitos eventos de letramento presentes no meio acadêmico
são recorrentes em outros contextos sociais, sejam em atividades orais ou escritas”.
Corrêa (2011) compartilha a ideia de letramento acadêmico abrangendo do ensino
fundamental à pós-graduação. O autor analisou textos de pré-universitários,
aproximando o conceito de aspectos ocultos do letramento com o de presumidos
sociais, concluindo que, “do ponto de vista da linguagem, é a desatenção à parte
presumida do gênero que acaba levando aos chamados aspectos ‘ocultos’ do
letramento acadêmico” (CORRÊA, 2011, p. 355).
Dentro da perspectiva dos estudos dos Letramentos Acadêmicos, os
modelos identificados por Lea e Street (1998) constituem ricos pontos de partida
para conjecturas a respeito das atitudes dos professores envolvidos na prática
analisada na tese, pois, segundo Lea e Street (2014, p. 479),
76

até o momento, tanto em nível universitário quanto em nível


fundamental e médio, os modelos de habilidades e de socialização
acadêmica têm guiado o desenvolvimento de currículos, de práticas
didáticas bem como de pesquisas.

Desse modo, é possível verificar se esses modelos estão presentes nas


relações dialógicas entre os alunos e os professores orientadores. Lembrando que
os modelos não são excludentes, mas podem coabitar um mesmo contexto de
ensino, na medida em que um engloba e amplia o outro. Servem, também, de base
para uma reflexão sobre minha própria prática como professora de LP e sobre as
práticas de letramento ali presentes, alinhando-se ao trabalho da pesquisa-ação,
conforme sugerem os autores:

Os três modelos são úteis tanto para pesquisadores que buscam


melhor compreender a escrita e outras práticas de letramento em
contextos acadêmicos quanto para educadores que desenvolvem
currículos, programas instrucionais e refletem sobre suas próprias
práticas de ensino (LEA; STREET, 2014, p. 480).

Os três modelos ajudam a compreender o processo de escrita da


monografia nesse contexto de pesquisa, levando-nos a refletir sobre os significados
construídos pelos seus participantes, as relações de autoridade, de poder,
identidades sociais e a discutir sobre como a instituição concebe o aluno
academicamente letrado, por meio da visão dos professores envolvidos.
Segundo Marinho (2010), há uma crença, baseada no senso comum e
nos currículos do ensino fundamental e médio, de que nesses níveis de ensino os
alunos aprendem a ler e a escrever independentemente do gênero. Ao ponto que
essa crença se sustenta no modelo autônomo de letramento (STREET, 2014),
espera-se, pois, que as habilidades aprendidas no ensino fundamental e médio
sejam automaticamente transferidas aos usos da linguagem situados no ensino
superior: “Aos professores universitários, costuma causar estranhamento o fato de
encontrar alunos pouco familiarizados com a leitura e a produção de gêneros que
sustentam as suas aulas e outros eventos próprios à vida acadêmica” (MARINHO,
2010, p. 366). Da mesma forma, os professores da área técnica estranham o fato de
os alunos terem dificuldades com a escrita da monografia visto que eles têm aulas
de LP em todos os anos do curso. Tal estranhamento foi uma das alavancas
motivadoras dessa pesquisa.
77

Dimensões escondidas e prática institucional do mistério

No estudo de Lea e Street (1998, 2006), os autores já destacavam que


havia lacunas entre as expectativas dos professores, que detêm o poder no âmbito
acadêmico, e a compreensão dos alunos dos requisitos para uma produção textual
satisfatória. Street (2009) mostra alguns exemplos dessas lacunas, “hidden
features”34, a partir de uma discussão com alunos de pós-graduação sobre a escrita
de ensaios. Nessa experiência, foram as dimensões que permaneceram escondidas,
mesmo após os alunos receberem orientações sobre suas produções escritas, que
mais chamaram atenção dos pós-graduandos, tais como: as formas possíveis de se
introduzir o ensaio; a inscrição da voz e do ponto de vista do autor; as maneiras de
explicitar o propósito do texto que podem variar em níveis e área etc., mostrando,
portanto, que nem sempre o que é cobrado na avaliação dos textos dos alunos é
explicitado durante o processo de ensino e requisição de trabalhos escritos.
Pela complexidade da escrita da monografia, acompanhada nesta tese,
adianto a hipótese de que há também dimensões escondidas (STREET, 2010) no
seu ensino, subjacentes às relações dialógicas entre os professores (orientadores,
de língua portuguesa, da banca avaliadora) e os alunos. Busco elucidar tais
dimensões na observação das variadas práticas contempladas na pesquisa: nas
relações dialógicas entre os professores orientadores e seus alunos; nas aulas de
língua portuguesa ministradas por mim referentes à escrita da monografia; no
feedback dos professores avaliadores por meio da observação da banca de defesa.
Tentar enxergar as dimensões escondidas nas minhas aulas entra em consonância
com a intenção de se fazer uma reflexão sobre a minha prática, podendo esse ser
um interessante ponto de partida para isso.
A constatação de dimensões escondidas nas práticas de letramentos
acadêmicos dialoga com o conceito de prática institucional do mistério, trazido por
Lillis (1999), em seu artigo Whose ‘Common Sense’? Essayist literacy and the
institutional practice of mystery, que nos ajuda a compreender os pressupostos
presentes nas práticas dos professores ao abordarem a escrita da monografia. A
autora discute a relação entre alunos e professores, com base na experiência de
alunos “não tradicionais” (estudantes negros, fora da idade, alunos que trabalham)

No artigo traduzido do autor: “dimensões escondidas” (STREET, 2010). Baseado em Street (2009),
34

CORRÊA (2011) chama de aspectos “ocultos” do letramento.


78

que entram em contato com as práticas de escrita acadêmica, no contexto britânico.


A prática institucional do mistério nasce do pressuposto de que as convenções da
escrita de gêneros acadêmicos já sejam conhecidas por todos os estudantes, sendo
manifestada de diferentes maneiras pelas relações entre eles e os professores que
dão voz às imposições institucionais, as quais lidam com discursos dominantes.
A autora notou uma divergência entre os pontos de vista de professores e
alunos quanto às interpretações e os significados atribuídos às convenções da
escrita acadêmica, ou seja, os alunos geralmente não atingem as expectativas dos
professores com relação à escrita. Tal divergência é ilustrada, por exemplo, por uma
aluna que não sabia os critérios responsáveis por um dos seus ensaios ter obtido
melhor nota do que outro, revelando o desafio dos estudantes de saberem as
expectativas dos professores quando solicitam trabalhos escritos.
A fim de minimizar esse conflito, reflexo de uma prática dominante no
contexto acadêmico, atitudes são tomadas pautadas na abordagem das habilidades,
as quais, segundo a autora, não são suficientes para os alunos demonstrarem o
letramento esperado pela universidade, pois tal abordagem reforça a visão de que
as convenções de escrita na academia são autônomas e não considera a escrita
acadêmica como uma prática de letramento situada.
Nessa perspectiva, o domínio das convenções acadêmicas depende
muito mais da familiaridade dos alunos com essas convenções e seu engajamento
nessa prática sócio-discursiva específica de letramento do que do conhecimento das
estruturas linguísticas que organizam os gêneros (LILLIS, 1999). Vale lembrar que
tais convenções são definidas pelo próprio contexto de produção, como resume
Komesu (2013), com base na concepção de letramentos acadêmicos tomada nessa
pesquisa: “essa concepção tem relação com a produção de sentido, identidade,
poder e autoridade; coloca em primeiro plano a natureza institucional daquilo que
conta como conhecimento em qualquer contexto acadêmico específico” (p. 313).
Segundo Lillis (1999), com base em Gee (1990), as práticas dominantes
de letramento não são ensinadas àqueles que não as conhecem, logo as instituições
continuam privilegiando aqueles que já são socialmente privilegiados. Assim, a
prática institucional do mistério reflete, sobretudo, nos estudantes que têm menos
consciência das relações ideológicas e de poder desse contexto.
O distanciamento sócio-discursivo entre professores e alunos é fruto de
uma relação monológica. “É a voz do professor que predomina, determinando qual é
79

a tarefa e como deve ser conduzida, sem negociação sobre a natureza das
expectativas que envolvem a escrita por meio de diálogo com o escrevente”35
(LILLIS, 1999, p. 143, tradução livre). Dessa relação, vem o apagamento dos
participantes reais, visto que tanto o aluno não sabe as verdadeiras expectativas dos
professores quanto aos textos, como os professores lidam com alunos ideais que já
dominam as convenções da escrita.
O conceito de prática institucional do mistério nos ajuda a compreender o
processo de escrita da monografia por chamar atenção para como ela foi conduzida
pelos professores e como os alunos interpretaram essa mediação. Propomos, assim,
não partir de pressupostos estabelecidos pelo modelo autônomo de letramento, pois
concebemos essa prática como um letramento situado, constituído nas relações
dialógicas entre os vários interlocutores e mediadores do letramento, assim como
entre as outras práticas letradas dos alunos.
As relações dialógicas citadas diversas vezes neste capítulo emergiram
da opção por uma concepção de linguagem e, principalmente, de gênero,
formuladas por Bakhtin. Buscamos, como aporte teórico e metodológico, articular a
perspectiva dialógica de linguagem com os estudos dos Letramentos Acadêmicos
para analisar a integração dos alunos com a prática de letramento em foco, mediada
por “movimentos dialógicos” (FISCHER, 2010), dentre eles os estabelecidos na
interação com o professor de LP. Partir, pois, da noção de que o letramento é fruto
de relações dialógicas rompe com o modelo autônomo e com a abordagem
monológica de constituição da escrita. Essa opção teórica que une a abordagem
dialógica ao modelo dos letramentos acadêmicos é sustentada por Fiad (2015) e
outros autores.
Por fim, devido à opção por essa articulação teórica, serão explicitadas as
relações dialógicas observadas na análise dos dados.

35 No original: “The socio-discursive space which is inhabited by student-writers and tutors as


described in this paper is predominantly monologic: it is the tutor’s voice which predominates,
determining what the task is and how it should be carried out, without negotiating the nature of the
expectations surrounding this task through dialogue with the student-writer” (LILLIS, 1999, p. 143).
80

Capítulo 4

CONCEPÇÕES BAKHTINIANAS COMO APORTE TEÓRICO PARA


ANÁLISE DOS DADOS

A enunciação monológica fechada constitui, de fato, uma abstração.


A concretização da palavra só é possível com a inclusão dessa
palavra no contexto histórico real de sua realização primitiva. Na
enunciação monológica isolada, os fios que ligam a palavra a toda a
evolução histórica concreta foram cortados (BAKHTIN, 2006, p. 105).

Esta tese objetiva alimentar uma reflexão sobre a escrita de monografia


no ensino médio perpassada por relações dialógicas, dentre elas, a mediação do
professor de Língua Portuguesa, a partir de um estudo de caso de escrita de uma
monografia, cujo processo não era acompanhado pelo professor de língua, mas
passa a ser a partir da pesquisa. Para analisar as práticas de letramento envolvidas
no processo, parto da perspectiva dos estudos teóricos de Bakhtin (2006, 2011),
sobretudo a partir de sua concepção de linguagem dialógica, enunciação e gênero
do discurso. Sob o enfoque discursivo, discuto como foi a integração de alunos do
ensino médio/técnico, sob a interferência da professora de LP, com a prática letrada
acadêmica – escrita da monografia – em meio a condições específicas de produção
e interlocução, através da análise de relações dialógicas36 constituintes do processo
enunciativo.

4.1 DIALOGISMO COMO PRINCÍPIO CONSTITUTIVO DA LINGUAGEM

Miranda (2016), apoiando-se em Corrêa (2004), afirma que reconhecer a


dimensão dialógica do enunciado já é um consenso entre os pesquisadores da área

36 Sobre dialogismo/relações dialógicas, cf. Sobral e Giacomelli (2016), que fazem a seguinte
explicação sobre os termos: “A ADD, como análise dialógica do discurso, é chamada de dialogismo,
embora essa palavra não exista com esse nome da teoria nas obras da ADD. Esse foi um nome dado
por estudiosos dessa obra. Na verdade, a ADD afirma que os enunciados e os locutores entram em
relações dialógicas uns com os outros. Logo, a expressão usada é relações dialógicas. Bakhtin diz
que as frases não entram em relações dialógicas, mas os enunciados sim. Porque todo enunciado é
uma resposta, ou melhor, réplica, a outros enunciados, sejam enunciados já ditos ou não ditos, mas
possíveis como resposta/réplica. A Análise Dialógica do Discurso é, assim, uma designação para
uma proposta de teoria e análise do discurso também criada por estudiosos. Outro modo de falar dela
é chamar de teoria do Círculo de Bakhtin, mesmo sabendo-se que Bakhtin não foi “dono” de um
Círculo, mas um dos principais membros de um grupo de estudiosos da linguagem, da literatura e da
filosofia da linguagem e da vida (dos seres humanos em sociedade). Também se chama de teoria
dialógica ou dialogismo de Bakhtin. (SOBRAL, 2016, p. 1088-1089)
81

da linguagem. Portanto, não é preciso tecer grandes justificativas para tomar esse
conceito como norteador da pesquisa, porém a autora chama atenção para o
direcionamento que os estudos linguísticos devem tomar após o pressuposto de que
os enunciados são perpassados por relações dialógicas:

acredito que a admissão de “qualquer enunciado como dialógico”37 já


é uma atitude tomada como pré-requisito para muitos estudos
linguísticos e aplicados, constituindo-se como desafio atual,
doravante, “divisar a complexidade das relações dialógicas”, ou seja,
percebê-las e estudá-las de modo que elas possam ser distinguidas
nas análises dos objetos de estudo de nossas pesquisas de modo
que colaboremos com o entendimento das práticas de letramentos.
(MIRANDA, 2016, p. 80)

Com efeito, os modos como as relações dialógicas se instauram no


enunciado são condutores da análise para compreensão da prática de letramento
em foco na tese, em especial, o diálogo estabelecido entre os alunos e a professora
de Língua Portuguesa, perpassado pelos diálogos com os professores orientadores,
as disciplinas, os discursos presentes na escola e fora dela, os colegas etc. Para
isso, será brevemente explicitado como algumas dessas relações se constituem
relacionando-as ao nosso contexto de pesquisa.
A fim de enumerar algumas dessas relações, em primeiro lugar, a
monografia foi escrita em grupo, o que coloca todos seus membros ocupando
simultaneamente o lugar de locutores e interlocutores do processo enunciativo. Os
outros interlocutores/mediadores do letramento que dialogaram com o grupo durante
o processo de escrita foram o orientador, dois professores da disciplina direcionada
à escrita da monografia e eu como professora de LP. Além desses, os interlocutores
da versão final do trabalho, professores que participaram da banca de defesa. A
partir dessa noção, acredito que, por meio do olhar para essas relações dialógicas,
será possível pensar em alternativas de abordagens de ensino que fujam do modelo
autônomo de letramento.
Ao optar pela perspectiva dialógica da linguagem para refletir sobre minha
prática partindo, sobretudo, da materialização linguística das enunciações dos
alunos sob a forma genérica da monografia, foi também preciso considerar, além

37Os dois usos das aspas neste trecho fazem referência a MACIEL, L. V. C. Relações dialógicas
em narrativas. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada, Instituto de Estudos da Linguagem) –
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, 2014.
82

dos interlocutores/mediadores do letramento, as relações de poder e o contexto


institucional, refletidos nos diálogos que circunscrevem a prática de escrita e nas
enunciações dos alunos e professores durante as entrevistas, em consonância com
os estudos dos Letramentos Acadêmicos.

4.2 OS DIÁLOGOS ENUNCIATIVOS COMO GUIAS DA ANÁLISE DOS DADOS

O conceito de dialogismo bakhtiniano parte da rejeição do entendimento


de enunciação monológica, “como um ato puramente individual, como uma
expressão da consciência individual, de seus desejos, suas intenções, seus
impulsos criadores, seus gostos, etc.” (BAKHTIN, 2006, p. 112-113) e da adoção do
conceito de enunciação como produto da interação verbal sempre determinada por
um contexto social e ideológico. Nas palavras do autor:

A enunciação enquanto tal é um puro produto da interação social,


quer se trate de um ato de fala determinado pela situação imediata
ou pelo contexto mais amplo que constitui o conjunto das condições
de vida de uma determinada comunidade linguística. (op. cit. p.124)

Relacionado ao conceito de enunciação como interação verbal,


materializada por gêneros discursivos gerados dentro da infinita cadeia discursiva,
está o conceito de dialogismo/relações dialógicas como princípio constitutivo da
linguagem, fundamental no conjunto das obras do autor russo (BRAIT, 2005). O
dialogismo presente em todo enunciado concreto ocorre entre diferentes instâncias
enunciativas (interlocutores, enunciados, contexto, vozes etc.), as quais estão todas
inter-relacionadas e subordinadas ao gênero discursivo do enunciado. Desse modo,
com intuito de criar uma organização metodológica de análise dos dados, proponho
três orientações das relações dialógicas:

a) Diálogo entre os enunciados: corresponde ao reconhecimento do


enunciado como pertencente à infinita corrente de enunciados. Todo
enunciado está situado nessa corrente enunciativa.
b) Diálogo entre a alternância de vozes do enunciado: referente ao
emaranhado de vozes presentes em um único enunciado.
83

c) Diálogo entre os sujeitos do discurso: estabelecido pela relação de


alteridade, em que o sujeito discursivo constitui-se a partir de sua
relação social com o outro.

Diálogo entre os enunciados

“Cedo ou tarde, o que foi ouvido e ativamente entendido responde nos


discursos subsequentes ou no comportamento do ouvinte” (BAKHTIN, 2016, p. 25),
ou seja, o falante é também respondente, pois sempre dialoga com enunciados
antecedentes, de modo que seu enunciado seja um dos elos discursivos
pertencentes à infinita corrente enunciativa. Assim, com relação ao princípio
dialógico constitutivo do enunciado, pode-se afirmar que não existem enunciados
isolados, pois sempre partem de discursos precedentes e antecedem outros, dentro
de uma esfera da comunicação.

Toda enunciação, mesmo na forma imobilizada da escrita, é uma


resposta a alguma coisa e é construída como tal. Não passa de um
elo da cadeia dos atos de fala. Toda inscrição prolonga aquelas que
a precederam, trava uma polêmica com elas, conta com as reações
ativas da compreensão, antecipa-as. (BAKHTIN, 2006, p. 99)

O reconhecimento do enunciado como pertencente a uma cadeia


enunciativa tem implicações para o ensino dos gêneros, quando o aprendiz, ao
produzir um gênero dentro de uma esfera específica da comunicação deve ter
consciência do lugar que esse enunciado ocupa nessa cadeia, já que “o conteúdo
temático está fundamentado em vínculos dialógicos que o enunciado estabelece
com outros textos” (MACIEL, 2015, p. 255). Para a escrita da monografia, o
conhecimento de alguns enunciados, que circulam na esfera acadêmica e exploram
o mesmo conteúdo temático a ser abordado, influencia diretamente o escrevente nas
escolhas das vozes que comporão seu texto. A partir da consciência do lugar
ocupado pelo enunciado na corrente enunciativa, o autor decide, por exemplo, o
quanto um assunto deve ser explicado, supondo que seu(s) interlocutor(es) estejam
inseridos nessa mesma esfera de comunicação.

Ao compor seu enunciado, o sujeito não tem como foco apenas o


tema ou assunto – o “objeto” na expressão de Bakhtin – que aborda.
84

O enunciador leva em conta também outras enunciações, que estão


correlacionadas ao tema ou assunto de que trata seu texto.
(MACIEL, 2015, p. 255, aspas do autor)

Os diálogos enunciativos são infinitos, muitas vezes imprevistos e não


transparentes. Além do diálogo entre os enunciados de uma mesma esfera, há
muitos outros possíveis. Como lido com o ensino, os diálogos que o escrevente faz
com os outros enunciados da esfera escolar me interessam. Ao entrelaçar o conceito
de dialogismo entre os enunciados com os estudos dos letramentos, pressuponho
que as enunciações dos alunos dialogam com suas práticas letradas antecedentes,
situadas na escola, ajudando a compreender algumas escolhas linguístico-
discursivas por eles realizadas no processo de escrita da monografia. Esses
diálogos podem ser indiciados nos textos dos alunos por meio das relações
intergenéricas, as quais serão comentadas ao longo deste capítulo.
Quando se analisa um enunciado, manifestado em um gênero
determinado, é impossível captar todos os diálogos enunciativos ali mobilizados,
porém procurei levantar algumas hipóteses por meio de marcas linguísticas nos
textos dos alunos, pelo menos, referentes aos possíveis diálogos entre os
enunciados que circulam na esfera escolar, buscando observar como os discursos
dos professores e os gêneros produzidos na escola interferem na escrita da
monografia, com foco no ensino-aprendizagem da escrita, visto que “O dialogismo
diz respeito ao permanente diálogo, nem sempre simétrico e harmonioso, existente
entre os diferentes discursos que configuram uma comunidade, uma cultura, uma
sociedade” (BRAIT, 2005, p. 94).
Inseridas no diálogo que todo enunciado trava com outros discursos,
estão as relações intergenéricas, as quais são relevantes para a postura do
professor como mediador do letramento dos alunos. Segundo Corrêa (2006), olhar
para as relações intergenéricas presentes no enunciado possibilita uma abordagem
de ensino que procura fugir da prática tradicional limitada à identificação de erros na
escrita dos alunos. Pelo contrário, com uma concepção mais ampla de língua e,
logo, de escrita, almeja-se compreender as relações entre os enunciados genéricos,
em vez de tratar os desvios dos gêneros como erros. Com base nas relações
intergenéricas, a partir do conceito bakhtiniano de gêneros discursivos, Corrêa
(2006) mostra um exemplo de análise que considera o caráter responsivo ativo dos
enunciados, trazendo o conceito de “ruínas”, na tentativa de propor novas
85

possibilidades de leitura dos textos dos alunos pelo professor, o qual, segundo o
autor, “empenhou-se muito mais em buscar vestígios de erros, no sentido normativo,
do que em reconhecer algum significado para as supostas inconsistências de seu
aluno” (CORRÊA, 2006, p. 208).
Corrêa (2006) chama os vestígios de gêneros discursivos de ruínas,
definidas como “partes mais ou menos informes de gêneros discursivos, que,
quando presentes em outro gênero, ganham o estatuto de fontes históricas –
retrospectiva ou prospectivas – da constituição de uma fala ou de uma escrita” (op.
cit). Esses vestígios de gêneros (“ruínas”) são observados a partir de fatos textual-
discursivos, que criam significados na escrita dos alunos e constituem indícios de
gêneros.
Observar esses indícios possibilita ao professor interferir de maneira mais
produtiva nos textos, pois considera as relações intergenéricas como constitutivas da
escrita e, portanto, reconhece o diálogo entre as práticas sociais como, por exemplo,
entre as orais e escritas (CORRÊA, 2006). Dentre as considerações finais do autor,
destaco duas: 1) a partir de uma perspectiva de trabalho com a heterogeneidade da
escrita, as relações intergenéricas, quando vistas como indícios, deixam de ser
vistas como problemas e passam a ser vistas como réplicas, “tendendo-se a
conceber os gêneros discursivos em seu processo sempre inacabado de
constituição” (CORRÊA, 2006, p. 219); 2) sendo as relações intergenéricas inerentes
aos gêneros discursivos,

a presença de relações imprevistas num determinado gênero não


deve ser tomada como “defeito” daquele gênero, mas como marca
da relação do enunciado genérico com o autor, fato que põe um
determinado gênero em contato com as mais variadas práticas de
linguagem em que o autor se insere, repondo a dinâmica histórica de
constituição e reconstituição daquele gênero. (op. cit., itálico do
original)

Dessa forma, as relações intergenéricas, inerentes à concepção dialógica


de linguagem oferecem um rico ponto de partida para reflexão sobre a prática do
professor de Português, sobretudo como tentativa de não limitar o ensino da escrita
dos gêneros ao que lhes é estável, destacando seu caráter dinâmico e dialógico,
conforme afirma Corrêa, em outro artigo:
86

A dinamicidade dos gêneros do discurso está diretamente


relacionada à ideia de relações intergenéricas. Um modo de observar
como elas são trazidas para um dado gênero é investigar os
reinvestimentos do diálogo na produção dos gêneros do discurso.
(...) a produção de um gênero do discurso (oral ou escrito) começa a
ser exitosa quando se pode reconhecer alguma pertinência
(temática, composicional ou estilística) à relação dialogal pensada
pelo escrevente para aquele gênero. (CORRÊA, 2013, p. 486)

O autor reitera a importância das relações intergenéricas para o ensino


dos gêneros:

É evidente que há normas mais ou menos fixadas para a produção


dos gêneros, mas é importante não se esquecer de outras
regularidades que atuam sobre a estabilidade do gênero, isto é, no
sentido de sua dinamicidade, atuando, portanto, para a sua
transformação. Um dos caminhos para buscá-las é, a meu ver, o das
relações intergenéricas, fenômeno que, todavia, tem sido pouco
explorado como móvel da produção do gênero. (CORRÊA, 2013, p.
497)

Na mesma direção do autor, que se debruça no caráter dinâmico dos


gêneros discursivos ao tratar das relações intergenéricas, Fiad (2013a) também faz
uma discussão com base na flexibilidade do gênero, ao focar no estilo e analisar a
relação entre o estilo do gênero e o estilo individual em enunciados escritos por
estudantes, conforme será mostrado a seguir.
Segundo Bakhtin (2016), há gêneros mais e menos propícios a refletirem
o estilo individual do autor; os literários, por exemplo, têm a individualidade como
constituinte de sua função enunciativa. A monografia, por sua vez, parece incluir-se
nos gêneros cujas condições são menos favoráveis para o reflexo da
individualidade, o que pode ser ilustrado com o apagamento da voz do autor ao
evitar o uso da primeira pessoa.
Conforme a noção de gênero discursivo de Bakhtin, seus elementos –
conteúdo temático, composição e estilo – são indissociáveis e sempre definidos com
relação ao gênero. Nesse sentido, o estilo está sempre subordinado ao gênero,
mesmo que se manifestem nele o estilo individual do autor. Como atesta Maciel
(2015, p. 263), “o estilo pode comportar opções individuais do autor, embora as
escolhas estilísticas se ajustem ao gênero discursivo e possam se valer de elos
dialógicos”.
87

Apesar disso, Fiad (2013a, p. 61) destaca “o caráter flexível dos gêneros,
fundamentalmente para a discussão sobre estilo”. Ao observar o estilo nos textos
produzidos por aprendizes, analisados em suas pesquisas, a autora concluiu que
algumas vezes o estilo individual do autor sobrepõe-se ao estilo do gênero. Até
mesmo nos gêneros menos flexíveis, os quais permitem menos manifestação do
estilo individual, há marcas linguísticas dos estilos individuais, violando algumas
características dos gêneros produzidos pelos alunos. Quanto aos resultados obtidos
nessas pesquisas, a autora cita:

Essas ocorrências foram bastante significativas para nossas


reflexões sobre a relação entre estilo individual e estilo do gênero.
Interpretamos que as marcas de informalidade não previstas em
alguns gêneros, provocam uma ruptura no estilo do gênero e que
essas marcas podem indicar o estilo individual sobrepondo-se ao
estilo do gênero. Além disso, essas manifestações reforçam o caráter
maleável e flexível dos gêneros, mesmo daqueles que podem ser
considerados menos flexíveis. (FIAD, 2013a, p. 62)

Nessa perspectiva, entende-se que as marcas linguísticas da emergência


dos estilos individuais estão provavelmente relacionadas aos outros gêneros
lidos/escritos e ouvido/falado pelos sujeitos em seu processo de letramento
(relações intergenéricas). Como afirma a autora, “nas relações intergenéricas
exploradas pelos escreventes, estão manifestações do estilo individual” (FIAD,
2013a, p. 63). O reconhecimento da flexibilidade dos gêneros e das relações
intergenéricas ajuda a compreender as atitudes dos alunos, a guiar melhor o
processo de ensino (orientações, aulas, diálogos, reescritas), estando consciente e
conscientizando os alunos dessa flexibilidade, para fugir de “uma concepção estática
e normativa” que tem predominado na escola (FIAD, 2013a, p. 63). Tal abordagem é
também coerente com um projeto de ensino que negue o discurso do déficit e da
crise do letramento acadêmico.

Diálogo entre a alternância de vozes do enunciado

O dialogismo inerente à alternância das vozes do enunciado é orientado


pelas escolhas do autor com relação às vozes articuladas no seu enunciado, ou
seja, na construção composicional do gênero, quais vozes constroem, como um
todo, o conteúdo temático do enunciado genérico. A heterogeneidade de vozes
88

presentes no enunciado pode ser manifestada explicitamente ou implicitamente pela


marcação ou não das vozes discursivas que compõem um texto. Na discussão feita
na seção anterior, parti do princípio de que todo enunciado é dialógico e destaquei
as relações dialógicas estabelecidas pelos enunciados com os outros discursos de
uma dada esfera da comunicação. Nesta seção, o foco do dialogismo é a
dialogicidade interna dos enunciados (a qual necessariamente tem relação com sua
exterioridade também), referente aos diálogos discursivos travados entre as vozes
presentes em um único enunciado.
Para escrever a monografia os alunos devem, além de dialogar com os
enunciados da corrente enunciativa da esfera científica de sua área de atuação,
mostrar o diálogo entre os enunciados lidos e trazidos para sua escrita, ou melhor,
fazer a alternância das vozes discursivas para compor o texto, a fim de lhe atribuir
credibilidade científica.
Com relação às várias vozes presentes no enunciado, Barros (2005), no
livro organizado por Brait, Bakhtin: dialogismo e construção de sentido, faz uma
distinção entre o conceito de polifonia em comparação ao de dialogismo, este
referente ao “princípio dialógico constitutivo da linguagem e de todo discurso”
(BARROS, 2015, p. 34) e aquele referente a um tipo de texto

em que o dialogismo se deixa ver, aquele em que são percebidas


muitas vozes, por oposição aos textos monofônicos, que escondem
os diálogos que os constituem, conforme variem as estratégias
discursivas empregadas. Nos textos polifônicos, os diálogos entre
discursos mostram-se, deixam-se ver ou entrever, nos textos
monofônicos eles se ocultam sob a aparência de um discurso único,
de uma única voz. Monofonia e polifonia são, portanto, efeitos de
sentido, decorrentes de procedimentos discursivos, de discursos por
definição e constituição dialógicos. (BARROS, 2005, p. 34)

Essa explicação pareceu válida para a classificação da monografia como


um gênero polifônico, quando o fato de o autor dialogar com um número diverso de
outros enunciados, trazendo-os para o seu, é valorizado. Contudo, a escrita
científica valoriza apenas as vozes de autoridade, ou seja, por mais que se
pressuponha um diálogo interno de vozes, a única voz aceita pelos que avaliam
essa prática, é a voz dos discursos dominantes.
Há, nesse sentido, variações em como os autores se apropriam dos
termos dialogismo e polifonia quando se baseiam no conceito bakhtiniano (COSTA,
89

2015; MACIEL, 2016; MIRANDA, 2016). Barros (2005), como visto acima, considera
o texto polifônico aquele que deixa explícita a multiplicidade de vozes presentes no
enunciado. Bezerra (2005, p. 19), sobre romances polifônicos, na mesma coletânea
de artigos sobre Bakhtin, diz: “O que caracteriza a polifonia é a posição do autor
como regente do grande coro de vozes que participam do processo dialógico”.
Maciel (2016) discute sobre as apropriações dos termos dialogismo e
polifonia por pesquisadores, mostrando que Bakhtin fala sobre polifonia por meio de
análise dos romances de Dostoiévski, concluindo que, apesar de não ser produtivo
reduzir o conceito à aplicação em romances, não são todos os gêneros que podem
ser polifônicos, sendo necessárias pesquisas com demonstrações de outros gêneros
com essa característica. Segundo o autor:

um dos critérios para se distinguir polifonia de dialogismo é a


amplitude do diálogo. Somente com ideólogos e considerando-se
vozes mais amplas (e pensamentos mais abstratos) se supera o
diálogo imediato. Se o dialogismo já se faz presente na interação
entre quaisquer vozes, a polifonia depende da amplitude das ideias
que se discute (MACIEL 2016, p. 587).

Depois complementa: “Mais importante para caracterizar a polifonia é que


as vozes não permaneçam em uma única boca [uma única personagem] e que
ninguém tenha a palavra mais forte, aquela capaz de encerrar o diálogo” (MACIEL,
2016, p. 596-597).
Já Costa (2015) explica que a polifonia vista por Bakhtin, nos romances
do autor russo, está ligada à hierarquização das vozes que compõem o romance,
quando este é polifônico os pontos de vista são distribuídos pelas personagens, não
mantém relação hierárquica entre elas, mas são “equipolentes”, pois “cada
personagem do romance polifônico tem a sua verdade” (COSTA, 2015, p. 331).
Partindo, agora, dessa perspectiva, a escrita da monografia,
especificamente a em foco nesta tese (produzida no ensino médio/técnico), não
seria, de maneira alguma, polifônica, visto que a análise mostrou uma relação
hierárquica entre a voz dos alunos e as vozes de autoridade trazidas (ou que
deveriam ser trazidas) para seu enunciado. Aliás, é a integração das suas próprias
vozes com as vozes acadêmicas uma das principais dificuldades dos alunos,
relatada tanto por eles mesmos, quanto por seus professores (Cf. capítulo de
análise).
90

Diante dessa característica do gênero aqui focalizado, podemos falar em


heterogeneidade discursiva. Destacamos com Brait (2005) alguns indícios
apontados pela autora, de que “um dos eixos do pensamento bakhtiniano está
justamente na busca das formas e dos graus de representação da heterogeneidade
constitutiva da linguagem” (BRAIT, 2005, p. 89). Dentre esses indícios, estão

A preocupação com a dimensão histórico-ideológica e a consequente


constituição sígnica das ideologias; a insistência na discussão de
uma natureza interdiscursiva, social e interativa da palavra; a
tentativa de oferecer elementos para uma reflexão sobre os gêneros
discursivos; a interdiscursividade como condição de linguagem (op.
cit.)

Segundo Corrêa (2004), no âmbito da língua, como materialização


linguística do caráter dialógico da linguagem (nível discursivo) está o estudo da
heterogeneidade. Brandão (2005, p. 269) faz referência ao trabalho de Authier-
Revuz sobre análise das marcas explícitas como

heterogeneidade mostrada (as formas do discurso relatado, o uso


das aspas, os enunciados metadiscursivos) como formas de ruptura,
de fraturas que intervêm no fio do discurso, colocam em confronto a
identidade/alteridade do sujeito e mudam o estatuto do sentido.
Essas marcas da heterogeneidade mostrada articulam-se com uma
heterogeneidade constitutiva da linguagem, heterogeneidade não
marcada na superfície, mas possível de ser definida pela
interdiscursividade, pela relação que todo discurso mantém com
outros discursos.

A partir da concepção de heterogeneidade da linguagem, há uma


negociação, “no diálogo que o escrevente mantém com o que representa como sua
exterioridade” (CORRÊA, 2004, p. 231), entrelaçando a heterogeneidade mostrada e
a que é constitutiva de todo discurso. É importante destacar que os gêneros
acadêmicos não abrem espaço para a multiplicidade de vozes que circulam na
escola, de sujeitos discursivos múltiplos, tendendo-se, assim, ao “monologismo”
(FIAD, 2013b, MIRANDA, 201638), pois em meio a relações de poder, são
privilegiados discursos específicos. Miranda (2016) esclarece, porém que

38 Ambas as autoras fazem essa discussão com base em LILLIS. T. Student writing as ―Academic
Literacies: drawing on Bakhtin to move from critique to design. Language and Education, n. 17, v. 3,
p. 192-207, 2003.
91

pela perspectiva bakhtiniana, não haveria enunciados “monológicos”,


mas aqueles que tentariam sonegar outras vozes existentes, ou seja,
impor um discurso dominante e repressivo a outros existentes e, por
isso mesmo, já seriam dialógicos, nesse embate de forças e tentativa
de dominação. (MIRANDA, 2016, p. 101)

A mestria nesses gêneros é apenas atingida por meio da habilidade de


articular as vozes no enunciado, a dos textos lidos e a do escrevente, mesmo que
esta última seja apagada. Ao contrário do que Bakhtin encontra nas suas análises
dos romances, que lidam com uma multiplicidade de vozes presentes na língua, “a
ver com a unidade/multiplicidade que constitui uma língua em qualquer estágio de
sua existência” (BRAIT e PISTORI, 2012, p. 380). Nas palavras do próprio autor: “é
graças a este plurilinguismo social e ao crescimento em seu solo de vozes diferentes
que o romance orquestra todos os seus temas, todo seu mundo objetal, semântico,
figurativo e expressivo” (BAKHTIN, 1988b, p.74, apud BRAIT; PISTORI, 2012, p.
380). De fato, “os gêneros das diversas esferas refletem diferentemente os matizes
dialógicos: os da esfera científica se centram mais no princípio monofônico de
construção do discurso, enquanto que os da literatura se constituem mais sobre o
princípio polifônico” (RODRIGUES, 2006, p. 211)
No caso da escrita da monografia, independentemente do modo como as
relações dialógicas são operadas, se por meio do discurso citado entre aspas, se em
nota de rodapé, ou com paráfrases, isto é, sendo a heterogeneidade mostrada ou
não, com certeza os professores avaliadores esperam reconhecer presentes no
enunciado as leituras científicas supostamente realizadas pelos estudantes. Ainda
que se tenha uma tendência ao apagamento das marcas das relações dialógicas na
escrita científica (FUZA, 2015), as diversas vozes do enunciado são identificadas por
seus leitores, pois se tratando de uma prática social situada, a leitura de textos
científicos é efetiva quando os sujeitos discursivos estão realmente inseridos nessa
prática e, portanto, são familiarizados com os enunciados dessa esfera social.
Com efeito, como observado nas entrevistas e trechos do texto (Cf.
capítulos de análise), é justamente no modo como se operam as relações dialógicas
interdiscursivas do gênero monografia, no seu processo de textualização escrita, que
reside a principal dificuldade dos alunos, no estabelecimento de: a) diálogo externo39
entre as vozes trazidas para o enunciado, a partir das leituras realizadas, com o

39 Sobre diálogo interno e externo cf. Miranda (2016) e Maciel (2014).


92

próprio enunciado e b) diálogo interno entre essas vozes, isto é, fazer a articulação
das vozes no enunciado. Além disso, os alunos não têm consciência do lugar que
seu enunciado completo ocupa na infinita cadeia discursiva, em diálogo com outros
textos da esfera científica da área, quando, por exemplo, são criticados pelos
professores da banca porque detalharam demais conteúdos já consolidados entre
seus interlocutores. Isso decorre do fato de que “as relações dialógicas estão em
estrita conexão com o gênero discursivo em que se realizam e com a esfera da
comunicação em que emergem e são veiculadas” (MACIEL, 2016, p. 599).
Logo, uma vez que esse aspecto configura um entrave para os alunos se
integrarem com a escrita científica, torna-se ponto essencial a ser observado durante
o processo de ensino-aprendizagem, a fim de discutir sobre a minha prática e as
concepções dos professores da área técnica.
Em suma, comungo do princípio dialógico e heterogêneo do discurso
onde se faz presente uma multiplicidade de vozes entrecruzadas num processo
interdiscursivo, as quais podem se instaurar por uma heterogeneidade mostrada ou
não, tomando a concepção ampla de dialogismo, como explica Maciel (2016, p. 582-
583):

na acepção bakhtiniana, o dialogismo não é apenas a referência de


um texto a outro, mas as relações (dialógicas) que se dão entre uma
voz ou outra, estejam essas vozes expressas em um mesmo texto ou
em diferentes textos, estejam essas vozes nos diálogos face a face
do cotidiano ou em amplos diálogos que se estabelecem, marcadas
ou veladamente, entre vozes e ideias que interagem, por meio de
sujeitos que as enunciam, no fio da história.

Assim como Brandão (2005, p. 270), pois, situamos “a fala e a escrita


num arcabouço teórico em que está fora de questão qualquer compreensão
homogeneizadora da linguagem”, por mais que as relações de poder institucionais
façam um movimento de apagamento da subjetividade e valorizem discursos
aparentemente monológicos.

Diálogo entre os sujeitos do discurso: alteridade

Além do outro na figura do interdiscurso, dos discursos que atravessam o


texto, temos ainda o outro explicitado na figura do interlocutor que dialoga com o
93

autor de um dado gênero. Nesse caso, “o dialogismo diz respeito às relações que se
estabelecem entre o eu e o outro nos processos discursivos instaurados
historicamente pelos sujeitos” (BRAIT, 2005, p. 95). A partir do momento em que a
linguagem se funda na interação verbal entre interlocutores, deixa-se de ver o outro,
o ouvinte, como passivo. Ao contrário, além de ouvinte, ele exerce “uma ativa
posição responsiva”, tornando-se também falante.

Ler torna-se, então, uma atividade de coenunciação, o diálogo que o


autor trava com o leitor possível, cujos movimentos ele antecipa no
processo de geração do texto e também como atividade de atribuição
de sentido ao texto promovido pelo leitor no ato da leitura
(BRANDÃO, 2005, p. 272).

Com relação ao diálogo entre os interlocutores, Corrêa lembra que

Não há, em primeiro lugar, um diálogo com papéis inteiramente


previstos para os interlocutores de um dado gênero. Trata-se, na
maioria das vezes, de tipos mais ou menos previstos de relação
(mais, ou menos, assimétricas) entre os participantes, o que não se
confunde com estereotipia (CORRÊA, 2013, p. 488).

A relação entre o autor e o leitor é essencial no processo de escrita, pois


o leitor, não o leitor empírico, mas a representação que o autor faz desse leitor
dialoga diretamente com o texto, pois o autor faz escolhas linguístico-discursivas
com base nele. Segundo Bakhtin (2006, p. 114), “a enunciação é o produto da
interação de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja um
interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social
ao qual pertence o locutor”.
Corrêa (2013) faz um alerta sobre a problemática entre o sujeito empírico
e o sujeito do discurso, explicando que, quando se parte de um enunciado, nunca se
tem ali representado o sujeito empírico, mas sim o sujeito do discurso, que também
não dialoga com o leitor empírico, mas com o imaginário do que ele(s) seja(m). É na
relação com o outro que o sujeito empírico torna sujeito do discurso, pois nela se
constroem as coerções linguístico-discursivas vindas do gênero. Assim, “instauram-
se relações intersubjetivas em que o um e o outro, isto é, falante-ouvinte, escritor-
leitor, se constituem enquanto sujeitos do discurso” (BRANDÃO, 2005, p. 270).
Os sujeitos empíricos (orientadores, professora de LP e alunos) tornam-se
sujeitos do discurso na relação com o outro, portanto, as relações dialógicas entre os
94

sujeitos do discurso são fundamentais para análise da minha prática perpassada


pelas relações com os demais sujeitos discursivos. É na alteridade que o eu do
discurso se constrói, assim como constrói o enunciado. Desse modo, por meio dos
enunciados escritos dos alunos, analiso qual(is) foi(ram) a(s) réplica(s) dada(s) às
representações que eles fazem dos seus leitores (sujeitos do discurso).
A representação do interlocutor interfere diretamente no processo de
textualização do escrevente, evidenciando o caráter dialógico da linguagem atuante
na constituição da escrita, já que “a palavra é o território comum do locutor e do
interlocutor” (BAKHTIN, p. 115, 2006). Durante a escrita da monografia, o escrevente
recebe a interferência do interlocutor representado e dos interlocutores reais
(também no nível discursivo e não empíricos), constituídos pelos mediadores do
letramento, os orientadores, colegas do grupo, professores da disciplina Projeto
Integrador e a professora de LP. Todas essas mediações se dão por relações
dialógicas que constroem as práticas de letramento envolvidas na escrita da
monografia, com as quais os escreventes lidam.
O grau da atividade responsiva do ouvinte pode variar. Nesse contexto
específico, em que a versão final da monografia é resultante de relações dialógicas
com diversos ouvintes, levar em consideração a atitude responsiva dos
interlocutores é essencial para compreensão dessa prática de letramento, pois ela
não só interfere no desenvolvimento da escrita como também a constitui. Barros
(2005, p. 29) aponta que “a intersubjetividade é anterior à subjetividade, pois a
relação entre os interlocutores não apenas funda a linguagem e dá sentido ao texto,
como também constrói os próprios sujeitos produtores do texto”.
Quando se pressupõe que a atividade do ouvinte não é passiva, mas sua
compreensão é ativamente responsiva, é necessário levar em consideração que a
resposta pode não ser a esperada pelo falante, pois depende dos diálogos
realizados por esse ouvinte com os enunciados que o cercam, “aquele ouvinte que,
com sua compreensão passiva, é representado como parceiro do falante nos
desenhos esquemáticos das linguísticas gerais, não corresponde ao participante real
da comunicação discursiva” (BAKHTIN, 2016, p. 26). No processo de ensino-
aprendizagem, o pressuposto da inexistência desse ouvinte utópico, que caracteriza
a complexidade da comunicação discursiva real, pode interferir positivamente no
planejamento das aulas do professor e fortalecer um aspecto de extrema
importância na interlocução: o papel ativo do outro e, dessa forma, fortalecer as
95

relações dialógicas entre professor e alunos, já que aquele não lida com ouvintes
idealizados, mas considera suas “experiências sociais”40 (CORRÊA, 2013, p. 505),
sem pressupor que, necessariamente, o que é “ensinado” ao alunos, é “aprendido”
por eles.
A análise dos dados mostrou, por exemplo, que temas trabalhados pelo
professor de LP continuaram a ser contemplados nas falas dos alunos como
dificuldades não solucionadas, assim como não apareceram nos textos da forma
esperada, provando a inexistência de ouvintes ideais.

4.3 DIÁLOGO COM O PROFESSOR DE LP: PESQUISA-AÇÃO

Lillis e Curry (2006), no artigo Professional Academic Writing by


Multilingual Scholars: Interactions With Literacy Brokers in the Production of English-
Medium Texts41 observam e teorizam sobre a atividade de mediação, do que
chamam de mediadores do letramento (literacy brokers) na produção de textos
científicos, por autores multilíngues, para publicação em língua inglesa. As autoras
dividem os mediadores em três categorias e estudam as atividades de mediação
realizadas por cada grupo, analisando as interferências escritas feitas por eles nos
textos. Dentre os mediadores do letramento, no contexto estudado por Lillis e Curry,
estão os chamados profissionais acadêmicos, grupo em que se alocam os
acadêmicos de universidades ou de institutos de pesquisa; os profissionais da
linguagem, onde se incluem tradutores, editores, especialistas da língua inglesa,
professores de inglês42 etc., além dos não-profissionais, categoria que engloba os
mediadores vindos de relações pessoais e informais entre os participantes.

40 Na definição de Corrêa: “Entendo por experiência social um conjunto de características


incorporadas pelo sujeito com base no papel e na procedência sociais, no grau de escolaridade, no
sexo, na idade, nas crenças, nas filiações ideológicas, no status socioeconômico relativo ao grupo de
origem e a outros grupos sociais – todas elas determinações históricas do sujeito que, isoladamente
ou em conjunto, permitem supor certas avaliações sobre os mais variados temas e que, como
medidas – ainda que imprecisas – de balizamento, acabam por servir como parâmetro para a
avaliação não apenas do dito, mas do próprio dizer sobre um dado tema” (CORRÊA, 2013, p. 505).
Nesse caso Corrêa refere-se à experiência social do falante indiciada pelos seus dizeres. Eu falo em
experiência social do ouvinte (aluno), que na relação professor-aluno, já pôde ser indiciada pelos
inúmeros enunciados que essa relação produz vindas da interação social entre os sujeitos nela
envolvidos.
41 Escrita Acadêmica Profissional de pesquisadores Multilíngues: Interações com Mediadores do

Letramento na Produção de Textos em Inglês (tradução livre).


42 Porque no caso do artigo, o estudo é realizado com textos publicados na língua inglesa.
96

A partir disso, considero-me, então, como professora de Português, uma


“mediadora do letramento”, não só pelas interferências escritas nos textos dos
alunos, mas também pelas aulas sobre o ensino de escrita de texto científico. Essa
mediação acorre por relações dialógicas travadas entre os participantes da prática
de letramento.
A interação entre os alunos escreventes da monografia e o professor de
LP insere-se nas relações dialógicas discutidas no tópico anterior, entre os sujeitos
do discurso. Nesse caso, o professor de LP constitui um dos mediadores do
letramento (além dos orientadores, professores da disciplina Projeto Integrador e,
até mesmo, os próprios alunos) que interfere no processo de textualização. Como a
pesquisa nasceu da ideia de analisar minha própria prática como professora que
trabalha com os aspectos linguístico-discursivos da monografia, essa relação é
importante para este trabalho. As aulas foram essencialmente baseadas na reescrita
dos textos (Cf. capítulo de análise), a partir da percepção das dificuldades dos
alunos. À medida que eu lia os textos, sugeria aspectos que deveriam ser
repensados e reescritos. Dessa forma, a reescrita pressupunha necessariamente a
interlocução entre mim e os alunos, de modo que eles “reconstruíssem” suas
escritas com base nessa interação social, nessa mediação do letramento.
Compartilho, assim, das ideias de Fiad (2013b), sobre reescrita, que diz:

Para trabalhar com reescrita, assumo uma concepção de linguagem


como um trabalho que acontece na interação social, porque os
sujeitos vão se apropriando da linguagem ao se constituírem como
locutores, junto aos seus interlocutores; a apropriação da linguagem
implica um trabalho do sujeito, o que significa que há um movimento
do sujeito e uma recriação da linguagem em cada situação de
interação; cada interação é, por um lado, um momento novo de
produção linguística; por outro lado, a linguagem não é criada a cada
interação, daí ser possível falar em “reconstrução”. Nesse trabalho
de reconstrução, o sujeito seleciona os recursos linguísticos de que
dispõe a partir da situação de interação em que se encontra. (FIAD,
2013b, p. 464-465, aspas do original)

A autora refere-se ao trabalho com a linguagem em situações tanto de


produção oral quanto de produção escrita, porém salienta que, devido às condições
de produção da maioria dos gêneros escritos, esse trabalho ocorre de forma mais
consciente na escrita. Além do fato de o trabalho com a linguagem ser mais evidente
na produção dos gêneros discursivos escritos, durante a escrita da monografia esse
97

trabalho se ressalta quando mediado pelo professor de LP, em situações didáticas,


pois é compartilhado. O professor torna-se um coenunciador. Nesse sentido, será
refletido sobre a mediação do professor de LP por meio da observação do modo
como os alunos constituem-se como locutores à medida que interagem com o
professor e vão “reconstruindo” e trabalhando sua linguagem. Dessa forma,
mudamos o foco “do produto para o processo de produção” (FIAD, 2013b, p. 467).
Essa interação pressupõe relações dialógicas, já que é mediada pela interação
verbal, em que o professor de LP auxilia o aluno na negociação com a linguagem
também estabelecida pelo diálogo.
A partir da noção que concebe a escrita como trabalho e valorização do
processo em detrimento do produto, a intenção da pesquisa é captar, por meio dos
indícios deixados no processo de textualização e retextualização, as relações
dialógicas estabelecidas entre os mediadores do letramento. Segundo Fiad (2013a),
por meio da concepção dialógica da linguagem alinhada à concepção de escrita
como um processo, “é possível analisarmos os movimentos de retomadas dos
textos, suas continuidades, suas mudanças, como diálogos travados pelos sujeitos
nas suas histórias de escrita” (p. 59).
Todas as escolhas linguístico-discursivas do escrevente funcionam como
um trabalho “que será mais ou menos consciente, mais ou menos elaborado,
dependendo dos recursos linguísticos de que dispõe e dos conhecimentos sobre a
língua que tem” (FIAD, 2013b, p. 465), dentro de um gênero discursivo determinado,
pois os recursos linguístico-discursivos e o conhecimento sobre a língua não são
aplicáveis a todos os gêneros discursivos. A monografia é um gênero que requer
usos específicos da linguagem, os quais foram o foco das aulas de Língua
Portuguesa.

O modelo dialógico dos letramentos acadêmicos

Com o intuito de sintetizar a articulação entre os conceitos provindos dos


estudos dos Letramentos Acadêmicos e os conceitos bakhtinianos discutidos no
capítulo anterior e neste capítulo, baseio-me no modelo dialógico dos letramentos
acadêmicos, para explicitar como essa abordagem conduzirá a análise dos dados.
98

Fischer (2010, p. 226) sugere um modelo dialógico dos letramentos


acadêmicos43 “como norteador da construção de sentidos situados”. Tal modelo
acrescenta ao modelo dos letramentos acadêmicos, proposto por Lea e Street
(2007)44, os estudos dos gêneros discursivos com base nas contribuições
bakhtinianas. A autora agrupa e nomeia eventos de letramento, caracterizados como
“interDiscursivos, identitários-profissionais e reflexivo-transformativos”45, ao analisar
os movimentos dialógicos (movimentos em direção à integração dos alunos com
relação ao letramento, ou seja, o que os alunos fazem para participar dos eventos
de letramento) realizados por alunos com relação ao(s) “outro(s)” da situação
comunicativa, dentre eles o professor, durante atividades de leitura, análise e
produção de textos, em eventos de letramentos situados em um curso de Letras.
Segundo Fischer (2010, p. 227), a integração, “de maneira dinâmica e complexa”
dos três tipos de letramentos justifica a denominação do modelo dialógico dos
letramentos acadêmicos.
Neste sentido, também neste trabalho notam-se movimentos dialógicos
recorrentes, nas práticas de letramento analisadas, mobilizados entre alunos e
professores no processo de integração no evento de letramento, os quais divido nas
três instâncias mencionadas no início deste capítulo e depois discutidas ao longo
dele, classificadas como diálogos: diálogo entre os enunciados, diálogo entre a
alternância de vozes do enunciado e diálogo entre os sujeitos do discurso,
instaurados em meio a relações de poder. Assim, são observados os movimentos
dialógicos acionados na interação dos alunos com os mediadores do letramento; os
diálogos entre os enunciados, considerando a esfera da comunicação, e os diálogos
estabelecidos entre os discursos internos ao enunciado.
Para discutir a escrita da monografia no ensino médio/técnico, olho para
os diálogos presentes nessa prática de letramento, dentre eles, minha mediação no
processo de construção de sentidos pelos alunos, em um evento de letramento
específico, socialmente situado, em meio a relações de poder e autoridade. Dentre
os movimentos dialógicos, está a interação entre alunos e professores, por se tratar

43 A autora discute pela primeira vez o modelo dialógico dos letramentos acadêmicos em sua tese:
FISCHER, A. A construção de letramentos na esfera acadêmica. 2007. 340 p. Tese (Doutorado em
Linguística) — Programa de Pós-Graduação em Linguística, Centro de Comunicação e Expressão,
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2007.
44 LEA, M. R.; STREET, B. V. The academic literacies model: theory and applications. Theory into

Practice, n. 45, v.4, p. 368-377, 2007.


45 Para compreender melhor essa classificação dos eventos de letramentos cf. Fischer (2010).
99

de um contexto de ensino-aprendizagem do letramento. A mediação do professor de


Português insere-se no diálogo entre os sujeitos do discurso e perpassa os outros
diálogos mobilizados para a escrita. Toma-se, assim, a produção escrita dos alunos
como uma resposta a esses diálogos, resultantes dos movimentos dialógicos.
Inspirada pela representação gráfica de Fischer (2010), em que a autora
mostra o modelo dialógico dos letramentos acadêmicos, por meio da inter-relação
entre os tipos de eventos de letramento (Cf. Fischer 2010, p. 225), fiz a
representação do modo como me aproprio desse modelo, a fim de ilustrar a
metodologia da análise dos dados, representada pela figura a seguir:

Evento de letramento: escrita de monografia no Ensino Técnico Integrado ao


Médio

Diálogo entre os Diálogo entre a alternância


enunciados de vozes do enunciado
- relações intergenéricas - heterogeneidade mostrada
- textos da mesma esfera - heterogeneidade constitutiva
da comunicação - voz dos alunos no enunciado
-vozes de autoridade no
- gênero monografia enunciado

Mosaico dialógico das


práticas de letramento
situado (leitura, análise
e produção de texto)

Diálogo entre os sujeitos do


discurso
- voz/mediação da professora de LP
- voz dos professores orientadores
- voz professores Projeto Integrador
- voz professores da banca
- voz dos alunos

Figura 1 - análise com base no modelo dialógico dos letramentos acadêmicos (Fonte: elaboração
própria)
100

Conforme a figura, as práticas de letramento na escola são construídas


pela interação entre alunos e professores, ocorridas em meio à relações dialógicas
estabelecidas nas seguintes instâncias enunciativas: a) diálogo entre os enunciados,
já que, durante a escrita, o autor leva em consideração outros textos da mesma
esfera da comunicação, para fazer escolhas linguístico-discursivas, como por
exemplo, o quanto deve explicar um tema; quanto menos familiarizado com o
gênero, utiliza recursos de outros gêneros conhecidos, construindo relações
intergenéricas; também quanto menos familiarizado com o gênero, baseia-se em
textos desse mesmo gênero para construir seu enunciado; b) diálogo entre a
alternância de vozes no enunciado refere-se à heterogeneidade constitutiva do
discurso, a qual pode ser mostrada ou não. Para construir o enunciado, o autor
orquestra um conjunto de vozes que, na monografia, são vozes não equipolentes,
pois as vozes dos textos científicos são mais valorizadas do que a do aluno e, c) no
diálogo entre os sujeitos do discurso (representado pelo maior balão da figura 1),
inserem-se as vozes dos professores, as quais interferem diretamente na escrita da
monografia. Esse balão sintetiza basicamente o intuito desta tese: discutir sobre
como os alunos escrevem a monografia no ensino médio/técnico diante de um
mosaico de vozes, dentre elas a minha voz como professora de LP, ou melhor,
observar como esses alunos se formam, dentro desse nível de complexidade, em se
tratando de discursos.
Escrevi “voz/mediação” apenas para mim porque, apesar dos professores
da área técnica e dos próprios alunos serem mediadores do letramento, somente a
minha mediação foi acompanhada na pesquisa. É possível levantar hipóteses sobre
a medição dos outros professores, por meio de suas vozes e da dos alunos, porém
não observei diretamente a interação entre eles.
O balão maior resume a análise porque é nele que estão todas as vozes
trazidas nas categorias mencionadas no capítulo metodológico, visto que essas
categorias perpassam todas as vozes e refletem seus conflitos. Os outros dois
balões da figura foram levados em consideração em todas as categorias, servindo-
me como base para observar como abordei os diálogos, representados por eles, nas
minhas aulas e como os alunos responderam a essa abordagem, ou ainda, somente
para olhar para os textos dos alunos. Por exemplo, menciono, na análise, o diálogo
entre a alternância de vozes no enunciado, quando observo, nas minhas falas, como
101

ensinei os alunos a citarem o discurso do outro e a como inserirem a própria voz no


texto, além de como eles responderam às aulas no processo de textualização.
Todos esses diálogos só criam sentidos na prática tomada como situada,
pois eles são específicos dos contextos, sujeitos e das relações de poder ali
estabelecidas. No entanto, é importante destacar a relação entre esse contexto
micro com um contexto mais amplo de ensino do letramento acadêmico, já que
muitas das práticas desenvolvidas são consequências de um processo de
construção cultural e histórico.

.
102

Capítulo 5

A ESCRITA DA MONOGRAFIA: UMA PRÁTICA DIALÓGICA DE


LETRAMENTO ACADÊMICO

Assim como, para observar o processo de combustão, convém


colocar o corpo no meio atmosférico, da mesma forma, para observar
o fenômeno da linguagem, é preciso situar os sujeitos – emissor e
receptor do som –, bem como o próprio som, no meio social.
(BAKHTIN, 2006, p. 69)

Neste capítulo, é apresentada a análise dos dados, pelas categorias


mencionadas no Capítulo 2, as quais são transversais às quatro vozes selecionadas
na pesquisa, representadas no balão da figura 1, referente ao diálogo entre os
sujeitos do discurso, vozes que evidenciam os movimentos dialógicos realizados
para a integração no evento de letramento estudado. Lembrando que os diálogos
representados nos outros balões da figura 1 também são abordados na análise das
vozes e dos textos dos alunos.
Em consonância com a concepção dialógica da linguagem, em cada uma
das três categorias de análise, serão trazidas essas vozes que compõem nossos
dados: as vozes dos professores da área técnica, que atuam como professores da
disciplina Projeto Integrador e/ou orientadores; as vozes dos alunos; minha voz
como profissional da linguagem, e as vozes dos professores da área técnica no lugar
discursivo de avaliadores (membros da banca), além da escrita dos alunos,
resultante dos diálogos de vozes.
O cruzamento das vozes se repetirá em todas as categorias para que,
dessa forma, seja possível perceber o mosaico dialógico formado pelas práticas
mobilizadas na escrita. A análise está dividida nas seguintes categorias: “5.1
Monografia: concepção do gênero, função social, identidade discursiva de alunos e
professores”; “5.2 Concepções de linguagem, de ensino de língua, de letramento”;
“5.3 A escrita da monografia e as concepções de pesquisa”.
Antes de mostrar as categorias, atenho-me a detalhar melhor as vozes
que serão intercruzadas na análise dialógica dos dados, além de descrever as aulas
ministradas por mim.
As vozes dos professores e dos alunos entrevistados são trazidas nos
trechos das entrevistas semiestruturadas. As entrevistas partiram da perspectiva do
103

modelo dos letramentos acadêmicos, no sentido de entender os significados


atribuídos pelos sujeitos (professores e alunos) aos letramentos, considerando as
relações de poder e as questões de identidade que permeiam as relações dos
sujeitos com o conhecimento (FIAD, 2015), e como esses significados dialogam com
a enunciação escrita dos alunos.
Devido à extensão das entrevistas, serão destacados alguns trechos
transcritos46, mas também serão citadas de forma indireta algumas informações que
seja importante assinalar. Seguem os perfis dos professores entrevistados, os quais
serão retomados pelas siglas P1, P2 e P3

Quadro 2 – Perfis dos professores entrevistados, referente à formação e às funções exercidas no ano
da geração dos dados (Fonte: Plataforma Lattes)

Professores Formação Função


entrevistados
P1 Graduação em Professor da disciplina Projeto Integrador,
Engenharia Elétrica cuja finalidade é auxiliar os alunos com o
trabalho, e orientador de um dos trabalhos.

P2 Graduação em Professor da disciplina Projeto Integrador e


Engenharia Elétrica orientador de um dos trabalhos.
Mestrado em Tecnologia
Ambiental

P3 Graduação em Orientador de um dos trabalhos


Engenharia Elétrica
Mestrado em Engenharia
Elétrica

P1 e P2 foram os professores responsáveis pela disciplina intitulada


Projeto Integrador e, ao mesmo tempo, foram orientadores, enquanto P3 exerceu
exclusivamente a função de orientador. Segundo P1, a ideia inicial era de que os
professores da disciplina não fossem orientadores, porém, talvez devido ao número
de professores da área técnica não ter sido suficiente para tal organização, os dois
professores da disciplina ficaram responsáveis por orientar, cada um, um grupo de
trabalho. Essas informações adiantam uma distinção entre o perfil dos professores,
uma vez que P1 e P2, por exercerem dupla função, tinham mais contato com os

46As normas de transcrição das falas dos professores e dos alunos foram orientadas pelos exemplos
de Marcuschi (1986), porém adaptadas para se aproximarem da escrita convencional. Os
significados dos símbolos utilizados encontram-se nas pré-textuais da tese.
104

alunos do que P3. Aliás, P1 e P2 acompanharam todos os grupos, portanto, quando


opinam sobre os textos dos alunos nas entrevistas, eles o fazem com relação a
todos os trabalhos.
Dentre os quatro alunos entrevistados:

Quadro 3 – relação dos alunos, orientadores e trechos da monografia analisados (Fonte: elaboração
própria)
Alunos Orientador do grupo Trechos da monografia analisados
A1 P1 A maior parte dos trechos
A2 P3 Não aparece na análise
A3 Professor não entrevistado Aparecem poucos trechos na análise
A4 P2 Não aparece na análise

Após contato com o contexto de pesquisa, representado pelas vozes de


alguns dos autores das monografias, será trazida minha voz como professora de
Língua Portuguesa, presente nos trechos transcritos das aulas gravadas em vídeo.
Devido à extensão das aulas, serão selecionados trechos transcritos que
dialoguem com os textos dos alunos, além de comentários sobre alguns episódios
importantes do vídeo da aula, que não necessitem de uma transcrição literal. Como
serão analisados apenas trechos das aulas e não as transcrições completas, segue
um breve resumo de cada uma, a fim de contextualizar os trechos transcritos que
posteriormente serão contemplados na análise.

Quadro 4 – resumo das aulas sobre monografia (Fonte: elaboração própria)

Aulas47 Resumo
Aula 1 Nesta aula foi feito um esclarecimento geral sobre como
seriam as aulas, a definição de monografia, suas partes,
(10 de setembro de 2014)
como seria a entrega dos textos e das reescritas (que
deveriam ser postadas em uma pasta compartilhada entre
mim e os alunos no Dropbox), o público-alvo, os tipos de
pesquisa. Por fim, iniciou-se a explicação de cada uma das
seções que deveriam constar na monografia, começando
pelos objetivos. Levei os trabalhos dos anos anteriores para
que discutíssemos sobre a estrutura que os professores
esperavam do trabalho (no final da aula foram entregues para
que os alunos consultassem). Perguntei se já haviam tido a
curiosidade de ler algum, mas a resposta foi negativa.

47 A duração das aulas é de 90 minutos (2 horas/aula de 45 min).


105

Aula 2 Na primeira metade da aula, foram projetados, um a um, os


objetivos entregues pelos alunos e foi discutido se estavam
(17 de setembro de 2014)
claros, se estavam de acordo com o que foi visto na aula
anterior. Os alunos tiraram dúvidas, dentre elas a respeito
das anotações feitas por mim nos textos. Deram sugestões
nos textos uns dos outros. Foi pedido que fizessem as
alterações (reescrita) e me entregassem novamente. O
restante da aula foi sobre a introdução.

Aula 3 O início da aula foi uma conversa sobre como estava a


postagem das partes do trabalho, quem não tinha feito, quem
(24 de setembro de 2014)
não tinha revisado conforme as anotações etc. Nessa fase,
os alunos deveriam ter postado os objetivos revisados e a
primeira versão da introdução. Foi combinado com eles de
sempre postarem a reescrita após a aula de Projeto
Integrador. Expliquei que isso vinha da ideia de que
sentassem juntos para acatar ou não as sugestões dadas por
mim nos seus textos, pois a aula de Projeto Integrador
proporcionava essa oportunidade, já que todos se reuniam.
Comentei sobre pontos das introduções postadas e o
restante da aula foi a explicação sobre a parte de “materiais e
métodos”.

Aula 4 O início da aula foi um retorno sobre as introduções, além de


explicações gramaticais surgidas com a leitura dos textos. O
(1 de outubro de 2014)
restante centrou-se no referencial teórico que deveria conter
nos materiais e métodos, explicando os modos de fazer
citações, como inserir a voz do outro no texto.

Aula 5 Comentei que como as seções da monografia já haviam sido


explicadas, a partir dali iria trabalhar com base nas
(8 de outubro de 2014)
dificuldades identificadas nos textos postados na pasta.
Sugeri reunir-me com cada grupo e tirar as dúvidas. Pedi
para fazerem uma breve introdução em cada parte da
monografia. O restante da aula foi direcionado a responder
dúvidas dos alunos, dentre outras, sobre o tempo verbal
utilizado na descrição do projeto, coesão, metodologia etc.
Expliquei o restante do cronograma para finalizar as entregas
das versões. Pedi para que finalizassem o desenvolvimento,
relatando o projeto, e analisassem os resultados.

Aula 6 Frisei a importância de os alunos revisarem os trabalhos


(22 de outubro de 2014) analisando meus comentários em grupos e não
individualmente. Fiz uma revisão sobre como citar trechos
nos textos, pois havia percebido com a leitura dos trabalhos,
que os alunos não estavam fazendo as citações de acordo
com a norma. Como era a última aula, comentei as
pretextuais, como dedicatória, agradecimentos e falei sobre a
análise dos dados e considerações finais.

Em seguida, são selecionados trechos dos textos dos alunos, referentes


tanto a diferentes versões, a fim de resgatar o processo, quanto a partes da versão
106

final apresentada à banca, para analisar as respostas às relações dialógicas


travadas com os discursos observados.
Por fim, aparece a voz dos membros da banca, durante a apresentação
das monografias, ritual que, nesse contexto, configura o gênero oral que faz parte do
TCC. Esta é uma tentativa de cumprir o último passo da pesquisa-ação que,
conforme visto no capítulo de metodologia, requer a análise dos resultados da
intervenção realizada. Como seria difícil encontrar resultados quantitativos,
tampouco objetivos, eles são construídos na discussão sobre as expectativas
desses participantes sobre o evento social que envolve a escrita. Os dados gerados
do acompanhamento da apresentação são ricos e contribuem com a perspectiva
etnográfica dos estudos dos Letramentos Acadêmicos, na busca pelos significados
atribuídos ao letramento por seus participantes, em um dado contexto cultural e
institucional.
Seguem os perfis dos professores membros48 da banca:

Quadro 5 – Perfis dos professores membros da banca, referente à formação e às funções exercidas
no ano da geração dos dados (Fonte: Plataforma Lattes)

Membros da banca Formação Função


P4 Graduação em Engenharia Elétrica - Orientador de A3
- Participou de duas bancas
como debatedor

P5 Graduação em Engenharia da - Participou de duas bancas


Computação como debatedor
Mestrado em Engenharia Mecânica - Não foi orientador
Doutorado em Engenharia Elétrica

P6 Graduação em Engenharia Elétrica - Participou de duas bancas


Mestre em Engenharia Elétrica - Não foi orientador
Doutorado em andamento em
Engenharia Elétrica e de
Computação

P7 Graduação em Engenharia Elétrica - Participou de uma banca


Especialista em redes de - Não foi orientador
computadores

48No plano de aula (anexo 2), é prevista a participação de um pedagogo, além de dois professores
da área, porém, no ano da geração dos dados, isso não ocorreu. Soube, durante a pesquisa de
campo, que em anos anteriores a pedagoga da escola participara das bancas.
107

P8 Não possui currículo lattes Participou de uma banca


Orientou o grupo, cujo
trabalho não aparece na
tese

As apreciações dos professores das quatro bancas serão separadas e


cotejadas, de acordo com as categorias criadas para a análise. É importante dizer
que os dados gerados durante a banca foram frutos da minha observação direta,
pois não foi possível filmá-las. Anotei, em diário de campo, as falas e questões
conforme as achava relevantes para o trabalho. O quadro completo com todas as
anotações, referentes às quatro apresentações, encontra-se nos apêndices desta
tese (apêndice 1).

5.1 MONOGRAFIA: CONCEPÇÃO DO GÊNERO, FUNÇÃO SOCIAL, IDENTIDADE


DISCURSIVA DE ALUNOS E PROFESSORES

Nesta primeira categoria, são discutidas as concepções do gênero


monografia que circunscrevem a prática de escrita em questão e, portanto, dialogam
com ela. Tais concepções variam de acordo com os lugares sócio-discursivos
ocupados pelos sujeitos envolvidos nessa prática, perpassadas por relações de
poder, pelo contexto institucional, história de letramento etc. Assim, por meio das
vozes dos sujeitos e do texto dos alunos, produto das relações dialógicas, procuro
encontrar indícios de como é concebido o gênero monografia, focando sua função
social e a identidade discursiva dos participantes da escrita.

Voz dos professores orientadores: conversa com P1 e P2

A fim de delinear as características do gênero no contexto da pesquisa, as


primeiras perguntas da conversa com P1 tinham o intuito de entender a natureza dos
temas das monografias. O professor relatou que todos os trabalhos consistem na
aplicação de algumas tecnologias, aprendidas ao longo dos quatro anos do curso,
na resolução de um problema de controle e automação. Segundo P1, há alguns
empecilhos, os quais não foram detalhados na entrevista, que impedem a
abordagem, no TCC, de temas aplicados ao setor industrial, como seria esperado
pela área do curso. Por isso, os alunos acabam optando por temas relacionados à
108

aplicação de tecnologias na automação e controle de problemas domésticos, em vez


de problemas relacionados à indústria.
Quando questionado se o ideal não seria os alunos aplicarem as
tecnologias a casos situados na Indústria, visto que o nome do curso é “Automação
Industrial”, o professor responde:

Excerto 1: P1 fala sobre os temas das monografias.


P1: a maioria dos trabalhos, todos os trabalhos têm uma linha central
de de desenvolvimento, né? Que é a aplicação de algumas das
tecnologias que a gente passou pra eles ao longo dos quatro anos
pra resolver um problema de controle e automação. Como todos eles
têm uma dificuldade muito grande de resolver problema de
automação e controle aplicado à INDÚSTRIA, a:: a grande maioria
acaba fazendo aplicação dessas a:: desses tecnologias para
automação e controle de problemas DOMÉSTICOS, que é o que a
gente chama de domótica, automação e controle de sistemas é::
aplicados em residências e apartamentos.
EU: /mas o certo não seria na indústria?
P1: é:: a gente não limitou e também não há equívoco aí nessa hora
de APLICAR, porque a ideia é fazê-los APLICAR a tecnologia e
tentar fazer com que eles apliquem adequadamente a tecnologia e
saibam explicar o que eles, o que eles projetaram.

Para o professor, é inequívoco o fato de o tema da monografia não


abordar a área específica do curso de Automação Industrial, pois isso não interfere
no propósito do gênero que, segundo P1, é o de descrever a aplicação de uma
tecnologia. O professor destaca dois pontos ligados à função social do gênero
monografia: o primeiro refere-se à parte prática do trabalho, “a ideia é fazê-los
APLICAR a tecnologia”, e o segundo, referente a sua parte escrita, “e saibam
explicar o que eles, o que eles projetaram”.
A partir daí, P1 explica como foi a escolha do gênero monografia para
constituir o TCC, conforme comentado no primeiro capítulo.

Excerto 2: P1 fala sobre a escolha do gênero do TCC.


P2: então por isso que eles a:: proposta que a gente fez no começo,
no começo, eu diria não, um pouco depois quando a:: Professora X
((que havia recentemente ingressado no curso de mestrado)) chegou
(...) E a gente, reunidos, entrou num acordo que:: bom, da forma
como tá o tcc ainda precisa de uma formatação no que diz respeito à
apresentação do trabalho impresso. Aí a gente concordou que teria
que ter aquela formatação ABNT e ter todo aquele monte de regra
pra esse tipo de coisa. É quase um trabalho científico, né? (+) é:: ele
é quase um trabalho científico, mas por estar próximo a um trabalho
científico, então por que NÃO usar as normas e regras de formatação
e:: montagem de texto de:: iniciação científica e de apresentação
109

desses trabalhos aí (+). Bom, isso é a parte formal do texto, né? É::
por exemplo naquela parte chata de bibliografia, né? (+). É de
bibliografia que você tem que ter toda uma formatação de letra,
separação de sobrenome, é ordem na hora de colocar o livro, a obra
de referência, né? Eles têm que aprender isso daí, tem que ter a
parte é:: aquela também separação de introdução, desenvolvimento,
conclusão, é:: lista de figuras, tabelas e tudo mais, pra aprenderem,
pra que eles aprendam que existe essa formatação, né? Que o:: as
indústrias não usam bem isso daí, né? Mas as escolas usam e a
gente tem, até usando um raciocínio de um outro colega aqui da
escola que dá essa:: também esse conhecimento pra eles caso eles
venham, aí partir para o nível superior além daqui.../ ((negrito meu))

A opção pela monografia foi motivada por uma professora que sugeriu
aos professores da área de automação, sob influência das práticas de leitura e
escrita do mestrado, a apresentação do TCC na versão escrita, no formato de
monografia, somada à atividade prática que os alunos já faziam. Logo, a eleição do
gênero discursivo foi, de uma certa forma, arbitrária, à medida que não teve
planejamento pedagógico, não foi discutida entre todos os professores do curso e
não partiu de uma reestruturação do Projeto Político Pedagógico, nem das ementas
do curso, mas da identidade discursiva dessa professora que passou a ser
pesquisadora após iniciar o mestrado.
A alteração do gênero do TCC, da maquete/protótipo para uma
monografia, na fala de P1 (“da forma como tá o tcc ainda precisa de uma formatação
no que diz respeito à apresentação do trabalho impresso”) indica passar apenas
pelo caráter formal do gênero.
O trecho: “ele é quase um trabalho científico, mas por estar próximo a
um trabalho científico” mostra como P1 concebe o gênero monografia escrito no
ensino técnico/médio, ou seja, embora o aproxime de um gênero acadêmico,
pressupõe que a escrita não atingirá as expectativas dos professores concernentes
à concepção de um texto científico.
O conteúdo a ser ensinado pela disciplina Projeto Integrador, validado
pelo professor, quando ele diz “Eles têm que aprender isso daí”, está diretamente
relacionado a aspectos formais do texto (regras de formatação, ABNT, partes
constituintes como introdução, desenvolvimento e conclusão). Nesse sentido, P1
apresenta a concepção do gênero como um conjunto de partes, cuja aprendizagem
requer o domínio de aspectos normativos de língua ou de convenções de escrita.
110

Segue a parte da entrevista que dá continuação a esse assunto,


buscando ainda identificar a função atribuída pelo professor à escrita da monografia:

Excerto 3: P1 responde se o conhecimento mobilizado na


produção do trabalho pode ser usado profissionalmente.
EU: / então a importância que o senhor vê nessa escrita é::
P1: pra continuidade dos estudos no ensino superior
EU: pro trabalho não?
P1: na indústria, da forma como o relatório é colocado, eu discordo,
eu:: no tempo que eu tava trabalhando FORA da escola, é:: eu não
me recordo de ter que elaborar nenhum tipo de RELATÓRIO com
essa formatação.
EU: mas o CONHECIMENTO que eles usam pra fazer esse trabalho
eles podem usar na:: profissionalmente?
P1: podem, podem usar sim, não completamente, porque é uma
apresentação, é uma FORMATAÇÃO com objetivo científico, né?
Uma formatação de apresentação de um trabalho com objetivo
científico. A:: parte dessa formatação é usado na indústria, mas não
tudo, né? Não tudo. Por exemplo, essa história das REFERÊNCIAS,
eu acho que é, eu, como eu disse eu já não cheguei a fazer esse tipo
de relatório na indústria, mas acho que as referências é:: tem uma
diferença, mas a apresentação relacionado às figuras e tabelas não,
aí é quase tudo igual, você tem que ter o ordenamento, tem que ter a
citação adequada onde elas se encontram, né? No trabalho, mas na
indústria o pessoal geralmente não usa tanto essa, essas regras aí
de trabalho científico não.
EU: mas e o significado disso aqui, um aluno do ensino médio
escrever esse tcc aqui na escola, que significado você atribui a isso?
P1: /...concluí que isso tenha o objetivo de consolidação do
conhecimento deles, só de uma forma, é:: mediante regras, né? Ou
seja, ele vai ter que consolidar o conhecimento técnico, o
conhecimento que eu chamo de é:: comum, né? É:: mas num
formato pré-definido, que ele vai ter que saber usar, né? Uma regra,
que essa regra de edição de trabalhos científicos aí, eu percebo
dessa forma.../

No início do excerto, P1 atribui à escrita da monografia a função de


preparação para o ensino superior, insinuando que a vê como um treinamento para
os gêneros que serão cobrados na universidade, o que vai na contramão da ideia de
letramento situado defendido pelos estudiosos dos Letramentos Acadêmicos, pois a
escrita na universidade depende do contexto social, das relações de poder ali
estabelecidas e de seus sujeitos.
No final do excerto, acrescenta que o objetivo dessa escrita no ensino
médio é o de consolidação do conhecimento. Apesar de citar tais significados,
chama a atenção, no discurso do professor, o destaque dado à questão da
formatação e das regras em detrimento da função social do gênero. Com relação a
111

isso, Fischer (2008) alerta sobre o apagamento de funções sociais de uso e


funcionamento dos textos, quando se trabalha com eventos de letramentos em
contextos escolares/acadêmicos. Esse apagamento é insinuado quando P1 não
enfatiza os saberes construídos nesse processo de integração e aplicação dos
conhecimentos como importantes para um técnico exercer suas funções
profissionais, pois quando perguntado sobre a importância do conhecimento
mobilizado para elaboração da monografia na vida profissional dos estudantes, o
professor retoma as normas, as regras e a formatação da escrita no seu discurso,
“podem usar sim, não completamente, porque é uma apresentação, é uma
FORMATAÇÃO com objetivo científico, né?”. O mesmo ocorre quando perguntado
sobre o significado atribuído a essa escrita no ensino médio, “concluí que isso tenha
o objetivo de consolidação do conhecimento deles, só de uma forma, é:: mediante
regras, né?”. Há também uma aproximação da monografia com o gênero relatório
produzido no trabalho, destacando que a diferença entre eles é justamente o caráter
formal, científico.
Por conseguinte, transparece a preocupação do professor mais centrada
na adequação formal ao gênero solicitado do que na sua função social,
comprovando uma prática escolar comum de valorização da escrita. “A maior
capacidade para verbalizar o conhecimento e os processos envolvidos numa tarefa é
consequência de uma prática discursiva privilegiada na escola que valoriza não
apenas o saber mas o ‘saber dizer’” (KLEIMAN, 1995, p. 26-27).
Perguntei sobre as dificuldades enfrentadas por ele como orientador e, ao
contrário do esperado, disse não haver nenhuma até aquele momento. Com relação
às dificuldades dos alunos, P1 responde:

Excerto 4: P1 sobre os textos dos alunos de um modo geral


/...a percepção comum de todos os professores em relação aos
alunos quando chegam lá no final do curso e é solicitado fazer um
projeto que integre todo o conhecimento deles, justamente isso, é a
incapacidade no momento, né? de é:: de integrar todo esse
conhecimento, né? Daí que ocorre inclusive MUITAS reclamações
por parte dos alunos no que diz respeito à ausência de atividade
prática ao longo do curso, ou eventualmente, em muitos casos, é
uma reclamação que não procede porque o cara tem atividade
PRÁTICA, mas ele não CONSEGUE, mas ele não consegue é::
enxerGAR a APLICAÇÃO do exemplo de bancada (...) o pessoal
simplesmente pega e reparte, a maioria dos professores, dos autores
repartem o assunto em peDAÇOS, desenvolve esses pedaços ao
longo do ano, do do tempo de um curso conforme o programa do
112

curso, só que:: não integram lá no fim o conhecimento e o aluno VAI


tendo que por pressão do próprio calendário e das necessidades por
nota, vai APRENDENDO esse conhecimento em PARTES e não
conseguem por falta de experiência, por falta de DE conhecimento
prévio como fazer pra integrar tudo isso, essa é a minha percepção
deles também, a mesma coisa que eu tive também, é:: conhecer em
partes o que é apresentado ao longo do curso e na hora de integrar
ocorre uma grande dificuldade e por isso que a gente, inclusive a
proposta da disciplina é você ter o orientador de cada grupo para que
ELE ajude justamente NESSA parte.../

Apesar da expectativa posta nas regras de formatação e regras da língua


como as responsáveis pela aprendizagem do gênero, P1 nota a dificuldade dos
alunos com um aspecto que vai além da superfície textual: a função social atribuída
por ele à monografia. Sua escrita requer uma atividade complexa: a integração do
conhecimento teórico aplicado a um projeto prático de automação e controle antes
de seu relato de acordo com as normas de um texto científico. Segundo P1, os
alunos têm dificuldade nessa atividade, “por falta de DE conhecimento prévio como
fazer pra integrar tudo isso”, decorrente da própria organização curricular do curso,
que separa o conhecimento em disciplinas desarticuladas, mas, no momento da
escrita da monografia, exige-se uma nova forma de organização do conhecimento,
associada à integração das disciplinas, com a qual os alunos não estão habituados.
Vê-se, nesse sentido, que as práticas institucionais da escola interferem
diretamente no modo como os alunos organizam os saberes. Tal discussão confirma
a opinião de Lea e Street (1998): “na prática, o que torna o texto dos alunos
apropriado tem mais a ver com aspectos epistemológicos do que com aspectos
formais do texto”49 (p. 161, tradução livre), ao contrário do que postula o modelo
autônomo de letramento.
O professor coloca-se também como vítima da estrutura curricular do
curso e, a partir disso, delineia a função da disciplina Projeto Integrador e dos
orientadores: ajudar os alunos na integração dos saberes aprendidos nas
disciplinas.
As questões de identidade discursiva dos professores e a concepção do
gênero também aparecem nas falas de P2, conforme trechos abaixo. Após P2
relatar que achou os textos apresentados à banca nos anos anteriores “fracos”,
perguntei a ele a que razões ele atribuía isso.

49No original: “a piece of student writing 'appropriate' has more to do with issues of epistemology than
with the surface features of form” (LEA ; STREET, 1998, p. 161).
113

Excerto 5: P2 explica as possíveis razões da sua visão negativa,


como membro da banca, mediante as monografias dos anos
anteriores
/... porque a disciplina tcc50, ela::, vamos dizer assim, ela não tinha
uma:: uma a gente não tinha muita experiência em orientar tcc, né?
Inclusive na época eu acho que nenhum de nós tinha terminado o
mestrado ainda, então, nem sabia muito como fazer texto cientí::fico,
né? Então (+) depois que a gente terminou o mestrado, os
professores foram participar de banca, a gente começou a ser mais
exiGENte, né? Com relação à:: a gente percebe assim que:: existe
assim eles escrevem pouco, né? Os alunos, eles não colocam muito
assim os argume::ntos, então fica faltando muita coisa no texto deles,
assim. Não sei se é por falta de te::mpo também, né? Por isso que
um dos procedimentos que a gente teve foi TENTAR mudar isso,
fazer com que eles trabalhassem mais em aula.../

Nesse excerto, é possível abordar a identidade dos professores


envolvidos, à medida que nem mesmo eles se identificavam como escritores de
textos científicos. Do mesmo modo que P1, P2 reconhece que a inexperiência dos
professores nessa prática de letramento, como orientadores e sujeitos que dialogam
diretamente com os escreventes, afeta o nível de exigência da escrita dos alunos,
pois quando não estavam inseridos em práticas de escrita de gêneros acadêmicos,
não exigiam muito dos alunos, ao passo que, ao ocuparem o lugar sócio-discursivo
de pesquisadores (fazem mestrado), passam a ser mais exigentes. Mesmo
assumindo que aprendeu a “fazer texto científico” apenas no mestrado, P2 não
antevê as possíveis dificuldades dos alunos, que por estarem no ensino médio,
deveriam, presumidamente, ser mais acentuadas do que as dele durante o
mestrado.
Desse modo, P2 reproduz a experiência da sua graduação, cujo processo
parece ter sido permeado pela prática institucional do mistério, como indicia o
próprio professor, no excerto 6, quando diz que no curso de engenharia a escrita
acadêmica não foi ensinada. O problema dessa prática, a qual não reconhece as
peculiaridades dos letramentos e dos sujeitos e, portanto, homogeneíza os sujeitos,
é que os professores criam expectativas a respeito do processo de aquisição da
escrita acadêmica, pressupondo que não precisa ser ensinada. Contudo, “a
concepção da escrita dos estudos de letramento pressupõe que as pessoas e os
grupos sociais são heterogêneos e que as diversas atividades entre as pessoas
acontecem de modos muito variados” (KLEIMAN, 2007, p. 15). Não só os sujeitos

50 No ano da geração dos dados, o nome da disciplina foi alterado para Projeto Integrador.
114

são heterogêneos, mas também o contexto social e cultural, logo, não tem como
ignorar que a escrita esteja situada no ensino médio e os significados atribuídos a
esse evento de letramento seja distinto dos atribuídos pelos professores a essa
mesma prática, como alunos de mestrado. Como confirma Street (2014, p. 17),

As condições sociais e materiais afetam (se é que não determinam) a


significação de uma dada forma de comunicação, e é inadequado
(senão impossível) deduzir do mero canal quais serão os processos
cognitivos empregados ou as funções que serão atribuídas à prática
comunicativa.

O trecho “os alunos, eles não colocam muito assim os argume::ntos,


então fica faltando muita coisa no texto deles, assim. Não sei se é por falta de
te::mpo também, né?” sugere a prática institucional do mistério, visto que o professor
não consegue dizer exatamente o que espera da escrita dos alunos. Ele sabe que o
texto não está adequado ao gênero, porém não diz quais são os recursos
necessários para atingir suas expectativas, fazendo, por exemplo, referência ao
tamanho do texto, “eles escrevem pouco, né?”, expressão que pode ser interpretada
de diferentes formas, visto que pode indicar diversas lacunas no texto, tais como
falta de embasamento teórico ou pouco detalhamento dos passos do experimento,
fatores que contribuiriam para o aumento do número de páginas escritas.
Lea e Street (1998) mostram um exemplo semelhante ocorrido no
contexto acadêmico, ao relatar o caso de professores universitários que, quando
questionados sobre quais fatores compõem um bom texto, respondem que são a
estrutura e a argumentação, porém quando perguntados sobre o que faz o texto ter
uma boa estrutura, não conseguem dar uma resposta precisa.
A fim de saber o significado atribuído a essa prática de letramento,
perguntei ao professor sobre a finalidade da escrita de uma monografia no ensino
técnico/médio, já que se trata de um gênero comumente exigido na graduação.

Excerto 6: P2 fala sobre a importância da escrita da monografia


no ensino técnico/médio
/... é:: eu acho que já seria assim uma preparação pra ele:: talvez
seguir uma carreira acadê::mica (...) eles vão precisar talvez lá na
faculdade também atuar nessa área de pesquisa, eles vão ter que
escrever, né? Então é mais fácil talvez se eles já tiverem essa noção
de como escrever um artigo, porque a hora que eles chegarem lá,
eles vão encontrar menos dificuldade, porque:: eu, por exemplo
quando tive::, no caso, fiz engenharia, não tive nenhuma disciplina de
115

português nem nenhuma disciplina que me ensinasse escrever


artigo, né? e, e:: na área de iniciação científica então (+) ((trecho
inaudível)), nem sabia que artigo científico, então essa informação
não é passada nesse curso, né? E logo nos primeiros anos já tem a
possibilidade de você fazer iniciação científica (...) como técnico é
muito importante porque ele vai precisar fazer relatório, né? Ele
precisa ter essa habilidade de fazer relatório, esse encadeamento
ló::gico das ideias, né? Como que você expressa suas ide::ias, não
perder o foco das ideias, eu acho que isso é extremamente
importante pro técnico.../

Assim como P1, P2 atribui à escrita da monografia no ensino


técnico/médio a função de treinar para o ingresso na universidade, no início da sua
fala. Já no final do excerto, P2 cita que essa escrita também treina o aluno a fazer
relatório, gênero solicitado no ambiente de trabalho como técnico. Assim, é possível
observar novamente uma aproximação entre a monografia e o relatório, dando-nos
pistas da concepção do gênero monografia desses sujeitos, neste contexto
específico. Desse modo, percebe-se que a monografia, para eles, tem como
objetivo, um relato de experiência que obedeça às regras de formatação de um
trabalho científico, diferente de objetivos de monografias escritas em outros
contextos. Isso é interessante, pois destaca o caráter situado das práticas de
linguagem, assim como os aspectos dinâmicos dos gêneros do discurso, que variam
conforme o curso e a instituição de ensino nos quais são produzidos.
No trecho acima, P2 dá mais pistas do lugar discursivo ocupado pelos
professores, quando atenta para as lacunas da sua própria formação, as quais
ilustram as práticas comuns assinaladas pelos estudos dos Letramentos
Acadêmicos, baseadas na prerrogativa de que os alunos chegam à universidade
cientes das convenções de escrita desse contexto e, logo, de que tais convenções
não precisam ser ensinadas.

Voz dos alunos: conversa com A1, A2 e A3

Vejamos agora, na voz dos alunos, trechos que delineiem o gênero


monografia e os significados atribuídos a sua escrita, além de informações sobre o
interlocutor projetado para a escrita. Os trechos que seguem fazem parte das
entrevistas realizadas com A1 e A2, antes da minha intervenção, e da entrevista com
A3, realizada no final da intervenção, um pouco antes da entrega da versão final
para a banca.
116

Excerto 7: A1 descreve como foi a escolha do tema


‘A1: o uso da água da chuva, não é bem esse nome assim, mas é o
reuso da água da chuva. A gente vai fazer a captação, através de
calha e vamos usar, armazenar essa água pra ser usada em:: fins
não potáveis, que é a descarga do banheiro, lavar pátio , é:: molhar o
jardim
EU: e já não existe esse tipo de trabalho?
A1: existe, mas o tcc, o que foi passado pra gente é, a gente não tem
que CRIAR um projeto, a gente tem que adaptar.
(...)
EU: e como surgiu a ideia?
A1: a ideia foi:: tema, o professor colocou uns temas, entre meio
ambie::nte, sala de aula, escola, essas coisas. A gente preferiu por
esse lado, do meio ambiente focado na escola, na instituição onde a
gente tá.

Esse trecho mostra, assim como os professores disseram, que o tema do


trabalho não envolve a Automação Industrial e, por preferência do grupo, aborda o
meio ambiente, pois o trabalho propõe um projeto para economizar água. Segundo
A1, os alunos tiveram orientação sobre a não exigência de tema inédito,
supostamente por tratar-se de um TCC, sugerindo que os professores da área
técnica não esperam originalidade no trabalho, mas uma adaptação de um projeto já
existente, aplicado a um novo contexto. Essa é uma informação importante se
pensarmos em questões de plágio, pois seria necessário estar bastante claro aos
alunos como fariam essa adaptação sem cair no risco de cometê-lo, o que se
relaciona à forma como os alunos farão pesquisa e se apropriarão das leituras
realizadas, conforme será discutido na terceira categoria de análise dos dados.

Excerto 8: A1 responde sobre suas motivações diante da escrita


da monografia
A1: tô fazendo porque:: é obrigatório no curso, e:: tem que ser feito
pra tá concluindo, pra obter o certificado, E:: pra se AUTO-AVALIAR
((tom jocoso, pareceu não acreditar nesse objetivo)), como diz um
colega de classe/
EU: mas isso foi ele quem falou ((risos))
A1: na minha opinião é pra passar de ano, pra obter a nota, ver que
você, através do ano, pelo o que você aprendeu você é capaz de
fazer aquilo pra passar de ano.
EU: vc acha isso importante?
A1: acho.
EU: por quê?
A1: porque é:: pra dizer que os quatro anos não foi em vão, foi inútil,
EU: você acha que nesse trabalho vai estar refletido os quatro anos?
A1: não, não vai tá refletidos os quatro anos porque tem coisa a
gente usou, matérias, que não vai usar nada dali, vai tá::, porque
assim, às vezes a gente, tem trabalho que tá fugindo da área de
automação, que nem, o nosso é meio AMBIENTE ((tom com leve
117

menosprezo)), a automação que a gente vai usar é:: um sistema de


nível alto, mínimo pra quando a caixa d´água encher, trancar, fechar
as válvulas, automação é MÍNIMA ((tom de menosprezo
novamente)), então .../
(...)
EU: você acha que vai utilizar o que você fez aqui no seu trabalho?
Depois que/ na sua vida profissional?
A1: vai
EU: por quê?
A1: o tcc assim em si, não ((risos)) porque eu não vou na empresa
assim dar a ideia, ó vamos reutilizar água da chu::va, mas a parte de
automação, de lógica, leader ((dúvida quanto à escrita, parece um
termo da área específica)), da simulação de computação, assim, eu
vou usar, na área/
EU: o que você pretende fazer? Como profissional?
A1: publicidade e propaganda ((risos)), pp, ou relações públicas, não
sei
EU: e essa experiência vai te ajudar nessa...
A1: então, DIZEM que tudo o que você faz não é em vão, né? mas
(+), não sei, se for me ajudar vai na parte de entregar relatório, textos
pra patrão, pra empresas, só.
(...)
A1: ah sei lá, se fosse pra isso, pra quÊ? Pra:: ah! vocês
entenderam, ótimo, vocês conseguiram fazer um negócio, então
vocês aprenderam, usaram os quatro anos do curso ((risos)), é meio
(+), inútil, fazer umas coisas dessas
(...)
A1: se eu fosse ser técnico em automação seria útil, porque eu teria
certeza que eu tava apto a entrar no mercado, que é o essencial,
porque eu saberia fazer um protótipo (...) porque isso não vai cair no
ENEM, isso não vai me abrir a porta pra faculdade, nada do que a
gente estuda aqui, ajuda, a não ser as matérias de humanas, de
história, sociologia, geografia.

As perguntas acima tinham a finalidade de buscar o sentido atribuído pelo


aluno à escrita da monografia. Nota-se que ele vê, nessa prática, a mesma
finalidade das outras formas de avaliação aplicadas pela escola: “passar de ano”.
Mesmo com a intenção de encontrar um significado social para a escrita do gênero,
o de se “auto avaliar”, acaba confessando que, para ele, o único intuito é o de
concluir o curso. Em uma última tentativa, fala que o trabalho significa não dizer que
os quatro anos tenham sido em vão, porém novamente contradiz seu argumento,
pois, segundo ele, na prática, os trabalhos nem sequer abordam temas específicos
da área de Automação Industrial, tal como o dele, o qual trata de meio ambiente e a
“automação é MÍNIMA”.
Mais ao final do excerto, A1 traz para o seu discurso a voz dos
professores, presente nos trechos das entrevistas, concernente ao objetivo da
118

escrita da monografia: o de aplicar o conteúdo aprendido durante os quatro anos do


curso em um projeto de automação e controle. No entanto, A1 ironiza essa voz, ao
revelar que, de fato, não acredita nesse argumento: “ah sei lá, se fosse pra isso, pra
quÊ? Pra:: ah! vocês entenderam, ótimo, vocês conseguiram fazer um negócio,
então vocês aprenderam, usaram os quatro anos do curso ((risos)), é meio (+), inútil,
fazer umas coisas dessas”
A1 acredita que alguns dos conhecimentos técnicos, como, por exemplo,
aprender a fazer uma simulação, e a habilidade de escrita de textos técnicos podem
ser conhecimentos produtivos em sua vida profissional, porém a carreira pretendida
pelo aluno não tem relação alguma com o curso de Automação Industrial. Assim,
está mais interessado no conteúdo de preparação para o ENEM do que na sua
formação profissional técnica.
Vale ressaltar que esse perfil de aluno é bastante comum nesse contexto
de pesquisa, dado importante de ser levado em consideração ao pensarmos sobre o
aspecto motivacional desses sujeitos. A escrita da monografia no ensino superior já
é famosa por não despertar nos alunos os melhores sentimentos, mesmo quando
supomos que os alunos escolhem o curso direcionado para sua profissão. No caso
da escrita da monografia no ensino médio, os alunos ainda estão em fase de
escolha, desmotivando-os ainda mais.

Excerto 9: A2 fala sobre a identidade discursiva dos


interlocutores projetados
EU: se o professor, no caso eu, me propusesse a ajudar, vocês
conseguem falar o quê? Vocês conseguiriam pedir uma coisa mais
específica ou simplesmente me ajuda aí?
A2: ajudar a escrever principalmente na linguagem, ajudar a gente
colocar na terceira pessoa, vê se tá com coesão, porque tcc tem
linguagem técnica, tem que tá pro professor que tem doutorado pra
ler, não assim.
EU: quem vai ler?
A2: professor X.
EU: ele não tem doutorado, ele não tem nem mestrado.
A2: eu acho que tem professor da mecânica que também olha, aí a
gente não sabe e os professores sempre falam que são professores
com doutorado.

A concepção de gêneros discursivos e de suas relações dialógicas nos


faz pressupor que todo enunciador enuncia, no diálogo com o outro, subordinado
ao(s) interlocutor(es) de seu texto, como vimos, não o interlocutor empírico, mas
119

discursivo, ou ainda um interlocutor projetado, instaurado na representação que o


enunciador faz do leitor de seu texto (CORRÊA, 2013). Nessa perspectiva, vemos
que A2 mostra a identidade discursiva dos interlocutores por ela projetados:
professores da área de automação industrial ou mecânica, que possuem doutorado.
A aluna pede a mim, como professora de LP, ajuda com a linguagem técnica (na
terceira pessoa), com o intuito de atender, em uma explícita relação de poder, à
expectativa desses interlocutores. No entanto, a projeção dos interlocutores do seu
texto não corresponde à realidade; de todos os membros da banca, orientadores e
professores da disciplina Projeto Integrador, apenas dois deles possuem o título de
doutor e alguns são apenas graduados.

Excerto 10: A3 fala sobre seu ponto de vista com relação ao seu
texto, antes de entregá-lo aos membros da banca.
EU: agora que ele está pronto, qual é a sua visão sobre o seu próprio
texto? Você se sente inseguro de entregar pra ba::nca? Ou não?
A2: eu sinto um nível médio assim, pra mim dava pra ser melhor /.../
EU: e você sabe falar porque tá médio?
A2: eu acho que tá faltando informação, teve coisa que a gente fez
que não foi relatado, tá faltando também um pouco dessa parte da
norma, que a gente não não corrige, então teria que ter um pouco
mais de tempo pra corrigir. Eu acho que faltou também um pouco da
parte experimental, que a gente não conseguiu terminar,
basicamente a gente interrompeu pra:: pra poder fazer o texto, então,
não foi concluído cem por cento a pesquisa, sabe’
EU: mas vocês relataram os resulta::dos tudo (+), mas sem concluir?
A2: não, deu pra fazer o resultado, deu pra usar, mas, assim, ficou
uma coisa:: muito gra::nde, pra uma coisa muito pequena. A gente
fez um negócio muito caro, muito::, daria pra ser mais enxuto (+) e::
pra mim não rendeu assim, não seria, pelo ponto de vista de uma
pessoa, um empresário por exemplo não compraria um projeto
daquele. Eu acho que faltou, faltou mais compactação mesmo do
projeto.

Apesar de A3 fazer referência a questões normativas, quando avalia seu


texto, aponta uma falha no âmbito enunciativo, ao reconhecer a falta de informações
relevantes para o leitor, mostrando que a valorização da escrita se sobrepôs à parte
experimental do projeto: “Eu acho que faltou também um pouco da parte
experimental, que a gente não conseguiu terminar, basicamente a gente interrompeu
prá:: pra poder fazer o texto, então, não foi concluído cem por cento a pesquisa,
sabe’”. Pode-se inferir, por essa fala, que A3, ao contrário do que se constatou
durante minhas aulas, traz uma identidade discursiva de pesquisador, quando se
ressente por não ter concluído a parte experimental de sua pesquisa.
120

No final do excerto, A3 destaca a função social do gênero, a partir do


lugar discursivo de aluno de curso profissionalizante, quando avalia seu projeto no
sentido de atender ao setor pertencente ao foco de seu curso. Talvez seja essa
reflexão a almejada pelos professores da área técnica, ao proporem o TCC,
pensando na formação profissional desses alunos. Vale, porém, ressalvar que A3,
após a conclusão do ensino técnico, começou a trabalhar na área e ingressou no
curso de Automação Industrial, em nível superior (tecnólogo), na mesma instituição,
levando-nos a supor que, durante o curso, o aluno já pretendia trabalhar como
técnico em automação industrial e dar continuidade aos estudos na área. Portanto,
tinha uma relação distinta de A1, por exemplo, com o curso, estando mais
comprometido com a produção do gênero. Isso comprova que a motivação para a
escrita da monografia, com foco na função social do gênero, pode estar relacionada
a questões identitárias e profissionais dos escreventes.
Levanta-se assim a hipótese de que sua identidade discursiva, conforme
descrita acima, justifique sua lucidez sobre a situação de produção do TCC, à
medida que A3 reconhece a distinção entre a situação real de seu trabalho e a ideal,
quando afirma que seu projeto não responderia às necessidades de um empresário
(“A gente fez um negócio muito caro”) e aponta os ajustes que deveriam ser feitos
para atingir uma situação ideal (“Eu acho que faltou, faltou mais compactação
mesmo do projeto”).

Voz da professora de Língua Portuguesa: minhas aulas.

Excerto 11 (Aula 1): definição do TCC


O Trabalho de Conclusão de Curso é parte integrante da atividade
curricular de muitos cursos de graduação, constituindo assim uma
iniciativa acertada e de extrema relevância para o processo de
aprendizagem dos alunos. Para a grande maioria, ele representa a
primeira experiência de realização de uma pesquisa. Como vivência
de produção de conhecimento, contribui significativamente para uma
boa aprendizagem. Deve ser entendido e praticado como um
trabalho científico (...) Pode ser um trabalho teórico, documental ou
de campo. Quaisquer que sejam as perspectivas de abordagem, a
atividade visa articular e consolidar o processo formativo do aluno
pela construção do conhecimento científico em sua área (...) O texto
final do trabalho tem estrutura e apresentação de acordo com os
padrões gerais de todo trabalho científico (Cap IV), complementadas
121

por eventuais diretrizes específicas definidas pela própria instituição


do curso51. (SEVERINO, J., p. 202 – 203) ((trecho do slide))
EU: Então na verdade, o tcc é uma pequena iniciação ao mundo
científico, (+) Por quê? /.../ o trabalho científico é aquele que
realmente você tem que fazer sozinho, com o professor só
orientando /.../ quando vocês fazem a pesquisa, não tem como vocês
esquecerem daquilo /.../ Então parte do princípio de que se você for
sozinho você vai aprender mais do que se vier pronto, tá? /.../ é
considerado um trabalho científico /.../ tem o mesmo padrão que um
trabalho científico, tá? Então a ideia do tcc é que você consiga pegar
a ideia de várias disciplinas num trabalho só.

Esse excerto é uma tentativa de levar os alunos a atribuírem um


significado à escrita que transcenda os citados por eles na entrevista e durante as
conversas nas aulas, quando deixam bastante explícita a aversão à escrita, cujo
sentido é somente o de “passar de ano”. Meu discurso dialoga com o de P1 e P2
sobre a função do gênero, pois também aborda a questão da aprendizagem efetiva
dos componentes trabalhados durante todo o curso.
No trecho “é considerado um trabalho científico /.../ tem o mesmo padrão
que um trabalho científico, tá?”, é possível observar, no meu discurso, assim como
no dos professores entrevistados, como concebemos a escrita da monografia no
ensino médio: algo próximo a um trabalho científico, mas não exatamente um
trabalho científico. Também não é discutida a aproximação das características da
monografia com as de um relatório, conforme as vozes dos professores sugerem,
distanciando, dessa forma, minha aula da realidade do gênero situado neste
contexto.

Excerto 12 (Aula 1): sobre o referencial teórico


O que é esse referencial teórico? VOCÊS fizeram lá a simulação, o
protótipo, o ideal é/ aí cada pesquisador VÊ o que é melhor fazer
((risos dos alunos por que os chamei de pesquisadores)). Na minha
opinião vocês são pesquisadores ((mais risos e diversas falas ao
mesmo tempo)). Não tem como escrever isso aqui ((apontei para
uma monografia na minha mão)) se não fizer pesquisa. Vocês podem
falar que esse trabalho tá ótimo ou uma porcaria, mas foi feito
pesquisa, vocês são pesquisadores.

Assim como os professores não concebem o gênero monografia escrito


no ensino médio como um texto científico, os alunos não se consideram

51 Em todas as transcrições das minhas aulas, as partes em itálico significam que foram lidas nos
slides apresentados durante as aulas.
122

pesquisadores quando riem do fato de eu tê-los chamado dessa forma. A questão


da identidade dos alunos-autores apaga a função social do gênero, a de introduzi-los
na esfera científica, pois não consideram essa escrita uma prática de letramento
distinta das outras promovidas pela escola. A identidade discursiva dos alunos
interfere nos sentidos atribuídos por eles a essa escrita e, consequentemente, no
processo de ensino-aprendizagem do gênero.

Excerto 13 (Aula 3): sobre a seção intitulada materiais e


métodos
Eu: a gente costuma chamar de materiais e métodos, metodologia,
método, tanto faz, tá? Eu conversei com vários professores e vi,
analisei os tccs anteriores também e VI que alguns têm a
metodologia, alguns não, quando tem não é metodologia. Então a
gente vai fazer isso de maneira bem simples, porque eu acho que na
área de vocês PARE::CE não ser tão relevante, na verdade, o que
vocês fazem no desenvolvimento é a metodologia. Vocês vão fazer,
vão escrever lá, materiais e métodos, e já vão fazer uma parte da
descrição do projeto de vocês, porque aí no desenvolvimento vocês
só terminam essa descrição /../ o que se faz na metodologia? Nessa
parte do projeto são descritos os procedimentos utilizados para
realização da pesquisa ((lendo slide)) como vocês vão fazer a
pesquisa. Vocês têm isso claro?
ALUNO52: que pesquisa?
Eu: como vocês fazem?
ALUNO: com questionário
EU: tem gente que analisa documento, tem gente que faz entrevista.
ALUNO: nós analisamos a conta de força da esco::la, a gente fez
questioná::rio.
EU: Então o que eu sugiro, após fazer um breve comentário sobre a
metodologia, descrever a montagem do projeto e os materiais que
foram ou serão utilizados ((lendo slides)), isso aqui sim a banca vai
cobrar de vocês.

Neste trecho da aula, fica nítido o meu movimento dialógico de


adequação da escrita à concepção do gênero exigida no contexto de produção,
quando faço referência a consultas aos professores e a trabalhos produzidos em
anos anteriores, para mostrar suas expectativas quanto à estrutura da monografia.
Ou seja, há um movimento meu de apropriação da concepção do gênero desses
professores, exemplificando o modelo da socialização acadêmica identificado por
Lea e Street (1998, 2006). Ao mesmo tempo, esse movimento de adequação põe
em evidência o caráter flexível e situado dos gêneros, pois isso mostra que os

52Como durante as filmagens das aulas, a câmera focou exclusivamente em mim, muitas vezes não
consigo identificar qual aluno faz a interação, por isso designo como “ALUNO” qualquer interação
ocorrida, desde que eu não reconheça A1, A2 ou A3
123

gêneros variam de acordo com as disciplinas escolares, com a área do


conhecimento e com as relações de poder estabelecidas entre os sujeitos.
Esse aspecto também dialoga com os dizeres de Bakhtin (2006, p. 116):
“A situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam
completamente e, por assim dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da
enunciação”. Neste caso, minha ação como professora de português acata as
determinações dos professores da área técnica com relação à enunciação, quando
em diversos momentos, procuro orientar os alunos a responderem as suas
expectativas, como no trecho “Eu conversei com vários professores e vi, analisei os
tccs anteriores também e VI que alguns têm a metodologia, alguns não, quando tem
não é metodologia”.

Excerto 14 (aula 3): continuação excerto anterior


EU: Se todos os grupos já tiverem feito ((a parte prática do projeto)),
então descrevam, aí é a habilidade de vocês de RELATAR algo,
tá? Contar a história mesmo (+), do que vocês fizeram. /.../ vocês
têm que relatar no projeto como foi. Lembra o que professor falou”,
alguém tem que conseguir fazer o mesmo? Alguém tem que pegar o
tcc e conseguir reproduzir, certo? Então vocês têm que descrever
tu::do o que vocês fizeram pra conseguir esse dado aí que você
tem. /.../ dado, o que é dado numa pesquisa? É o que você vai
analisar, o que você vai olhar, como você conseguiu isso? Como
você juntou? Materiais utilizados caso faça um protótipo ou aplique o
projeto ((slides)) /.../
A: é tipo fazer uma receita?
Eu: é, essa parte, pelo o que eu entendi, é um relatório, né? É o
que eu falei, é pra alguém chegar, LER, conseguir reproduzir, essa é
a ideia. Só com o trabalho de vocês, sem precisar falar com vocês,
tá? vocês vão ver que DEPOIS disso é só análise dos resultados.
Aqui vocês vão contar o que vocês fizeram, depois é só resultado. E
plano de análise ((slides)) aí vocês vão falar como vocês vão
ANALISAR, porque aí no próximo tópico, que é de análise, vocês
focarem a análise feita. (grifos meus)

Novamente, no meu discurso, como no trecho: “é, essa parte, pelo o que
eu entendi, é um relatório, né?”, pode ser identificado, somado a minha própria
concepção do gênero, meu esforço de buscar adequar minhas aulas às expectativas
dos professores da área técnica, pois primeiro procurei entender as características
do gênero definidas por eles, para então orientar os alunos. Pelo contato com os
professores e com os trabalhos dos anos anteriores, fiz a aproximação da
monografia a um relatório, por conter um relato de experiência. Vale ressaltar que
essa concepção foi a que me pareceu adequada ali no momento, o que não significa
124

que não seja questionável, já que, como vimos, os gêneros são dinâmicos e
flexíveis, portanto pode haver divergências de opinião quanto a essa aproximação.
Há também um alerta ao interlocutor projetado, provindo do diálogo entre
os sujeitos do discurso, no trecho: “Lembra o que professor falou”, alguém tem que
conseguir fazer o mesmo? Alguém tem que pegar o tcc e conseguir reproduzir,
certo? Então vocês têm que descrever tu::do o que vocês fizeram pra conseguir
esse dado aí que você tem”.

Excerto 15 (Aula 4): sobre o referencial teórico em outra aula


EU: então o que é referencial teórico? Aqui tá definido o de uma
grande pesquisa, de um nível maior que de um tcc, só pra vocês
saberem. O de vocês vocês coloquem um pouco menos, mas
aparece. É um compêndio de artigos, livros e outros documentos que
descreve o estado PASSADO e atual do conhecimento sobre o
problema que está sendo estudado ((slide)). Então, numa grande
pesquisa, você tem que retomar tudo o que já foi feito, tudo não, né?
Um (+) E coisas atuais. O marco teórico ajuda a documentar como a
pesquisa acrescenta valor à literatura existente ((slide)). Então é
você mostrar, ó já fizeram isso, eu vou fazer isso, então eu vou
acrescentar. Dá sustentação teórica para o tema de pesquisa
((slide)) /.../ o que o referencial teórico faz? Ele responde às
seguintes questões: quem já escreveu e o que foi publicado sobre o
assunto’, que aspectos já foram abordados’ quais as lacunas
existentes na literatura ((slide)) vocês não fazem isso de forma
EXAUSTIVA, mas numa pesquisa grande você tem que fazer.

Além da retomada do discurso que segrega a escrita do TCC das


“grandes pesquisas”, quando digo “Aqui tá definido o de uma grande pesquisa, de
um nível maior que de um tcc”, nesse episódio da aula, dois pontos são importantes.
O primeiro relacionado à necessidade de o professor de português estar mais ciente
da importância da prática situada de letramento, pois na tentativa de ensinar a
elaboração do referencial teórico, não levei em conta as características da escrita da
monografia nessa dada instituição, nesse dado momento, por esses alunos
específicos, que, conforme já citado, aproxima-se de um relatório. Pude perceber
que não era exigido dos alunos esse levantamento teórico explicado na aula, pois o
ponto central dessa escrita é a descrição da parte prática do projeto. Segundo, esse
conflito entre a minha concepção do gênero monografia e a concepção dos
professores da área técnica evidencia, mais uma vez, relações de poder, além da
importância de explicitar os aspectos do letramento, pois os alunos precisam partir
125

de algumas características do gênero, nem que seja para subvertê-las, porém de


forma consciente.

Excerto 16 (Aula 6): sobre as considerações finais.


Eu: análise dos dados, conclusões e considerações finais ((sildes)).
Qual é a diferença? Conclusão e considerações finais são a mesma
coisa /.../ é o finalzinho do seu trabalho, quais foram as conclusões
que você teve. É bem geral, é bem retomar todo o trabalho. Análise
dos RESULTADOS são os resultados da EXPERIÊNCIA que você
fez, tá? Eu instalei a energia fotovoltaica, lembra que vocês falaram
que iam mostrar quanto que economizo::u, quanto não sei o que::,
vocês puseram uma conclusão lá que eu não entendi o que que era.
ANÁLISE DO RESULTADOS são os resultados da simulaçã::o, do::
protótipo (+), tá? Aí é responder a pergunta de pesquisa, quanto que
economizo::u, aí eu não sei o que vocês, depende da pergunta que
vocês fizeram, quanto economizou, como é que foi, quais foram os
problemas, lembra que o professor falou? Tem que colocar lá os
entra::ves, o que deu errado, o que seria melhor. Análise dos
resultados. Centrem no, contou o materiais e métodos, colocou como
foi desenvolvido’, agora eu vou analisar aí quais foram os resultados
dessa experiência. Conclusão ou considerações finais, tanto faz o
nome que vocês vão dar, é a conclusão do traba::lho inteiro, tá? Tem
que ter essas duas partes, primeiro a análise dos resultados, depois
conclusão ou considerações finais. Ficou claro?

Os seis trechos acima indicam o caminho didático escolhido por mim para
o planejamento das minhas aulas. A opção por trabalhar parte por parte da
monografia, até as considerações finais, confirma a concepção do gênero como um
conjunto estrutural de partes, o que pareceu responder às demandas dos
professores explicitadas nas entrevistas. Orientei os alunos a responderem à
pergunta de pesquisa ao longo das considerações finais, algo que não foi realizado
por alguns grupos, conforme veremos nos comentários dos professores da banca.
Por fim, novamente, aparece no meu discurso um movimento dialógico
com as exigências dos professores, presente em: “Aí é responder a pergunta de
pesquisa, quanto que economizo::u, aí eu não sei o que vocês, depende da
pergunta que vocês fizeram, quanto economizou, como é que foi, quais foram os
problemas, lembra que o professor falou?”.
126

O que os alunos fizeram

Nesta parte, procuro observar, com base em trechos dos textos dos
alunos, algumas características da monografia, a fim de continuar discutindo a
concepção do gênero nesse contexto social específico. Busco, assim, responder às
seguintes questões: como os alunos responderam aos diálogos travados com os
professores e com os enunciados lidos? Quais são as características da monografia
escrita por eles? O que essas características explicam de suas dificuldades?
Para isso, serão trazidos trechos do trabalho de A1:

Excerto 17: parágrafos retirados da introdução da monografia de


A1.
Este trabalho tem o intuito de propor um meio de economizar a água
potável, tratada para consumo humano e distribuída por companhia
de água e esgoto da cidade (...). Para isso com base nos
conhecimentos adquiridos ao longo dos quatro anos do curso técnico
em Automação Industrial integrado ao Ensino Médio é analisado
todas as variáveis para propor a instalação desse sistema através de
levantamento de dados.
Com técnicas de automação e a reutilização de água pluvial, é
estudada a condição para instalar o sistema de captação no
ambiente escolar ou doméstico, tendo como principal finalidade
diminuir o uso de água potável por água pluvial e como
consequência diminuir o consumo de água, levando em conta que a
água da chuva pode ser reaproveitada de forma eficaz. (destaques
meus)

Os destaques do excerto dão pistas das atividades do grupo para a


escrita da monografia e, ao mesmo tempo, ajudam-nos a deduzir as fontes de
pesquisa, já que as bases para a montagem do projeto são os assuntos trabalhados
nas disciplinas do curso e levantamento de dados, para estudo da possível
instalação de um sistema.
Nos materiais e métodos, o grupo também relata as atividades realizadas:

Excerto 18: parágrafos retirados da parte intitulada “materiais e


métodos” do trabalho de A1
Foram realizadas pesquisas de campo experimental e quantitativas.
Coletamos os dados pluviais da cidade de XXXX53 e de consumo de
recursos hídricos em atividades corriqueiras para manutenção e
limpeza da instituição.

53Conforme consta no TCLE: “A escola, cidade, contexto da pesquisa, serão referidos apenas pela
expressão “escola técnica federal de um município localizado no interior do estado de São Paulo”,
portanto na monografia e em documentos que constam a cidade da escola, será retomada por XXXX
127

(...)
Para fazer a programação, que consiste em identificar as variáveis
do sistema e aplicá-las em algum software, tivemos que utilizar o
software WEG Clic 02 Edit, o qual utiliza a Linguagem de
programação Ladder, uma linguagem específica para utilizar no
Controlador Lógico Programável (CLP), que permite ao usuário
simular o funcionamento dos instrumentos nas entradas e saídas do
CLP.
Todo esse procedimento faz parte da simulação do sistema, já que
nosso objetivo não é montá-lo na prática, mas sim propor um
protótipo e verificar se ele funciona para que, eventualmente, seja
desenvolvido e instalado em instituições ou em residências.
Após isso fizemos outra etapa da simulação, ou seja, construímos a
interface do sistema com auxílio do software supervisório Indusoft,
que permite a visualização de toda a planta do sistema e o
funcionamento dos instrumentos em funcionamento de acordo com
estados lógicos pré-determinados.

Nesse excerto, o grupo descreve que coletaram dados referentes à


quantidade de chuva na cidade e ao consumo de água da escola. Explica também
os programas e a linguagem utilizados para fazer a simulação da aplicação do
projeto. A ressalva, presente no terceiro parágrafo: “Todo esse procedimento faz
parte da simulação do sistema, já que nosso objetivo não é montá-lo na prática, mas
sim propor um protótipo e verificar se ele funciona para que, eventualmente, seja
desenvolvido e instalado em instituições ou em residências” foi solicitada por mim,
tanto durante as aulas como em comentário feito no texto:

O desenvolvimento está saindo! Revejam a questão do tempo verbal


em toda essa parte, pois como falamos, não deve nunca dar a
impressão de que vocês vão implantar o sistema na escola. O leitor
deve sempre saber que o grupo está apenas propondo esse sistema.
Expliquem melhor a parte dos dados da chuva, ficou solto, vocês não
mostraram ao leitor porque mostraram esses dados. Bom trabalho!
(comentário feito na parte de desenvolvimento da monografia de A1)

Todos os trabalhos tratam de simulações e não de implantação de


projetos, ou seja, os alunos citam os materiais que deveriam ser utilizados caso o
projeto fosse implantado e simulam sua implantação, por meio de uma linguagem
específica da área de automação, porém isso não ficava claro na escrita.
Depois do trecho acima, o grupo descreve todos os materiais, mostra
dados referentes à quantidade de chuva na cidade durante todo o ano da pesquisa,
retirados de um site da Internet assim como os dados sobre o consumo de água da
escola, fornecidos pela própria instituição, demonstram como se procedeu a
128

simulação dos sistemas e, finalmente, analisam os resultados da experiência. Segue


o início da análise dos resultados:

Exerto 19: primeiro parágrafo da análise dos resultados da


monografia de A1
Utilizando os programas InduSoft Web Studio Educational e Clic02
Edit mostramos que é possível controlar um processo de reuso da
água da chuva de tal forma que economiza-se água potável.

Na monografia, após a parte da análise, os alunos apresentam, então, as


tabelas elaboradas pelo grupo e confirmam a economia que a implantação do
projeto poderia gerar.
Em suma, reconhecemos, nos trechos da monografia de A1, algumas
características do gênero escrito nesse contexto de produção, confirmando a
aproximação de um relatório. Portanto, de uma certa forma, os alunos respondem à
concepção do gênero trazida pelos professores da área técnica, porém não
cumprem suas expectativas, quanto às exigências formais e de caráter científico.
O texto é um relatório de uma simulação da implantação de um projeto,
porém os professores esperam que tal relatório não seja como os escritos nas
empresas, por exemplo, conforme observado na fala de um deles, pois as empresas
não exigem um formato acadêmico científico como a escola o faz. Caso essa
distinção entre o relatório produzido na empresa e o relatório escrito na escola
(monografia) não seja explicitado aos alunos, como parece ter ocorrido, gera-se uma
indefinição para os alunos das reais expectativas dos professores com relação ao
gênero, deixando, assim, dimensões escondidas do letramento.
Com efeito, a concepção do gênero monografia com características
próximas de um relatório de experiência interfere diretamente no modo como os
alunos farão pesquisa, conforme será discutido na última categoria de análise.

A banca examinadora

Vejamos abaixo os comentários feitos pelos membros da banca


examinadora que abarcam a concepção de gênero desses sujeitos. A maioria dos
comentários dos professores são relatados em discurso indireto e quando há
transcrição literal, na forma direta, entre aspas.
129

Quadro 6 - opinião dos membros da banca sobre o gênero monografia (Fonte: elaboração própria)
Grupo de 1 (grupo de A1) 1º. Professor (P4):
- “Faltou um esquema da ilustração do processo de
Observação sobre a captação da chuva”
apresentação oral:
Começaram a apresentação 2º. Professor (P5):
com a questão de pesquisa. - Achou o trabalho “legal”, ficou sem entender o tamanho da
Falaram que foi essa caixa d´agua.
pergunta que os impulsionou
a fazer o trabalho, à qual Orientador (P1 na transcrição da entrevista):
iriam responder durante a - Perguntou sobre o objetivo, se foi cumprido, se poderia ser
apresentação. Fizeram um feito na prática.
tópico sobre metodologia
quantitativa, experimental.

Grupo 2 1º. Professor (P4):


- Disse que o trabalho se propunha a resolver um problema
Observação: iriam fazer de difícil solução
uma simulação durante a - Criticou o fluxograma que o grupo apresentou
apresentação, mas o tempo - Fez críticas referentes ao conteúdo técnico
não foi suficiente. - Falou sobre o custo dos materiais
- Não falou sobre a escrita

2º. Professor (P6)


- Parabenizou as alunas, falou que o trabalho foi
interessante e pertinente ao curso.
- Considerações: “TCC é um trabalho científico, tem um
rigor maior que os outros trabalhos entregues ao longo do
curso, tenha um cuidado com a formalidade do trabalho”
- Fez perguntas sobre a parte técnica: como elas fariam se
acabasse a energia elétrica?, sugerindo que
acrescentassem essa resposta no trabalho.

Grupo 3 (grupo de A2) 1º. Professor (P5)

Observação sobre a - Fez intervenções com relação aos dados coletados, sobre
apresentação oral: possíveis futuros trabalhos, disse que eles poderiam fazer
Também aproveitaram a uma outra conta para calcular o tempo gasto no banheiro,
pergunta de pesquisa na ou seja, que poderiam incrementar com dados
apresentação. Na conclusão, - A apresentação foi tranquila, falaram bem
procuraram respondê-la, - Deu sugestão sobre a apresentação oral, como eles leram
projetaram nos slides. no começo, disse que “não é bom fazer isso, aliás, nunca
Utilizaram a terminologia da deve ser feito”.
metodologia de pesquisa
trabalhada nas aulas de LP. 2º. Professor (P6):
Usaram a pesquisa - “A apresentação foi mais rica do que o trabalho escrito,
documental. falaram coisas na apresentação que não têm no trabalho.
Devem ter esse cuidado, o que se fala tem que ter no
trabalho, ou seja, o trabalho tem que ser feito com cuidado”
- Falou que a pergunta de pesquisa era muito interessante,
porém alertou que eles responderam na apresentação oral
e não no trabalho escrito. “É essencial que coloquem no
trabalho”
- Disse que o trabalho é relevante, interessante, “precisam
130

valorizar mostrando dados concretos da economia de


energia possível”.
Perguntou: “Já que o sistema não é novo, por que não é tão
usado em todo lugar?”
Sugeriu que poderiam abordar no trabalho os pontos
negativos e possíveis soluções, como por exemplo “se uma
borboleta entrar, a luz fica acesa a noite inteira”.
- “O trabalho ficou interessante e foi uma pena não ter tido
tempo de fazer o protótipo”.

Orientador (P3 na transcrição da entrevista):


- Apontou que seria interessante apresentar o protótipo para
as pessoas da plateia verem.

Grupo 4 (grupo de A3) Professor 1 (P8):


- Parabenizou o trabalho, foi bem executado, “bem legal”
Observação: - Apontou questões de formatação
Começaram com a pergunta
de pesquisa. Professor 2 (P7):
- Parabenizou pelo trabalho
- Questionou o tipo de programa usado na simulação
- Disse que faltou uma apresentação no hardware, mas
reconheceu que não tinha como fazê-la, por falta de
aparelhos na escola.
- Disse que faltou uma análise do que tem no mercado e no
que o produto deles seria melhor.

Orientador (P4):
- Elogiou o grupo, dizendo que o projeto foi bem “diante dos
percalços que não conseguiram resolver”.
- Disse que o papel do orientador foi apenas mostrar o
caminho, eles fizeram tudo sozinhos. Parabenizou-os

Iniciando pelas observações sobre as apresentações orais, foi nítido o


diálogo com as aulas de LP, quando a maioria dos grupos deu importância à
questão de pesquisa, tão frisada nas aulas, tanto que eles a tomaram como ponto
de partida para as apresentações.
No quadro acima foram destacados os comentários dos professores
referentes ao projeto em si, como por exemplo, sobre o processo de captação de
água, fluxograma, os dados, o programa usado, custo de materiais, objetivos,
possíveis contratempos etc.
Com relação à concepção do gênero, em alguns comentários,
percebemos que os professores tomam a parte experimental como parte
complementar do trabalho escrito, quando do grupo 3, era esperada a demonstração
do protótipo e, do grupo 4, a demonstração de um hardware, possível relação
131

intergenérica com o gênero que antes funcionava como TCC na instituição – a


apresentação de maquetes e protótipos, em feira de ciência.
Na fala de um dos professores: “TCC é um trabalho científico, tem um
rigor maior que os outros trabalhos entregues ao longo do curso, tenha um cuidado
com a formalidade do trabalho”, identifico um discurso distinto do presente nas
entrevistas, sobre a escrita da monografia no ensino técnico/médio ser considerada
apenas algo próximo a um gênero científico, provavelmente pelo lugar discursivo
ocupado pelo professor, de membro da banca de avaliação do trabalho, agora
enfatizando seu aspecto acadêmico. O professor destaca a monografia como distinta
dos outros gêneros escritos na escola, porém aponta como diferença apenas a
formalidade da escrita, deixando aspectos do letramento ocultos, pois não explicita
quais recursos utilizados/não utilizados pelos alunos deixaram o texto informal.
O Trabalho de Conclusão de Curso engloba diversos gêneros, como visto
no primeiro capítulo, dentre eles a monografia escrita e a apresentação oral da
monografia para uma banca examinadora. Há comentários dos professores,
sobretudo durante a apresentação do grupo 3, a respeito da apresentação oral,
sugerindo que o gênero oral também é avaliado por eles (“A apresentação foi
tranquila, falaram bem”) e apresenta regras específicas (Deu sugestão sobre a
apresentação oral, como eles leram no começo, disse que “não é bom fazer isso,
aliás, nunca deve ser feito”).
O segundo professor enxerga o gênero oral, apresentação da monografia,
como reprodução do trabalho escrito, pois alerta o grupo sobre a fidelidade da
apresentação ao trabalho escrito: (“A apresentação foi mais rica do que o trabalho
escrito, falaram coisas na apresentação que não têm no trabalho. Devem ter esse
cuidado, o que se fala tem que ter no trabalho, ou seja, o trabalho tem que ser feito
com cuidado”; “Falou que a pergunta de pesquisa era muito interessante, porém
alertou que eles responderam na apresentação oral e não no trabalho escrito”. “’É
essencial que coloquem no trabalho’”). Assim, a prática institucional do mistério é
instaurada no ensino do gênero oral, visto que os alunos não sabiam os critérios dos
professores da banca para sua avaliação.
Minhas aulas centraram apenas no gênero escrito, mas, de acordo com
os alunos, o gênero oral foi abordado nas aulas da disciplina Projeto Integrador54,

54O plano de aula (anexo 2) prevê a abordagem das características do gênero oral, em tópicos do
conteúdo programático, como “Etapa 2: Técnicas de apresentação e linguagem corporal”.
132

pois fizeram um ensaio da apresentação da monografia aos colegas e professores


para esclarecimento de dúvidas, porém nota-se que nem todos os aspectos ficaram
claros para os alunos. É possível que tenham reproduzido as práticas escolares de
apresentação de seminário, no qual o conteúdo exibido oralmente é avaliado
independente de um gênero escrito servir como suporte, evidenciando, mais uma
vez, uma possível ruína de gênero vinda de relações intergenéricas, recorrente
durante o processo de aquisição de novos gêneros discursivos (CORRÊA, 2006).

5.2 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM, DE ENSINO DE LÍNGUA, DE LETRAMENTO

Nesta categoria serão discutidas as concepções de linguagem, de ensino


de língua e de letramento (as quais estão imbricadas), nas vozes dos participantes
do letramento. Tais concepções geram discussões sobre dimensões escondidas do
letramento (STREET, 2010), relações de poder entre os mediadores do letramento
(LILLIS; CURRY, 2006) e a prática institucional do mistério (LILLIS, 1999).

Voz dos professores orientadores: conversas com P1, P2 e P3

Excerto 20: a opinião de P1 sobre os trabalhos escritos nos


anos anteriores
/... eu percebi realmente muita dificuldade na hora de se expressar e
a primeira vez que eu fui banca a gente não tinha ainda no grupo
professores, aquela definição clara, de aplicação das normas
técnicas, de solicitar ao estudante a aplicação de normas técnicas
nos textos, então ficou:: o texto ficou muito solto, agora a parte de
solto, sem regras de exposição (...) e aí começou a se expressar da
forma que achava conveniente, que achava correto. Agora, existem
comentários do ano PASSADO que os professores da banca e:: é
principalmente os professores da banca, né? (...) todos eles
mencionaram que as regras da LÍNGUA, né? Foram mal usadas, não
(+) não as regras de formatação, as regras de é::, por falta de
palavra aqui (+) as regras de formatação foram seguidas, né? De
colocação de de numeração de figuras, de tabelas de:: referências,
mas o uso da língua, da da o uso das regras FORMAIS da língua
portuguesa, né? Isso aí foi prejudicado.

O grau de exigência dos aspectos formais do texto está


proporcionalmente ligado à construção da identidade dos professores. Quando P1
diz “a primeira vez que eu fui banca a gente não tinha ainda no grupo professores”,
133

ele muito provavelmente se refere à formação do corpo docente da área de


Automação Industrial, cujo número de professores com mestrado ou cursando
mestrado havia começado a aumentar. À proporção que esses professores, como
grupo, identificam-se como pesquisadores, passam a ser mais exigentes com
relação ao discurso científico.
Nesse sentido, P1 atribui os problemas de escrita dos alunos à falta de
familiaridade dos professores com orientação e avaliação da escrita de monografias.
Os alunos não se expressavam bem porque os professores não exigiam as normas
técnicas, pois afirmam que ainda não tinham: “aquela definição clara, de aplicação
das normas técnicas, de solicitar ao estudante a aplicação de normas técnicas nos
textos, então ficou:: o texto ficou muito solto”. Assim, P1 idealiza a função das
normas e regras de formatação, como soluções dos problemas de escrita e
adequação ao gênero. No final de sua fala, P1 resume a opinião consensual
negativa provinda dos comentários dos professores da banca, nos anos anteriores,
dirigida ao “uso das regras FORMAIS da língua portuguesa”, referindo-se,
provavelmente, a regras gramaticais e ortográficas ou à estrutura do texto (ao modo
de dizer). Essa mesma opinião é retomada, nos dados da banca, trazidos nesta
categoria de análise.
Como visto nos excertos anteriores, P1 salienta que a dificuldade dos
alunos com a escrita da monografia deriva da complexidade de integrar o
conhecimento e da falta de experiência do corpo docente com a exigência de
trabalhos científicos, porém não leva em consideração a inexperiência dos alunos.
Se pensarmos que os próprios professores sentem o peso da inexperiência com a
prática de letramento, seria esperado a pressuposição das dificuldades dos alunos.
A concepção de modelo ideológico de letramento, “que afirma que as
práticas letradas são determinadas pelo contexto social” (KLEIMAN, 1995, p. 54),
permitiria que os professores antevissem as dificuldades dos alunos com a escrita
de uma monografia, visto que traz especificidades distintas dos outros gêneros
produzidos na escola.
Perguntei a P1 sobre quais solicitações faria a um professor de português,
caso tivesse a possibilidade de lhe pedir auxílio, porém, ao contrário do esperado,
respondeu que não saberia o que solicitar. Após eu insistir e citar, por exemplo,
algumas sugestões dadas pelos alunos a esse respeito, P1 responde:
134

Excerto 21: P1 fala sobre a participação do professor de LP


/...mas aí a questão que eu não tava conseguindo colocar em
palavras era justamente isso, por que eles têm três anos, quatro
anos, né? De de ensino da língua portuguesa, com gramática,
literatura e outros temas e a língua portuguesa não depende de você
sair da escola pra usar, né? ((risos)) Você usa a todo momento
((risos)) então eu não:: essa foi a dificuldade de responder essa
pergunta, porque eu não vejo ONde, nem COmo o professor entraria
com MAIS auxílio. Como que o professor de português poderia
intervir num momento desses sendo que o que mais ele pode
acrescentar além de QUATRO anos de::/

Com base no excerto acima, P1 não concebe a escrita da monografia


como uma prática social situada de uso da linguagem, distinta dos outros
letramentos escolares, pois supõe que “o ensino da língua portuguesa, com
gramática, literatura e outros temas” e os usos da linguagem situados fora da escola,
já que “a língua portuguesa não depende de você sair da escola pra usar, né?”
deveriam letrar os alunos para a escrita da monografia.
Há a crença baseada no senso comum e nos currículos do ensino
fundamental e médio de que nesses níveis de ensino os alunos aprendem a ler e a
escrever independente do gênero (MARINHO, 2010). A fala do professor ilustra essa
crença ao deixar clara sua expectativa com relação à disciplina de LP, sustentada
por uma concepção de autonomia do letramento, cuja função é instrumentalizar os
alunos com um conjunto de habilidades de escrita, capacitando-os a escreverem
quaisquer gêneros do discurso, sem que os professores das demais disciplinas
precisem também ensiná-las.
De acordo com Marinho (2010), a pouca familiaridade dos alunos com a
escrita acadêmica costuma causar estranhamento aos professores universitários. O
mesmo ocorre no contexto de pesquisa, ao dizer que o professor de LP não teria
mais como auxiliar o processo de escrita, P1 deixa implícita a expectativa de que os
quatro anos de aulas de língua portuguesa bastariam para os alunos terem mestria
na escrita de gêneros requisitados na sua disciplina e, portanto, é estranha a ideia
de que os alunos, no último ano do curso, ainda “não saibam escrever”.
Após essa fala, expliquei o intuito da pesquisa, de fazer um trabalho
conjunto, que dialogasse com as dificuldades encontradas pelos professores e
orientadores da área técnica e, por isso, insisti na pergunta:
135

Excerto 22: P1 opina sobre as ações do professor de LP


/... mas a observação que eu poderia colocar é uma observação que
você não vai gostar ((risos)) (...) é você ficar trabalhando esse texto
durante QUATRO ANOS, esse tipo de texto, essa formatação, a
formatação não, a formatação é algo que se você jogar no software
de edição texto, de repente ele já faz isso automaticamente, a
questão é a a expressão do:: corpo do texto, né? Da ideia principal
do projeto. Mas você vai ficar trabalhando, você professor de
português vai ficar trabalhando isso durante quatro anos?

Percebe-se que P1 acredita que se os gêneros científicos fossem objetos


de ensino de LP durante todo o curso, como uma espécie de treino, os alunos teriam
menos dificuldade com a escrita da monografia. Menciona ainda a necessidade de
se abordar fatores que ultrapassam a formatação do gênero, contudo não consegue
descrever exatamente quais fatores são esses, quando diz: “a questão é a a
expressão do:: corpo do texto, né?”. Assim, aspectos do letramento permanecem
ocultos quando P1 descreve suas expectativas diante do trabalho do professor de
língua.
Ademais, P1 não vê como o professor de LP poderia contribuir
efetivamente com essa escrita no último ano do curso, nem uma possível integração
entre as disciplinas, por sugerir um trabalho paralelo entre elas. Dessa forma, as
aulas de LP dariam espaço para a prática de escrita científica e as outras disciplinas
receberiam alunos ideais, prontos para produzirem os gêneros solicitados pelos
professores. A ideia da disciplina de LP funcionar como uma clínica, a que Lea e
Street (1998) fazem referência, fica bem ilustrada nesse exemplo, pois institui, como
sua função, “curar” os problemas de escrita dos estudantes.
Esse trecho da entrevista explicita a concepção de ensino de língua
desse professor, pautada na transmissão neutra da língua, sem considerar o caráter
situado dos letramentos.
P2, ao contrário de P1, dá sugestões ao professor de LP, porém confirma
a concepção de letramento autônomo mostrada por P1, conforme trecho abaixo.
Essa resposta de P2 veio após minha pergunta sobre como o professor de LP
poderia auxiliar a escrita da monografia, já que ele havia apontado dificuldades dos
alunos e uma opinião negativa dos professores sobre os textos dos anos anteriores
(da mesma forma que P1).
136

Excerto 23: P2 fala sobre como o professor de LP poderia


auxiliar com a escrita dos alunos
/...o professor de português teria que é:: ajudar eles a:: transformar
mais as ideias, os fatos em texto, então eu acho que isso é uma
grande dificuldade que eu vejo é:: de uma forma geral, mas também
no tcc, o pessoal tem dificuldade de, eu tô fazendo um monte de
coisa mas eu não sei contar o que eu faço, né? Na hora que eu vou
escrever, não tem muita:: você percebe assim que eles não
escrevem muito, né? Então eles teriam que:: a não ser no celular,
né? ((risos)). Agora:: no texto mesmo assim, eu acho que eles
tinham que escrever mais, tinham que, o professor de português
deveria colocar mais essa situação de, de o aluno ter que escreve::r
sobre uma determinada co::isa, é, por exemplo:: talvez até uma,
fazer uma redação, né? Acho que isso ajuda eles terem essa
capacidade de tá escrevendo.../ ((destaque meu))

A fala de P2 reverbera a concepção de letramento autônomo, uma vez


que postula funções genéricas da escrita independentes de seu contexto de uso.
Primeiro, ele pressupõe que não se escreve nas aulas de LP, depois acredita que a
prática de escrita de “redação”, ideia construída pelo imaginário social do trabalho do
professor de LP, poderá acarretar na transferência neutra das habilidades de escrita
adquiridas nessas práticas para a escrita da monografia. Ele resgata, no trecho “o
pessoal tem dificuldade de, eu tô fazendo um monte de coisa mas eu não sei contar
o que eu faço, né?”, o discurso do senso comum, recorrente entre os estudantes, de
ter o conhecimento na “cabeça” e não saber passar para o papel.
Assim como P1, P2 não considera as práticas de letramento como
situadas, quando diz que o professor de português deve ensinar os alunos a
“transformarem as ideias em texto”, caracterizando a escrita como uma atividade
universal, alheia ao gênero discursivo do texto. No entanto, assim como na
universidade, as práticas na escola não são homogêneas e a escrita não se dá de
modo transparente, como pressupõe o modelo da socialização acadêmica
identificado por Lea e Street (2006).
Os trechos das entrevistas, até agora, corresponderam às falas dos dois
professores que tiveram contato com todas as monografias. Como foi dito, ambos
são responsáveis pela disciplina Projeto Integrador e, ao mesmo tempo, são
orientadores. Achei interessante trazer também dois excertos de P3, orientador do
grupo de A2 e membro de banca, que consolidam o ponto de vista de P1 e P2 e traz
informações sobre a prática de escrita de relatório, gênero citado diversas vezes nas
entrevistas:
137

Excerto 24: P3 fala sobre como o professor de LP poderia


auxiliar a escrita da monografia
/...o que eu acho que precisaria, junto com a matéria de português,
nesses quatro anos de português uma:: não sei se tem também uma
disciplina de metodologia do trabalho científico, pra ele aprender
fazer / a gente vê dificuldade até de fazer relatório, o cara tem
dificuldade de fazer relatório de uma experiência no laboratório, né?
Ou escreve de qualquer jeito, não tem um padrão definido e isso vai
refletir lá no final, no tcc também. Então, se tivesse uma metodologia,
uma uma regra uma norma (+) eu acho que os alunos estariam mais
é:: aptos a fazer esse trabalho.../

A asserção de P3 corrobora a concepção de letramento de P1 e P2, pois


sua visão incide sobre o modelo das habilidades, quando vê a necessidade de mais
uma disciplina, além das presentes no currículo, Língua Portuguesa e Projeto
Integrador (esta última destinada a acompanhar os alunos na produção do trabalho),
para ensinar os recursos da escrita aos alunos. Pela terceira vez, vem à tona o
discurso que remete ao exemplo citado por Lea e Street (1998), quando o professor
pede para o aluno treinar a escrita fora da sua disciplina, em aulas de reforço,
confirmando a concepção de ensino de língua dos outros professores.
O fato de o professor mencionar a prática de escrita de relatório,
despertou a curiosidade de saber sobre a frequência dessa atividade, em que anos
do curso ela foi exigida e se os alunos escreviam os relatórios a partir da experiência
no estágio:

Excerto 25: P3 fala sobre o relatório


/...eu vou falar o que acontece, às vezes a gente cobra, às vezes a
gente não cobra, depende da experiência, da sistemática da:: turma,
mas o necessário é fazer, eu fiz curso técnico, fiz engenharia,
mestrado e sempre tem relatório, a gente tem que fazer relatório de
tudo, tudo que você faz na prática, você faz no relatório. Eu cobro o
relatório do pessoal, eu cobro, mas eu sou um pouco falho na
cobrança também, eu cobro o resultado, não cobro a parte::
metódica do relatório, justamente porque não, não foi definido um
paDRÃO, não foi definido um, uma norma pro relatório, então eu
cobro só o resultado e falo pra ele, o importante do relatório é ele::
comprovar a parte prática com a teoria, né? Porque senão o
fundamento da teoria, chega no relatório tá tudo ao contrário. Peço
(+) pra ficar bem claro é o confronto entre o resultado da prática e o
da teoria.../

A prática de escrita de relatórios poderia dialogar com a escrita da


monografia, visto que é um gênero que também demanda a articulação entre teoria
138

e prática e, como visto na categoria anterior, tem proximidade com o gênero


monografia exigido neste contexto.
Segundo Kleiman (2007), o que define a dificuldade ou facilidade do aluno
na aprendizagem da leitura e escrita de textos representativos de determinadas
práticas sociais é, principalmente o “grau de familiaridade do aluno com os textos
pertencentes aos gêneros mobilizados para comunicar-se em eventos que
pressupõem essa prática” (p. 7).
Dessa forma, a familiaridade dos alunos com os relatórios poderia auxiliá-
los na aquisição da escrita acadêmica, já que se trata de um gênero representativo
dessa esfera da comunicação. Contudo, P3 assinala diferenças na condução da
escrita dos relatórios e da monografia, “eu cobro o resultado, não cobro a parte::
metódica do relatório”, “eu cobro só o resultado e falo pra ele, o importante do
relatório é ele:: comprovar a parte prática com a teoria, né?”, que mostram que o
foco nos relatórios não eram as questões escriturais, mas os resultados da parte
prática, independente da linguagem científica. Não havia, portanto, preocupação
com as estruturas formais do texto como na escrita da monografia, tampouco com
seu caráter científico.
Essa discussão fortalece a definição do gênero monografia por esses
professores, como visto na categoria anterior: um relatório com formato científico. P3
enxerga esse gênero como um conjunto de regras de formatação adicionadas ao
relatório, gênero mais usual nas práticas rotineiras dos alunos.
A justificativa para a flexibilidade com os aspectos formais dos relatórios
recai na ausência de um padrão pré-determinado, como destaca P3: “justamente
porque não, não foi definido um paDRÃO, não foi definido um, uma norma pro
relatório, então eu cobro só o resultado”. Para a monografia, ao contrário, como será
visto na análise dos comentários da banca, houve uma cobrança mais acentuada
com relação às normas de escrita do que com os resultados da pesquisa.
É preciso lembrar que a aproximação, entre os relatórios já produzidos
pelos alunos e a monografia, seria mais produtiva se essas questões mencionadas
acima fossem discutidas com os alunos, o que aparentemente também não ocorreu,
promovendo, novamente, dimensões escondidas do letramento. Consequentemente,
ficou a cargo dos alunos criarem estratégias para atingirem as expectativas dos
professores, já que estas ficaram escondidas pela prática institucional do mistério.
139

Voz dos alunos: conversa com A1

Excerto 26: A1 fala sobre suas dificuldades e sugestões à


professora de LP
A1: a dificuldade principal foi na introdução, portanto a gente não
conhecer o tema nada, o que vai fazer até amadurecer a ideia.
EU: mas vocês começaram pela introdução?
A1: foi. Começou tudo pela introdução, depois objetivo e por último o
desenvolvimento.
EU: com relação à escrita dessa introdução, com a lingua::gem, por
que vocês tiveram dificuldade na introdução?
A1: porque tinha que escrever/ você não podia escrever eu usei isso,
isso, isso, Tem que ser foi USADO, é::, tem que escrever pra outra
pessoa, então, a gente do grupo sabia escrever, A gente não sabia
passar isso PRO tcc, pra introdução em si PRO tcc, pra linguagem
que eles usam.
(...)
EU: já que eu me propus a ajudar, a participar desse processo, né?
Se você pudesse falar alguma coisa, dar alguma sugestão pro
professor de português, no caso eu, o que pediria pra esse professor
fazer?
A1: hum, ajudar a passar dessa linguagem, porque o que que a
gente fazia muito na introdução, ó, o trabalho é pra pegar água da
chuva, que vai passar pelas calhas, que vão passar no filtro, e aí vai
pra uma caixa d´água através dos ca::nos..., era isso, a gente fazia
isso no papel porque a gente já sabia, pra não esquecer. Agora a
dificuldade era passar TUDO isso na norma bonitinha, pra ABNT, pra
introdução, pra QUEM ia entender, então eu acho que trabalhar esse
passar do papel, da cabeça, dos tópicos, Ah! primeiro vai passar
pelos canos, pelo filtro, não sei que tem, nosso trabalho vai, através
de:: pra ajudar no meio ambiente, a gente não sabia colocar isso
pro:: texto, assim, então eu acho que ajudaria bastante isso. A
linguagem técnica.

Nesse excerto, supomos que a dificuldade encontrada pelo grupo com a


escrita da introdução ocorreu devido à ordem da elaboração do trabalho, visto que
as outras partes da monografia deveriam estar bem formuladas ou, ao menos,
planejadas, para que os alunos tivessem conteúdo temático para compô-la.
A1 atribui a dificuldade de escrita à passagem do posicionamento
enunciativo da primeira pessoa para a terceira e, assim como os professores, a
questões formais do texto. Apesar de sabermos que os entraves decorrem, na
verdade, de fatores mais complexos, não enunciados pelo aluno, A1 reconhece o
caráter situado dessa prática de escrita, ao perceber que o letramento adquirido com
as outras práticas escolares, “a gente do grupo sabia escrever”, não é suficiente
para o sucesso no letramento novo, o qual exige diferentes usos dos recursos da
língua: “A gente não sabia passar isso PRO tcc, pra introdução em si PRO tcc, pra
140

linguagem que eles usam”, devendo ser justamente esse trabalho com a
linguagem técnica, na opinião de A1, o objeto de ensino do professor de LP.

Voz da professora de LP: minhas aulas

Vejamos agora, com base nos trechos das minhas aulas, como respondi
às demandas dos professores e alunos entrevistados, com relação à minha
concepção de ensino de língua e, logo, ensino do gênero:

Excerto 27 (Aula 1): sobre público-alvo e outros trabalhos


EU: Público alvo ((lendo slide)) são os componentes da banca.
Vocês têm que pensar que é um trabalho que pode ser consultado
/.../. Por quem? Por alunos também da automação também do ensino
técnico. Conhecer os outros trabalhos sobre o assunto ((slide)), é
quanto aquela questão que eu falei do quanto você precisa explicar
as coisas do seu trabalho, porque:: se já foi muito falado, se algo já
foi muito batido, você não preci::sa explicar de novo detalhadamente.
Mas isso requer muita pesquisa, requer muito assim, /.../ mas aí não
sei se vocês vão fazer isso, né? /.../ o ideal seria pegar uns mais
recentes e ver o que já foi falado.

Essa explicação busca destacar o caráter dialógico do gênero, em duas


instâncias distintas, uma com relação ao diálogo entre os sujeitos, apontando para
interlocutores projetados, os professores da banca e os alunos do curso técnico em
automação; a outra, referente ao lugar discursivo ocupado pelo enunciado dentro da
corrente enunciativa de uma esfera específica da comunicação, também relacionada
ao diálogo com os leitores, quando sugiro que o autor deve conhecer os outros
discursos dessa esfera para situar seu texto nela.

Excerto 28 (Aula 1): sobre as partes da monografia


EU: Quem que dá essas diretrizes pra vocês? Seria os professores
de tcc e o seu orientador, porque se você pesquisar artigos e
dissertações tem variações, não é um padrão tão fixo assim, a
linguagem é fixa, lembra que eu falei que na minha área é aceitável
usar o eu? Na de vocês não, então até nesse negócio da linguagem
tem VARIAÇÕES. É um trabalho mais padronizado do que um texto
literário, com certeza, MAS varia de instituição pra instituição. Pra
você ter uma noção desse padrão, é a instituição que tem que te
falar o que é que ela quer, então o orientador tem que ajudar vocês
nessa parte ((Expliquei resumidamente como seriam as partes do
trabalho)).
141

A abordagem de letramento como prática social e cultural permite


observar os modos particulares de produção de sentido em práticas situadas de
letramento. “Essa visão adiciona à compreensão de letramento as maneiras que os
indivíduos, grupos, comunidades e sociedades colocam as práticas letradas em
funcionamento” (FISCHER, 2010, p. 218) e como essas práticas são moldadas pelos
sujeitos nela envolvidos, sobretudo os que ocupam as posições de poder. Afinal “o
que conta como letramento varia de acordo com fatores como lugar, instituição,
proposta, período da história, cultura, circunstâncias econômicas e relações de
poder” (COMBER; CORMACK, 1997, p. 23, apud FISCHER, 2010, p. 218).
Desse modo, nesse excerto, acentua-se o caráter situado da prática de
letramento decorrente da posição de poder das instituições (representadas pelos
professores da área de automação) na definição do gênero, sobretudo concernentes
a sua construção composicional. O trecho evidencia também os lugares socialmente
distintos ocupados por mim e pelos professores da área de automação, que
possuem o maior poder de delinear o gênero discutido, nessa situação de produção,
e por isso é explicitado aos alunos o movimento dialógico que deve perpassar seus
enunciados, se não pela interação com os sujeitos empíricos, ao menos por meio
desses interlocutores projetados.

Excerto 29 (Aula 1): explicação sobre os objetivos da


monografia
Objetivo geral é o que se pretende alcançar com a realização da
pesquisa ((lendo slide)) vocês têm que pensar, o QUE eu quero com
a minha pesquisa”, pensem em algo mais amplo. Vocês conseguem
me falar? Por que eu estou fazendo essa pesquisa”
((pausadamente))
ALUNO: o objetivo é passar no final do ano, né? ((risos))
ALUNO: professora, no grupo busca alcançar uma pesquisa, né? pra
melhorar a área do meio ambiente escolar/
EU: então quando eu falo assim ó, melhorar o ambiente escolar, é
mui::to, é amplo demais. Fala assim/
ALUNO: reutilizando a água da chuva
EU: então, tenta assim, pensar no mais amplo e o que você vai fazer
pra isso. Então, esse trabalho tem o objetivo DE reutilizar a água da
chuva ((o aluno falou junto)), na verdade, né” propor um projeto de
reutilização da água da chuva a fim de”/
ALUNO: melhorar o meio ambiente
(...)
EU: Como vocês vão iniciar aqui? Uma forma bem impessoal, esse
trabalho tem o objetivo de, essa pesquisa tem o o objetivo de (...) se
não quiser usar de novo objetivo, pra ficar mais bonitinho, pode usar
outros verbos, se propõe a::, busca, esses sinônimos aí. Nos
objetivos específicos coloquem no máximo 5, porque eu vi nos outros
142

trabalhos que quando tem mais que cinco os professores não


gostam, então coloquem cinco. Você pensou num objetivo geral mais
amplo, tá? É:: propor um projeto para reutilização da água da chuva,
aí você vai fazer que pergunta? Quais são os PASSOS que eu quero
seguir pra conseguir esse objetivo geral? Vai DESCREVER passo a
passo/
ALUNO: como se fosse uma receita? Vou fazer isso aqui, depois isso
aqui?
Eu: ah! Então, é
ALUNO: não pode separar?
Eu: AQUI, é em tópico, aqui vocês fazem as bolinhas mesmo e já
comecem com o verbo, tá? No infinitivo, analisar, descrever, fazer,
tá? Anotem isso, eu quero esse padrão /.../ eu vou mostrar exemplos.
ALUNO: eu ainda acho difícil fazer na terceira pessoa.
EU: Por que os que eu vi ((a versão que eles me entregaram antes
de eu iniciar a intervenção)) não estão nesses moldes, tá? vocês
confundem a questão do te::mpo/
ALUNO: por que é difícil, a gente busca falar no futuro/
EU: PRESENTE, pensem assim, a linguagem científica é enxuta, não
coloquem /.../

Esse episódio da aula aborda o conteúdo temático da monografia, quando


trata da constituição do objetivo geral, do mais específico para o mais amplo:
“pensar no mais amplo e o que você vai fazer pra isso”, e dos objetivos específicos,
como os passos necessários para se atingir o objetivo geral. Trata também de
aspectos formais em: “aqui vocês fazem as bolinhas mesmo e já comecem com o
verbo, tá? No infinitivo, analisar, descrever, fazer, tá? Anotem isso, eu quero esse
padrão”, com base nos trabalhos dos anos anteriores, os quais me direcionaram
sobre o padrão formal esperado pelos professores orientadores, posto que não
havia uma diretriz registrada em documento para tal função. Além disso, fica claro
meu movimento em direção a responder às demandas apontadas pelos professores
entrevistados, com foco nos aspectos formais do trabalho.

Excerto 30 (Aula 1): continuação do tema do excerto anterior


Um exemplo ó, esse exemplo é de tcc feito por um aluno do ano
passado, que foi passado por banca, então eu não tô falando que
esse é o melhor ou pior exemplo, eu quero que a gente discuta.
Pensando na função desse tópico, que é falar qual o objetivo, o que
você pretende, o que você pretende realizar com a sua pesquisa /.../
((trecho inaudível)). Vamos analisar se ESSE, se esse objetivo tá
claro. Tem que ficar bem claro pro leitor, eu pergunto, se o leitor
LER, ele vai saber o que que eu vou fazer? Tá bem CLARO o
objetivo, o que eu quero com essa pesquisa? Tem que ter um
porquê/
ALUNO: Ô professora, pode ter mais de um, né?
143

EU: O geral não. O geral é um’, né? Mas pode ser mais elaborado’,
você pensar assim, vou fazer isso, para isso’ . Depois os específicos
são mais curtos e diretos, tá?
Vejam se pra vocês ficou claro o objetivo dessa pesquisa. O objetivo
geral deste trabalho é analisar o funcionamento de máquinas que
trabalhem com bebidas quentes, procurando avaliar as tecnologias
envolvidas neste tipo de equipamento em função dos conhecimentos
que nós adquirimos ao longo do curso de Automação Industrial
((slide))
Olha só! Usou o “nós adquirimos” (+). Vocês POdem então, como
grupo, se colocar como nós, às vezes, tá?
ALUNO: é um grupo que tá fazendo, não é uma pessoa só.
EU: Bom, foi aCEIto. Lembra que eu falei que quem decide os
padrões de um texto é a prática, os envolvidos nessa prática? Então
quem decide? São os professores da ba::nca, são quem lê. Se eles
passarem é porque pode, se eles não passarem é porque não pode
((risos)), tá?
Vocês acham que tá claro o texto?
((os alunos discutiram comigo sobre o exemplo, um aluno sugeriu
que falta uma questão problema e foram dados outros exemplos, a
partir desse, que deixassem o objetivo mais claro, usando as
pesquisas deles))
(...)
Criar um sistema de uso de papel e energia a fim DE?
ALUNO: Diminuir gastos excessivos dentro do banheiro da escola
EU: A fim de proporcionar uma alternativa de diminuição de gastos
Tá vendo que vocês vão do menor para o maior? Não comecem lá, o
objetivo é DIMINUIR gastos, falem o que vocês vão fazer pra atingir
esse objetivo maior /.../ mas tentem explicar melhor
Agora olhem os específicos/.../
((No final da aula foi pedido aos alunos que reelaborassem os
objetivos que eles já haviam feito, pensando na discussão realizada
em sala. Foi também perguntado se eles se importavam de na aula
seguinte eu utilizar os objetivos feitos por eles como exemplo pra
discussão. Foi explicado que eles representam melhor os
interlocutores desse texto do que eu, pois eles saberiam dizer com
mais propriedade se os objetivos estavam claros.)

Um aspecto relevante do trecho acima é a tentativa de conscientizar os


alunos sobre o papel dos sujeitos envolvidos nessa prática, os mediadores do
letramento (os orientadores, os membros da banca e até mesmo os alunos dos anos
anteriores) como determinantes do gênero. Isso ocorre quando parto de um exemplo
de texto escrito no mesmo contexto, aprovado pela banca, para discutir sobre as
partes estruturais do gênero moldadas por esses sujeitos, independente da minha
opinião: “esse exemplo é de tcc feito por um aluno do ano passado, que foi passado
por banca, então eu não tô falando que esse é o melhor ou pior exemplo”.
Depois, é focado em um aspecto formal e enunciativo do gênero, o uso da
primeira pessoa do plural, levando-se em consideração seu caráter situado. Nessa
144

mesma aula, eu já havia dito aos alunos que na área deles não era comum colocar-
se no discurso como “nós”. Porém, como no exemplo em discussão esse recurso
linguístico havia sido aceito, deduzimos que esses sujeitos específicos, nesse
contexto situado nessa instituição, validavam seu uso, talvez pelo fato de as
monografias serem escritas em grupos.
Ao contrário do que deduzimos, durante a banca de apresentação dos
trabalhos, os grupos posicionados discursivamente como “nós” foram criticados (cf.
análise no final dessa categoria).
Apesar de os membros da banca não aprovarem o uso da primeira
pessoa, a discussão sobre um mero recurso linguístico, validado em alguns
contextos e em outros não, põe em evidência o caráter dinâmico dos gêneros,
presente até mesmo nos mais padronizados, como é o caso dos científicos. Mais
ainda, chama atenção para o fato de que, se são os sujeitos envolvidos na prática
social situada os definidores do que é ou não dinâmico no gênero, esses aspectos
não podem ficar ocultos.
Nesse caso, mesmo explicitando aos alunos, houve um conflito de vozes
entre os mediadores do letramento, os professores da área técnica e eu,
evidenciando as relações de poder presentes nas práticas de letramento na escola.

O que os alunos fizeram

Vejamos agora os trechos escritos pelos alunos correspondentes aos


objetivos55, com o intuito de exemplificar as respostas dadas às orientações feitas
durante a aula e às minhas anotações escritas nos textos, as quais chamo, com
base em Mayrink-Sabinson (1997), de interferências visíveis (perguntas, sinais de
correção, comentários etc. deixados no texto). Seguem dois quadros com quatro
versões dos objetivos. O primeiro contém o texto escrito antes das minhas aulas
sobre a escrita da monografia (versão 1) e a versão entregue após a Aula 1, com
anotações após minha primeira leitura (versão 2); a segunda tabela traz a versão
reescrita com anotações, após minha segunda leitura (versão 3), e a versão final,
entregue à banca examinadora (versão 4):

55 Foram escolhidos os objetivos para exemplificar minhas interferências nos textos dos alunos e suas
respostas a tais interferências e às minhas aulas, pela extensão dessa parte da monografia, a qual
trazia pontos relevantes de discussão, dentre eles, a relação de poder entre os mediadores do
letramento, porém isso poderia ter sido feito com qualquer outra parte dos textos dos alunos.
145

Quadro 7 – versões 1 e 2 dos objetivos da monografia (Fonte: monografia de A1)


Versão 1: entregue antes de iniciar as aulas Versão2: entregue após a aula sobre os
sobre a monografia objetivos com anotações após minha primeira
leitura
2 – OBJETIVOS OBJETIVOS GERAIS (objetivo geral é apenas
um, portanto singular)56
2.1 OBJETIVOS GERAIS
O objetivo do presente estudo é avaliar o consumo
de água potável utilizada em atividades cotidianas e
O objetivo do estudo proposto é avaliar o através do projeto desenvolvido, estudaremos (use
consumo da água utilizada no Instituto Federal o infinitivo) uma possível redução da quantidade
de Educação, Ciência e Tecnologia de São dessa água e dos custos mensais através da
Paulo, campus XXXX (IFSP) que, através do substituição por água pluvial em um sistema de
projeto descrito, estudaremos a possibilidade captação nas dependências do Instituto Federal de
de redução da quantidade de água potável Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo,
localizado na cidade de XXXX.
usada no campus e consequentemente
reduzindo o custo monetário de água. OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Estudar o uso da água nas atividades da
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS instituição em questão através de dados
fornecidos pela administração do
Foram estabelecidos os seguintes IFSP/XXXX.
objetivos específicos: estudar o uso da água na • Estimar os meses do ano com maior
instituição de ensino em questão, para avaliar probabilidade de chuvas.
os gastos de água com as atividades de todo o
campus. A partir deste levantamento será • Automatizar a coleta de água pluvial por
meio de conhecimentos adquiridos durante
elaborado um sistema para captação da água
todo o curso Técnico em Automação
da chuva através de calhas, para ser Industrial.
reutilizada nas atividades em que o desperdício
for maior. • Analisar a viabilidade econômica através de
orçamentos para implantação do sistema
construído a partir desse estudo. (Vocês
vão propor esse sistema de captação ou
vão aplicar? PARECE QUE FALTA UM
ÚLTIMO OBJETIVO pra Fechar)

ACHEI QUE OS OBJETIVOS ESPECÍFICOS


FICARAM MAIS CLAROS DO QUE O GERAL,
SUGIRO QUE INICIE PELO FINAL DOS
ESPECÍFICOS, POR EXEMPLO, PROPOR UM
SISTEMA DE CAPTAÇÃO DE ÁGUA
PLUVIAL......, A FIM DE....

Abaurre, Fiad e Mayrink-Sabinson (1997), a partir da concepção de


escrita como trabalho e de paradigma indiciário, procuram indícios da atividade dos
sujeitos com a linguagem, em episódios de refacção textual. De acordo com as
autoras:

56 As partes sublinhadas e em negrito são meus comentários.


146

Por trás do trabalho de modificação de algo anteriormente escrito sob


forma diversa, escondem-se frequentemente motivações, as mais
variadas, reveladoras das singularidades dos sujeitos e das relações
por eles estabelecidas com a linguagem” (ABAURRE; FIAD;
MAYRINK-SABINSON, 1997, p. 24)

Assim, ao comparar as versões dos objetivos dos alunos, procuro as


motivações das alterações realizadas, não de forma espontânea, mas em diálogo
com o episódio transcrito da aula, por meio dos indícios do trabalho com a
linguagem realizado durante a reescrita. Com relação à escrita do objetivo geral, os
alunos esclareceram melhor o modo como o grupo iria propor um projeto de redução
dos custos com água no campus, acrescentando a informação “através da
substituição por água pluvial em um sistema de captação”, que pode ter sido
motivada pela minha explicação sobre a clareza do objetivo e das discussões sobre
os exemplos dos anos anteriores.
Nos objetivos específicos, as alterações foram mais substanciais,
“ecoando” (MAYRINK-SABINSON, 1997) de forma mais explícita as instruções das
aulas, pois os alunos estruturaram os passos do projeto com maior nível de
detalhamento. As duas primeiras intervenções escritas referiram-se às correções
ortográficas e as duas últimas detiveram-se ao conteúdo, a partir do meu
posicionamento enunciativo como leitora do texto, a fim de torná-lo mais claro.
Seguem as duas próximas versões:

Quadro 8 – versões 3 e 4 dos objetivos (Fonte: monografia de A1)


Versão 3: reescrita com minhas anotações, Versão 4: reescrita e entregue aos
após minha segunda leitura. membros da banca
2 - OBJETIVOS

2.1 OBJETIVO GERAL

O objetivo do presente estudo é


avaliar o consumo de água potável utilizada
em atividades cotidianas para se estudar uma
possível redução da quantidade dessa água
por meio da substituição por água pluvial em
um sistema de captação implantado nas
dependências do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de São
Paulo, localizado na cidade de XXXX, a fim de
se propor uma alternativa sustentável de
aproveitamento da água da chuva,
beneficiando, assim, o meio ambiente.

2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS


OBJETIVOS ESPECÍFICOS
147

• Estudar o uso da água nas atividades da


instituição em questão através de dados • Estudar o uso da água nas atividades
fornecidos pela administração do da instituição em questão através de
IFSP/XXXX. dados fornecidos pela administração
• Estimar os meses do ano com maior do IFSP/XXXX.
probabilidade de chuvas. • Estimar os meses do ano com maior
• Automatizar a coleta de água pluvial por probabilidade de chuvas.
meio de conhecimentos adquiridos • Automatizar a coleta de água pluvial
durante todo o curso Técnico em por meio de conhecimentos adquiridos
Automação Industrial. durante todo o curso Técnico em
• Relatar a viabilidade econômica através Automação Industrial.
de orçamentos para implantação do • Propor um projeto com os dados
sistema construído a partir desse estudo. coletados para ser instalado em
• Propor um projeto com os dados residência, instituições, entre outros.
coletados para ser instalado em
residência, instituições, entre outros.

Pronto! Fase concluída. Apenas deem


uma olhada nas minhas sugestões de
alteração! Muito bom! Abraços

Se compararmos a versão 3 com a versão 2 do objetivo geral, apesar da


minha sugestão de reestruturação em: “Achei que os objetivos específicos ficaram
mais claros do que o geral, sugiro que inicie pelo final dos específicos, por exemplo,
propor um sistema de captação de água pluvial..., a fim de...”, a única alteração na
reescrita foi o acréscimo de “a fim de beneficiar o meio ambiente”, provavelmente
motivada pela minha sugestão de mostrar primeiro o assunto do projeto e depois seu
objetivo mais amplo, como no trecho do excerto da Aula 1, já transcrito acima.
Assim, o fato de o projeto beneficiar o meio ambiente, possivelmente, faça
parte desse objetivo mais amplo que os aconselhei a inserir nos objetivos após a
especificação do projeto, sugestão retomada na Aula 2, quando projetei alguns
exemplos para discussão. Já o fato de os alunos não terem reescrito o texto, como
recomendado por mim, pode ter sido fruto de aspectos ocultos nas minhas diretrizes,
à medida que se reconhece a não transparência da linguagem, de modo que minhas
anotações não surtiram efeito durante a negociação dialógica no processo de
reescrita.
Quanto aos objetivos específicos, conforme minha orientação: “Vocês vão
propor esse sistema de captação ou vão aplicar? Parece que falta um último objetivo
pra fechar”, o grupo acrescentou um objetivo respondendo à minha pergunta:
“Propor um projeto com os dados coletados para ser instalado em residência,
instituições, entre outros”. Na versão 4, entregue à banca, as alterações referentes a
148

aspectos linguísticos foram aceitas e a única alteração foi a exclusão do quarto


objetivo específico: “Relatar a viabilidade econômica através de orçamentos para
implantação do sistema construído a partir desse estudo”, muito provavelmente
proposta pelo professor orientador, ou pelo próprio grupo, já que tal atividade não foi
contemplada no trabalho. Essa exclusão ressalta as diferentes relações entre os
mediadores do letramento, na medida em que apenas o orientador ou o próprio
grupo tinha o conhecimento global do projeto e poderia sugerir essa alteração.
Embora o uso da primeira pessoa do plural não tenha aparecido nos
objetivos, há vários posicionamentos dos alunos, como grupo, no discurso, por meio
do uso do “nós”. Seguem alguns exemplos:

Excerto 31: exemplos de usos dos verbos na primeira pessoa do


plural, na monografia de A1
Dedicamos este trabalho a cada integrante deste grupo e a nossa
família (...)
Agradecemos ao diretor desta instituição (...)
Observamos que a época de menos chuvas, foram de julho a
setembro de 2013 (...)
Optamos por fazer a simulação do sistema de duas formas: no CLP e
em software supervisório (...)

Apesar desses casos, vale ressaltar que, na maioria das vezes, os verbos
estão na terceira pessoa e na voz passiva, mostrando a intenção dos alunos de
conferirem impessoalidade ao texto, para atenderem à própria concepção de
linguagem técnica, conforme relatado nas entrevistas.

A banca examinadora

No quadro a seguir, foram selecionados os comentários dos professores


que puderam evidenciar as concepções de linguagem e de ensino de língua:

Quadro 9 - A opinião dos professores da banca sobre a língua e seu ensino (Fonte: elaboração
própria)
Grupo 1º. Professor (P4):
1 - Falou que o texto estava bom, pois teve começo meio e fim.
- Comentou sobre a informalidade gerada pelo uso da primeira pessoa do plural
(grupo
de A1) 2º. Professor (P5):
- Achou o trabalho “legal”, ficou sem entender o tamanho da caixa d´agua.
- Disse que fez anotações referentes ao texto, inclusive sobre o uso da primeira
pessoa do plural.
149

Grupo 1º. Professor (P4):


2 - Criticou o fluxograma que o grupo apresentou
- Fez críticas referentes ao conteúdo técnico
- Falou sobre o custo dos materiais
- Não falou sobre a escrita

2º. Professor (P6):


- Considerações: “TCC é um trabalho científico, tem um rigor maior que os outros
trabalhos entregues ao longo do curso, tenha um cuidado com a formalidade do
trabalho”
- Fez uma série de anotações e alertou que seria interessante fazer a correção.
-“Faltou uma tabela”

Orientador (P3 na transcrição da entrevista):


- Elogiou as meninas, falou para reescrever a parte escrita.
- Criticou a unidade de milésimos de reais, que se separa com vírgula e não com
ponto.

Grupo 1º. Professor (P5):


3 - Criticou o uso do uso da primeira pessoa do plural
(grupo - Apontou uma correção de vírgula, falando que seria melhor eles analisarem,
de A2) pois ele não é professor de português.
- Falou sobre explicações desnecessárias de termos bastante próprios já da área
e conhecidos.
- Criticou as figuras sem uma apresentação, uma citação, sendo colocado de
forma direta.
- Criticou as tabelas, que deveriam conter todos os dados em uma só, para não
precisar ficar comparando, que ficaria mais fácil de compreender
- Deveria colocar a economia de dinheiro em porcentagem
- Faltou revisão do texto, releituras, pois havia partes mal escritas
- “Evitar o uso de talvez”
- Falou sobre termos inadequados, iteração (certo, termo técnico) em vez de
interação
- “Apêndice é do trabalho, anexo não é”
- Criticou o apêndice que está muito jogado

2º. Professor (P6):


- “Cuidado com a linguagem técnica, dados técnicos, que devem ser
padronizados”.
- “Puseram que o trabalho está organizado em capítulos e não está, está em
itens, devem decidir e padronizar”.
- Pediu que os alunos arrumassem as fontes das figuras
- Apontou que havia “correções de português” a fazer.

Orientador (P3 na transcrição da entrevista):


- Disse que o título estava muito longo e deveria modificar, já que apareceu duas
vezes a palavra automação.
- “Há erros de português”
- “Tabela com informação inútil”
- Criticou vários pontos, questionando os alunos, como se estivesse orientado na
hora da banca.

Grupo Professor 1 (P8):


4 - Parabenizou o trabalho, foi bem executado, “bem legal”
(grupo - Apontou questões de formatação
150

de A3) Professor 2 (P7):


- Parabenizou pelo trabalho
- Disse que a “parte do português ficou devendo”, uso da primeira pessoa,
linguagem coloquial, precisa ser mais técnica
- Falou que a formatação das referências bibliográficas estava fora do padrão.
- Questionou a fonte do valor do projeto que constava no trabalho.
- “Faltou incluir o custo da instalação da central”
- “Faltou demonstrar dados que puseram no texto”

Com exceção do grupo 2, em todas as bancas, algum professor aludiu ao


uso da primeira pessoa como inadequado à formalidade exigida pelo texto científico,
discurso que confronta as orientações dadas em minha aula quando mostrei o uso
do “nós” em um trabalho do ano anterior, aceito pela banca examinadora. Devido às
minhas práticas de letramento acadêmico, não condenei tal recurso como o
responsável pela informalidade do texto, motivando os alunos a se colocarem como
grupo no discurso.
Conforme já dito, o embate entre o meu discurso e o dos professores de
automação simboliza a complexidade do letramento situado, diretamente ligado aos
participantes da prática social, além de evidenciar a hierarquia das relações de
poder entre os mediadores do letramento, no caso, eu ocupando uma posição
distinta da dos professores de automação, que, nesse caso, deram a última palavra.
Se olharmos para as relações de poder aí estabelecidas, a voz enunciada
do lugar discursivo ocupado por mim, como mediadora do letramento pertencente ao
grupo dos profissionais da linguagem, como classificam Lillis e Curry (2006), tem
menos poder do que a voz dos membros da banca avaliadora dos trabalhos, os que
dão a palavra final nesse julgamento. Ao falar sobre mediadores do letramento, Lillis
e Curry (2006, p.13) reconhecem que “a mediação de textos acadêmicos não é uma
atividade neutra, mas sim envolve participantes com posição e poder desiguais”57
(tradução livre).
Vários comentários sobre a escrita deixam subentendidas dimensões
escondidas do letramento, tanto os elogios, quanto as críticas, como em: “Falou que
o texto estava bom, pois teve começo meio e fim”; “Achou o trabalho ‘legal’”;
“Elogiou as meninas, falou para reescrever a parte escrita”; “Faltou revisão do texto,

57 No original: “the mediation of academic texts is not a neutral enterprise but rather involves
participants of unequal status and power” (LILLIS; CURRY, 2006, p. 13)
151

releituras, pois havia partes mal escritas”, ou seja, nem os aspectos positivos nem os
negativos do trabalho são explicitados aos alunos. Não ficam claros também os
recursos linguísticos que deixaram a linguagem informal e não técnica, pois os
professores acusam apenas o uso da primeira pessoa por isso.
Sabemos, no entanto, que a informalidade de um texto não se atribui
apenas ao uso desse recurso, como aparece nos comentários: “Comentou sobre a
informalidade gerada pelo uso da primeira pessoa do plural”; “Disse que fez
anotações referentes ao texto, inclusive sobre o uso da primeira pessoa do plural”;
“Criticou o uso do uso da primeira pessoa do plural”; “Disse que a ‘parte do
português ficou devendo’, uso da primeira pessoa, linguagem coloquial, precisa ser
mais técnica”
Fiad (1997) defende a ideia de que, em todo o processo de aquisição da
escrita, é possível encontrar indícios da individualidade do autor (estilo), resultantes
por exemplo das escolhas dos recursos linguísticos. Segundo a autora, esses traços
de individualidade constroem o estilo, tomado “como resultado do trabalho que o
sujeito realiza com a língua, ou seja, das escolhas realizadas” (p.157).
Com base nisso, poderíamos dizer que a opção pela primeira pessoa do
plural seria uma marca da individualidade dos autores, que simpatizaram com a ideia
de se colocarem discursivamente como grupo (conforme trecho excerto 30 da Aula
1, transcrito anteriormente), ou seja, de marcarem um enunciador múltiplo, porém,
os professores da banca anulam a manifestação do estilo individual dos alunos,
quando responsabilizam a primeira pessoa por tornar o texto informal, apagando,
assim, o efeito discursivo desejado por eles. Esse episódio confirma os dizeres de
Fiad (1997, p. 157): “o papel da escola na constituição da individualidade vai na
contramão desse processo [de construção do estilo individual], isto é, há a produção
de um “estilo escolar” que visa a homogeneização”
Uma possível explicação para o apagamento do estilo individual dos
alunos seria a preocupação dos professores com a adequação do texto ao gênero
avaliado, no sentido de apagar qualquer possível marca da oralidade, já que se trata
de um texto formal. O uso da primeira pessoa pode representar, para eles, uma
marca de oralidade, a qual, segundo Corrêa, pode ser vista negativamente na
eficácia e adequação da linguagem. Ao falar sobre adequação, o autor afirma:
152

A ideia de adequação como recomendação última para os usos da


linguagem está intimamente ligada à de eficácia da comunicação.
Para que se chegue a obtê-la, costuma-se recomendar que o texto
(falado ou escrito) seja funcional em relação às diferentes situações
de uso, mais ou menos formais. A eficácia de um texto seria, pois,
uma qualidade que se produziria com base na recusa (ou, pelo
menos, na tentativa de controle) de qualquer desvio de estilo. Mas
não só isso: também as marcas que podem fazer repercutir
negativamente a variedade do falante no texto são tidas como um
obstáculo para a sua eficácia; recusá-las teria a função de evitar o
efeito negativo das marcas linguísticas estigmatizantes (CORRÊA,
2006b, p. 272)

O comentário: “Falou sobre explicações desnecessárias de termos


bastante próprios já da área e conhecidos” cria mais um ruído no cruzamento das
vozes dos mediadores do letramento, pois quando questionada, pelos alunos, sobre
o quanto eles deveriam detalhar as descrições dos materiais utilizados, minha
orientação foi que eles projetassem os possíveis interlocutores, alunos do ensino
médio/técnico (eles mesmos) e analisassem os conceitos com necessidade de
explicação detalhada e os já estabelecidos na área. Fica evidente que os alunos não
tinham autonomia nem conhecimento do contexto para fazerem essa análise e, por
isso, conceituaram termos técnicos sem necessidade, segundo a banca.
Uma hipótese seria considerar que os professores da área tenham se
constituído como os únicos interlocutores projetados dos trabalhos. Isso mostra mais
um aspecto oculto do letramento, mesmo com a minha orientação sobre o assunto.
Aliás, no final da parte dos materiais e métodos do grupo de A3, os alunos fizeram
esse questionamento para que eu respondesse durante a leitura e, mais uma vez,
transferi aos professores da área técnica o poder de avaliar sobre as descrições dos
materiais:

Professora, esses materiais de menos importância, é necessário ter


uma descrição para eles??? Obrigado!
EU: Vocês devem pensar no público leitor, se são materiais bastante
conhecidos do público, acredito que não precise, porém lembrem-se
de que o texto de vocês deve ser autônomo. Pensem por exemplo
nos seus colegas de classe dos outros grupos, eles precisariam
dessa explicação? Eu por exemplo, mesmo sendo leiga no assunto,
já ouvi falar em resistores, osciladores e bateria, mas se tiverem
dúvida disso, acredito que o orientador ou os professores da área
possam responder. (Comentário escrito ao final da parte de materiais
e métodos do grupo de A3)
153

O comentário sobre as explicações desnecessárias não foi destinado ao


grupo de A3, porém esse acontecimento confirma as incertezas dos alunos com
relação a isso.
Quando um dos professores diz: “TCC é um trabalho científico, tem um
rigor maior que os outros trabalhos entregues ao longo do curso, tenha um cuidado
com a formalidade do trabalho”, chama atenção para a formalidade da linguagem da
monografia como característica distintiva diante dos outros gêneros escritos na
escola. Segundo o professor, o rigor formal foi prejudicado pelo uso da primeira
pessoa.
Se dividirmos os comentários acima compilados, sobre a escrita,
podemos enxergar dois enfoques: os possíveis condutores para uma intervenção
enunciativa, mesmo que abordem questões textuais, e os que recaem apenas sobre
aspectos formais e normativos de língua. Vejamos os do primeiro caso:

1. “Criticou as figuras sem uma apresentação, uma citação, sendo


colocado de forma direta”;
2. “Criticou as tabelas, que deveriam conter todos os dados em uma
só, para não precisar ficar comparando, que ficaria mais fácil de
compreender”;
3. “Evitar o uso de talvez”, por provavelmente ser um termo criticado
na linguagem técnica da área de automação, pode ter uma
conotação não científica, pois relativiza conclusões;
4. “Criticou o apêndice que está muito jogado”;
5. “Tabela com informação inútil”;
6. “Faltou incluir o custo da instalação da central”;
7. “Faltou demonstrar dados que puseram no texto”;
8. “Falou sobre explicações desnecessárias de termos bastante
próprios já da área e conhecidos”, pois tem a ver com os
interlocutores do enunciado.
9. Questionou a fonte do valor do projeto que constava no trabalho.
10. “Faltou incluir o custo da instalação da central”

Já no segundo enfoque, além dos já citados sobre o uso da primeira


pessoa, encaixam-se:
154

1. “Fez uma série de anotações e alertou que seria interessante


fazer a correção”;
2. “Criticou a unidade de milésimos de reais, que se separa com
vírgula e não com ponto”;
3. Apontou uma correção de vírgula, falando que seria melhor eles
analisarem, pois ele não é professor de português”;
4. “Deveria colocar a economia de dinheiro em porcentagem”;
5. “Falou sobre termos inadequados, iteração (certo, termo técnico)
em vez de interação;
6. “Apêndice é do trabalho, anexo não é”
7. “Cuidado com a linguagem técnica, dados técnicos, que devem
ser padronizados”;
8. “Puseram que o trabalho está organizado em capítulos e não
está, está em itens, devem decidir e padronizar”;
9. “Pediu que os alunos arrumassem as fontes das figuras Apontou
que havia ‘correções de português’ a fazer;
10. “Disse que o título estava muito longo e deveria modificar, já que
apareceu duas vezes a palavra automação”;
11. “Há erros de português”
12. “Apontou questões de formatação;
13. Disse que a ‘parte do português ficou devendo’, uso da primeira
pessoa, linguagem coloquial, precisa ser mais técnica;
14. Falou que a formatação das referências bibliográficas estava fora
do padrão.

A prevalência de apreciações sobre aspectos formais e normativos de


língua, quando os professores opinam sobre a escrita dos alunos, reflete a
concepção de linguagem e de língua desses sujeitos e mostra como tais aspectos
foram mais valorizados pela banca examinadora do que a parte experimental do
trabalho.
Há a hipótese de que essa prática de observar e apontar “erros” quase
estritamente gramaticais venha emprestada da visão desses professores acerca da
prática de ensino da escrita do professor de português, tradicionalmente advinda “do
155

ensino da redação como um mero exercício escolar”, já questionada desde o final da


década de 70 (BUNZEN, 2006, p. 147), cujo trabalho do professor era apenas
apontar erros normativos no texto. Tal visão fica implícita na anotação: “Apontou
uma correção de vírgula, falando que seria melhor eles analisarem, pois ele não é
professor de português”, pois deixa pressuposto que, na visão do professor da
banca, apontar erros gramaticais seria função do professor de LP, ao ensinar a
escrita.

5.3 A ESCRITA DA MONOGRAFIA E AS CONCEPÇÕES DE PESQUISA

Nesta categoria, explicita-se o conflito proveniente do cruzamento das


diferentes vozes que ecoam concepções de pesquisa e dialogam na prática de
letramento. Para isso, confronto as orientações dos professores (incluindo a minha)
quanto à pesquisa realizada para a escrita da monografia; onde os alunos
pesquisaram, e as apreciações dos professores da banca sobre como os alunos
fizeram pesquisa. A concepção dos alunos da atividade de fazer pesquisa reflete
diretamente na escrita e consequente na articulação das vozes do enunciado, algo
discutido na análise.

Voz dos professores orientadores: conversa com P1 e P2

Perguntei a P1 se os alunos tinham dificuldade na articulação das vozes


no texto e se eles conseguiam fazer as referências corretamente:

Excerto 32: P1 fala sobre como os alunos articulam as vozes no


texto
/...a citação eles conseguem, inclusive porque faz parte da norma,
da::, do procedimento normativo, ocorre que quando ele passa da
citação e vai pra praticar alguma, vai pra praticar alguma montagem,
é aí que ele esquece. Na hora dele fazer uma montagem, uma
análise a respeito de uma simulação. Não está citando ninguém, mas
está tentando usar o conhecimento adquirido, aí ele se equivoca. Ele
esquece da regra e volta pra:: cultura dele eventualmente esquece
até do que fez, do que aprendeu ao longo dos quatro anos de língua
portuguesa que ele teve, né?.../
156

Segundo P1, fazer citações é uma atividade garantida pelas normas


reguladoras da escrita científica, ou seja, na visão dele, o domínio das normas de
formatação de textos possibilita citações bem articuladas.
Esse excerto dialoga com a fala seguinte, de P2, quando ambos
consideram, como o maior obstáculo dos alunos, fazer a inserção da própria voz no
discurso científico. Os dois professores avaliam as etapas da descrição e da análise
da experiência prática (montagem, simulação etc.) como as mais conflituosas, pois é
justamente nessas partes que os alunos devem inserir a própria voz e, nesse caso,
segundo P1, quando “Não está citando ninguém, mas está tentando usar o
conhecimento adquirido, aí ele se equivoca”, porque se esquecem das regras
supostamente aprendidas “ao longo dos quatro anos de língua portuguesa que ele
teve”.

Excerto 33: P2 fala sobre como estavam sendo as aulas da


disciplina Projeto Integrador.
/...baseado naquela orientação que a gente deu de pesquisar, de
pesquisar artigos, pesquisa:: tccs é que falassem sobre o assunto e a
partir disso eles montarem o:: a introdução e o objetivos deles, de
acordo com o que eles tavam querendo, né? A gente orientou eles,
de acordo com as ideias deles, né? Deu mais ou menos uma
orientada pra eles procurarem coisas simila::res, né? E:: pra ter uma
ideia já de como escrever esse objetivo, como escrever a introdução.
(...) Então é:: agora na parte que eles tão fazendo por exemplo o
desenvolvimento, eu tô pedindo pra eles escreverem tudo o que eles
tão fazendo, agora eu sinto que eles têm assim uma dificuldade, né?
Pra:: pra escrever essa questão de ao mesmo tempo ir fazendo e
escrevendo, né? Acho que isso aí é uma dificuldade que eles tão
tendo. Eles ficam um pouco PERDIDOS, né? Não sabem se, embora
eu tenha dito pra eles escrever TUDO, né? Que eles fizessem, eles
não escrevem tudo. Eles fazem mais resu::mo assim, põe tópicos e
não (+), eles não conseguem assim (+) fazer um relato contínuo do
que eles tão fazendo (...) Uma coisa que a gente bateu muito com
eles é o seguinte, que eles não falarem coisas que não tivessem
embasamento, né? Pra buscar uma referenciazinha, né? Então de
acordo com, sempre falar de acordo com algum, algum artigo, né?
Então eles tinham muita dificuldade assim, falar determinadas coisas
que eram, por exemplo, da cabeça deles, eles punham lá, poderia
até tá certo, mas eles não tavam:: falamos muito nessa questão da::
credibilidade, né? Do de fazer um texto que tivesse credibilidade,
então buscar fazer um texto é:: baseado em alguém que já leu, né?
algum artigo, era mais essa a orientação. Então nós RETIRAMOS
muita coisa que eles tinham colocado no texto que era opinião deles,
basicamente, isso tirou, aí procuramos colocar coisas que tinham é::
a ver com, como por exemplo, alguma:: algum artigo.../
157

De acordo com o excerto, nas aulas de Projeto Integrador, os professores


orientaram os alunos a lerem artigos e TCCs sobre o assunto que pretendiam
abordar, com o intuito de fazê-los reconhecer as partes estruturais do texto, como
introdução e objetivos, além de encontrar subsídios para a escrita.
P2 assinala a dificuldade dos alunos com a escrita do desenvolvimento,
no qual devem descrever a parte prática do projeto à medida que a vão construindo.
Segundo P2 “eles ficam um pouco PERDIDOS, né? Não sabem se, embora eu
tenha dito pra eles escrever TUDO, né? Que eles fizessem, eles não escrevem
tudo”. Isso provavelmente ocorre devido à falta de clareza no processo interlocutivo
entre professor/orientador e alunos, visto que os alunos não respondem na escrita o
que lhes foi solicitado pelo professor/orientador (“eu to pedindo pra eles escreverem
tudo o que eles tão fazendo”). A dimensão escondida do letramento, nesse caso,
instaura-se, no nível discursivo, na indefinição a respeito “do que deve/não deve ser
dito/escrito” e no “como deve ser dito/escrito” pelos alunos na seção do
desenvolvimento, diante das relações de poder geradas pelo contexto dessa escrita.
P2 aponta também os processos inadequados de coesão e coerência ao
estilo do gênero monografia, quando fala da organização do texto em tópicos e sem
o detalhamento esperado, “eles fazem mais resu::mo assim, põe tópicos e não (+),
eles não conseguem assim (+) fazer um relato contínuo do que eles tão fazendo”.
Isso pode estar relacionado aos sentidos atribuídos, pelos alunos, ao relato dos
procedimentos de pesquisa. Nesse caso, cabe perguntar, no plano discursivo, qual
interlocutor está projetado nessa escrita e quais são os objetivos quando os alunos
descrevem a experiência em forma de tópicos e sem os pormenores esperados. Se
não enunciam do lugar discursivo de pesquisadores, posicionam-se no discurso a
partir de lugares ocupados em outras práticas letradas escolares. Tal
posicionamento ilustra as relações intergenéricas, à medida que os alunos recorrem
às estratégias de escrita utilizadas por eles em outros gêneros, com os quais estão
mais familiarizados, ocorrência típica do processo de aprendizagem de gêneros
novos (CORRÊA, 2006).
No final do excerto, P2 ressalta a complexidade de se fazer a alternância
de vozes no texto científico. Nota-se que, por não dominarem as estratégias
discursivas para reger as vozes do enunciado, incluindo as suas, os alunos tanto
têm dificuldade em colocar as próprias vozes no texto, quanto de utilizar os
158

discursos de autoridade para sustentar seus argumentos, atividade essencial para


construção do discurso científico.
Refiro-me aqui às vozes dos alunos, obedecendo ao princípio dialógico do
discurso, isto é, não que eles sejam donos dos seus enunciados, já que todo
enunciado é uma resposta a enunciados precedentes de uma determinada esfera da
comunicação discursiva, mas com relação aos enunciados com aparência
monofônica, cujos diálogos ficam implícitos, os que presumidamente venham dos
conhecimentos adquiridos durante o curso.
Muito provavelmente, nas outras práticas de letramento mobilizadas nas
aulas das disciplinas técnicas, inclusive na escrita de relatórios, não há a
preocupação em destacar a heterogeneidade de vozes no enunciado. Espera-se dos
alunos, porém, o desempenho de uma tarefa bastante sofisticada, que é a de
articular as vozes, de fazer as citações adequadamente, e ainda, inserir sua própria,
em um texto que privilegia as vozes de autoridade. Tudo isso, em um gênero novo
para eles.
A partir desse entrave, além de mais uma relação intergenérica, nota-se
uma dimensão escondida do letramento, quando as possíveis formas de se inserir
no discurso científico, a partir do lugar sócio-discursivo de alunos do ensino
técnico/médio, que estão pela primeira vez produzindo um texto científico, não lhes
são explicitadas. Em vez disso, apaga-se a voz dos alunos, conforme a fala de P2:
“Então nós RETIRAMOS muita coisa que eles tinham colocado no texto que era
opinião deles, basicamente, isso tirou, aí procuramos colocar coisas que tinham é:: a
ver com, como por exemplo, alguma:: algum artigo”. Esse apagamento interfere na
construção da identidade discursiva dos alunos, os quais, como visto na primeira
categoria, não se consideram pesquisadores e, portanto, não se constituem como
sujeitos de autoridade para terem voz e inserirem seus pensamentos, quando são as
ideias dos autores as valorizadas nesse contexto. Quanto menor a experiência do
pesquisador, maior é a timidez da sua própria voz.
Com relação ao modo como os alunos fazem citações no texto, P2
responde:

Excerto 34: P2 responde se os alunos conseguem fazer as


citações dos artigos lidos
olha:: eles tem feito, a primeira vez a gente fez bastante correção
nisso aí, porque eles colocaram como se fosse uma opinião GERAL
159

e não:: uma citação, né? Na verdade eu sinto assim, que:: nessa


parte de texto, que é, a gente se baseia na:: norma, vamos dizer
assim, de artigo científico, né? O tcc seria a mesma orientação pra
você fazer um texto científico, então eu entendo assim que isso é
importante, né? Por quê? Isso é uma referência. Alguém pode achar
que tá escrevendo bem, não, mas você não tá escrevendo de acordo
com, com isso, eu acho que isso é um apoio que o professor tem,
então talvez, é::, não sei se seria o caso do português tratar isso
também, como se escreve um artigo científico, porque a questão
dessa busca e relatar, né? Não sei se eles dão a importância devida
a isso, né?

É recorrente nas respostas de P2 o destaque à importância de se trazer


explicitamente as vozes acadêmicas para validar o dizer dos alunos. O professor vê
essa atividade como essencial para a escrita de um texto científico e a relaciona ao
uso das normas de escrita acadêmica. Apesar disso, reconhece a complexidade de
ensinar aos alunos a pesquisarem e a fazerem a alternância de vozes no discurso,
quando sugere o tema como objeto de ensino do professor de LP.
O professor percebe que os alunos não têm consciência das
peculiaridades do gênero, sobretudo com relação a ser um texto construído a partir
de pesquisa e de comprovação de informações com base em argumentos de
autoridade, quando diz: “Alguém pode achar que tá escrevendo bem, não, mas você
não tá escrevendo de acordo com, com isso” e “não sei se seria o caso do português
tratar isso também, como se escreve um artigo científico, porque a questão dessa
busca e relatar, né? Não sei se eles dão a importância devida a isso, né?” .
P2 também classifica a monografia escrita no ensino técnico como algo
próximo de um texto científico, mas não exatamente como um texto científico, ao
dizer que “o tcc seria a mesma orientação pra você fazer um texto científico”,
discurso observado na primeira categoria de análise, mais especificamente na parte
sobre a concepção do gênero.

Voz dos alunos: conversa com A1, A4 e A3

Os excertos seguintes foram extraídos das entrevistas realizadas com A1


e A4, antes da minha intervenção, e da entrevista realizada com A3, ao final da
minha intervenção, quando seu grupo já havia entregado o trabalho para os
membros da banca, mas ainda não o havia apresentado.
160

Excerto 35: A1 fala sobre suas fontes de pesquisa e a escrita da


monografia
Eu: e pra escrever essa parte que vocês já escreveram, quais textos
vocês leram?
A1: a gente leu tccs tanto do diretor da escola, do X, uma tese de
mestrado e, e alguns tccs da internet, que a gente pesquisou, mas
basicamente a gente tá tomando como base as teses de mestrado, e
os tccs, não tinham assim o que o professor pedia, aí a gente usou/
EU: e onde vcs acham esses tccs?
A1: na internet.
(...)
EU: vocês acharam nos sites das universidades?
A1: foi, a gente digitou tese de mestrado relacionado ao nosso tema
e aí o que aparecia, e os links que iam pros sites das universidades e
a gente baixava.
EU: e como foi essa escrita? Foi em grupo? Individual?
A1: foi em grupo mas assim, é:: a introdução, a pessoa que tava na
frente do computador escrevia, só que a gente, o grupo em si lia e
Ah! Vamos mudar esse trecho! aí ia e mudava, basicamente em
grupo, mas o:: a pessoa que tava NA frente do computador naquele
dia tinha a responsa/ a maior parte da escrita era dele.
EU: e variava quem escrevia?
A1: variava quem escrevia e sempre com a presença de todos
EU: aqui na aula de tcc ou em casa?
A1: na aula de tcc.
EU: não escreveram fora da aula então?
A1: fora a gente escreveu, mas no mesmo sentido, eu nem, um
exemplo, ficou como minha parte a de complementar a caixa d´água
no desenvolvimento, eu fiz isso em casa, encaminhei por e-mail pro
pessoal, do grupo, eles leram e falaram: Ah! Tá bom, Ah! Não tá.
Muda essa parte e coloca com essas palavras, a gente mudava.

Segundo A1, o grupo pesquisou TCCs e “teses” de mestrado,


principalmente “teses” de mestrado, no entanto tais textos não são referenciados no
corpo da monografia, como confirma sua versão final.
O aluno dá indícios sobre como eram as aulas da disciplina Projeto
Integrador (na entrevista referida como “aula de tcc”), quando menciona que os
grupos se reuniam e escreviam durante essas aulas, sempre sob a liderança de
quem estava “na frente do computador”. Esse diálogo entre o grupo durante a
escrita seria importante, porém impossível de ser captado pela forma da geração
dos dados. Os estudos de Bakhtin e do círculo, por meio do conceito de dialogismo,
já questionam a noção de autoria estritamente ligada à criação e genialidade do
autor (COSTA, 2015). No caso em foco, acrescenta-se às diversas orientações
dialógicas inerentes à escrita na escola, a negociação entre os cinco alunos
“autores” para as tomadas de decisão concernentes ao trabalho com a linguagem.
161

Excerto 36: A4 fala das orientações sobre o que pesquisar,


antes da minha intervenção.
EU: é:: pra elaborar esses textos, o que vocês leram? O que vocês
pesquisaram? Onde vocês pesquisaram?
A2: bom, foi o orientador, foi orientação do professor, pra gente
pegar, tccs prontos da internet, teses de mestrado e doutorado,
sobre o próprio tema e tentar se adequar, né? Pegar algumas
sugestões por exemplo das normas/ as normas a gente pegou em
sites, pra se adequar certinho da abnt, por exemplo a gente pegava o
texto certinho e via ah o parágrafo é assim, a fonte é tal e
espaçamento é tal, a gente pegava outras fontes pra conferir pra ver
se tava certinho também, ah é google (+) tese.
EU: mas no google o quê? Tese e tcc?
A2: tese pronta::, Tcc tal assunto.
EU: e artigo científico?
A2- artigo científico també::m e mestrado e doutorado, é isso, a
gente pegava, a gente tentava ver qual que era a estrutura, não
copiando palavra, não copiando , o parágrafo tá aqui, eu não posso
dar control c, control v, fazer a mesma coisa que o carinha fez,
entendeu? Posso até:: mudar alguma palavra.
EU: e citação? Vocês usaram?
A2: isso, tem que citar bastante fonte, até porque um erro nosso no
primeiro bimestre que descontou ponto foi que a gente pegou
bastante coisa de outro e não citou fonte no fim /.../ não porque a
gente não quis, porque a gente não achou a fonte porque o texto
tava meio incompleto.

A4 conta como foi a orientação dos professores relacionada à pesquisa:


“tccs prontos da internet, teses de mestrado e doutorado sobre o próprio tema”, além
de artigos científicos. Desses textos, os alunos extrairiam as normas de formatação.
O dado nos mostra a consciência de A4 com relação à desaprovação do “copiar e
colar” na esfera científica, porém o evita de maneira muito simplificada, quando
reduz a atividade de parafrasear ao ato de trocar alguma palavra, “eu não posso dar
control c, control v, fazer a mesma coisa que o carinha fez, entendeu? Posso até::
mudar alguma palavra”. Após isso, A4 também reconhece a importância de explicitar
as fontes de pesquisa, pois já haviam cometido o erro de apropriar-se de
informações encontradas em outros textos, sem atribuir a autoria.

Excerto 37: A3 fala sobre como fez pesquisa, após o trabalho


finalizado
EU: eu vi no texto de vocês que, com escrita’ não teve problema, no
caso você falou que foi você, você escreve bem, desde sempre eu já
vi seus textos. O problema foi a questão lá dá:: linguagem cientí::fica,
da referência. Na aula de tcc nunca se falou disso?
A3: nunca nem falou de normas assim.
EU: e do que eu fiz na aula, que foi mais apresentar e falar pra vocês
consultarem também não adiantou?
162

A3: é porque foi muito em cima, né? Eu acho que se tivesse sido no
começo do ano, teria sido bem melhor.
EU: isso que aconteceu no terceiro bimestre seria melhor ter
acontecido antes?
A3: antes
(...)
EU: as informações que vocês colocaram no texto, que não foram da
cabeça de vocês, vocês tiraram basicamente de onde?
A3: da internet.
EU: tudo da internet. Que tipo de site?
A3: sites assim tipo, sites da área mesmo.
EU: Não leram tccs, teses, dissertaçõ::es?
A3: Alguns
EU: Mas apareceram? Eu não vi no texto.
A3: Acho que tem um, mas a gente leu mais, é porque a gente acaba
perdendo, tem também essa parte que a gente não anotou, não
deixou salvo, então a gente não sabe de onde tirou. Então pra correr
atrás, não dá, né?

A3 explica o motivo que os levaram a não atender às regras da atividade


científica, acerca da autoria das informações utilizadas no texto. Segundo o aluno, é
o desconhecimento das normas, ao iniciarem a pesquisa, pois minhas aulas
aconteceram apenas no quarto bimestre, que justifica a falta de comprometimento
em arquivar e referenciar os textos fontes das vozes utilizadas na monografia: “Acho
que tem um, mas a gente leu mais, é porque a gente acaba perdendo, tem também
essa parte que a gente não anotou, não deixou salvo, então a gente não sabe de
onde tirou. Então pra correr atrás, não dá, né?”

Voz da professora de LP: minhas aulas

Nesta parte selecionei vários trechos das minhas aulas sobre como fazer
pesquisa e apropriar-se das leituras para a escrita do texto. Falei a respeito do
diálogo interno entre as vozes da monografia, que como vimos, não é um texto
polifônico, pois as vozes dos textos pesquisados não são equipolentes às vozes dos
alunos. Desse modo, veremos as aulas sobre como fazer a alternância das vozes no
discurso, por meio das citações, intercaladas à descrição do projeto, lembrando que
os alunos deveriam escrever um relato de experiência, inserindo sua voz no
discurso, em alternância com os discursos presentes nos textos pesquisados.

Excerto 38 (Aula 3): sobre materiais e métodos


EU: Como vocês estão contando a história do que vocês fizeram ali
na prática, são palavras de VOCÊS, a não ser que vocês usem
163

alguma teoria, alguma coisa que já foi falada, que aí vocês precisam
trazer o texto do OUTRO e citar. Tomem muito cuidado com isso, o
que eu posso falar que é meu’, a introdução é toda sua, a justificativa
não sei o quê, a não ser que você use dados, da água lá, se quiser
colocar dados pra ficar mais forte e trazer um outro texto, fica legal.
Então responda às questões, como o projeto será desenvolvido ou
foi desenvolvido e quais materiais foram usados ou serão usados /.../
então o que tem que ter no tópico de materiais e métodos”,
especificação do campo de pesquisa, comprovado com teoria
((slides)) então SE forem enquadrar sua pesquisa no tipo de
pesquisa, vai lá na biblioteca, pega esse livro, um parágrafo, tá?
meia página, bem curto, depois, especificação da amostra ((slides)),
com que que você vai trabalhar? Qual é a amo::stra que você vai
analisar, o que que é que você vai analisar?

Essa explicação surge em resposta às demandas dos professores sobre a


dificuldade dos alunos na descrição da experiência prática do projeto. Assim,
procuro esclarecer a distinção das vozes, destacando os momentos em que não há
necessidade de referenciar outro texto, no caso, ao descrever os passos da
experiência, e os momentos que necessitam da demarcação da voz do outro: “Como
vocês estão contando a história do que vocês fizeram ali na prática, são palavras de
VOCÊS, a não ser que vocês usem alguma teoria, alguma coisa que já foi falada,
que aí vocês precisam trazer o texto do OUTRO e citar”.
Embora tenha havido essa explicação, os professores da banca criticaram
as fontes das informações referentes aos materiais utilizados no projeto, as quais,
pelo visto, eram retiradas de sites de lojas ou do próprio conhecimento adquirido
durante o curso, e não de textos científicos.
Os alunos foram também orientados a relatarem o tipo de suas pesquisas
com base em um livro específico da biblioteca.

Excerto 39 (Aula 3): sobre a importância de se fazer as


referências corretamente.
EU: eu percebi que vocês não estão conseguindo fazer a citação.
Quando você cita um outro texto, você não pode simplesmente
colocar ah! Segundo fulano, e não colocar da onde você tiro::u, tá? A
gente vai ver depois como faz isso certinho. O certo seria você
colocar o sobrenome, o ano, a página da onde tirou.
ALUNO: professora, mas coloca no meio do texto essa informação?
EU: no meio, se for paráfrase você põe só o ano, se for citação
literal, você põe o ano e a página, a gente vai ver isso hoje. Só
atentando, vocês já ESTÃO colocando, mas estão colocando de
forma errada, tá? Vocês só colocam o nome da pessoa que falou.
Não pode! Porque, quando você cita o texto do outro, quem está
lendo tem que conseguir buscar, se quiser. A pessoa vê o ano, vai lá
164

nas referências e vê se foi tirado de um li::vro, de um site, de onde


foi. Vocês tão pondo simplesmente o nome, então não pode.
ALUNO: tem um monte de regra da abnt pra citar, ne? Quando você
vai citar.
EU: então, vocês ainda não tiveram contato com isso?
ALUNO: não, mas não sei nem se vai dar tempo.
EU: a gente vai ver hoje. E vai ficar lá na pasta pra quando vocês
forem escrever vocês consultarem.

Na monografia, os alunos fizeram referências a textos lidos, porém não


obedeceram às normas de escrita científica sobre citação. Embora eu tenha
reconhecido a dificuldade em demarcar, cientificamente, a heterogeneidade das
vozes no texto, durante o processo, minha explicação não foi suficiente para o
sucesso dos alunos nesse quesito, conforme verificado nos textos e pelos
comentários dos professores da banca.
Os alunos estavam cientes da existência das regras, mas não
demonstraram preocupação em obedecê-las, como ilustra a fala do aluno quando
pergunto se haviam tido contato com as regras, “não, mas não sei nem se vai dar
tempo”. Acredito que isso define, mais uma vez, as relações de poder nesse
contexto, visto que os alunos não estavam empenhados a seguirem as regras de
citações, provavelmente porque a orientação não veio dos professores da área
técnica.
Os discursos sobre a importância da demarcação das vozes e sobre as
relações de poder são retomados em outros excertos da aula.

Excerto 40 (Aula 3): sobre como fazer citações.


Eu: Sugestões para todos /.../ na linguagem científica tudo tem que
ser prova::do, toda a informação que você dá, da sua cabeça, você
não po::de. As únicas coisas que você pode tirar da sua cabeça é:: o
que você fez no trabalho, né? Aí você pode, porque você realizou /.../
agora eu não sei o grau de exigência disso aqui::, por isso que eu
coloquei ver com o orientador. Por exemplo, se você dá uma
informação dessa, com o crescimento populacional, das atividades
industriais e agrícolas, o uso da água potável vem aumentando
((slide)). /.../ vocês acham que isso, aí vê com o orientador, não seria
melhor/ da onde você tirou? É assim um lugar comum? A gente sabe
que vem aumentando? Ou foi com a se::ca que diminuiu a água. A
população tá aumentando? Não sei. Enfim, vocês tiraram isso de
algum texto que leram? Ou da cabeça de vocês, da mídia, da onde?
vocês têm certeza dessa informação? ((gerou tumulto)) /.../então, o
que eu estou falando pra vocês’, a linguagem científica EXIGE isso,
que vocês coloquem da onde vocês tiraram e um dado concreto. SE
os professores aceitam isso tirado do lugar comum’ (+) vocês têm
que ver com eles, tá?
165

Chamo a atenção, nesse excerto, da especificidade do texto científico,


diferente das outras práticas escolares, quanto à exigência da heterogeneidade
mostrada no discurso, “na linguagem científica tudo tem que ser prova::do (...) a
linguagem científica EXIGE isso, que vocês coloquem da onde vocês tiraram”, ou
seja, sobre a gravidade de se remeter à palavra do outro sem fazer as devidas
referências na monografia. Retomo também a alternância das vozes, a fim de
diferenciar a voz dos alunos das vozes dos outros, quando descrevem a experiência
prática, atendendo à demanda dos professores ao mencionarem que os alunos
escreviam pouco e não sabiam inserir sua voz no discurso.
Além disso, novamente as relações de poder entre os mediadores do
letramento são demarcadas pela minha voz, quando relativizo minhas instruções
com base nas concepções do gênero vindas dos professores da área técnica, “não
sei o grau de exigência disso aqui::, por isso que eu coloquei ver com o orientador
(...) vocês acham que isso, aí vê com o orientador, não seria melhor/ da onde você
tirou? (...) SE os professores aceitam isso tirado do lugar comum’ (+) vocês têm que
ver com eles, tá?”.

Excerto 41 (Aula 3): sobre plágio.


Na introdução vocês fizeram uma pergunta que queriam analisar, fica
incoerente se no final não aparecer. Falaram que vão fazer uma
coisa, tem que aparecer lá no final. Isso aqui é essencial numa
pesquisa, é o mais importante. Às vezes vão pegar o seu tcc e ver só
isso, só a análise. TUDO que aparecer no seu texto, que seja tirado
de outro texto, deve ser de::vidamente citado ((slide)). Você não
pode, isso é plágio, isso é erro no trabalho científico, você não pode
citar texto de outro, sem mostrar que você citou ((falei enfaticamente
e pausadamente)), tá? Não pode. Ou você fala, com propriedade o
que você pesquisou, ah o resultado do projeto gerou uma economia
de tantos por cento na energia elétrica da escola, ah isso você que tá
falando, é competência sua, o resto não é seu, fala da onde tirou, tá?

No início do excerto, alerto sobre a coerência global do texto, com relação


à pergunta de pesquisa que deve ser retomada no final da monografia. Ademais,
novamente enfatizo a distinção das vozes no texto, acrescentando a isso a
advertência sobre se referir a outros enunciados sem atender às normas de escrita
científica, posto que tal atitude configuraria um plágio.

Excerto 42, (Aula 4): sobre como fazer pesquisa.


EU: Vocês sabem onde pesquisar? Vocês conhecem o scielo?
Dependendo da área, pesquisa em sites diferentes. ((foram
166

projetadas nos slides as páginas do scielo, capes, etc.)) Quando


vocês buscam textos da área vocês, já viram isso?
ALUNO: não
ALUNO: nunca vi
EU: nunca?
ALUNO: não
EU: você coloca no google, scielo.
ALUNO: Ah! Aquela maquininha de cartão ((risos))
EU: vocês colocam aqui, por exemplo, automaçã::o, ou, não sei! O
que vocês fazem. Coloca aqui e aparecem os artigos publicados na
área, tá?
A158: é igual o google acadêmico? /.../
ALUNO: professora, mas eu pesquiso pelo trabalho ou pela área?
EU: então, aqui você tem as opções de busca /.../ se você souber de
um autor específico, você põe o nome do auto::r . Aí depende do seu
conhecimento. Se for bem geral assim. Experimentem colocar
automação e vejam o que aparece, ou domótica, não sei, alguma
coisa mais específica que vocês trabalhem, tá? Tem o portal da
capes, que é (...) ((foi explicado como funciona o portal))
ALUNO: ninguém avisa essas coisas
ALUNO: verdade, ninguém avisa no começo do ano, ninguém fala
isso pra gente.
EU: eles mandaram vocês pesquisarem onde?
ALUNO: na internet. Ah! Se vira aí!
ALUNO: joga no google
EU: aí tem o google normal que você pode ir nos sites das
universidades procurar tccs, dissertações, teses. Em cada
universidade, aqui deu exemplo da usp, né? Vocês vão lá, por
exemplo, engenharia elétrica, vai tá lá, teses e dissertações, em
cada:: faculdade. ((Alunos tiraram dúvidas))

As falas dos alunos indiciam a prática institucional do mistério na


orientação sobre como e onde os alunos deveriam fazer a pesquisa. Segundo eles,
os professores os orientavam a pesquisar na Internet, mas não ensinavam como
pesquisar na Internet, partindo, dessa forma, do princípio de que os alunos já
deveriam saber como e onde encontrar as fontes confiáveis de pesquisa.
Já no tocante à minha prática, constatou-se que a explicação sobre onde
encontrar os artigos não foi suficiente para construção da autonomia para a
atividade de pesquisa, nem para a escrita a partir desses artigos. A indicação de
sites de busca não foi suficiente para ensinar a pesquisar, principalmente porque os
problemas com a pesquisa têm também a ver com outras questões, dentre elas, a
concepção de gênero discutida na primeira categoria de análise. Diante de um
relatório de experiência, seriam necessários direcionamentos sobre: as fontes de

58Apesar de todos os alunos serem identificados como “ALUNO”, quando identifico no vídeo a voz do
aluno entrevistado, o referencio como A1, nas transcrições das aulas.
167

pesquisa validadas nessa esfera; quais textos efetivamente poderiam embasar as


pesquisas dos alunos, e em que espaços da monografia caberiam as vozes trazidas
de outros enunciados. A ausência dessas discussões configura, mais uma vez,
dimensões escondidas do letramento.
O fato de os alunos não utilizarem os mecanismos de busca sugeridos por
mim explicita a hierarquia entre a voz do professor de português e as vozes dos
professores da área técnica, sobretudo do orientador, como se a instrução dada por
mim não fosse obrigatória de ser obedecida, em especial, porque eles já estavam
com o trabalho em andamento e com as fontes de pesquisa encontradas. Desse
modo, novamente as práticas evidenciam as relações de poder entre os mediadores
do letramento discutidas por Lillis e Curry (2006), já que minha voz teria menos
poder do que a voz que enuncia do lugar discursivo de orientadores e professores
da disciplina Projeto Integrador, nesse contexto.

Excerto 43 (Aula 4): sobre como fazer citações.


EU: agora COMO CITAR? Usar as normas da abnt. Vocês têm
acesso a isso? Ó, normas de citação. Agora a gente vai ver aqueles
tipos de citação que vocês perguntaram como é que faz. A fonte da
onde foi tirada a informação deve ser indicada conforme as
orientações da abnt. Citação: menção no texto de uma informação
extraída de OUTRA fonte, escrita ou oral ((slide)). Tá vendo que
pode ser oral também. Você tem três tipos de citações: a direta, que
pode ser breve ou longa ((slide)) o que é citação direta? É quando
você pega:: /.../ é chato, é chatíssimo, mas você tem que fazer de
forma correta no seu trabalho, você não pode citar de qualquer
forma. Infelizmente não dá, tá? O que é citação direta? É quando
você usa EXATAMENTE as palavras no texto, entre aspas, tá? Se
for breve é de um jeito, se for longa é de outro. A gente vai ver.
Indireta, é quando você usa as IDEIAS contidas no outro texto, mas
não as PALAVRAS do autor ((slide))
((Foi dado exemplo dos tipos de citações, três linhas, acima de três,
indireta))
EU: /.../ e quando você não USA as palavras exatamente as palavras
do autor, quando você vai lá, lê, entende a ideia e reproduz com as
SUAS palavras, que é o que a gente chama de PARÁFRASE. Você
fala a mesma coisa usando outras palavras, ou assim, simplesmente,
às vezes você lê um texto inteiro, você não sabe exatamente da
onde você tirou aquela ideia, mas você sabe que aquela ideia tá lá,
tá? Por isso que não precisa por a página e tal. Você vai lá e
escreve, o texto aborda tal coisa, lá tem a informação tal. Então, é
uma citação LIVRE, USANDO as SUAS palavras pra dizer o mesmo
que o autor disse no texto ((slide)). Aí não vem entre aspas e não
precisa por a página ((li um exemplo)) /.../ E geralmente quando você
vai fazer uma paráfrase, é o que eu falei, você não pega um trecho
exatamente e parafraseia, não, você pega uma IDEIA contida ali em
todo o texto, tá? Então ah! No tcc tal já foi prova::do que tal coisa dá
168

ce::rto. Não tá num parágrafo só, tá no texto inteiro. Ah! Aí você tem
duas formas de fazer a citação no texto, ou numérico ((por nota de
rodapé)), ou autor e data, que são esses dois ó ((exemplo no slide
dos dois tipos, ressaltando as questões formais))
((Mostrei e expliquei exemplo de como fazer as referências no final
do trabalho e os orientei a consultar as normas da abnt para cada
fonte. Disse que eles teriam que se virar sozinhos, pois era apenas
uma questão de formatação))
(...)
A1: e o IBGE, professora? A gente só põe IBGE, site tal?
EU: então, todas essas coisas têm as regras lá na abnt pra você citar
EU: agora olhem essa informação, tava assim no texto, como se
fosse deles, você acha que essa informação é possível que seja do
grupo?
SLIDE:
Atualmente no Brasil, são produzidas cerca de 250 mil toneladas
de lixo diariamente, sendo 33% de lixo que pode ser reciclado a
metade consiste de papel, papelão e derivados, cerca de 20% são
constituídos de matéria orgânica e resíduos. As embalagens de
vidro representam 13% os metais somam 10% e os derivados de
plástico ficam com 7%. (SEM REFERÊNCIA!)
EU: não foi deles, não tem como a pessoa saber isso de cor /.../ mas
qual que foi a questão? É lógico que eles tiraram de algum lugar.
Beleza. Mas tem que por. Tem que colocar tudo certinho, cada
parágrafo. O parágrafo que não está escrito nada, eu vou deduzir
que foram vocês, que vocês tiraram da cabeça de vocês ((alunos
fizeram piadas com o assunto)).

A aula sobre a regência das vozes no enunciado focou nas formas de se


fazer citações, com base, sobretudo, nas normas da ABNT, por meio da discussão
de aspectos formais, ilustrados por exemplos, e disponibilizando o material para
consulta. Ao falar sobre parafrasear, não foi levada em consideração a
complexidade dessa atividade, caindo no infeliz lugar-comum, que a resume por
usar “SUAS palavras pra dizer o mesmo que o autor disse no texto”. Parte-se, assim
do pressuposto de que se trata de uma atividade de leitura e (re)escrita dominada
pelos alunos.

Excerto 44 (Aula 5) : sobre os materiais


Eu: quanto à explicação dos materiais, o que eu achei estranho”,
vocês especificam qual é o papel dos materiais, por exemplo
colocam lá um (+) resistor específico, um, sei lá, colocam lá as
especificações, que DÁ a impressão de que vocês tiraram de algum
lugar, mas vocês não colocam da onde. Vocês tiram isso da onde?
Da cabeça por que vocês conhecem”. Vocês ((apontando para um
grupo)) falaram ((oralmente pra mim)) que tiraram de um site e não
falaram ((não escreveram no texto)) que tiraram de um site/
A1: professora, mas se puser site, vai colocar a marca, não pode
169

EU: não, você não precisa citar a marca /.../ o que o orientador fala
disso? Pode ser assim?
A2: por exemplo, você tirou do data sheet59, aí você tem que colocar,
segu::ndo o data sheet, o fabricante DESSE produto, aí você explica
na frente.
EU: e coloca o site nas referências, gente, eu aconselho que se faça
isso, que vocês coloquem da onde vocês tiraram ((alunos discutiram
a dificuldade de citar as especificações dos materiais)) não, eu acho
assim, quando você põe essas especificações, tamanho tal, material
tal, a meu ver não precisa por uma citação. Eu acho estra::nho
quando vocês EXPLICAM como aquilo funciona, entendeu? Porque
AÍ dá a impressão que vocês tiraram de algum lugar, não foi da
cabeça de vocês, por isso que fica estranho, agora, o material só,
não precisa realmente /.../ aí vai do bom senso de vocês e de
conversar com o orientador o que que PRECISA e o que não precisa
de referência, tá? Mas isso fica mais com a parte do orientador
mesmo porque:: é mais especifico de vocês.

A discussão entre mim e os alunos desperta para a relação entre a


pesquisa e as especificidades do gênero como pratica social situada, pois o gênero
nesse contexto lida com a descrição de materiais, característica de um relatório, que
gera dúvidas quanto ao modo de fazer as citações. Os alunos não sabem dizer se é
necessário recorrer a outros textos nesse caso, nem como fazer isso, já que
encontram as informações necessárias em textos não considerados científicos,
como confirma a opinião dos professores da banca. Pelo visto, nos relatórios essa
cobrança não existia, como na monografia.
Além disso, os alunos dominam muitas das especificações dos materiais
porque já se familiarizaram com elas ao longo do curso. Como a descrição dos
materiais não faz parte das minhas práticas de escrita acadêmica, delego, mais uma
vez, aos professores da área técnica, o poder de discutir esse aspecto com os
alunos: “aí vai do bom senso de vocês e de conversar com o orientador o que que
PRECISA e o que não precisa de referência, tá? Mas isso fica mais com a parte do
orientador mesmo porque:: é mais especifico de vocês”.

Excerto 45 (Aula 6): ainda sobre citações


EU: a gente teve uma aula sobre isso ((sobre como fazer citações)) e
ninguém usou, quase ninguém usou /.../ tem tudo aqui nos slides,
quando é citação entre a::spas, quando é citação litera::l, como que
faz a citação indire::ta. Teve trabalho que tem UMA referência. Não
EXISTE um trabalho acadêmico que você consulte uma coisa só. E

59 Nesse caso o aluno refere-se ao site http://pt.data-sheet.org/, cuja finalidade, segundo o próprio
site, é “Engenharia eletrônica ferramenta gratuita que lhe permite localizar produto fichas técnicas a
partir de centenas de componentes eletrônicos fabricantes em todo o mundo”
170

outra, não adianta você por um monte de referência lá no final e não


ter citado nenhuma vez no corpo. NÃO PODE. /.../ você não pode
colocar uma referência lá no final sem ter MOSTRADO que PARTE
do texto você fez referência desse texto/

Na última aula, antes da entrega da versão final, foi novamente salientada


a seriedade de se fazer as referências na escrita científica. Conforme minha fala, os
alunos não aplicaram as regras da ABNT para fazer as citações ou simplesmente
não fizeram referências a outros textos. A partir daí, algumas hipóteses são
levantadas: os alunos não precisaram fazer pesquisa em artigos científicos ou livros
para escreverem o texto, já que se trata de um relatório de experiência, reproduzindo
assim outras práticas de escrita escolar (relações intergenéricas); a explicação sobre
como fazer citações não foi suficiente para tornar o escrevente apto a reger as vozes
no enunciado de acordo com as normas científicas; há aí, uma resistência em
cumprir uma tarefa requisitada por mim, quem detém menos poder entre os
mediadores dessa prática de letramento específica; ou ainda, o planejamento das
minhas aulas não levou em consideração o andamento da escrita, conforme lembra
A3, quando diz que a intervenção deveria ter ocorrido antes, no primeiro semestre.
Além disso, mesmo com as orientações de busca de artigos científicos
feitas nas aulas de LP, faltou o engajamento com a prática de letramento: fazer
pesquisa de artigos que dialogassem com a parte prática do projeto. Não houve
esse reconhecimento da minha parte, nem da parte dos orientadores. A dificuldade
com a busca e a leitura dos artigos científicos e, principalmente, com a escrita a
partir da leitura dos textos evidencia-se no confronto entre as referências e o corpo
do texto da monografia, conforme excertos do próximo item, quando trago os textos
dos alunos.

Onde os alunos pesquisaram e o que escreveram

Excerto 46: referências da monografia do grupo de A1


• Centro Integrado de Informações Agrometeorológicas. Disponível
em:http://www.ciiagro.sp.gov.br/ciiagroonline/#Monitoramento Acesso
em 03 de abril de 2014
• BARROSO, l.B.; OURIQUES, R.Z.. ÁGUA PLUVIAL COMO
ALTERNATIVA NA LAVAGEM DE VEÍCULOS. Revista Hydro; 39
pp.30-33, 2014 – São Paulo
• MORELLI, E.B. Reúso de água na lavagem de veículos.
Dissertação de mestrado apresentada à Escola Politécnica da USP-
SP, 2014
171

• OENNING JUNIOR, A.; PAWLOWSKY, U. Avaliação de tecnologias


avançadas para o reuso de água em indústria metal-mecânica.
Engenharia Sanitária. Ambiental - Vol.12 - Nº 3 -, páginas 305-316 -
jul/set, 2014.
• SETTI, A.A.; LIMA, J.E.F.W.; CHAVES, A.G.M.; PEREIRA, I.C.
Introdução ao gerenciamento de recursos hídricos. 2ª Edição
Brasília, 2000. (3)

Nas referências aparecem um site sobre agrometeorologia, dois artigos


de revista, uma dissertação da USP e um livro, porém, em momento algum, os
artigos e livros são referenciados no corpo do texto, apesar dos títulos das fontes
estarem relacionados ao tema do trabalho. Apenas as informações retiradas do site
foram explicitamente referenciadas no texto, quando é citada a fonte da tabela,
“CIIAGRO online, 2014”, abaixo dela, conforme excerto:

Excerto 47: parte do texto da monografia de A1:


Observamos que a época de menos chuvas, foram de julho a
setembro de 2013, como é mostrado na tabela 1. Como
consequência da falta de chuvas nessa época, supomos, caso fosse
implantado o sistema de captação de água pluvial, que o reservatório
estaria sempre incompleto ou até mesmo vazio.

Tabela 1: Quantidade de chuvas na cidade de XXXX em 2013


Quantidade de chuvas em
Mês
XXXX (mm)
Janeiro 254,3
Fevereiro 138,5
Março 241
Abril 49,9
Maio 93,4
Junho 68,5
Julho 31,2
Agosto 0,3
Setembro 49,8
Outubro 93,1
Novembro 135,1
Dezembro 241,1
Total 1396,2
Fonte: CIIAGRO online, 2014.

O confronto entre as referências e o trabalho de A1 comprova, mais uma


vez, que o ensino sobre como fazer pesquisa não foi eficiente, nem suficiente para
os alunos serem bem-sucedidos – atenderem as expectativas dos professores
172

membros da banca – concernente à busca e leitura de textos científicos, tampouco à


apropriação dos discursos e articulação das vozes para a escrita da monografia.
Para compreender a falta de citações e referências a textos científicos,
serão observados alguns trechos da monografia de A1. Na seção intitulada materiais
e métodos, por exemplo, há pistas de como foi a pesquisa:

Excerto 48: trecho dos materiais e métodos, do trabalho de A1


A princípio, iniciamos a pesquisa de campo quantitativa, ou seja,
buscamos informações sobre o consumo de água na instituição junto
à administração da mesma. Buscamos na internet sobre a
quantidade de chuva mensal na cidade de X. (...), discutimos todos
os materiais que seriam utilizados no sistema e como seria feita a
automação nesse projeto, pois isso é essencial para a simulação do
protótipo em software.

Os dados contemplados na primeira parte do trabalho, sobre o consumo


da água na instituição e a quantidade de chuva da cidade, segundo o excerto acima,
foram fornecidos pela própria escola ou encontrados na Internet (não em textos
acadêmicos), o que justifica a ausência das citações de artigos científicos, TCCs e
dissertações de mestrado no texto. As fontes das especificações dos materiais
utilizados foram questionadas pelos professores da banca, pois no desenvolvimento,
cujo objetivo é descrever o projeto, os alunos apenas descrevem os instrumentos
utilizados na simulação e os passos, sem utilizar bases teóricas, conforme exemplos
a seguir:

Excerto 49: parte do tópico desenvolvimento da monografia de


A1
Após isso fizemos outra etapa da simulação, ou seja, construímos a
interface do sistema com auxílio do software supervisório Indusoft,
que permite a visualização de toda a planta do sistema e o
funcionamento dos instrumentos em funcionamento de acordo com
estados lógicos pré-determinados.
(...)
Com a ajuda das calhas, a água chega a um filtro com separador de
folhas, com separador de fluxo que dispensa a primeira água, que
normalmente vem com impurezas (folhas, pedras, fezes de pássaros,
entre outros). O filtro pode ser um popularmente chamado de
“chove-chuva", onde a água passa por pedras de calcário, por um
clorador para eliminar os microrganismos nocivos e depois por um
filtro que retém partículas de 25 micrômetros, fabricado
especialmente para este fim. Lembramos que uma partícula de 25
micrômetros é menor que um grão de talco.
(...)
173

A tubulação é composta de tubos ou canos, para a qual são


sugeridos tubos de PVC-U, que oferecem as condições ideais, pois
são anticorrosivos, fáceis de transportar e trabalhar devido ao peso
reduzido, mantendo a resistência suficiente para cada caso.
Poderão ser usados em todo o projeto, quando necessário, tubos
desta especificação

Não fica claro de onde os alunos retiram as especificações dos materiais


utilizados, se são das fontes incluídas nas referências, se são das aulas do próprio
curso, ou se são dos sites de lojas que vendem os materiais. Esse assunto foi
tratado na aula, conforme visto anteriormente e também foram feitas intervenções
nos textos, porém os alunos não conseguiram resolver o problema, como mostram o
texto e os comentários dos professores da banca.
Vemos que há questões específicas dessa esfera da comunicação que
ficam ocultas nessa prática de letramento, pois os alunos não sabem onde devem
encontrar as especificações dos materiais a serem utilizados no projeto, nem se
esse tipo de informação pode aparecer nos textos sem fazer as devidas referências,
o que nos faz entender suas dificuldades.
De todos os trabalhos, o único trecho em que há a tentativa de fazer as
referências no corpo do texto, foi na introdução do trabalho de A3:

Exerto 50: trecho da introdução da monografia de A3


A ideia partiu da análise de uma pesquisa da ISMA-BR1 (International
Stress Management Association) e algumas orientações da Cemig2
(Companhia Energética de Minas Gerais) para a economia de
energia conduzida pelo engenheiro Leonardo Rivetti. A pesquisa da
ISMA-BR entre setores de Saúde, Finanças, Indústria, Educação e
Serviços, segundo a qual a principal fonte do estresse dos seres
humanos é a falta de tempo. 62%, dos mais de mil respondentes
(entre profissionais liberais, gerentes, supervisores e diretores
executivos), indicaram a sobrecarga de tarefas durante a jornada de
trabalho como principal fator do estresse. “A angústia por não
conseguir cumprir metas, aumentar a jornada de trabalho e levar
atividades para realizar em casa são os principais indicadores”, (Ana
Maria Rossi, presidente da ISMA-BR, 2014). Segundo o engenheiro
de soluções energéticas, Leonardo Rivetti, o descontrole do consumo
de energia deve-se ao esquecimento de eletrodomésticos ligados,
uma vez que o consumo está diretamente ligado ao tempo de uso e
a potência dissipada. Ele afirma que as pessoas saem de casa e
esquecem a televisão ligada e as luzes acesas. Mesmo em stand-by
(estado em que o aparelho elétrico, está desligado temporariamente,
porém continua recebendo energia), os aparelhos consomem
energia, 30% do valor total.
____________________
174

Ana Maria Rossi. Pesquisa: falta de tempo é principal problema que piora
nível de stress. Cidade verde. 2014. Disponível em: <
http://cidadeverde.com/pesquisa-falta-de-tempo-e-principal-problema-que-
piora-nivel-de-stress-110864 >. Acesso em: 11/nov/2014
2 Leonardo Rivetti. Cemig oferece orientações para a economia de energia

no período do verão. Agência Minas. 2014. Disponível em: <


http://www.agenciaminas.mg.gov.br/noticias/cemig-oferece-orientacoes-
para-a-economia-de-energia-no-periodo-do-verao/>. Acesso em:
11/nov/2014

As únicas referências explícitas a outros textos aparecem na introdução


do trabalho ao justificarem a importância de seu tema, ou seja, não é na descrição
dos materiais que os alunos recorreram à pesquisa de textos. O grupo consegue,
nesse excerto, destacar outras vozes no enunciado, de forma a garantir a autoria,
fugindo assim de um possível plágio, porém não atende às normas da ABNT,
conforme esperam os professores.
Por fim, segue um trecho da monografia de A3, reescrito:

Quadro 10 – duas versões de um trecho da monografia de A3 (Fonte1: monografia de A3)


Trecho da primeira versão entregue a mim, Trecho da versão entregue à banca
dos materiais e métodos examinadora, dos materiais e
métodos.
O DS1302 é um circuito integrado que a) DS1302 e DS1307: São
funciona como um relógio de tempo real deito circuitos integrados que funcionam como
?60 pela Dallas Semiconductor. Esse um relógio de tempo real. Esses
componente foi desenvolvido para funcionar componentes foram desenvolvidos para
com um baixo gasto de energia, com cerca de funcionarem com um baixo consumo de
aproximadamente 300nA e 2V. Entre suas energia. Entre suas funções, estão:
funções, estão: contar segundos, minutos, contar minutos, horas, dias, semanas,
horas, dias, semanas, dias da semana, meses dias da semana, meses e até anos. A
e até anos. Tiraram de algum lugar? Seria diferença principal entre os dois está no
interessante mostrar leitura padrão de comunicação entre mestre e
escravo. O DS1307 usa comunicação
Comentário feito no final do texto de A3, já I2C que utiliza dois fios para troca de
com o desenvolvimento acrescentado: dados. Já o DS1302 utiliza comunicação
Meninos, achei que rendeu bastante o trabalho serial com três pinos de troca de dados.
de vocês, falta formatação do texto, acredito
que farão isso no final, né? Não vi vocês
citarem no corpo do texto que tiraram
informações dos sites colocados nas
referências abaixo. Qualquer dúvida nos
comentários feitos, tiramos na quarta. Por
favor, não faltem! Abçs.

Na comparação entre as versões do texto, nota-se que o trabalho com a


linguagem do grupo de A3 direcionou-se ao conteúdo. Mesmo com meus alertas

60 As partes sublinhadas correspondem às minhas intervenções escritas


175

sobre a necessidade de explicitar as vozes do outro no enunciado, o grupo não


reescreveu o texto nesse sentido. Os alunos excluíram a marca do dispositivo
“Dallas Semiconductor”, instaurando na reescrita a impressão de autoria própria,
provavelmente com a finalidade de não serem questionados com relação à fonte de
pesquisa.

A banca examinadora

No quadro a seguir, foram selecionados os comentários dos professores


que abarcam a atividade de fazer pesquisa dos alunos, abordando as fontes, as
normas e a apropriação das informações encontradas nos textos pesquisados:

Quadro 11 – comentários dos professores da banca sobre as concepções de pesquisa (Fonte:


elaboração própria)
Grupo 1 2º. Professor (P5):
- Alertou para a falta de citação adequada
(grupo
de A1)

Grupo 2 2º. Professor (P6):


- “Usar a definição dos aparelhos de livros e não de sites, como relé, transistors”
- Sugeriu que procurassem as referências mais em livros.

Observação: durante os comentários do segundo professor, P1, que estava


sentado ao meu lado, questionou-me sobre a observação referente à seriedade
das informações que deveriam ser retiradas de livro. Ele disse que não sabe
como fazer os alunos acostumarem com essa pesquisa, e sugeriu que os
professores de língua portuguesa ficassem responsáveis por isso. Eu comentei
que isso poderia ser feito na disciplina de Projeto Integrador.
Ele apontou que não teria como não usar os textos da internet e que isso deve
variar de área para área. Respondi que acho que quando o membro da banca
fala sobre a seriedade das citações, refere-se ao fato de que deveriam ser de
artigos científicos, livros etc., pois o maior problema não foi os alunos
pesquisarem em sites, mas sim os tipos de sites, que na maioria das vezes não
eram compostos por textos científicos.

Grupo 3 1º. Professor (P5):


(grupo - “Sobre as referências, tudo o que colocar nas referências lá atrás deve ser
de A2) citado no texto”.
- “Tomar muito cuidado: citaram parte integral de texto da internet e não
citaram”.
- Salientou que aqui não será reprovado, mas que em outras situações seria
considerado plágio e o trabalho seria reprovado, que é “algo que eles devem
levar pra sempre”.

2º. Professor (P6):


- Aconselhou-os a “pegarem” referências de livros e não da internet
176

- Criticou a definição de resistor por exemplo


- Disse que faltaram definições científicas, “pega a teoria que não erra nunca”

Grupo 4 Professor 1 (P8):


(grupo - “Cuidado com as referências, faltaram referências”
de A3)
Professor 2 (P7):
- “Não cita as referências”, há problema com a padronização das unidades de
kilowats hora, por exemplo.
- Criticou a referência à Wikipédia
- Aconselhou-os a buscarem um livro da área, mesmo que usem o Wikipedia
para tirar dúvidas.
- Questionou a fonte do valor do projeto que constava no trabalho.

Nas apresentações dos quatro grupos, há comentários dos professores


sobre a atividade de fazer referências a outros textos. Alguns referem-se às fontes
da pesquisa como o problema e outros à questão normativa. No primeiro caso,
criticam as leituras realizadas pelos alunos, que tiraram as especificações dos
materiais da Internet: “Usar a definição dos aparelhos de livros e não de sites, como
relé, transistors”, “Criticou a referência à Wikipédia”; “Aconselhou-os a buscarem um
livro da área, mesmo que usem a Wikipédia para tirar dúvidas”; “aconselhou-os a
‘pegarem’ referências de livros e não da internet”; “Disse que faltaram definições
científicas”; “pega a teoria que não erra nunca”.
Nota-se que os professores partem do pressuposto de que as
informações retiradas da Internet não são válidas para o discurso científico,
orientando-os a pesquisarem em livros. Essa orientação dada, no momento da
banca, mostra novamente dimensões que ficaram escondidas no letramento, pois
deixa subentendido que os orientadores não ensinaram os alunos a encontrar as
fontes fidedignas das informações, pois provavelmente partiram da prerrogativa de
que não é preciso ensinar a fazer pesquisa, configurando, assim, a prática
institucional do mistério.
O alerta sobre a wikipédia poder ser consultada apenas “para tirar
dúvidas” dialoga com a atitude dos alunos na reescrita do texto, ao excluírem a
marca do material utilizado, pois tanto a marca quanto a referência à wikipédia
denunciariam as reais fontes da pesquisa.
Vale retomar a observação feita nas anotações sobre o grupo 2:
177

Observação: durante os comentários do segundo professor, P1, que


estava sentado ao meu lado, questionou-me sobre a observação
referente à seriedade das informações que deveriam ser retiradas de
livro. Ele disse que não sabe como fazer os alunos acostumarem
com essa pesquisa, e sugeriu que os professores de língua
portuguesa ficassem responsáveis por isso. Eu comentei que isso
poderia ser feito na disciplina de Projeto Integrador.
Ele apontou que não teria como não usar os textos da internet e que
isso deve variar de área para área. Respondi que acho que quando o
membro da banca fala sobre a seriedade das citações, refere-se ao
fato de que deveriam ser de artigos científicos, livros etc., pois o
maior problema não foi os alunos pesquisarem em sites, mas sim os
tipos de sites, que na maioria das vezes não eram compostos por
textos científicos.

Na verdade, há então uma dificuldade dos professores da área técnica


em ensinar os alunos a pesquisar na Internet, o que na visão de P1, poderia ser de
responsabilidade do professor de Língua Portuguesa. No entanto, quando pensamos
em inserir os alunos nessa prática social de letramento, é necessário que os
professores da área técnica, sobretudo pela posição de poder que ocupam, também
participem do processo. Além disso, a pesquisa está ligada à concepção do gênero,
à identidade discursiva dos participantes e à esfera da enunciação, que, no caso,
aplicam-se à área de Automação Industrial.
Quando entrelaçamos as vozes presentes nessa prática de letramento
ficam claros alguns conflitos: (i) segundo os alunos, os professores pediram que eles
pesquisassem TCCs, dissertações e teses, na Internet; (ii) eu orientei-os a pesquisar
na Internet por mecanismos de buscas de artigos acadêmicos e indiquei um livro
sobre metodologia de pesquisa da biblioteca, porém, pelo visto, a minha orientação
não atendeu à necessidade dos alunos de encontrar as especificações dos materiais
utilizados no projeto, conforme esperado pela banca; (iii) na banca examinadora, os
professores dizem aos alunos que deveriam ter pesquisado em livros, e não na
Internet.
Além das críticas às fontes de pesquisa, os professores salientam a falta
de referências explícitas (heterogeneidade mostrada) a outros textos em obediência
às normas científicas, conforme as seguintes anotações e falas: “Não cita as
referências”; “Sobre as referências, tudo o que colocar nas referências lá atrás deve
ser citado no texto”; “Tomar muito cuidado: citaram parte integral de texto da internet
e não citaram”. “Salientou que aqui não será reprovado, mas que em outras
situações seria considerado plágio e o trabalho seria reprovado, que é ‘algo que eles
178

devem levar pra sempre’”. Logo, há referências a outros textos, mas não de forma
explícita, nem a textos validados pelos professores. Os alunos intercalam vozes no
discurso, porém não da forma esperada pelos professores, pois não respeitam as
normas de escrita de texto científico ou ainda nem sequer fazem referência alguma.
Por isso, um dos professores faz um alerta sobre a questão do plágio no discurso
científico, porém com ressalva, quando relativiza a gravidade do “copiar e colar” no
contexto específico, pois ali os alunos não seriam punidos, diferentemente de em
outros contextos, corroborando a concepção da escrita de monografia no ensino
médio constituir-se apenas como um ensaio para a escrita científica.
Os modos de fazer as citações nos textos foram explicados durante as
aulas de LP, porém não foram suficientes para o letramento dos alunos nessa
prática, mostrando que o ensino deixou aspectos ocultos do letramento.
Diante disso, pode-se concluir que a atividade de articular as vozes no
discurso é complexa e ultrapassa questões formais de língua, por isso precisa ser
sistematicamente ensinada e promovida pela inserção gradativa dos alunos nas
práticas sociais de letramento que a exigem.
179

CONSIDERAÇÕES FINAIS

(...) em qualquer instituição, até as mais inflexíveis e sedimentadas,


há espaço para mudar, no dia a dia, situações que parecem
imutáveis, pois os contextos não estão já dados; os participantes na
interação criam, de fato, contextos de ação (KLEIMAN, 2006, p. 25).

Como dito na introdução desta tese, inicialmente o foco da pesquisa era a


mediação do professor de Língua Portuguesa na escrita de uma monografia
orientada por professores da área técnica no ensino técnico/médio, após um estudo
das condições de produção, feito por meio do contato com as vozes dos professores
e alunos participantes, a fim de discutir sobre os resultados da intervenção. Todavia,
o enlace das vozes presentes na prática de letramento criou conflitos, os quais nos
dizem muito sobre essa prática, transferindo o foco da investigação para a
compreensão do conjunto das práticas envolvidas na escrita, sem desconsiderar, é
claro, minha mediação, uma vez que ela faz parte dos diálogos entre os sujeitos.
Nesse sentido, procurei mostrar como o aluno se encontra e reage em
meio a esses embates de vozes, ou melhor, como ele se forma nesse nível de
complexidade, em nível de discursos, por meio dos conceitos de gênero, de
letramento, de ensino de língua e de pesquisa trazidos pelos sujeitos envolvidos na
prática de letramento, os quais direcionaram a análise e formaram as categorias
trabalhadas.
Ao optar pela análise dialógica, tal como advoga Bakhtin, tomei a escrita
da monografia como resultado das respostas aos diálogos travados, dentre outros,
com os professores envolvidos. E é justamente desse mosaico dialógico que
emergiram conflitos, dimensões ocultas do letramento, prática institucional do
mistério e relações intergenéricas, servindo como subsídios para refletir sobre o
ensino da escrita da monografia.
Baseei a análise no modelo dialógico dos letramentos acadêmicos, para
discutir os movimentos dialógicos realizados pelos alunos e mobilizados pelos
professores, em três instâncias: diálogo entre os enunciados, diálogo entre a
alternância de vozes no enunciado e diálogo entre os sujeitos. Este último resume a
análise, pois nele se encontram as vozes dos sujeitos da pesquisa, enquanto os dois
primeiros foram mencionados nas três categorias de análise, como por exemplo,
180

quando analisei a abordagem desses diálogos nas minhas aulas ou quando observei
como os alunos os levaram em consideração na escrita.
Foram, então, construídas três categorias de análise emergentes dos
enlaces das vozes e do reconhecimento de conceitos presentes em todas elas.
Nessas categorias, foram trazidas as vozes dos professores da área técnica, a partir
de diferentes posicionamentos discursivos (professores da disciplina, orientadores e
membros da banca), minha voz, nas aulas e nas intervenções escritas, e as dos
alunos, nas entrevistas e nos textos. Os textos nos ofereceram indícios sobre como
os alunos se posicionam em meio aos conflitos de vozes dos mediadores do
letramento, às relações de poder e às lacunas deixadas pelo ensino da monografia.
Como minhas considerações finais, resumo os conflitos advindos do
cruzamento das vozes e faço uma reflexão final sobre o antes e o depois da
pesquisa-ação, por meio das impressões resultantes da minha observação
participativa. Relembro que as categorias abordaram (1) a concepção da
monografia, função social do gênero e identidade discursiva dos participantes; (2)
concepções de letramento, de linguagem e de ensino de língua; (3) concepções de
pesquisa e a escrita da monografia.

Primeiro conflito

A partir das vozes dos professores e alunos descobrimos que os temas


das monografias partem de projetos de automação e controle residenciais e não
industriais como prevê o direcionamento do curso (Automação Industrial),
interferindo na construção da identidade dos estudantes com relação à formação
profissional.
A escolha do gênero discursivo do Trabalho de Conclusão de Curso foi
arbitrária, pois não partiu de uma discussão do corpo docente sobre os propósitos
da escrita da monografia no ensino técnico/médio, nem levou em consideração os
objetivos dessa modalidade de ensino. Por conseguinte, o significado conferido
pelos professores à monografia é o de preparação para o ingresso no ensino
superior, ofuscando sua dimensão social e o caráter situado das práticas de
letramento, defendido pelos estudiosos dos NEL e dos Letramentos Acadêmicos.
Isso desmotiva a maioria dos alunos, que veem a escrita apenas como um requisito
a ser cumprido e não se convencem da função do gênero apontada pelos
181

professores (os da área técnica e eu). Outro agravante da desmotivação e do


apagamento da função social do gênero é o fato de alguns deles não pretenderem
seguir a carreira de técnico em Automação Industrial.
Quando nós, professores, classificamos o texto como “próximo a um texto
científico”, deixamos indefinido, tanto para nós mesmos, quanto para os alunos, o
que esperamos dessa escrita. Essa indefinição também está atrelada a questões
identitárias dos professores, que, assim como os estudantes, na sua maioria, não
estão engajados em práticas acadêmicas de escrita e, à medida que ingressam no
mestrado, ou interagem com os professores mestrandos, alteram o nível de
exigência com relação às questões escriturais das monografias.
Quando os professores da área técnica decidiram mudar o gênero do
TCC para um trabalho escrito, emprestaram características do relatório, prática
solicitada durante o período de estágio e no ambiente profissional dos professores
que trabalham ou trabalharam na indústria. Não podemos dizer que se trata de um
relatório porque, segundo os professores entrevistados, não se assemelha aos
relatórios escritos no ambiente de trabalho, mas também não é uma monografia
como as produzidas nas ciências humanas, por exemplo, pois não se exige um
levantamento teórico. Decorrente da análise dos dados, presumi tratar-se de um
relatório de uma experiência prática. Os professores cobram dos alunos citações
científicas, típicas de monografia e dizem que é um relatório com formato científico.
O primeiro conflito encontra-se, assim, na concepção do gênero: um texto
com características de um trabalho cientifico, mas não o é, é um relatório, mas não
só um relatório. Nota-se que o primeiro passo para o ensino de um gênero
escolar/acadêmico é definir, respeitando seu aspecto dinâmico e relativamente
estável, sua concepção entre os professores envolvidos, neste contexto específico,
já que os contextos são diversos, pois “cada sociedade se organiza por práticas
sociais que definem um conjunto de atividades a desempenhar, e essa organização
social é diferente de lugar pra lugar, de época histórica pra época histórica, de
cultura para cultura” (BUNZEN, 2006, p. 154).
Minhas aulas mostraram que eu não tinha consciência das práticas ali
presentes, nem dos diálogos que deveriam ser estabelecidos, apesar das entrevistas
realizadas antes da minha intervenção. Tinha as mesmas dificuldades dos
professores da área técnica em elucidar os aspectos necessários do letramento para
182

orientação da escrita, deixando-lhes, muitas vezes, essa responsabilidade, devido


ao poder instaurado, pelo contexto, a esses professores.
A análise confirmou a flexibilidade dos gêneros, até mesmo advindos de
uma esfera da comunicação bastante homogeneizadora, que é a esfera acadêmica,
ao mostrar que as concepções do gênero variam conforme os contextos. Portanto,
ao ensinar um gênero na escola, não levar em consideração suas especificidades,
seu caráter flexível e seu contexto de produção, implica optar por um

esquema mecânico e autônomo priorizado nas escolas em relação


às práticas de leitura e produção de texto [o que] não faz com que os
alunos se insiram nesse jogo complexo de produção de sentidos. Se
defendermos que as práticas sociais e as atividades de linguagem
são múltiplas e heterogêneas, resta-nos (re)pensar nossa prática de
letramento escolar, que normalmente enfatiza o UNO e o homogêneo
(BUNZEN, 2006, p. 151)

Segundo Kleiman (2006, p. 26), “a atuação bem-sucedida nas instituições


requer o conhecimento das práticas específicas dessas instituições, concretizadas,
ou atualizadas, nos eventos, que são discursivos, envolvendo usos da linguagem
mediados pelos gêneros discursivos”. Dessa forma, a caracterização do gênero
interfere diretamente no seu processo de ensino-aprendizagem, pois, como vimos,
todas as relações dialógicas submetem-se ao gênero, tais como, o diálogo
estabelecido entre os interlocutores projetados, o diálogo entre os enunciados da
mesma esfera da comunicação e o diálogo interno das vozes que compõem o texto.
Desse modo, a concepção do gênero deve estar explícita aos alunos, pois só assim
podem aprender a fazer pesquisa, a apropriar-se do discurso do outro e a inserir a
própria voz no enunciado, em atendimento a esse gênero específico e suas relações
dialógicas, respeitando seus aspectos dinâmicos, os quais também devem ser
discutidos.

Segundo conflito

Foi possível interpretar as concepções de letramento subjacentes às


relações dialógicas envolvidas no processo da escrita da monografia. A concepção
de letramento dos professores parte do modelo autônomo, quando não consideram
a escrita da monografia uma prática social situada, distinta das outras práticas de
183

leitura e escrita mobilizadas pela escola de nível técnico/médio. Eles partem da


prerrogativa de que as aulas de Língua Portuguesa deveriam instrumentalizar os
alunos para a escrita dos gêneros exigidos nas suas disciplinas, pois acreditam na
transferência neutra das habilidades de escrita de uma prática para outra, conforme
o modelo das habilidades (LEA; STREET, 2006). Tal concepção de letramento não
causa estranheza, pois, segundo Kleiman (1995, p. 44), com base em resultados de
pesquisas, “o modelo que determina as práticas escolares é o modelo autônomo de
letramento, que considera aquisição da escrita como um processo neutro”.
Da voz dos alunos nota-se o reconhecimento de que o letramento vindo
das outras práticas na escola não é suficiente para o letramento novo, porém não há
a ciência das especificidades do gênero solicitado, por não estarem familiarizados
com o letramento novo.
Para os alunos, o objeto de ensino do professor de LP deveria ser a
linguagem técnica, que para eles, resume-se à impessoalidade atribuída ao
discurso, por meio do posicionamento enunciativo feito na terceira pessoa.
Consequentemente, assim como nós professores, eles não reconhecem as
dimensões do letramento que deveriam ser trabalhadas, quais sejam: como fazer
pesquisa, como ler os textos científicos, como se apropriar da palavra do outro,
como alternar as vozes no enunciado e outras.
A concepção de ensino de língua dos professores da área técnica é
pautada na visão de que essa tarefa é de pura responsabilidade do professor de LP.
Os dados mostraram a visão da disciplina de LP como um “ambulatório” para “curar”
os problemas de escrita, cujas práticas recaem em aspectos normativos de língua e
na escrita de redação, alheia ao dialogismo e ao gênero discursivo, confirmando um
ideário bastante comum sobre a nossa prática. Essa ideia não permite o
reconhecimento nem da complexidade do trabalho do professor de LP, nem do
nosso objeto de ensino, dificultando um trabalho efetivamente integrado para auxiliar
os alunos na escrita da monografia.
Como já citado na análise, essa concepção de ensino de língua vem de
uma construção histórica da prática do professor de LP, a qual, com certeza, não se
limita aos nossos sujeitos de pesquisa. Bunzen (2006) faz um breve histórico sobre o
ensino de escrita na disciplina de LP. Seu objeto já foi centrado na gramática e
184

leitura, depois na composição e na redação escolar. Assim, as crenças com relação


a nossa prática justificam-se histórica e culturalmente61.
Embora tenha ficado explícito que minha intervenção procurou responder
às demandas dos professores da área técnica, parecendo que busquei um conceito
fixo de monografia para ser trabalhado, de forma que minha abordagem do gênero
tenha recaído na sua estrutura composicional, houve várias tentativas de mostrar o
caráter situado da escrita da monografia e os diálogos que a perpassam, permeados
por relações de poder, ao apontar os sujeitos envolvidos como os determinantes do
gênero e ao relativizar algumas regras nesse sentido. Muitos aspectos do letramento
ainda permaneceram ocultos, quando não consigo explicitar os sentidos das
determinações desses sujeitos, visto que dependiam da interdisciplinaridade entre a
minha prática e a dos professores da área técnica.

Terceiro conflito

Nas entrevistas, nem os professores, nem os alunos reconhecem a


dificuldade em fazer pesquisa. Os primeiros citam dificuldades como: ensinar os
alunos a integrar o conhecimento adquirido nas disciplinas, a descrever
detalhadamente a experiência prática, a utilizar adequadamente as normas da
ABNT. Já os alunos acreditam que o problema está em colocar o texto na terceira
pessoa e utilizar a linguagem técnica. Assim, os professores da área técnica
reproduzem a prática institucional do mistério, quando partem do pressuposto de
que os alunos já sabem fazer pesquisa, não sendo necessário ensiná-los.
Nas minhas aulas, reproduzi tal prática ao deduzir que ensinar os alunos
a pesquisar era de responsabilidade de seus orientadores. Além disso, não houve
consenso dos mediadores do letramento nas orientações sobre a atividade de
pesquisar.
Minhas aulas partiram do pressuposto de que os alunos sabiam fazer
pesquisa, mostrei-lhes os sites de busca de artigos, dissertações e teses e expliquei-
lhes como fazer as citações desses textos, porém minha explicação centrou no
aspecto formal, sem reconhecer a complexidade de se intercalar as vozes, no caso

61 Sobre o trajeto histórico da disciplina de Língua Portuguesa, Cf. Pietri (2010)


185

da citação direta, e a de apropriar-se de uma ideia, dizer “com as suas palavras” e


articular essa ideia com as outras vozes ali presentes, no caso da citação indireta.
Encontra-se nisso, dois entraves: o primeiro é que os sites de busca não
eram as ferramentas necessárias para os alunos encontrarem as especificações dos
materiais utilizados nos projetos; segundo, as regras de citações não bastam para os
alunos articularem as vozes no enunciado, entraves, que, aliás, tem conexão direta
com a concepção do gênero, nesse contexto de escrita.
A pressuposição da transparência da prática da escrita científica é comum
em contextos de letramento acadêmico como comentado no referencial teórico e
essa experiência chama atenção para a necessidade de se ensinar a prática de
retextualização de uma ideia contida em um texto, assim como a articulação das
vozes no discurso científico.
Quanto à heterogeneidade mostrada, os alunos tinham consciência da
necessidade de fazer as referências das fontes de pesquisa, foram alertados sobre
plágio, ainda que rapidamente, pelo menos por mim, sabiam da condenação do
“copiar e colar” na escrita científica, porém não obedeceram às orientações dos
professores.
Os alunos não estão acostumados a levar em consideração a
sociointeração, nem a natureza dialógica da linguagem ao escrevem textos
escolares. Para a escrita acadêmica, cujos gêneros são tão específicos dos
contextos, pois, na sua dinamicidade, são moldados e remodelados historicamente
pela ação dos sujeitos, considerar a interação e os diálogos é essencial para se
atingir a adequação da linguagem, tão citada ao tratarmos de ensino de língua
(CORRÊA, 2006b).
As expectativas dos professores não são atingidas, porém não são
explicitados os aspectos responsáveis pela quebra de expectativa, instaurando,
nesse processo, a prática institucional do mistério, por meio da qual eles também se
constituíram como produtores de textos científicos durante sua formação. Para eles,
são as inadequações referentes a aspectos formais de uso da linguagem que
deixam os textos aquém das características do gênero solicitado, porém os próprios
professores mostram, em seus discursos, que é a falta de engajamento na prática
social situada de escrita acadêmica a responsável pelas dificuldades dos alunos.
Os professores dão pistas de dois fatores que agravam esse
engajamento: 1) os alunos devem integrar os saberes mobilizados durante todo o
186

curso para aplicá-los a um projeto de automação e controle, mas não é de forma


integrada que os saberes são trabalhados pelas disciplinas, ficando sob a
responsabilidade dos alunos relacionarem as disciplinas fragmentadas, dentre elas a
de LP, e 2) os alunos devem articular as vozes no enunciado, incluindo a sua própria
voz, porém não se constituem como sujeitos discursivos do gênero científico, já que
esse processo encontra-se, ainda, em construção. Destarte, ao contrário do que os
professores acreditam, os aspectos formais do texto não determinam como os
sujeitos utilizam seu conhecimento sobre a escrita, mas seu engajamento em uma
prática social (KLEIMAN, 1995).

A pesquisa-ação

Ao compor um mosaico das práticas de letramento acadêmico envolvidas


na escrita da monografia, pude interpretar o que os enlaces das vozes dizem sobre
essa escrita, neste contexto específico, mas ilustrativo de muitos outros, pois se trata
de um contexto micro que se amplia para outros contextos. Vi que o lugar sócio
discursivo do aluno é constituído em meio a conflitos de vozes e a relações de poder
e meu lugar parece não se distinguir do ocupado pelos alunos, pois é paralelo ao
dos professores da área técnica, quem detém o poder, nesse evento de letramento.
Tais relações são definidas institucionalmente e, nesse caso analisado,
pela forma que são organizadas as disciplinas e pela concepção de projeto
integrador aí formada. A minha participação, por exemplo, constituiu o contexto da
escrita da monografia, mas apenas ocorreu pela pesquisa realizada, já que antes o
professor de LP não se envolvia no processo, devido à organização curricular do
curso e pela forma como foi escolhido o gênero do TCC (apenas com a participação
dos professores da área técnica).
Há várias demarcações das relações de poder no contexto da produção
da monografia: 1) eu não sou convidada a participar da banca como profissional da
linguagem, embora aspectos de linguagem sejam abordados naquela; 2) os
professores não veem a complexidade do meu trabalho como professora de Língua
Portuguesa; 3) minhas aulas, apesar de ter o objetivo de atender às demandas dos
professores, ocorrem de forma paralela, uma vez que não há interlocução entre
aquilo que proponho como construção de texto e aquilo que eles esperam como
resultado disso; 4) em diversos momentos, as orientações dadas por mim não são
187

atendidas pelos alunos, ou ainda, quando são, são criticadas pelos membros da
banca e 5) parte de mim mesma o discurso que constrói as relações de poder,
quando torna recorrente, nas minhas aulas, a subordinação das escolhas linguístico-
discursivas às concepções dos professores, constituindo-os como os interlocutores
supremos do enunciado, colocando-os na posição de definidores do gênero. As
relações de poder institucionalizadas também reconhecidas no meu discurso
explicam a distinção dos alunos no atendimento às minhas orientações e a dos
professores da área técnica.
Após essas constatações, é de extrema importância destacar o antes e o
depois da pesquisa-ação que, resumindo, parte de uma insatisfação com a própria
prática, intervenção no processo e análise dos resultados. Acredito que o resultado,
neste caso, seja a própria compreensão da prática de letramento, pois oportuniza
reflexões e remodelações das práticas futuras.
A reflexão sobre minha mediação e a compreensão do contexto só foram
possíveis porque fiz parte do processo de doutoramento, o que não ocorreria se
estivesse imersa na minha prática cotidiana. Por isso, acredito valer a pena
mencionar aqui a relevância dos programas de pós-graduação que buscam
compreender as práticas de ensino-aprendizagem dos nossos objetos de ensino,
para o professor em constante formação.
É evidente a diferença do olhar para a minha prática de quando estava
imersa nela (na geração dos dados), entrevistando os sujeitos da pesquisa e, ao
mesmo tempo, ou quase logo após, interferindo no processo, de quando, após
transcrição dos dados e amadurecimento do referencial teórico, retomei os dados. O
olhar é outro, o distanciamento, por mais subjetivo que seja observar um contexto do
qual também faço parte, possibilita enxergar dimensões que, durante nossa prática
docente cotidiana, não são percebidas, devido à organização das atividades
docentes e até mesmo à própria imersão na prática. Esse aspecto da pesquisa-ação
promoveu reflexões que, durante a análise dos dados, já me permitiram rever a
minha intervenção.
Da análise dos ruídos que foram se criando no diálogo entre as vozes, foi
possível, ciente das minhas limitações, reelaborar minhas crenças e minhas
abordagens de ensino da escrita da monografia. Não adiantava ensinar aos alunos
como fazer citações de acordo com as normas da ABNT, se ainda não sabiam fazer
pesquisa para o gênero ali solicitado, ou seja, ative-me a lidar com a escrita quando
188

era a leitura a questão primordial. Aliás, a atividade de fazer citações de textos não
se resume a uma atividade de escrita, mas também se trata de uma atividade de
leitura.
Intervi no final do processo, porque pressupus que a parte prática já
estaria pronta, porém era justamente aí, na descrição dos materiais, na intercalação
de vozes, que os alunos mais precisavam de ajuda. Questões como a concepção do
gênero, autoria, projeto de dizer, interlocutor(es) deveriam ter sido sobrepostas à
estrutura composicional do gênero. Esses fatores não seriam descobertos sem a
pesquisa-ação.
O viés da observação dos dados quando essa é participante, conforme
pressupõe a pesquisa-ação, possibilita sermos mais solidários com os outros
sujeitos envolvidos na prática, do que quando apenas a observamos. Se
entrevistasse os professores, sem também mediar o letramento, minha pesquisa se
resumiria a contrapor as concepções de letramento, de ensino de língua e de
pesquisa desses professores, porém minha participação elucidou lacunas nas
minhas concepções e na minha prática como professora. Vi que alguns dos aspetos
do letramento permaneceram ocultos nas minhas aulas, que também algumas vezes
foram constituídas pela prática institucional do mistério, quando pressupus
conhecimentos dos alunos.
Outra impressão importante sobre minha mediação que pode se estender
a outros contextos é a respeito do acolhimento dos alunos. Durante as aulas sobre a
monografia, foi nítido o interesse deles, em comparação com os outros conteúdos da
disciplina. As diferenças, captadas tanto presencialmente quanto nos vídeos, foram
percebidas na interação, pois aumentou o número de perguntas, e no
comportamento (atenção, silêncio durante as explicações). Pareceu-me que a
tensão de escrever um texto obrigatório para conclusão do curso, famoso por ser
temido por alunos de graduação, trouxe uma motivação maior, ainda que extrínseca,
para aprendizagem desse objeto. Portanto, apesar das limitações, presentes em
qualquer processo de ensino-aprendizagem, é importante ressaltar que os alunos
aceitam e querem orientação quando se encontram em dificuldade. A minha ajuda
em nenhum momento precisou ser imposta e houve, inclusive, solicitação dos alunos
de que eu participasse da banca examinadora, talvez por reconhecerem meu lugar
social, igual ao deles e paralelo aos dos professores da área técnica.
189

Por fim, como os textos dos alunos foram resultados de relações


dialógicas, sendo uma delas a minha mediação e, logo, esses textos refletem os
resultados da minha prática, avaliar os textos é também avaliar a minha prática e a
dos outros mediadores do letramento.
Antunes (2006), ao discutir a avaliação da produção textual no ensino
médio, sugere

“Uma avaliação significativa, cujos resultados retornam à sala de


aula, para guiar, orientar o professor na continuidade de seu
trabalho, em função das necessidades evidenciadas; o significado
maior da avaliação é permitir a professores e alunos visualizarem as
condições da aprendizagem em curso para tomarem futuras
decisões; na verdade, o compromisso maior da escola é com o
ensino, um compromisso ético, acima de tudo, com o
desenvolvimento, a solidariedade e a justiça social” (ANTUNES,
2006, p. 176).

Assim, espera-se que os resultados da avaliação dos textos dos alunos,


reflexos das nossas práticas, possam retornar à sala de aula, após evidenciados os
diversos conflitos existentes na prática de escrita de monografia no ensino
técnico/médio, a fim de fugirmos do discurso do déficit do letramento, discurso que
impulsionou esta pesquisa, historicamente marcado pelos comentários de que os
alunos não sabem escrever. Aliás, discurso mantido após as bancas, entre seus
membros, durante as conversas de corredores.
No lugar do discurso do déficit, nós professores, não apenas os de língua
materna, agentes do letramento que somos, devemos conhecer profundamente
nosso contexto de atuação e a comunidade escolar (esfera da atividade humana), a
fim de agirmos com intuito de transformação, finalidade da avaliação, visto que

as respostas que eles [os alunos] dão às tarefas escolares são


sempre contextualizadas, isto é, são as melhores respostas que
podem ser dadas em função da situação em que se encontram, de
suas capacidades específicas, da análise que fazem dessa situação.
São as tomadas de posições, constitutivas da compreensão da
linguagem, que já envolvem uma resposta ativa (KLEIMAN, 2006, p.
26)

A participação efetiva nas práticas sociais é determinada pela


familiaridade com o gênero discursivo que se deve usar. Mas quem determina se o
indivíduo soube, ou não, usar o gênero adequadamente? Houve aspectos da escrita
190

da monografia que ficaram aquém das expectativas dos professores quanto ao


gênero solicitado, porém nenhum aluno foi reprovado. Tais aspectos não impediram
a participação dos alunos na prática social, mostrando-nos que quem legitima ou
desvalida um gênero discursivo são os participantes dessa prática, detentores do
poder, neste caso, os professores.
É possível perceber que, na carência da familiaridade com o gênero
discursivo e dentro do que foi fornecido pelo contexto de produção da monografia,
os alunos utilizaram estratégias para escreverem-na com base em relações
intergenéricas, já que emprestaram recursos e posicionamentos discursivos de
outras práticas escolares.
Kleiman (2006) discute a possibilidade de se participar em um evento sem
conhecer os gêneros da esfera social, porém ressalta as possíveis consequências
negativas decorrentes da falta de familiaridade com os usos da linguagem, como por
exemplo, pode acarretar na ilegitimidade da participação, ou pode afetar a
autoestima e confiança de quem enuncia. “Daí a importância da familiaridade com a
prática social, da posse daqueles saberes que permitem agir numa instituição”
(KLEIMAN, 2006, p. 27).
Se os alunos não dominam o gênero mediador do Trabalho de Conclusão
de Curso, mas, mesmo assim, os professores não os reprovam é porque essa
prática precisa ser revista e rediscutida, não só no âmbito do seu ensino, mas
também por sua real importância no ensino técnico/médio. Os professores decidiram
alterar o gênero do TCC, para um trabalho científico escrito, porém concebem a
monografia no ensino técnico/médio como algo próximo de um texto científico, o que
também incita questionamentos sobre a sua escolha.
Por fim, acredito que os textos dos alunos refletem o trabalho dos
mediadores do letramento e evidenciam conflitos, os quais não podem ser
ignorados. Ao contrário, o que os textos nos dizem pode servir de parâmetro para
condução do seu ensino (ANTUNES, 2006) e para rediscussão das decisões
institucionais referentes às práticas mobilizadas na escola, visto que elas fazem mais
sentido com a participação consciente e crítica dos alunos.
191

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198

APÊNDICES
Apêndice 1 – quadro completo com as anotações feitas, em diário de campo, da banca examinadora
(Fonte: elaboração própria)
Grupo de A1 1º. Professor (P4):
Observação sobre a - “Faltou um esquema da ilustração do processo de captação da
apresentação oral: chuva”
Começaram a - Falou que o texto estava bom, pois teve começo meio e fim.
apresentação com a - Comentou sobre a informalidade gerada pelo uso da primeira pessoa
pergunta de pesquisa, do plural
falaram que foi essa
pergunta que os 2º. Professor (P5):
impulsionou a fazer o - Achou o trabalho “legal”, ficou sem entender o tamanho da caixa
trabalho, falaram que d´agua.
durante a apresentação - Disse que fez anotações referentes ao texto, inclusive sobre o uso da
iriam responder a tal primeira pessoa do plural.
pergunta. Fizeram um - Citou a falta de citação adequada
tópico sobre metodologia
Quantitativa, experimental Orientador (P1 na transcrição da entrevista):
Todos falaram muito bem - Perguntou sobre o objetivo, se foi cumprido, se poderia ser feito na
prática.

Grupo 2 1º. Professor (P4):


- Disse que o trabalho se propunha a resolver um problema de difícil
Observação: iriam fazer solução
uma simulação durante a - Criticou o fluxograma que o grupo apresentou
apresentação, mas não - Fez críticas referentes ao conteúdo técnico
restou tempo. - Falou sobre o custo dos materiais
- Não falou sobre a escrita

2º. Professor (P6):

- Parabenizou as alunas, falou que o trabalho foi interessante e


pertinente ao curso.
- Considerações: “TCC é um trabalho científico, tem um rigor maior
que os outros trabalhos entregues ao longo do curso, tenha um
cuidado com a formalidade do trabalho”
- Fez uma série de anotações e alertou que seria interessante fazer a
correção.
- “Usar a definição dos aparelhos de livros e não de sites, como relé,
transistors”
- Fez perguntas sobre a parte técnica: como elas fariam se acabasse a
energia elétrica, sugerindo que acrescentassem essa resposta no
trabalho.
- Sugeriu que procurassem as referências mais em livros.

Orientador (P3 na transcrição da entrevista):


- Elogiou as meninas, falou para reescrever a parte escrita.
- Criticou a unidade de milésimos de reais, que se separa com vírgula
e não com ponto.

Observação: durante os comentários do segundo professor, P1, que


estava sentado ao meu lado, questionou-me sobre a observação
referente à seriedade das informações que deveriam ser retiradas de
livro. Ele disse que não sabe como fazer os alunos acostumarem com
essa pesquisa, e sugeriu que os professores de língua portuguesa
ficassem responsáveis por isso. Eu comentei que isso poderia ser feito
na disciplina de Projeto Integrador.
199

Ele apontou que não teria como não usar os textos da internet e que
isso deve variar de área para área
Respondi que acho que o que o membro da banca quis dizer foi sobre
a seriedade das citações, que deveria ser de artigos científicos, livros
etc, e que o maior problema não foi que os alunos retiraram os textos
de sites, mas sim a fonte desses sites, que na maioria das vezes não
eram compostos por textos científicos

Grupo 3
(grupo de A2) 1º. Professor (P5):
Observação sobre a
apresentação oral: - Criticou o uso do uso da primeira pessoa do plural
Também aproveitaram a - Apontou uma correção de vírgula, falando que seria melhor eles
pergunta de pesquisa na analisarem, pois ele não é professor de português.
apresentação, na - Falou sobre explicações desnecessárias de termos bastante próprios
conclusão, procuraram já da área e conhecidos.
respondê-la, projetaram - Criticou as figuras sem uma apresentação, uma citação, sendo
nos slides. colocado de forma direta.
Utilizaram a terminologia - Criticou as tabelas, que deveriam conter todos os dados em uma só,
da metodologia de para não precisar ficar comparando, que ficaria mais fácil de
pesquisa trabalhada nas compreender
aulas de LP. - Deveria colocar a economia de dinheiro em porcentagem
Usaram a pesquisa - Faltou revisão do texto, releituras, pois havia partes mal escritas
documental. - “Evitar o uso de talvez”
- Falou sobre termos inadequados, iteração (certo, termo técnico) em
vez de interação
- “Sobre as referências, tudo o que colocar nas referências lá atrás
deve ser citado no texto”.
- “Apêndice é do trabalho, anexo não é”
- Criticou o apêndice que está muito jogado
- Deu intervenções com relação aos dados coletados também, sobre
possíveis futuros trabalhos, que eles poderiam fazer uma outra conta
para calcular o tempo gasto no banheiro, ou seja, que poderiam
incrementar com dados
- “Tomar muito cuidado: citaram parte integral de texto da internet e
não citaram”. Salientou que aqui não será reprovado, mas que em
outras situações seria considerado plágio e o trabalho seria reprovado,
que é “algo que eles devem levar pra sempre”.
- A apresentação foi tranquila, falaram bem
- Deu sugestão sobre a apresentação oral, que eles leram no começo
e que não é bom fazer isso, aliás, que nunca deve ser feito.

2º. Professor (P6):

- “A apresentação foi mais rica do que o trabalho escrito, falaram


coisas na apresentação que não têm no trabalho. Devem ter esse
cuidado, o que se fala tem que ter no trabalho, ou seja, o trabalho tem
que ser feito com cuidado”
- “Cuidado com a linguagem técnica, dados técnicos, que devem ser
padronizados”.
- “Puseram que o trabalho está organizado em capítulos e não está,
está em itens, devem decidir e padronizar”.
- Pediu que os alunos arrumassem as fontes das figuras
- Aconselhou-os a “pegarem” referências de livros e não da internet
- Criticou a definição de resistor por exemplo
- Disse que faltaram definições científicas, “pega a teoria que não erra
nunca”
- Apontou que havia “correções de português” a fazer.
200

- Falou que a pergunta de pesquisa era muito interessante, porém eles


responderam na apresentação oral e não no trabalho escrito. “É
essencial que coloquem no trabalho”
- Disse que o trabalho é relevante, interessante, “precisam valorizar
mostrando dados concretos da economia de energia possível”.
Perguntou: “Já que o sistema não é novo, por que não é tão usado em
todo lugar?”
Sugeriu que poderiam abordar no trabalho os pontos negativos e
possíveis soluções, como por exemplo “se uma borboleta entrar, a luz
fica acesa a noite inteira”.
- “O trabalho ficou interessante e foi uma pena não ter tido tempo de
fazer o protótipo”.

Orientador (P3 na transcrição da entrevista):

- Disse que o Titulo estava muito longo e deveria modificar, já que


apareceu duas vezes a palavra automação.
- Apontou que seria interessante apresentar o protótipo para as
pessoas da plateia verem
- “Há erros de português”
- “Tabela com informação inútil”
- Criticou vários pontos, questionando os alunos, como se estivesse
orientado na hora da banca.

Grupo 4 Professor 1 (P8):


(grupo de A3)
- Parabenizou o trabalho, foi bem executado, “bem legal”
Observação: - Apontou questões de formatação
Começaram com a - “Cuidado com as referências, faltaram referências”
pergunta de pesquisa.
Professor 2 (P7):

- Parabenizou pelo trabalho


- Disse que a “parte do português ficou devendo”, uso da primeira
pessoa, linguagem coloquial, precisa ser mais técnica
- “Não cita as referências”, há problema com a padronização das
unidades de kilowats hora, por exemplo.
- Falou que a formatação das referências bibliográficas estava fora do
padrão.
- Criticou a referência ao wikipedia
- Aconselhou-os a buscarem um livro da área, mesmo que usem o
wikipedia para tirar dúvidas.
- Questionou o tipo de programa usado na simulação
- Disse que faltou uma apresentação no hardware, mas reconheceu
que não tinha como por falta de aparelhos na escola.
- Faltou uma análise do que tem no mercado e no que o produto deles
seria melhor.
- Questionou a fonte do valor do projeto que constava no trabalho.
- “Faltou incluir o custo da instalação da central”
- “Faltou demonstrar dados que puseram no texto”

Orientador (P4):

- Elogiou o grupo, dizendo que o projeto foi bem “diante dos percalços
que não conseguiram resolver.”
- Disse que o papel do orientador foi apenas mostrar o caminho, eles
fizeram tudo sozinhos. Parabenizou-os
201

Apêndice 2 - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Fonte: elaboração própria, de acordo


com as normas do CEP)

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Pesquisadora responsável: Giovana Siqueira Príncipe


Número do CAAE:

Você está sendo convidado a participar como voluntário da pesquisa “O professor de Língua Portuguesa
no ensino técnico integrado ao médio: uma pesquisa-ação baseada na escrita de um TCC”. Este documento,
chamado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visa assegurar seus direitos como participante e é
elaborado em duas vias, uma que deverá ficar com você e outra com a pesquisadora.
Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando para esclarecer suas dúvidas. Se houver perguntas
antes ou mesmo depois de assiná-lo, você poderá esclarecê-las com a pesquisadora. Se preferir, pode levar para
casa e consultar seus familiares ou outras pessoas antes de decidir participar. Se você não quiser participar ou
retirar sua autorização, a qualquer momento, não haverá nenhum tipo de penalização ou prejuízo.
A pesquisa tem como objetivo compreender e descrever o contexto de produção de um Trabalho de
Conclusão de Curso, orientado por professores da área específica de um curso técnico integrado ao médio, para
daí propor uma atuação do professor de Língua Portuguesa nesse processo de escrita, que permita-nos refletir
sobre o papel desse professor nessa prática de letramento.

Procedimentos:
a) Com relação aos alunos participantes:

Participando do estudo você está sendo convidado a:


• Dar entrevistas gravadas em áudio sobre o processo de escrita do TCC. A estimativa da duração das
entrevistas é de 10 a 25 minutos.
• Compartilhar as etapas do processo, cedendo as versões do trabalho.
• Autorizar que dados cedidos durante as aulas de Língua Portuguesa que abordarem a escrita do TCC,
gravadas em vídeo, sejam utilizados na pesquisa.
• Autorizar que dados cedidos durante a apresentação do TCC, na banca, sejam utilizados na pesquisa.
b) Com relação aos professores participantes:

Participando do estudo você está sendo convidado a:


• Dar entrevistas gravadas em áudio, abordando o processo de orientação do TCC, com a estimativa de
duração de 10 a 25 minutos.
• Autorizar que dados cedidos em aulas lecionadas por você, acompanhadas pela pesquisadora, possam
ser utilizados na pesquisa.
• Autorizar que dados, cedidos durante a banca de apresentação dos TCCs, possam ser utilizados na
pesquisa.
• Autorizar que dados sobre a escrita do TCC, cedidos em conversas informais, possam ser utilizados na
pesquisa.
A pesquisa tem a duração de um ano, durante a qual alguns alunos e professores serão abordados para dar
entrevistas apenas em dois momentos, no início da pesquisa e no final do processo. As entrevistas ocorrerão na
própria instituição, nos horários em que os participantes se encontrarem disponíveis, combinados com a
pesquisadora, lembrando que não haverá ressarcimento de despesas para os casos de comparecimento nos dias
não previstos na rotina.

Desconfortos e riscos:
Você não deve participar deste estudo se sentir desconfortável em dar entrevistas, expor sua opinião, ser
filmado ou ter seu texto (mesmo que anônimo) divulgado em um trabalho científico. A participação na pesquisa
é estritamente voluntária, podendo ser interrompida a qualquer momento pelo participante, sem nenhuma
justificativa. Sua recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com a pesquisadora. Do mesmo modo,
202

esclarecemos que caso percebamos qualquer sinal de constrangimento ou qualquer manifestação de


desinteresse ou de indisposição de sua parte, sua participação será interrompida.

Benefícios:
Sua participação colabora com a compreensão da pesquisadora do processo estudado – a escrita de um
TCC no ensino médio – o qual se caracteriza como uma prática complexa por se dar no ensino médio, apesar de
possuir características de uma escrita comumente própria do ambiente acadêmico. Isso gera alguns conflitos e
torna uma questão que merece ser compreendida e estudada. Esperamos, dessa forma, colaborar com o ensino
de escrita no ensino médio integrado ao técnico.

Sigilo e privacidade:
Você tem a garantia de que sua identidade será mantida em sigilo e nenhuma informação será dada a
outras pessoas que não façam parte da equipe de pesquisadores. Os dados desta investigação serão divulgados
na tese de doutorado da pesquisadora de maneira que não possibilitará a identificação dos participantes.
Também não será possível identificar a escola e/ou o município em que você trabalha/estuda. Os participantes
da pesquisa serão identificados somente por letras e números (P1, P2, P3 (professores), A1, A2 (alunos) e assim
sucessivamente). A escola, cidade, contexto da pesquisa, serão referidos apenas pela expressão “escola técnica
federal de um município localizado no interior do estado de São Paulo”. Em nenhum momento será divulgada a
sua identidade.

Contato:
Em caso de dúvidas sobre o estudo, você poderá entrar em contato com a pesquisadora Giovana Siqueira
Príncipe, (endereço da instituição), giovanaprincipe@hotmail.com.
Em caso de denúncias ou reclamações sobre sua participação e sobre questões éticas do estudo, você pode
entrar em contato com a secretaria do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UNICAMP: Rua: Tessália Vieira de
Camargo, 126; CEP 13083-887 Campinas – SP; telefone (19) 3521-8936; fax (19) 3521-7187; e-mail:
cep@fcm.unicamp.br

Consentimento livre e esclarecido:


Após ter recebido esclarecimento sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios
previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, aceito participar:

Nome do(a) participante: ________________________________________________________

_______________________________________________________ Data: ____/_____/______.


(Assinatura do participante ou nome e assinatura do seu responsável LEGAL)

Responsabilidade do Pesquisador:
Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e complementares na elaboração
do protocolo e na obtenção deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Asseguro, também, ter explicado
e fornecido uma cópia deste documento ao participante. Informo que o estudo foi aprovado pelo CEP perante o
qual o projeto foi apresentado. Comprometo-me a utilizar o material e os dados obtidos nesta pesquisa
exclusivamente para as finalidades previstas neste documento ou conforme o consentimento dado pelo
participante.

______________________________________________________ Data: ____/_____/______.


(Assinatura do pesquisador)
203

ANEXOS
Anexo 1 – plano de ensino da disciplina Projeto Integrador (Fonte: professores da disciplina).

INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CAMPUS


TECNOLOGIA DE SÃO PAULO xxxxxxxxxxxxxxxxxx
PLANO DE ENSINO
1 – IDENTIFICAÇÃO
Curso: Modalidade de Ensino:

Técnico em Automação Industrial Médio Integrado


Componente Curricular: Código:
PROJETO INTEGRADOR AUTOMAÇÃO PIA
Área: Ano/Semestre:
1º. e 2º.
AUTOMAÇÃO
semestre
Aulas semanais: Total de Aulas: Total de Horas: Nº de Professores:
3 112 84 2
Professores Responsáveis:

Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx / yyyyyyyyyyyyyy

2 – OBJETIVOS
Conhecer a definição de projeto técnico, suas características e classificação; entender o conceito de “espiral
de projeto”; conhecer as técnicas de elaboração de um projeto, levando em consideração as variáveis
intervenientes globais, como impacto ambiental, impacto social e econômico; atuar na concepção de
projetos; especificar os elementos que compõem o projeto: estudo de viabilidade, projeto básico ou
anteprojeto, projeto executivo, planejamento de produção e de disponibilização ao cliente; fazer
levantamento de disponibilidade de materiais; conhecer as técnicas de elaboração de cronogramas e de
levantamento de custos; saber como elaborar orçamentos; conhecer como participar de reuniões para a
elaboração das ações a serem desenvolvidas nas etapas do projeto.

3 – EMENTA
Introdução ao módulo Projetos; dinâmica de grupo (jogos integração); produtos e a sociedade (conceituação
de desenvolvimento de produto); estudo de viabilidade; projeto básico ou anteprojeto; métodos e processos;
metodologia do trabalho científico aplicado ao projeto de sistemas automatizados; elaboração de um projeto
industrial que envolva sistemas automatizados. Desenvolvimento de produtos (Projetos); administração do
fluxo de informações; administração da qualidade do projeto; administração dos custos; administração do
tempo; administração da tecnologia do produto; administração dos suprimentos necessários; planejamento
estratégico: administração das interfaces entre os vários projetos a serem desenvolvidos concomitantemente;
fornecimento de apoio técnico e administrativo aos projetos; planejamento operacional: definição das
atividades; elaboração de cronogramas; determinação dos pontos de controle; previsão de recursos
humanos, tecnológicos e financeiros; critérios para a avaliação dos resultados.

4 –CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
Etapa 1: PLANEJAMENTO
1. Apresentação do Componente Curricular
2. Apresentação do Cronograma de Atividades do Componente Curricular
3. Definição da estrutura do trabalho
4. Estudo do cenário da área profissional/setor produtivo (micro e macro regiões) Avanços tecnológicos, Ciclo de
Vida do Setor, demandas e tendências futuras.
5. Identificação de lacunas/situações-problema do setor.
6. Identificação de possíveis temas para desenvolvimento do TCC.
204

7. Definição dos temas e das equipes.


8. Problematização.
Construção de Hipóteses (possíveis soluções)
9. Objetivos (Geral e Específicos)
10. Justificativa
11. Apresentação e validação do Trabalho (1ª. Parte)

Etapa 2: DESENVOLVIMENTO
1. Revisão da proposta de trabalho (reformulação, se necessário)
2. Definição da Metodologia
3. Construção do cronograma de atividades do trabalho
4. Construção dos referenciais teóricos (bibliografia, normas técnicas, legislação etc)
5. Identificação dos recursos necessários e possíveis provedores.
6. Desenvolvimento (aplicação da pesquisa, construção do fluxograma do processo, construção de protótipos,
elaboração de desenhos etc)
7. Apresentação e análise dos resultados
8. Conclusão/Considerações finais;
9. Revisão da formatação do trabalho
10. Apresentação e validação do TCC

5 – METODOLOGIA E ESTRATÉGIAS DE ENSINO


Aulas expositivo-dialógicas objetivando com que os alunos discutam entre si e com o professor os mais variados
assuntos, de maneira a construir um ambiente em que se possa dar vazão à criatividade que a disciplina exige. Será
solicitado a eles, em várias ocasiões, que façam uso da exposição dos trabalhos que estão construindo de modo que a
cada um deles tenham várias oportunidades em que possam se manifestar de uma maneira mais formal. Algumas
dessas apresentações serão gravadas em vídeo de modo que possam corrigir eventuais vícios de apresentação.

6 – RECURSOS DIDÁTICOS
Quadro branco, pincel, computador, projetor, manuais de equipamentos, materiais didáticos, laboratórios.
7 – CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO / RECUPERAÇÃO PARALELA / INSTRUMENTO FINAL DE AVALIAÇÃO
Arguições / Entrega dos relatórios parciais (que compõem o corpo total do trabalho escrito) / Apresentação oral do
Trabalho por todos os alunos (bimestral e final). A recuperação é contínua (por bimestre, no mesmo horário de aula)

8 – BIBLIOGRAFIA
a) Básica:
BRUCE, Andy, LANGDOW, Ken, Como Gerenciar Projetos, São Paulo: Ed. Publifolha, 1ª ed., 2001.
NOGUEIRA, Nilbo Ribeiro, Pedagogia de Projetos, São Paulo: Ed. Érica, 1ª ed., 2001.
PRADO, Darci, Planejamento e Controle de Projeto, São Paulo: Ed. EDG, 5ª ed., 2004

b) Bibliografia Complementar:
KAMINSKI, Paulo C., Desenvolvendo Produtos com Planejamento, São Paulo: Ed. LTC, 1ª ed., 2000.
MAXIMILIANO, Antonio C. A., Administração de Projetos, São Paulo: Ed. Atlas, 2ªed., 2002.
KEELING, Ralph, Gestão de Projetos, São Paulo: Ed. Saraiva, 1ªed., 2002.
LEWIS, James P., Como Gerenciar Projetos com Eficácia, São Paulo: Ed. Campus – BB, 1ªed, 2000.

Professor(es) Coordenador de Área /


Curso

Gerente Acadêmico
205

Anexo 2 – plano de aula da disciplina Projeto Integrador (Fonte: professores da disciplina)

INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CAMPUS


TECNOLOGIA DE SÃO PAULO xxxxxxxxxxxxxxxxxx
PLANO DE AULA
1 – IDENTIFICAÇÃO
Curso: Modalidade de Ensino:

Técnico em Automação Industrial Médio Integrado


Componente Curricular: Código:

PROJETO INTEGRADOR AUTOMAÇÃO PIA


Área: Ano/Semestre:
1º. e 2º.
AUTOMAÇÃO
semestre
Aulas semanais: Total de Aulas: Total de Horas: Nº de Professores:
3 112 84 2
Professores Responsáveis:

Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx / yyyyyyyyyyyyyy

2 – CONTEÚDOS PROGRAMÁTICOS DESENVOLVIDOS


Semana Descrição das bases tecnológicas
1 Atividades de Integração/Apresentação do Curso / O que é PIA/TCC?
2 Etapa 1: Regras e normas do TCC em PIA/Discussão sobre possíveis TEMAS
3 Etapa 1: Regras e normas do TCC em PIA/Discussão sobre possíveis TEMAS
4 Etapa 1: Ciência e pesquisa científica/ Definindo e Validando os TEMAS e Professores
Orientadores
5 Etapa 1: Canais de comunicação da ciência
6 Etapa 1: O professor e suas qualificações
7 Etapa 1: A pesquisa e suas classificações
8 Etapa 1: Etapas da escrita científica
9 Avaliação Escrita 1º. BIMESTRE:
10 Etapa 2: Etapas e planejamento da pesquisa científica
11 Etapa 2: Planejamento da pesquisa científica
12 Etapa 2: Viabilidade do projeto
13 Etapa 2: Linguagem científica
14 Etapa 2: Linguagem científica
15 Etapa 2: Linguagem científica
16 Avaliação Escrita 2º. BIMESTRE Correção da Avaliação
17 Etapa 2: Desenvolvimento dos protótipos e simulações
18 Etapa 2: Desenvolvimento dos protótipos e simulações
19 Etapa 2: Desenvolvimento dos protótipos e simulações
20 Etapa 2: Desenvolvimento dos protótipos e simulações
21 Etapa 2: Desenvolvimento dos protótipos e simulações
22 Etapa 2: Desenvolvimento dos protótipos e simulações
23 Etapa 2: Desenvolvimento dos protótipos e simulações
24 Etapa 2: Desenvolvimento dos protótipos e simulações
25 Avaliação Escrita 3º. BIMESTRE. /
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26 Etapa 2: Técnicas de apresentação e linguagem corporal


27 Etapa 2: Técnicas de apresentação e linguagem corporal
28 Etapa 2: Fim do desenvolvimento dos protótipos e simulações
29 Etapa 2: Fim do desenvolvimento dos protótipos e simulações
31 Revisão do conteúdo lecionado.
32 Avaliação Escrita 4º. BIMESTRE.
33 Apresentação dos Trabalhos (oral e impresso) para uma Banca de Professores e Pedagogo
34 Entrega final do Trabalho Impresso

Professor(es) Coordenador de Área /


Curso

Gerente Acadêmico
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Anexo 3 – parecer consubstanciado do CEP, aprovando o andamento final da pesquisa (fonte:


plataforma Brasil).
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