Professional Documents
Culture Documents
Instituto de Física
Instituto de Química
Instituto de Biociências
Faculdade de Educação
O Ensino de Ciências e o
Currículo em Ação de uma Professora
Polivalente
São Paulo
2008
Paiva, Alfonso Gómez
USP/IF/SBI-032/2008
Banca Examinadora:
Profa. Dra. Maria Lucia Vital dos Santos Abib – FEUSP (Orientadora)
Profa. Dra. Cecília Hanna Mate – FEUSP
Profa. Dra. Maria Cristina de Senzi Zancul – UNESP
A memória de minha avó Nilva e a minha Tia Diva pelo estímulo aos
meus estudos, a minha mãe Bartira, ao Alex e Rodrigo por sua
compreensão e apoio, a Professora Yvone pelo incentivo a entrar no
programa e a Rosimeire, esposa e fonte de inspiração, modelo de
professora primária.
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos professores da Universidade São Paulo: Dr. Alberto Vilani; Dra.
Adelaide Faljoni-Alário; Dra. Elba de Sá; Dra. Maria Cecília Hanna Mate; Dra. Maria
Eunice Ribeiro Marcondes; Dra. Myriam Krasilchik e ao Dr. Antonio Cachapuz por
possibilitarem a ampliação das minhas redes de saberes e saberesfazeres que
transformaram meu modo de ver a educação em especial o ensino de Ciências.
À minha Orientadora Professora Dra. Maria Lucia Vital dos Santos Abib por sua
compreensão, estímulo e por servir de modelo ao meu saber ser professor e à
minha práxis docente.
À Professora Vitória por sua paciência, coragem e competência com que realiza o
seu trabalho e por me permitir aprender com a sua experiência.
A Equipe Escolar que me recebeu com muita atenção, simpatia e seriedade.
À Camila secretária da CPGI pelo atendimento e informações prestadas com
competência e boa vontade durante quatro anos.
A todos os colegas que interagi nesses quatro anos pelos bons momentos que
vivenciamos refletindo, concordando e discordando.
À Dra. Ana Gracinda Queluz Garcia por seu estímulo e incentivo na fase final do
meu trabalho.
Aos amigos Rodrigo e Paulo pelo apoio na revisão geral e normatização.
E aos funcionários da Biblioteca da Faculdade de Educação por sua simpatia,
paciência e colaboração.
O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por
isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.
Fernando Pessoa
Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e
esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia:
e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.
Fernando Pessoa
Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes, mas não esqueço de que minha vida
é a maior empresa do mundo. E que posso evitar que ela vá à falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver, apesar de todos os desafios, incompreensões e
períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma.
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um não. É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.
Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir um castelo...
Fernando Pessoa
ÍNDICE
RESUMO .....................................................................................................................10
ABSTRACT .................................................................................................................11
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................12
2. A GÊNESE E O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO DE CIÊNCIAS: UMA
QUESTÃO DE CONSTRUÇÃO SOCIAL ...................................................................18
2.1. Escola, currículo e disciplina: uma construção histórico-social ...........................18
2.2. O desenvolvimento do Ensino de Ciências e os interesses sociais ....................22
3. O CURRÍCULO E A SALA DE AULA ....................................................................32
3.1. A aula como microssistema .................................................................................38
3.2. As tarefas e a prática educativa ...........................................................................41
4. TENDÊNCIAS ATUAIS NO ENSINO DE CIÊNCIAS .............................................49
4.1. Alicerces para o ensino de Ciências ....................................................................49
4.2. Por que devemos ensinar Ciências nas séries iniciais do Ensino Fundamental 51
4.3. O que devemos ensinar em Ciências ..................................................................55
4.4. Como ensinar Ciências ........................................................................................56
4.5. Habilidades e procedimentos científicos: além dos conteúdos conceituais ........62
4.6. Atitudes científicas: uma justificativa dos conteúdos conceituais e
procedimentais ............................................................................................................65
4.7. Principais Concepções de ensino de Ciências ....................................................66
4.8. As orientações do PCN de Ciências ....................................................................71
5. A PESQUISA ..........................................................................................................80
5.1. A Caracterização ..................................................................................................80
5.2. O Objetivo ............................................................................................................82
5.3. A Escolha da Escola e da Professora..................................................................83
5.4. Os Procedimentos de Pesquisa ...........................................................................86
6. O CONTEXTO ESCOLAR ......................................................................................90
6.1. Aspectos Gerais ...................................................................................................90
6.2. As possibilidades didáticas ..................................................................................94
6.3. Os Projetos da Escola ..........................................................................................95
6.4. A Direção e o corpo administrativo ......................................................................96
6.5. Os pais e os alunos ..............................................................................................97
6.6. A Sala de Aula......................................................................................................98
7. A PROFESSORA VITÓRIA E O ENSINO DE CIÊNCIAS .................................. 100
8. O CURRÍCULO E A PROFESSORA VITÓRIA ................................................... 110
8.1. O Currículo Apresentado .................................................................................. 110
8.2. O Plano de Ensino de Ciências: o currículo moldado pelos professores ......... 126
8.3. O currículo em ação e a prática docente .......................................................... 130
8.3.1. Dimensão Temática ....................................................................................... 132
a) A Organização dos Conteúdos ............................................................................ 133
b) Tipos de Conteúdos ............................................................................................. 138
8.3.2. Dimensão Metodológica................................................................................. 159
a) Situações Didáticas .............................................................................................. 160
b) Elementos Estruturadores das Tarefas ............................................................... 176
c) Os recursos utilizados para aprendizagem.......................................................... 186
d) Organização Social da Classe ............................................................................. 190
e) Relações Interativas............................................................................................. 193
9. CONCLUSÕES E COMENTÁRIOS FINAIS ....................................................... 199
10. BIBLIOGRAFIA ................................................................................................. 207
11. ANEXOS ............................................................................................................ 211
11.1. Anexo 1: Objetivos para o segundo ciclo proposto pelo PCN de Ciências
Naturais .................................................................................................................... 211
11.2. Anexo 2: Plano de Ensino de Ciências ........................................................... 212
11.3. Anexo 3: A Investigação do Visconde ............................................................ 213
11.4. Anexo 4: Folheto do Programa Agita Galera .................................................. 214
11.5. Anexo 5: Questionário e roteiros das entrevistas ......................................... 2145
1. INTRODUÇÃO
Ao longo de minha vivência como professor de Ciências no Ensino
Fundamental de quinta a oitava série, ouvi uma série de colocações preconceituosas
com relação aos professores polivalentes. Para muitos químicos, físicos e biólogos,
seria necessária a atuação de professores especialistas na disciplina de Ciências de
primeira a quarta série, pois consideravam os professores polivalentes
despreparados para lecioná-la. Alegavam que a criança ao chegar na quinta série do
Ensino Fundamental apresentava uma série de conceitos errados, além de
problemas de aprendizagem em Ciências que, segundo eles, poderiam ser
consideravelmente minimizados se as aulas fossem dadas por um especialista. No
entanto, com base em uma reflexão sobre a postura e a relação professor-aluno de
algumas professoras polivalentes, pode-se dizer que os especialistas teriam uma
série de dificuldades para assumir uma sala de primeira a quarta série.
Os estudantes dessas séries são crianças entre seis e dez anos de idade que
estão em processo de alfabetização, sendo, portanto, mais sensíveis. Esses alunos
requerem do professor uma postura diferenciada, que vai além dos conhecimentos
específicos da área de Ciências. Outro aspecto peculiar a essa faixa etária é o que
afirma o Parâmetro Curricular Nacional (PCN, 1997, p. 45) de Ciências para as
séries iniciais1, que deve ser considerado por aqueles que desejam ensinar para
essas crianças:
[...] crianças pequenas compreendem e vivem a realidade natural e social
de modo diferente dos adultos. Fora ou dentro da escola, as crianças
emprestam magia, vontade e vida aos objetos e às coisas da natureza ao
elaborar suas explicações sobre o mundo.
Devemos lembrar, também, que o professor polivalente ensina uma
variedade de assuntos de diferentes disciplinas, como, por exemplo, Geografia,
História e Matemática. Seria o caso de substituir os professores polivalentes por
especialistas? Acredito que talvez não seja apropriado a essas crianças
conviverem com três ou mais professores.
1
As séries iniciais correspondem às quatro primeiras séries do Ensino Fundamental e distribuem-se
em dois ciclos. O primeiro corresponde às duas primeiras séries – crianças entre sete e oito anos – e
o segundo ciclo corresponde as duas últimas séries – crianças entre nove e dez anos. Até o
momento, o Governo do Estado de São Paulo não definiu como será a escola de nove anos. Aceita
que crianças de seis anos ingressem na primeira série, porém mantém o Ensino Fundamental com
oito anos.
13
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
2
Carlos Eduardo Ferraço criou tal palavra ao colocar que as pessoas no seu cotidiano são expostas a uma série
de situações que as possibilitam tecer uma rede composta por vários saberesfazeres. Acredita que a estética da
escrita ao tentar unir as palavras cria outras (Ferraço, 2005, p.15).
15
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
3
Por questões de saúde a Professora Vitória precisou afastar-se.
17
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
4
O autor citado se refere a Tomaz Tadeu da Silva.
22
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
E complementou que:
Seria um estado social pernicioso e corrupto em que os que não estão
comparativamente abençoados com os dons da natureza deveriam ser
geralmente superiores em feitos intelectuais àqueles que estão acima deles
na posição social (GOODSON, 1999, p.124).
Essa ciência, feita para as elites, ficava distante do aluno comum das classes
trabalhadoras, principalmente das alunas, e estava em perfeita harmonia com a
ordem social: “uma iniciativa curricular que educa os pobres é um currículo que
quanto mais for bem-sucedido, mais desafia a ordem social” (GOODSON, 1997,
p.60). Para Goodson, a disciplina Ciência das Coisas Comuns, ao promover a
autonomia dos indivíduos das classes baixas, gerou medo nas classes médias e
altas da Inglaterra, o que levou a sua extinção para as camadas menos favorecidas
24
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
e à criação de uma disciplina que atendesse aos interesses das classes dominantes,
mais abstrata e distante do cotidiano do aluno.
A história da disciplina de Ciências na Inglaterra deixa claro o papel que as
forças sociais desempenham no sistema educacional. No caso da Inglaterra, esse
procurava garantir a ordem social e, para tanto, buscou apoio na academia, que
deveria avalizar os conteúdos a serem tratados, provocando um distanciamento do
cotidiano do aluno e permitindo que determinadas classes fossem favorecidas em
detrimento de outras.
O que podemos verificar com essa breve análise histórica da disciplina é a
não neutralidade do que se ensina. A seleção de conteúdos e metodologias caminha
no sentido de formar um tipo de cidadão. Conscientemente ou não, o currículo
praticado pelo professor contribui para a formação da identidade dos seus alunos,
que podem ir a favor ou contra as forças dominantes.
Aqui cabe uma reflexão: será que o ensino de Ciências, quando surgiu em
nosso país, não recebeu certa influência do sistema inglês daquela época,
descontextualizado e distante do dia-a-dia das pessoas comuns, ou seja, um ensino
que concebia a ciência como algo pronto e acabado e que era ratificado pela
instituição na qual se produzia a “verdade”, ou seja, a academia? Um ensino feito
para aqueles que valorizavam o conhecimento pelo conhecimento, numa época em
que a escola brasileira não era dirigida para as massas, mas para uma elite que
terminava seus estudos na Europa?
O Brasil, até a década de 1920, não possuía um sistema educacional
organizado e controlado pelo Estado (CPDOC, 2004)5. Entretanto, em decorrência
de uma série de movimentos sociais que se intensificou na década de 1910, acabou
por reforçar o debate para criar uma legislação social para o país. O principal fator
para esse movimento social foi a crise do comércio internacional, decorrente da
Primeira Guerra Mundial, que colaborou com o processo de industrialização do país
e com a queda da oligarquia cafeeira brasileira, permitindo uma nova configuração
das forças sociais no país.
Segundo Silva (1988), essa nova configuração possibilitou a concretização de
algumas preocupações educacionais do fim do século XIX. Alguns documentos
5
CPDOC – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação
Getulio Vargas.
25
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
6
Segundo Krasilchik (1987, p. 6), a obra de E. W. Jenkins citada foi From Armstrong to Nuffield.
Londres, John Murray, 1979, p. 97.
27
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
Sua proposta é ser flexível, por isso, deve: “[...] ser concretizada nas decisões
regionais e locais sobre currículos e sobre programas de transformação da realidade
educacional empreendidos pelas autoridades governamentais, pelas escolas e pelos
professores” (PCN, vol. 1, 1997, p. 13).
Esse documento, por sua vez, suscitou diversas críticas por parte de alguns
membros da academia, principalmente por aqueles com uma posição mais marxista,
alegando, basicamente, ser um produto de uma política neoliberal que estaria a
serviço do capital e das grandes corporações.
Diante de tudo o que foi abordado, é imprescindível que nós, professores,
31
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
O que deve ser ensinado é, para Silva (2003), a questão central do currículo,
pois esse é o resultado de uma seleção do que a escola irá ensinar, mas, como o
autor bem menciona, nenhuma discussão que envolva “o quê?” pode estar
desvinculada de outra questão de igual importância: “o que os alunos devem ser?”
ou “em que os alunos devem se tornar?”. Assim, as teorias ou os discursos – como
preferem os pós-estruturalistas – acabam tratando o currículo como uma questão de
poder, pois suas ações selecionam e concedem privilégios e destaques.
Quem as escolas, os professores, as disciplinas e os currículos estão
formando? O que queremos como sociedade? O que queremos da nossa ação
pedagógica dentro da sala de aula como professores – com os conteúdos e
metodologias que escolhemos – na interação com os nossos alunos? Quais as
marcas que queremos deixar? Que marcas nos deixaram? As respostas a essas
perguntas permitem nortear o trabalho docente.
Ludwig Wittgenstein, no Tractatus Logico-Philosophicus8, de 1921, afirmou:
“Os limites de minha linguagem significam os limites de meu mundo”. A prática da
7
A citação se encontra na contra capa da obra Documento de Identidade.
8
Citação presente na biografia do filósofo alemão Ludwig Wittgenstein, disponível em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Wittgenstein, acessado em 25/6/2006.
33
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
9
Carlos Eduardo Ferraço, em sua obra, explica a palavra saberesfazeres, trata-se de uma questão
estética que aprendeu com Nilda Alves de unir palavras para inventar outras.
34
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
Isso porque a sua materialização nada mais é que a sua significação, por
parte de professores e alunos. Na verdade, ele será exatamente essa significação
construída por meio das atividades que cada ator realiza, a qual Sacristán e outros
autores chamam de práxis.
O conceito de práxis, proposto por Sacristán (2000), vai ao encontro do
sugerido por Azzi (1994), que considera a práxis como a confluência entre a teoria e
a prática. Sacristán (2000, p. 201) afirma: “Se o currículo é ponte entre a teoria e a
ação, entre intenções ou projetos e realidade, é preciso analisar a estrutura da
prática onde fica moldado”. Uma prática que extrapola as exigências curriculares,
como também as intenções dos professores, pois está vinculada a coordenadas
profundamente enraizadas nas tradições, rotinas e crenças, mostrando o poder que
a cultura exerce sobre nossas ações e interações com os nossos alunos. Um poder
que, via de regra, representa as forças dominantes.
A análise da prática pedagógica ganha sentido, a partir do momento em que a
consideramos como o currículo no processo da ação:
Porém, como o próprio autor sustenta, nem toda tarefa desenvolvida em aula
tem importância essencial na caracterização da prática educativa, como, por
exemplo, fechar uma porta e pedir para que os alunos vendam a rifa da festa junina,
embora possa ocultar significados mais profundos.
As tarefas formais são aquelas que estruturam o currículo e buscam cumprir a
finalidade da escola. A complexidade de cada uma está relacionada com a da sua
finalidade, ou seja, quanto mais conteúdos a tarefa possui, mais complexa é. Porém,
as mais complexas precisam de outras mais simples, para poderem se concretizar.
A estrutura das tarefas escolares reflete certa imposição da forma pela qual a
academia realiza as suas atividades, de maneira mais expositiva, disciplinarizada,
classificatória, conteudista, etc., mesmo em áreas ligadas às artes e à cultura, como
Sacristán (2000) afirma: “O academicismo invade toda a atividade educativa em
ambientes escolares, porque todas as finalidades culturais, sociais e morais da
escola se submetem às pautas de desenvolvimento das atividades propriamente
acadêmicas” (Sacristán, 2000, p. 208). Se considerarmos esse ponto de vista, é fácil
compreender o que atualmente se faz na escola e quais são as suas dificuldades.
Como academia, olhamos para a escola, mas não conseguimos nos ver.
Talvez seja difícil de aceitar, mas a escola de hoje tem características da academia.
Reconhecer isso é um passo para contribuir efetivamente com uma escola de
qualidade para todos.
As tarefas obedecem a um esquema de atuação prática que se mantém ao
longo de um tempo, com características que também se sobrepõem umas às outras,
caracterizando, por exemplo, a jornada escolar, a metodologia e o estilo do
professor (SACRISTÁN, 2000). As tarefas são fragmentos de atividade que
apresentam certa coerência interna na busca de uma finalidade, o que as fazem
regular a ação e a prática educativa. Isso significa que, nas tarefas, estão implícitos
os padrões metodológicos que regulam o desenvolvimento da prática educativa,
rompendo a visão segundo a qual as aulas seriam apenas um “fluir espontâneo”10.
Nesse sentido, podemos afirmar que as tarefas expressam a prática pedagógica do
professor, que, por sua vez, revela métodos e modelos de ensino.
Dessa forma, o conceito, a imagem e a visão que os alunos têm da escola e
10
Termo usado por Sacristán (2000, p. 209).
43
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
da escolaridade são mediados pela tarefa. O estilo do professor, seus saberes, seus
saberesfazeres e seu saber ser, de forma implícita ou não, e assim como os
aspectos organizativos que se articulam com os didáticos e curriculares, expressam-
se nas tarefas, em que acontecem as interações professor–aluno e aluno–aluno, o
que significa que elas são estruturas de socialização. Portanto, a tarefa é uma boa
candidata à unidade de análise da prática escolar, como propõem Azzi (1994),
Sacristán (2000), Tardif e Lessard (2005) e Zabala (1998).
O estilo do professor, que se caracteriza por uma seqüência de tarefas
praticadas de forma particular, consolida-se, de acordo com Azzi (1994), devido a
uma das características de um pensamento e de um comportamento recorrentes no
cotidiano, o economicismo. Assim, a economia de esquemas práticos, que se faz
presente na ação do professor, facilita o dia-a-dia. Como Sacristán (2000) afirma, é
impossível que um professor esteja cotidianamente inventando a sua prática. O
economicismo desse o faz reduzir o número de tarefas, o que tende a transformar
seus esquemas práticos em rotinas, em característica do seu estilo, mas pode
promover ou reforçar a repetição, criando um obstáculo ao pensamento criativo
(AZZI, 1994).
Embora exista uma diversidade de tarefas, Sacristán (2000) acredita que elas
são muito parecidas entre uma aula e outra, entre um professor e outro, entre uma
disciplina e outra, isso porque o sistema escolar define uma série de tradições
didáticas que são reforçadas pela própria organização escolar.
Se é certo que não há dois professores iguais, nem duas situações
pedagógicas ou aulas idênticas, também é verdade que não há nada mais
parecido entre si. [...] A prática do ensino mostrou uma continuidade
histórica assombrosa, e a persistência do esqueleto que articula – as tarefas
– tem muito a ver com isso. [...] As mudanças nos estilos docentes são
mudanças evolutivas e paulatinas, não são produto de mutações grandes e
bruscas (SACRISTÁN, 2000, p. 209 e 216).
A partir desse ângulo, podemos afirmar que as tarefas, como unidades de análise,
permitem ao pesquisador compreender com mais profundidade os processos
complexos de ensino, as práticas e os estilos de professores.
Sacristán (2000, p. 218), ao analisar o papel das tarefas no currículo, sugere:
Mudando as tarefas modificamos os microambientes de aprendizagem e as
experiências possíveis dentro deles. Esse é o sentido de analisar a
estrutura da prática que um currículo tem de acordo com as condições nas
quais se desenvolve, fundamentando a posição de que um currículo na
realidade não pode ser entendido à margem das condições nas quais seu
44
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
Aebli (1988) e de Tann (1990), que definiram variáveis metodológicas para analisar
a prática educativa, e mostra as quatro dimensões utilizadas por Joyce e Weil
(1985):
-sintaxe: conjunto de unidades didáticas;
-sistema social: papel desempenhado pelo professor e pelos alunos, suas
relações e tipos de normas que prevalecem;
-princípios de reação: regras para sintonizar com o aluno e selecionar
respostas de acordo com suas ações;
-sistema de apoio: condições necessárias (recursos materiais e pessoais)
para que a intervenção pedagógica ocorra.
Hans Aebli (1988), de acordo com Zabala (1998), analisou a prática segundo
três dimensões:
-meio do ensino/aprendizagem: as tarefas desenvolvidas;
-conteúdos de aprendizagem: são os esquemas de ação, as operações e
os conceitos trabalhados;
-funções no processo de aprendizagem: o papel que os demais elementos
exercem sobre a aprendizagem, como solução de problemas, repetição, aplicação
etc.
Tann (1990) desenvolveu um modelo por tópicos e identificou as seguintes
dimensões:
-controle: grau de participação dos alunos na definição do trabalho a ser
realizado;
-conteúdo: amplitude e profundidade do tema trabalhado;
-contexto: forma de agrupamento na sala;
-objetivo/categoria: sentido que se atribui ao trabalho desenvolvido,
considerando a sua temporalização;
-processos: grau de orientação do estilo de ensino/aprendizagem e a
natureza e variedade dos recursos empregados;
-apresentação/audiência e registros: tipos de materiais de informação do
trabalho desenvolvido e as aprendizagens dos alunos.
Considerando tais autores para analisar a prática educativa, Zabala (1998)
propõe as seguintes categorias de análise:
-unidade didática: a seqüência de atividades com uma finalidade;
46
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
11
Daisy Lara de Oliveira é professora do Departamento de Educação da UFRGS.
50
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
disciplina; quais os recursos que ele pode e deve utilizar; como ele deve avaliar; o
que é certo e errado no trabalho e na práxis docente. Porém, ao analisarmos a
práxis dessas instituições, quase sempre verificamos que as recomendações
seguem o velho ditado popular “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.
E quem seria esse aluno ideal, padrão? Uma tentativa de responder a essa
questão é considerar o aluno como um fator constante do processo ensino–
aprendizagem. Um aluno assexuado, sem história de vida, sem sentimentos, sem
uma família definida, que mora numa casa sem endereço e que, por tudo isso, está
sempre disposto, feliz, saudável, sem fome, ávido pelo conhecimento e disciplinado.
Ao considerarmos o aluno como um sujeito social, histórico e cultural,
estaremos negando a existência de um modelo de aluno, ou de um aluno ideal que
fundamente e oriente a ação de professores. E mesmo que existisse essa
possibilidade:
Quem seria o aluno-padrão brasileiro? Um menino branco, de classe média,
vivendo no centro de uma grande cidade? Ou uma menina negra,
sobrevivendo na periferia urbana? Quem sabe descendentes de japoneses
vivendo em lavouras no interior do Paraná, ou filhos de agricultores sem-
terra do Pará? (OLIVEIRA, 1997, p. 10)
12
A citação foi traduzida da obra de Harlen, 1998, p. 16.
53
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
Essas idéias sobre o porquê de ensinar Ciências fizeram que Harlen (1998)
estabelecesse duas razões para a necessidade do ensino de Ciências na escola
primária. A primeira se refere aos resultados apontados por algumas pesquisas, os
quais demonstram que os alunos desenvolvem idéias sobre o mundo durante a fase
primária de escolarização, independentemente do fato de terem estudado ou não
Ciências na escola. Isso porque se parte do princípio de que a criança desde cedo
explora o mundo, procurando satisfazer a curiosidade ao interagir com ele, de modo
a ampliar suas redes de saberes, como afirma Paulo Freire (1987), citado por
Moraes (1992, p. 9): “A leitura do mundo precede a leitura da palavra”.
A segunda razão para a inclusão do ensino de Ciências na escola primária13,
apontada por Harlen (1998), é a interação entre as habilidades e os conceitos na
área de Ciências, alegando que, por muito tempo, o currículo de Ciências valorizou
apenas o saber, fazendo que os professores apenas falassem sobre os assuntos
científicos, sem oferecer a oportunidade aos alunos de desenvolverem uma mente
investigativa, ou seja, uma mente que procurasse respostas para as perguntas que
fizesse sobre o mundo. No entanto, mostra que a interação entre os conceitos e as
habilidades desenvolvidas deve ser ponderada, pois uma visão inversa que atribui
maior importância a ‘como’ investigar e não a ‘o que’ estudar é tão ingênua e
insustentável nos dias de hoje quanto o ensino exclusivamente conceitual. Nesse
sentido, cita o caso de projetos como o Nuffield Junior Science Project, de 1967, o
qual acreditava que, ao desenvolver uma mente investigativa, o aluno
automaticamente adquiriria os conceitos básicos e as atitudes necessárias. Isso não
ocorre, porque os alunos observam apenas o que os seus conhecimentos prévios
lhes dizem, como Harlen (1998) exemplifica:
Tomemos o exemplo do professor que esperava mostrar a um grupo de
crianças que uma vela colocada debaixo de uma jarra permanecerá acesa
tanto mais tempo quanto maior for a jarra. Dispunha de três velas acesas
simultaneamente. O fez de forma correta. Mas quando lhes perguntou sobre
as diferenças que haviam observado entre as jarras ficou perplexo diante da
resposta: “Nenhuma. Com todas aconteceu a mesma coisa. Todas as velas
se apagaram”. Nenhuma criança se deu conta do que o professor queria
que captassem: a diferença nos tempos de extinção das chamas entre as
jarras, que eram grandes o bastante para serem percebidas por qualquer
um que a buscasse. O professor supunha que, como a diferença era
observável, teria que ser observada (HARLEN E SYMINGTON, 1985, citado
13
Por escola primária, entende-se as séries ou anos iniciais do ensino fundamental no Brasil.
54
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
14
A citação foi traduzida da obra de Harlen, 1998, p. 20.
15
Citação traduzida da obra referenciada.
55
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
Podemos afirmar que algumas habilidades são mais complexas que outras,
porque exigem uma série de ações interdependentes. Por exemplo, para
desenvolver a habilidade de concluir e de deduzir algo, é necessário reunir um
conjunto de informações e/ou observações. Durante esse processo, é preciso muito
cuidado, pois as crianças tendem a generalizar prematuramente, deduzem a partir
de dados limitados, portanto, convém distinguir o que os dados dizem das
inferências feitas, porque elas estão além do simples significado desses dados.
Harlen (1998) aponta outra habilidade: a comunicação, que materializa o
pensamento e as reflexões, que no ensino de Ciências é muito importante, pois
possibilita a reorganização das idéias e o preenchimento de algumas lacunas. Há
várias formas de comunicar, seja por meio da linguagem escrita, falada, por
símbolos, figuras ou gráficos, cada uma é adequada a um determinado fim.
Harlan e Rivkin (2002), ao discutir o ensino de Ciências para a Educação
Infantil, sugerem que se desenvolvam as habilidades de observar, classificar, medir,
comunicar, experimentar, prever, interpretar e explicar dados. Acrescentam ainda
que a experimentação e a observação seriam as habilidades comuns no
comportamento infantil. É ressaltada também a importância de o ensino de Ciências
desenvolver atividades que valorizem as habilidades científicas associadas aos
conteúdos conceituais, satisfazendo a curiosidade e as necessidades dos alunos,
evitando o discurso de alguns pesquisadores na área do ensino de Ciências, que
acreditam que o importante é trabalhar as habilidades científicas, o conteúdo
conceitual tem importância menor.
Diante do quadro até aqui apresentado, o professor deve selecionar os
conteúdos conceituais que satisfaçam o caráter social da disciplina, desenvolvendo
um conjunto de habilidades científicas que permitam à criança interagir com o
mundo de forma autônoma e crítica. Para isso, o professor cumpre, na aula, a
função de possibilitar continuamente atividades que proporcionem a interação do
aluno com o mundo, oferecendo oportunidades para as crianças explorarem
diretamente os materiais e os fenômenos. Outro papel do professor seria criar
situações em que os alunos possam ouvir, falar e discutir sobre essas interações
com os materiais e fenômenos; na perspectiva da criança, refletir sobre as suas
idéias e pensamentos. Muitas vezes será necessário comentar e perguntar sobre as
idéias e pensamentos que os alunos apresentaram, no sentido de estabelecer uma
65
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
coerência entre o que foi dito e os dados disponíveis. Para Harlen (1998), o
professor também pode estimular a consulta a livros e a outras fontes de
informação, para que os alunos possam refletir sobre as suas idéias e reestruturar o
seu pensamento.
As habilidades e os conhecimentos adquiridos só terão sentido se forem
acompanhados de atitudes científicas, valorizando as questões morais e éticas da
ciência. Então, chegamos a um tipo de conteúdo diferente do conceitual e
procedimental: o atitudinal.
16
Tradução da referência citada.
69
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
atende às diferenças integração dos saberes conceitos, por meio da das situações.
dos alunos. O adquiridos pelos alunos superação de conflitos Valorização de
currículo formal e o num todo coerente. A cognitivos. Há uma atividades inter e
livro didático avaliação centra-se nos seqüencialidade no transdisciplinares.
determinam, quase processos científicos. percurso de mudança Trabalho de grupo e de
sempre, as ações do conceitual. O erro cooperação intergrupos.
professor. A assume papel positivo, Atividades de síntese e
organização do sendo um fator de de reflexão crítica –
ensino supõe uma progresso do “pontos de situação”. A
atitude passiva dos conhecimento científico. avaliação engloba
alunos. A avaliação é Avaliação formativa e conceitos, capacidades,
do tipo normativa e se sumativa, centrada nos atitudes e valores.
confunde com a conceitos. A avaliação é parte
classificação. integrante do ensino e
se organiza em ciclos
de avaliação.
EDUCAÇÃO
EMC
Aquisição Mudança
Construção de de
INSTRUÇÃO
de conceitos, EPT conceitos conceitos
atitudes e
valores
Compreensão
de processos EPD
científicos
ENSINO
POR Figura 1: Evolução e ênfase das principais perspectivas de ensino de
PESQUISA Ciências. EPT: Ensino Por Transmissão; EPD: Ensino Por Descoberta;
EMC: Ensino por Mudança Conceitual. (adaptado de Cachapuz, 2001,
p. 2).
17
Atualmente, o ensino fundamental passou para nove anos, e o termo ‘série’ foi substituído por
‘ano’.
73
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
problema, assim, “de certo modo, observar é olhar o ‘velho’ com um ‘novo’ olhar”
(PCN, 2001, p. 120). Propõe duas formas de realizar observações, a primeira direta,
por meio de microscópio, de um estudo de caso, uma visita ou excursão. A segunda
seria por meio de figuras, ilustrações e filmes.
Para cada forma proposta de observação, existe um conjunto de tarefas,
próprias para professores e alunos.
A experimentação é outro ponto apresentado pelo PCN como meio para
coleta de informação: “A experimentação é realizada pelos alunos quando discutem
idéias e manipulam materiais” (PCN, 2001, p. 123).
E complementa:
Os desafios para experimentar ampliam-se quando se solicita aos alunos
que construam o experimento. As exigências quanto à atuação do
professor, nesse caso, são maiores que nas situações precedentes: discute
com os alunos a definição do problema, conversa com a classe sobre
materiais necessários e como atuar para testar as suposições levantadas,
os modos de coletar e relacionar os resultados.
[...]
Como fonte de investigação sobre os fenômenos e suas transformações, o
experimento se torna mais importante quanto mais os alunos participam na
confecção de seu guia ou protocolo, realizam por si mesmos as ações sobre
os materiais e discutem os resultados, preparam o modo de organizar as
anotações e as realizam. (PCN, 2001, p. 123)
aos produtos da Ciência, como podemos ver no quadro 2, e estão de acordo com as
idéias do movimento CTS.
Quadro 2: Distribuição dos objetivos gerais do ensino fundamental, segundo a sua finalidade no
processo de ensino–aprendizagem.
Abordar o Processo da Ciência Abordar os Produtos da Ciência
Formular questões, diagnosticar e propor Saber utilizar conceitos científicos básicos,
soluções para problemas reais a partir de associados à energia, matéria, transformação,
elementos das Ciências Naturais, colocando em espaço, tempo, sistema, equilíbrio e vida.
prática conceitos, procedimentos e atitudes
desenvolvidos no aprendizado escolar. Compreender a saúde como bem individual e
comum que deve ser promovido pela ação
Saber combinar leituras, observações, coletiva.
experimentações, registros, etc., para coleta,
organização, comunicação e discussão de fatos e Compreender a natureza como um todo
informações. dinâmico, sendo o ser humano parte integrante e
agente de transformações do mundo em que
Valorizar o trabalho em grupo, sendo capaz de vive.
ação crítica e cooperativa para a construção
coletiva do conhecimento. Compreender a tecnologia como meio para suprir
necessidades humanas, distinguindo usos
corretos e necessários daqueles prejudiciais ao
equilíbrio da natureza e ao homem.
mundo do ponto de vista científico, sem demarcar as fronteiras entre as áreas. Uma
visão interdisciplinar das ciências. A disciplinarização das ciências pode ocorrer à
medida que a criança avança na sua escolaridade, pois, assim, será possível que
ela veja o todo em partes e a parte no todo.
Com a finalidade de contribuir com a seleção dos conteúdos numa
perspectiva interdisciplinar, o PCN os distribuiu em blocos temáticos, tornando mais
flexível o trabalho de selecionar do professor . Para o ensino fundamental, o PCN
propôs quatro blocos temáticos: Ambiente, Ser humano e saúde, Recursos
tecnológicos e Terra e Universo.
Os três primeiros blocos se desenvolvem ao longo de todo o ensino
fundamental, apresentando alcances diferentes nos diferentes ciclos.
O bloco Terra e Universo só será destacado a partir do terceiro ciclo e não
será abordado neste documento, completo apenas para os dois primeiros
ciclos. (PCN, 2001, p. 43)
18
Até o momento, não está claro como o Estado de São Paulo distribuirá os nove anos em ciclos.
79
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
5. A PESQUISA
5.1. A CARACTERIZAÇÃO
André (1992) salienta a necessidade de uma discussão mais efetiva sobre a
conceituação da pesquisa qualitativa. O aumento significativo de pesquisas desse
tipo tem gerado uma série de críticas, muitas vezes, segundo a autora, sem uma
fundamentação apropriada, bem como sem uma definição clara do tipo de pesquisa
qualitativa que se está tratando.
Neste sentido, André (1992) faz uma reflexão sobre os conceitos de pesquisa
qualitativa encontrados, identificando quatro tipos de conceitos na literatura
especializada e um no senso comum.
Entre esses conceitos está o de Martins e Bicudo (1989), para eles, o
conceito é sinônimo de pesquisa fenomenológica. Para Trivinos (1987), o termo tem
o mesmo sentido de etnográfico, e, para Bogdan e Biklen (1994), o significado é
conhecido como guarda-chuva, pois permitiria uma série de pesquisas, incluindo os
estudos clínicos. O conceito mais popular, segundo André (1992), é aquele que
considera a pesquisa qualitativa como não quantitativa.
André (1992) afirma que, a partir do fim do século XIX, estudiosos do
fenômeno humano e social questionavam a perspectiva positivista adotada pelas
Ciências Naturais como modelo para as Ciências Sociais. Tais estudiosos
sugeriram uma abordagem metodológica que valorizasse a interpretação e a
compreensão dos significados dados pelos sujeitos da pesquisa, considerando o
contexto em que ocorreram.
A corrente de conhecimento denominada como idealista-subjetivista (ANDRÉ,
1992) é defendida por tais estudiosos, os quais valorizam a indução e consideram que
os fatos e valores estão intimamente relacionados, o que implica admitir a não
neutralidade do pesquisador. Dessa forma, configurou-se a pesquisa qualitativa, que
não envolve a manipulação de variáveis por meio experimental, pois os estudos são
realizados no seu ambiente natural e levam em consideração todos os componentes de
uma situação, suas interações e influências sobre o objeto de estudo.
Para André (2005), a pesquisa qualitativa tem sua origem teórica na
fenomenologia, e dessa derivam as idéias sobre o interacionismo simbólico, a
81
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
5.2. O OBJETIVO
Como foram abordadas nos capítulos anteriores, a escola e a sala de aula
sofrem transformações ao longo do tempo, fruto da dinâmica social. Forças internas
e externas agem sobre elas, o que impõe ao professor uma série de condições que
o levam a reproduzir o sistema19. Porém, em virtude das especificidades do trabalho
19
Entendendo por sistema, o conjunto de forças internas e externas que agem sobre o professor,
como a legislação educacional e trabalhista, o contexto escolar, as aspirações da sociedade, os
83
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
docente, ele também cria situações e exerce a autonomia possível (AZZI, 1998),
afirmando que o professor, ao propor um conjunto de tarefas e interagir com os
alunos, materializa o currículo. Isso significa que a materialização do currículo se
expressa na prática docente, um conjunto de situações educativas propostas pelo
professor que estabelece relações entre ele e os alunos e entre os próprios alunos
para se atingir determinados objetivos educacionais.
Diante disso, o problema que buscamos responder é: como a Professora
Vitória colocou em ação o currículo de Ciências na 4ª série A?
Tendo em vista o problema de pesquisa, o objetivo do presente trabalho foi
analisar como a Professora Vitória materializou o currículo de Ciências na quarta
série A, da Escola Estadual João Pedro de Castro, ao longo do ano de 2006, sob
duas dimensões da prática educativa: a temática e a metodológica. Considerando,
como cenário dessa materialização do currículo, o livro didático adotado, os
Parâmetros Curriculares de Ciências Naturais e o contexto escolar.
21
Galdino (2003) chamou a professora de Sara, e, no presente estudo, adotou-se o nome Vitória.
86
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
DIMENSÃO DIMENSÃO
TEMÁTICA METODOLÓGICA
*Tipos de Conteúdos *Situações Didáticas
Æconceituais, procedimentais e atitudinais.
*Elementos Estruturadores das Tarefas
*Organização dos Conteúdos
Ærelação entre conteúdos; *Relações interativas
Ærelação entre as ciências tratadas;
Ærelação com o PE e o LD.
*Organização Social da Classe
*Recursos utilizados para Aprendizagem
22
Professoras polivalentes são aquelas que lecionam na Educação Infantil e nas séries iniciais do
Ensino Fundamental.
88
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
23
Por questões éticas, os nomes da escola e dos atores envolvidos não foram revelados, portanto os
nomes presentes no trabalho são pseudônimos.
89
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
6. O CONTEXTO ESCOLAR
A escola também desenvolveu outros dez projetos, são eles: Ciências nas
Séries Iniciais; Copa do Mundo 2006; Coral; Educação Ambiental: horta e jardinagem
e reciclagem; Escola da Família; Feira Cultural 2006; Lien Ch’i; Makiguti; Por um
Mundo Melhor e o PROERD (Programa Educacional de Resistência as Drogas).
Esses projetos ocorreram ao longo de 2006, alguns destinados a
determinadas séries, outros desenvolvidos por todas.
O projeto “Ciências nas Séries Iniciais” consistia em desenvolver com os
alunos pelo menos um experimento dentro da proposta do conhecimento físico (ver
capítulo 3), no entanto, a Professora Vitória não desenvolveu nenhum com essa
metodologia. Vale ressaltar que ela entrou de licença em setembro de 2006. O
projeto era destinado a todas as séries.
Legenda: DIRETORA
Funcionários Pedagógicos Profa. Carmem
Funcionários Administrativos
Gestores
VICE-DIRETORA
Profa. Izadora
COORDENADORA
PEDAGÓGICA
Profa. Rita
SECRETÁRIA
Sra. Cláudia
CORPO DOCENTE
24 professoras
FUNCIONÁRIOS 2 professores de Educação Artística
ADMINISTRATIVOS 4 professores de Educação Física
2 Oficiais de escola
1 Merendeira
2 Inspetoras de Alunos
1 Bibliotecária Figura 3: Organograma da Escola.
1 Amigo da Escola
97
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
alunos, pelo espaço físico, pelo bom atendimento aos alunos, por exigir disciplina, por
inspirar confiança e por ter sido recomendada pela Diretoria de Ensino.
Com relação aos alunos, a maioria ingressou na 1ª série com 7 anos (87,8%)
– idade considerada na época da pesquisa como adequada ou correta – apenas
2,6% dos ingressantes possuíam mais de 7 anos.
Outro dado importante para o processo de ensino-aprendizagem é o fato de
70,1% dos alunos terem horário determinado para estudar em casa; 63,6% deles
estudavam pelo menos uma hora por dia e apenas 9,2% não estudavam. A tabela 3
mostra o que os pais declararam sobre as dificuldades que seus filhos enfrentavam
ao estudarem sozinhos.
Como esperado, 60,3% das mães acompanhavam seus filhos nas tarefas
escolares, contra 19,7% dos pais. Apenas 1,8% declararam que os filhos não precisam
de acompanhamento.
Portanto, estes dados indicam que os alunos dessa escola apresentavam
condições favoráveis para a aprendizagem, começando pela situação econômica,
passando pela escolaridade dos pais e o interesse desses no acompanhamento das
tarefas de casa dos seus filhos e finalmente o tempo reservado diariamente para
estudo em casa.
24
A Entrevista 2 foi realizada em dezembro de 2006.
101
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
25
O texto em negrito dentro das chaves é a fala do entrevistador.
102
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
26
A Entrevista 2 foi realizada em dezembro de 2006.
104
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
outro. Que o ambiente oferece tudo o que você precisa para viver. Por isso
que você tem que preservar esse ambiente que te permite viver. Que tudo
que está aí. É, eu acho que é melhor do que ficar falando: “-Ah, o efeito
estufa, o aquecimento global, bla-bla-bla”, que é aquilo que está lá muito
longe. (Entrevista 2, 2006)
Porém, ela deixou claro que não se trata de qualquer conteúdo sobre o corpo
humano ou seres vivos, esses precisam estar próximos do aluno, fazer parte do seu
mundo. O uso de termos apenas para memorizá-los é um dos pontos freqüentes do
discurso da professora que discorda dessa forma de ensinar:
[...] Eu acho que não preciso ficar ali, lendo, decorando os órgãos, o
aparelho, prefiro esse sentido de tocar, de ver, de perceber, perceber no
colega, né? É, não sei, tem coisa que falar o que significa não tem
necessidade. Acho que lá para frente, eles podem se deter nesses nomes.
Sabe, eu acho tão... vago falar sobre a célula, essas coisas, não sei, às
vezes eu acho que ficar presa naquilo não vale a pena. Eu acho mais
importante ele sentir, como o corpo funciona tal, do que ficar decorando,
fazendo um desenho, acho tão vago isso daqui (apontando para a página
sobre célula e tecido). Que para mim, eu [sic] isso daqui, eu não acho útil.
Eu não entendo nada, isso daqui para mim, não significa nada, eu fico
imaginando isso na cabeça do aluno. Então, para que eu ficar, decorar, sei
lá o nome. Como aqui, o que é tecido, o que o tecido forma, acho difícil.
(Entrevista 2)
Eu tenho muito essa coisa. Eu acho muito mais produtivo. Se é uma criança
de 9, 8 anos. Vamos lá, vamos pegar na plantinha, vamos ver a formiguinha
carregando: por que ela carrega, o que vai acontecer se tiver mais sapo do
que mosquito, sabe? E não ficar naquela coisa de decorar. (Entrevista 2,
2006)
Ao ser questionada por que não abordou os conteúdos de química e de física
que estavam presentes no livro didático, a Professora Vitória argumentou:
Como professora, você se depara com coisas, e você tem insegurança
quanto a isso também. Porque até se você falar de seres vivos, corpo
humano. Falar de água, planta, é mais fácil. Ainda assim você sente um
pouco de insegurança. Não é? E eu não sei. Às vezes eu me..., não me
condeno, mas eu falo: “Nossa, mas você está sendo muito crítica com você
mesma”. [...] Talvez se eu fosse mais light, e sentisse mesmo ali o que o
livro está te dizendo. Eu sou muito assim. Eu acho que posso estar
passando uma coisa errada. É insegurança mesmo, eu acho. [...] Então, a
Química, até para você entender. Porque você vê que é também uma coisa
que faz parte do dia-a-dia de qualquer pessoa. Mas, sempre tem essa
coisa: “Estou acertando, estou fazendo bem, estou no caminho certo? Será
que não estou deixando nada para trás?” [...] Porque se você está fazendo
aquilo, você não pode falhar com aluno (Entrevista 2, 2006).
No trecho a seguir, ela cita dois exemplos, um ligado à física e outro a química,
completando o seu raciocínio sobre por que evita os conteúdos dessas disciplinas:
[...] E isso também surgiu uma vez sobre a massa. “Ah, porque o
astronauta...?” Como era? Quando ele está na Lua... Ele tem a mesma
massa, e não tem o mesmo peso, é isso, não é? Por quê? Não sei. Não é
por causa da gravidade? Entendeu? Sei lá. Você fala o que você imagina, o
que você raciocina, não é? O fermento: por que fermentou? Porque o outro
agiu sobre ele? Mas agiu como? Não é? Entendeu? É, agiu? É, porque o...
105
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
Sei lá, tem coisas que nem eu mesma sei. Acho que tem coisas que a gente
deveria saber. (Entrevista 2, 2006)
Nesse momento, a professora foi questionada se não seria interessante um
curso de física e de química para os professores polivalentes, e ela respondeu: “É,
porque como o de Física. Você viu o de Física? Jamais a gente ia conseguir passar
aquilo27, jamais! Não dá! Aí você deixa de lado. Você entendeu?” (Entrevista 2). É
nítida a influência das marcas deixadas pelas disciplinas de química e física na vida
da Professora Vitória:
Para mim Física sempre foi um horror, porque eu nunca entendi, nunca!
Quer dizer, entendia, mas era aquela coisa mecânica. Eu decorava a
fórmula. E a gente decorava a tabela periódica, e sempre foi uma tortura. [..]
Ah, uma tortura. E talvez a gente traga isso também hoje. Porque me
torturou tanto, que, como é que eu posso estar dando essa matéria?
(Entrevista 2, 2006)
Porém, com relação aos conteúdos de biologia, a Professora Vitória tem uma
imagem melhor, suas lembranças são positivas. Durante o antigo Magistério, Vitória
lembrou que a sua professora de Biologia dava aula no laboratório e que os alunos
montaram um esqueleto de galinha, embora não tenha participado dessa atividade,
contou o fato com entusiasmo, demonstrando que a disciplina deixou uma marca
positiva em sua lembrança. Outra marca positiva na área da biologia foi à atividade
do teste do grupo sangüíneo que ela realizou na 8ª série. Essas marcas deixadas
por nossas experiências, enquanto aluno, refletem de uma certa forma em nosso ser
docente. No caso da Professora Vitória, as disciplinas de física e química foram uma
tortura, e o excesso de coisas para decorar não fazem sentido para ela, por esses
motivos, condena o decorar por decorar e, talvez, a faça evitar assuntos dessas
disciplinas. Em conversas informais, a professora deixou claro que o mais
importante é compreender o conceito, o significado do termo, da palavra. O que
pode sinalizar uma valorização dos conteúdos conceituais.
Outro ponto que pode ter influenciado de alguma forma a práxis da professora
é a sua opinião sobre a sua classe. Na opinião da Professora Vitória, a sua classe
de 4ª série é agitada e a fez ter uma atitude diferenciada em relação à classe do ano
anterior (2005):
[...] É uma classe difícil. A característica da classe exige uma postura
diferenciada, né? [...] Eu digo, assim, porque o ano passado a minha sala
era mais tranqüila, o grupo não exigia uma postura mais firme. Porque com
27
Referindo-se a questão do peso e da massa do astronauta na Terra e na Lua.
106
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
eles eu preciso ser mais rígida. Porque você vê que eu tenho... que muitas
vezes chamar a atenção. Muitas vezes, você entendeu? [...] Era o mesmo
grupo do ano passado, ela veio fechada para quarta e eu não fui professora
deles na terceira. Então, era o mesmo grupo e era uma sala muito difícil.
Mas hoje ela está melhor. Nossa, o que mudou, mas é porque eu sou... Não
sei se autoritária, mas eu exijo, senão, você não caminha. [...] No começo
do ano foi assim, difícil, mas eu vou em cima. Eu não tiro aluno da sala, não
levo para a direção, eu vou ali com a mãe, com bilhete, chamo, chamo de
novo ou faço uma ocorrência na ficha do aluno (se referindo ao livrinho de
ocorrência da inspetora). Eu não dou brecha. [...] Para ele perceber.
Porque eles vão testando, porque se eles estão vendo que ‘ela fala, fala e
depois não acontece’ não adianta, na reunião eu falo isso: ‘quando eu
marco na agenda é porque passou dos limites’. A gente usa muito a agenda
para comunicados. [...] Essa sala tem essa característica, é uma sala que
eu não posso sair para ir ao banheiro, por exemplo. Eu tenho que ficar ali o
tempo todo, se eu for ali na sala ao lado pegar um mimeógrafo ou uma
vassoura, são dois minutos é o suficiente, então tem que ser ali, marcação
cerrada. (Conversas Informais, 2006).
Essa visão que a professora tem da classe é um fator que pode delimitar a
sua práxis, certas atividades que ela conhece e está acostumada a desenvolver só
seriam aplicadas se as características da sala permitissem.
A Professora Vitória reconhece a importância em se manter atualizada com
relação aos conteúdos de Ciências e, sendo uma pessoa crítica, afirma:
Não sei exatamente se estou atualizada, mas procuro pesquisar,
normalmente na Internet, sobre assuntos que surgem durante as aulas ou
algum assunto que eu sinta necessidade de saber mais para complementar
minha aula. Infelizmente, esses momentos de pesquisa não são freqüentes,
embora sinta que deveriam ser uma rotina na vida do professor
(Questionário, 2006).
Esse depoimento nos mostra a força da Internet no processo de formação
permanente do professor e enquanto currículo apresentado. Mas, em conversas
informais, Vitória citou a Revista Nova Escola da Fundação Victor Civita, que
também está presente na Internet, e a coleção didática de Ciências COPE como
fontes de consulta e apoio a sua ação docente.
Sentir a necessidade de buscar informações que auxiliem na configuração da
prática docente e reconhecer a importância da permanente formação do professor
nos mostram uma professora compromissada com o seu aluno e com a sua
profissão, não se limitando a ser apenas uma professora, mas procurando ser uma
‘boa professora’.
As idéias da Professora Vitória aqui apresentadas podem ter se constituído
em fatores que influenciaram a docente no momento da seleção dos conteúdos e na
forma como eles foram desenvolvidos em sala de aula quando o currículo foi
colocado em ação. Tais fatores são os seguintes:
107
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
com a sua formação inicial. Então, o que está faltando em nosso sistema acadêmico
para isolar esse tipo de discurso? Quais as medidas públicas que o Ministério da
Educação têm tomado com relação a formação de professores polivalentes para
reverter esse quadro e, se houverem, qual foi a contribuição? Essa situação
favorece a quem?
Essa idéia de uma formação inicial insatisfatória colabora com o quadro de
insegurança dos professores, principalmente em relação aos conteúdos de Ciências,
pois os diferentes tipos de conteúdo específico para a área nem sempre são
compatíveis com a carga horária disponível. O quadro se complica na medida em
que a Professora Vitória reconhece que os momentos de pesquisa para atualização
são escassos, o que demonstra uma fragilidade ou ausência das políticas públicas
para a formação permanente e/ou continuada. No caso da Professora Vitória, é
inegável as marcas positivas que os projetos na área de Ciências deixaram e que
poderão ser percebidas no capítulo 8. Porém, surgem outras questões: quais as
condições disponíveis aos professores para que eles possam se manter atualizados
e possam melhorar e inovar no seu trabalho? Como uma professora como a Vitória,
casada com dois filhos pequenos, que trabalha de segunda a sexta-feira em dois
períodos, das 7h às 17h, que eventualmente precisa estar aos sábados na escola,
que possui cerca de 80 alunos e um salário que não atende a um padrão mínimo de
vida pode se manter atualizada?
Por fim, percebemos que a Professora Vitória faz parte da maioria dos
docentes que valoriza a disciplina de Ciências. Os estudos de Freire (2000),
também, apontam para a valorização do ensino de Ciências por parte dos
professores polivalentes, dos 73 professores que participaram da pesquisa, 69
concordaram que a disciplina de Ciências é fundamental para a formação inicial dos
alunos, e 61 acreditam que não haja disciplina com conteúdos mais úteis para o
cotidiano do aluno do que Ciências; porém, ao serem questionados se as disciplinas
de Português e Matemática seriam prioridade para as séries iniciais do Ensino
Fundamental, apenas 32 discordaram. Sobre a disciplina preferida dos alunos,
Freire (2000) mostra que Ciências foi a opção de 31 dos 73 professores
entrevistados. O que significa que tanto professores como alunos reconhecem e
gostam dos assuntos abordados pela disciplina, mas, em termos de prioridade, as
disciplinas de Português e Matemática continuam a frente de Ciências. O desafio
109
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
Figura 4: Capa do Livro didático Tecnologia. Cada uma dessas unidades foi dividida
adotado na Escola para o período em capítulos (ver quadro 3), e esses, em itens.
2004-2006 (TRIGO, 2001).
28
Em 2006, foi o último ano de uso dessa coleção pela escola, pois o prazo de três anos expirou, e a
escolha da próxima coleção foi realizada em agosto de 2006.
29
A avaliação do PNLD, realizada em 2003, atribuiu às 21 obras de ciências uma das seguintes
menções: Recomendado com Distinção, Recomendado e Recomendado com Ressalva. Atualmente,
essa classificação não é mais utilizada.
113
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
Tudo o que você pode tocar e quase tudo o que você vê nos ambientes
naturais e construídos ocupa lugar no espaço. Tudo que ocupa lugar no
espaço é composto de matéria. [...] A medida da quantidade de matéria
de um corpo é a sua massa. (TRIGO, 2001, p. 9)
Para encerrar a discussão sobre a massa, o texto acrescenta que a massa
pode ser medida em quilograma. Porém, o livro não menciona nada sobre volume
que foi citado ao propor a impenetrabilidade da matéria.
Ao que tudo indica, esse trecho do livro parece um pouco desarticulado com a
proposta inicial, exigindo do professor a realização de intervenções explicativas em
alguns pontos, como sugerem os avaliadores do Guia do Livro Didático (BRASIL,
2003, p. 270): “A disposição dos assuntos pode, às vezes, confundir ou desconectar
as informações. Nesses momentos, o professor deverá discernir o que é central e o
que é secundário, e dispor uma nova seqüência de leitura”.
Na página 12, o livro propõe oito questões distribuídas em cinco atividades. A
questão um exigia do aluno os conceitos de atmosfera, litosfera, hidrosfera e
biosfera; duas questões abordaram a relação homem-natureza; e quatro, as
propriedades da matéria. Das questões propostas, quatro são fechadas e três são
de transcrição de texto30:
1] Qual a diferença que existe entre atmosfera, litosfera, hidrosfera e
biosfera?
5c] O que você entende por massa de um corpo?
5d] O que você faz para medir a massa do seu corpo? (TRIGO, 2001,
p.12)
As questões acima e o próprio texto base do item levantam a questão: qual a
finalidade do item “De que são feitas as coisas” para a unidade?
Com o objetivo de o aluno aplicar a propriedade geral da matéria,
impenetrabilidade, o livro didático propôs a atividade quatro: “4] Considerando
propriedades da matéria, explique: Por que ocorre colisão entre dois carros? Por que
a água contida em uma banheira bem cheia transborda quando entramos nela?”
(TRIGO, 2001, p. 12). Diante dessa atividade em particular, levantamos a pergunta:
será que essa forma de avaliar a compreensão da propriedade de impenetrabilidade
foi a mais adequada, em termos dos exemplos usados e da forma como foi
elaborada?
30
Neste trabalho, entende-se por transcrição de texto a resposta que praticamente é a transcrição
literal de um trecho do texto.
116
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
Por fim, o livro encerra o capítulo, “O que existe no mundo em que vivemos”,
com um texto sobre vulcões.
Além de questionarmos o papel do item na unidade, faz-se necessário
questionar também a importância de abordar tais assuntos para uma quarta série, onde
a idade média é de dez anos. Será que tais conteúdos, do ponto de vista químico, são
mais importantes para a criança do que os conhecimentos sobre a composição dos
materiais, como sugere o título do item e o último parágrafo da introdução?
A unidade “Ambiente e seres vivos” é constituída por dois capítulos (quadro
3). O primeiro capítulo dessa unidade discute as “Relações entre Seres Vivos” e
segue o mesmo padrão da unidade anterior, na abertura, há uma proposta de
interação com os alunos. “Escreva um texto sobre um ser vivo, como ele vive na
natureza e do que precisa para viver. Depois, converse com seus colegas sobre o
que eles escreveram” (Trigo, 2001, p. 59) E em seguida o texto base aborda a
relação entre os seres vivos e os seres não vivos, como a água, o ar e a luz e o
calor do Sol; a relação entre vegetais, entre animais e entre animais e vegetais. As
relações foram acompanhadas de exemplos. Definiu ecologia e o papel dos
ecologistas. Outros assuntos como a fotossíntese, a polinização, a disseminação de
sementes, o equilíbrio ecológico, as plantas aquáticas e terrestres, o líquen e o
papel das fezes para o solo foram abordados pelo livro didático.
O livro didático somente utilizou os termos científicos, epífita e parasita ao
mostrar as respectivas relações entre os seres vivos. O comensalismo, o
mutualismo, o esclavagismo, o predatismo entre outros termos utilizados para
designar as diferentes relações entre os seres vivos não foram citados, apenas os
seus exemplos.
Duas caixas de texto foram colocadas nesse primeiro capítulo. Uma solicitando
que o aluno identifique em uma figura as relações entre os seres vivos descritas no
texto, e a outra pedindo para que as crianças observem os seres vivos no jardim e
pesquisem sobre como eles vivem e as relações que mantém com outros seres vivos.
Nas páginas 66 a 68, são apresentadas seis atividades, das quais duas
totalizam dez perguntas fechadas. Duas abordam o equilíbrio ecológico, e as
demais, as relações entre os seres vivos e entre os seres vivos e os seres sem vida.
117
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
Quadro 4B: Articulação dos conteúdos com os demais elementos do plano de ensino
e a sua relação com os conteúdos do livro didático adotado
Elementos do Plano de Ensino
Livro
Objetivo
Conteúdos Habilidades Didático
Geral
1- Camadas do planeta Terra: hidrosfera, atmosfera e litosfera. Não Não Sim
2- Principais componentes da Camada da Terra. Não Não Sim
3- Materiais que compõe os objetos. Não Não Sim
4- Transformações físicas e químicas. Não Não Sim
5- Análise da atividade vulcânica. Não Não Sim
6- Recursos naturais e preservação ambiental. Parcial Parcial Sim
7- Seres vivos: Conhecendo ambientes; Medidas de preservação
ambiental; Cadeias alimentares; Equilíbrio ecológico. Parcial Parcial Sim
8- Seres vivos e seu habitat. Não Não Sim
9- Interferência do ser humano na cadeia alimentar. Não Não Sim
10- Corpo humano (todos os sistemas): digestão, respiração,
Sim Sim Sim
circulação, excreção.
11- Reprodução humana. Sim Sim Sim
12- Medidas de higiene física, mental e social. Sim Sim Sim
13- Doenças (contagiosas e não contagiosas). Sim Sim Sim
14- Prevenção de acidentes. Sim Sim Sim
15- Medidas de saneamento básico (lixo e reciclagem). Sim Sim Sim
16- Esgoto (tratamento e despoluição de mananciais). Sim Sim Sim
17- Técnicas e tecnologia. Não Não Sim
Fonte: Plano de Ensino de Ciências 4ª série (anexo 2) e TRIGO, 2001.
Sim: está articulado com; Não: não está articulado com; Livro Didático: conteúdos presentes no livro
didático.
Quadro 5: Temas desenvolvidos na 4ª série A e sua articulação com o currículo apresentado e moldado
pela Professora Vitória
Aula: data Unidade 1: O Ensino de Ciências e a Ciência Plano de Livro
Ensino Didático
01: 8/3 Discutindo o Ensino de Ciências e a Ciência NA NA
02: 15/3 O processo da Ciência NA NA
03: 21/3 O papel do experimento e do relatório NA NA
Unidade 2: A Natureza
04: 29/3 As características dos diferentes ambientes e as camadas
AT AT
terrestres
05: 5/4 De que são feitas as coisas PA AT
06: 12/4 Relações entre os seres vivos NA AT
07: 19/4 Visita ao Bosque PA PA
08: 26/4 Exercícios sobre os seres vivos e suas relações PA AT
09: 3/5 Cadeia Alimentar AT AT
10: 17/5 Deslizamento e mata ciliar AT AT
11: 14/6 Comprovando o papel da mata ciliar PA PA
Unidade 3: O Corpo Humano
12: 21/6 As partes externas do corpo humano AT AT
13: 28/6 O Torso e as partes internas do corpo humano AT AT
14: 16/8 Jogo dos Sentidos AT AT
15: 23/8 Órgãos do sentido e o sistema nervoso/ ossos e músculos AT AT
16: 30/8 Desenho síntese/ Agita São Paulo NA PA
17: 13/9 A nossa alimentação e o que é alimentar-se bem? AT AT
Fonte: Transcrições das aulas. NA: não está articulado com; AT: está articulado com; PA: parcialmente
articulado com.
Outro ponto importante é o fato de a unidade não estar articulada, nem com o
plano de ensino de Ciências, nem com o livro didático adotado (quadro 5). Isso
mostra que a professora sentiu a necessidade de trabalhar tais assuntos antes dos
demais e para isso precisou buscar em outras fontes o material a ser desenvolvido e
seguir uma orientação diferente da proposta pelo livro e pelo plano de ensino.
Questionada sobre como ela fez para selecionar os conteúdos e organizá-los dessa
forma, a Professora Vitória respondeu que se baseou na proposta de outro livro
didático, ele faz parte da coleção Cope – Ciências, Observação, Pesquisa,
Experimentação, da editora Quinteto. O livro é da terceira série.
O PCN de Ciências Naturais, para as séries iniciais, não faz referência a
esses conteúdos enquanto conceitos, mas os trata como conteúdos procedimentais.
Para o currículo prescrito, a finalidade não é conhecer o processo da Ciência, citar e
explicar as etapas do processo. Mas vivenciar situações que possibilitem ao
educando desenvolver algumas habilidades e procedimentos científicos, como a
observação, a classificação, a previsão e a investigação propostas por Carvalho
(1998), Harlen (1998), Harlan e Rivkin (2002), entre outros.
135
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
31
O Ensino Fundamental no Brasil está distribuído atualmente em nove anos. Chamamos de anos
iniciais os cinco primeiros anos, que correspondem à faixa etária entre seis e dez anos de idade, e as
aulas são conduzidas por professores polivalentes. O PCN dividiu essas séries em dois ciclos, primeiro
ciclo com a 1ª e 2ª séries, e o segundo ciclo com a 3ª e a 4ª séries. No Estado de São Paulo, ainda não
136
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
houve a organização do ensino em nove anos, por isso, continuamos usando o termo antigo, séries
iniciais.
137
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
b) TIPOS DE CONTEÚDOS
Os quadros 6, 7 e 8 mostram os conteúdos desenvolvidos nas 17 aulas. Em
virtude do número de conteúdos da unidade dois, o quadro 7 foi dividido em três. Os
conteúdos referentes às aulas 4 e 5 estão representados no quadro 7A, os
referentes às aulas seis a nove estão no quadro 7B, e os conteúdos das aulas dez e
11 estão no quadro 7C.
O conceito de conteúdo aqui adotado não se restringe a fatos, conceitos ou
princípios de caráter cognitivo referentes a uma determinada disciplina. A
definição é mais ampla e segue o conceito definido por Zabala (1998): conteúdo é
tudo que se pode aprender para alcançar determinados objetivos que possibilitem
ampliar as capacidades cognitivas, motoras, afetivas, de relação interpessoal e
de inserção social. Esse conceito abrangente sugere que a aprendizagem de um
conteúdo, por mais específico que seja, estará sempre associada a conteúdos de
outra natureza (ZABALA, 1998).
Os conteúdos dos quadros 6, 7 e 8 foram classificados segundo a tipologia
definida por César Coll em 1986. Essa tipologia classifica os conteúdos em:
conceituais, atitudinais e procedimentais.
Para Coll (1986), segundo Zabala (1998) , o conteúdo conceitual refere-se a
saber conceitos, fatos e princípios, ou seja, a compreender os conhecimentos
disciplinares. Os conteúdos procedimentais estão relacionados ao saberfazer, isso
significa “as técnicas, os métodos, as destrezas ou habilidades, as estratégias, os
procedimentos... São conteúdos procedimentais: ler, observar, calcular, classificar,
traduzir, recortar, saltar, inferir, espetar etc.” (ZABALA, 1998, p. 43).
Os conteúdos atitudinais tratam do saber ser e envolvem valores, atitudes e
normas. Zabala (1998) afirma que aprendemos um valor quando elaboramos
139
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
critérios morais de atuação para que possamos nos posicionar após avaliação sobre
algo. As atitudes são aprendidas quando os pensamentos, os sentimentos e a
atuação são relativamente constantes diante de uma determinada situação. O autor
também afirma que as normas são aprendidas quando simplesmente a aceitamos,
quando nos conformamos, ou quando a aceitamos por compreendermos a sua
necessidade. Isso significa que a característica básica desse tipo de conteúdo é a
necessidade de elaborações complexas de caráter pessoal, que envolvem a
compreensão de conceitos associados ao valor, juntamente com a reflexão e a
tomada de posição, o que exige mobilizar todos os recursos relacionados com o
componente afetivo. Para Zabala (1998), faz-se necessário considerar toda rede de
relações que se estabelecem em aula, o que significa considerar as relações entre
os diversos atores envolvidos no processo. A forma como as atividades são
organizadas estabelece determinados papéis aos atores envolvidos no processo que
irá ou não promover certas atitudes. Neste trabalho, conteúdo atitudinal é tudo aquilo
que mobiliza os componentes afetivos do educando, no sentido de promover certos
valores para que este possa fazer um juízo de valor, seja de si, de outros, ou de
algo, assim como dar auxílio para que possa desenvolver atitudes.
Dessa forma, ao classificar os conteúdos, deve-se considerar não só o
conteúdo em si, mas a forma como foi abordado na atividade. Isso porque a forma
como o conteúdo é abordado revela não só a sua finalidade educativa, como propõe
Zabala (1998), mas pode revelar também os objetivos secundários que, de certa
forma, sustentam as intencionalidades educativas da professora.
Por isso, nos quadros, os conteúdos foram classificados segundo a sua
tipologia em: principal (P) e secundário (S), quando não foi possível verificar se o
tipo de conteúdo assumiu um caráter secundário ou de apoio foi atribuída a letra (i),
não se considerou os conteúdos atitudinais que geralmente permeiam qualquer aula,
como o respeito ao professor e aos colegas, ou seja, aqueles que estejam mais
ligados ao controle da disciplina que à atividade em si.
Os quadros mostram o que foi tratado em cada uma das três unidades
didáticas, respeitando a seqüência temporal.
Como podemos observar no quadro 6, a primeira unidade se caracterizou por
desenvolver principalmente conteúdos conceituais. Os atitudinais se restringiram a
140
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
Quadro 7A: Conteúdos da unidade didática "A Natureza" referentes aos elementos
da natureza segundo a sua tipologia
Tipos de Conteúdo
Aula
Conteúdos abordados em sala de aula CON PRO ATI
1- Descrição das figuras do caderno. 4 S P i
2- Classificação dos seres com e sem vida das figuras. 4 S P i
3- Os diferentes ambientes. 4 P i i
4- Leitura do texto: “O que existe no Mundo em que vivemos”. 4 P S i
5- Conceituação das camadas terrestres. 4 P i i
6- Diferenças entre ambiente natural e artificial. 4 P S i
7- Exercícios de fixação. 4 P S i
8- Leitura do texto sobre vulcões. 4 P S i
9- Relação entre as mudanças ambientais, desaparecimento dos 4 P i
i
dinossauros e adaptação dos seres vivos.
10- Retomada dos pontos da aula anterior. 5 P S i
11- Preenchimento da tabela com a composição dos objetos. 5 P S i
12- Discussão sobre do que são feitos os objetos e a origem dos 5 P
S S
materiais.
13- A variedade de objetos produzidos com o mesmo material. 5 P i i
14- Discussão sobre a possibilidade ou não de dois corpos ocuparem 5 P
S S
o mesmo espaço.
15- Leitura sobre “De que são feitas as coisas”, págs. 8 e 9. 5 P S i
16- Reflexão sobre a impenetrabilidade da matéria. 5 P S S
17- Definição de matéria e massa. 5 P i i
18- Função da balança e a unidade de medida da massa. 5 P i i
19- Exercícios de fixação. 5 P S i
20- Apresentação das respostas. 5 P S S
21- Propriedade do material x Função do objeto. 5 P i i
22- Revisão das propriedades da matéria. 5 P S i
Fonte: Síntese das transcrições das três primeiras aulas. P- objetivo principal; S- objetivo
secundário; i- objetivo não identificado. CON: conteúdo conceitual; PRO: conteúdo
procedimental; ATI: conteúdo atitudinal.
Quadro 7B: Conteúdos da unidade didática “A Natureza” referente aos Seres vivos
e suas relações segundo a sua tipologia
Tipos de Conteúdo
Conteúdos abordados em sala de aula Aula
CON PRO ATI
23- Leitura intercalada das questões e do texto “Relações entre seres
6 P S i
vivos”.
24- Definição de polinização, ecologia e do papel do ecologista. 6 P i i
25- Comentários sobre alguns problemas ambientais. 6 P S S
26- Conceituação de equilíbrio ecológico por meio de analogia. 6 P S i
27- Explicação do conceito de adaptação por meio de exemplos. 6 P i i
28- Relação entre plantas e animais. 6 P i i
29- Conceituação de plantas terrestres e aquáticas. 6 P S i
30- Visualização de liquens, bromélias e orquídeas. 6 P i i
31- Relação entre as plantas. 6 P S i
32- Conceituação de vertebrados e parasitas. 6 P S S
33- Revisão dos assuntos da aula anterior. 6 P S i
34- Observação das relações dos seres vivos no bosque. 7 S P S
35- Socialização das observações realizadas no bosque. 7 P S S
36- As observações e as relações entre os seres vivos propostas no P S
7 S
livro didático.
37- Elaboração do relatório da visita ao bosque. 7 P S i
38- Leitura das questões sobre os seres vivos. 8 S P i
39- Conceito da palavra ‘essencial’. 8 P S S
40- Exercício sobre os seres vivos. 8 P S i
41- Filme: "O Rei Leão". 9 P S i
42- Discussão sobre a cadeia alimentar proposta pelo filme. 9 P S S
43- Leitura e discussão do texto "Alimento para todos". 9 P S S
44- Definição de decomposição. 9 P i i
45- Definição de fotossíntese, produtores e consumidores. 9 P i i
46- Identificação de produtores e consumidores em uma cadeia P
9 S i
alimentar.
47- O ciclo de vida e o filme. 9 P S S
48- Identificação dos produtores e consumidores presentes no filme. 9 P S S
49- Exercícios mimeografados sobre cadeia alimentar. 9 P S i
Fonte: Síntese das transcrições das três primeiras aulas. P- objetivo principal; S- objetivo
secundário; i - objetivo não identificado. CON: conteúdo conceitual; PRO: conteúdo procedimental;
ATI: conteúdo atitudinal.
Trecho 2
P: O que é que tem aqui no chão?
As: Formigas.
A1: Flores.
A2: Folhas secas.
A3: Folhas mortas.
A4: Seca, seca. Folha seca.
P: E para que será que serve?
A1: É adubo (Transcrição da aula 7, 19/4/06).
Os alunos, durante a visita, também fizeram observações isoladas. Um grupo
de alunos observando o tronco de uma árvore colocou:
A: Alguns cascos de árvore têm Lins... (se referindo aos liquens).
A1: Hum, hum. Alguns cascos de árvores têm buraco, e têm animais dentro.
A2: Ô professora, ô professora! Toquei nela; parece que é alguma coisa
molhada, tipo assim... (Transcrição da aula 7, 19/4/06).
Outros elementos da natureza foram observados como a presença de beija-flor,
minhoca e aranha. Ao redigir o relatório, os alunos desenvolveram a habilidade de
comunicação por escrito e de análise ao comparar as observações com o texto do livro.
Um desses alunos se sentiu como um explorador: “A1: Cadê meu grupo de
exploração?” (Transcrição da aula 7, 19/4/06).
150
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
Portanto, foi apenas na aula sete, durante a visita ao bosque, que o foco se
dirigiu para outro tipo de conteúdo além do conceitual. A finalidade foi observar a
natureza e identificar as relações entre os seres vivos, principalmente aquelas
descritas no livro e trabalhadas na aula anterior.
O conceito nesse caso atuou como suporte para que as crianças pudessem
identificar as relações e saber o que observar.
As aulas referentes ao quadro 7C tiveram uma distribuição melhor dos tipos
de conteúdos. Entre os conteúdos conceituais trabalhados estava o conceito de
erosão, o papel da mata ciliar e o problema gerado pelo desmatamento das margens
do rio. A finalidade dessa unidade foi discutir a importância da vegetação das
margens do rio, mostrando as conseqüências do seu desmatamento; desenvolver o
respeito à mata ciliar e valorizar atitudes de defesa do meio ambiente e, de certa
forma, a reflexão sobre como comprovar hipóteses.
Quadro 8B: Conteúdos da unidade didática “O Corpo Humano” segundo a sua tipologia
Tipos de Conteúdo
Conteúdos abordados em sala de aula Aula
CON PRO ATI
14- Jogo dos sentidos. 14 S P S
15- Comentários sobre o uso dos sentidos no jogo. 14 P i i
16- Exercícios sobre os sentidos. 14 P S i
17- Leitura em voz alta de “Os órgãos do sentido”. 15 P S i
18- Correção dos exercícios sobre os sentidos. 15 P S S
19- Leitura em voz alta comentada do texto “Movimentando o
15 P S i
corpo”.
20- Percebendo os ossos de nosso corpo. 15 S P i
21- Identificando os ossos da figura em nosso corpo. 15 S P i
22- Localizando as articulações em nosso corpo. 15 S P i
23- Função das articulações. 15 P i i
24- Tipos de articulações. 15 P i i
25- Identificando os músculos do antebraço. 15 S P i
26- Comentários sobre fraturas e câimbras. 15 P S i
27- Tipos de músculos. 15 P S i
28- Relação entre a atividade física e os músculos. 15 P S S
29- Exercícios sobre o esqueleto e os músculos. 15 P i i
Fonte: Síntese das transcrições das três primeiras aulas. P- objetivo principal; S- objetivo
secundário; i- objetivo não identificado. CON: conteúdo conceitual; PRO: conteúdo procedimental;
ATI: conteúdo atitudinal.
156
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
Como podemos verificar no quadro 8B, as duas aulas não trabalharam muitos
conteúdos procedimentais. Um deles foi o jogo dos sentidos, no qual os alunos de
olhos vendados tentavam descobrir o que estava dentro de um saco preto, utilizando
o tato, a audição, o olfato e o paladar, ou seja, desenvolveram a capacidade de
observar, analisar e inferir. Na aula 15, foi trabalhada a capacidade de comparar e
identificar ossos, articulações e músculos, o que constitui um conteúdo procedimental.
Sobre os conteúdos atitudinais, mais uma vez assumiram um papel
secundário no processo de construção do currículo.
No quadro 8C, estão os conteúdos trabalhados nas aulas 16 e 17.
Os conceitos e fatos desenvolvidos nessas aulas (quadro 8C) foram: os
benefícios da atividade física, conceito da pirâmide da atividade física, conceito de
alimentação saudável e exemplos de postura correta em diversas situações.
No caso dos conteúdos procedimentais, o desenho proposto teve como
finalidade desenvolver a habilidade de expressão do aluno. Ele deveria expressar a
opinião do aluno sobre o que considerou mais interessante nas aulas de Ciências.
Ao solicitar que os alunos discriminassem os alimentos consumidos no recreio
e no dia anterior, a professora desenvolveu a habilidade do aluno em organizar dados
em quadro e de descrever a própria alimentação. Na avaliação da alimentação, a
professora procurou ampliar as capacidades do aluno de análise e inferência.
Quadro 8C: Conteúdos da unidade didática “O Corpo Humano” segundo a sua tipologia
Tipos de Conteúdo
Conteúdos abordados em sala de aula Aula
CON PRO ATI
30- Síntese das aulas de Ciências. 16 P S S
31- Desenho e texto sobre o que achou mais interessante das aulas
16 S P i
de Ciências.
32- Comentários sobre o passeio "Agita Galera". 16 P S S
33- Leitura comentada do folheto “Agita São Paulo”. 16 P S S
34- Benefícios da atividade física e recomendações. 16 P S S
35- A pirâmide da atividade física. 16 P S i
36- Leitura comentada de “Postura correta”: ao andar, ao sentar e ao
16 P S i
dormir. pág.105
37- Leitura comentada do texto mimeografado sobre a postura do
aluno: ao sentar na carteira, carregando a mochila, andando e 16 P S S
levantando peso.
38- Concepções dos alunos sobre alimentação. 17 P S S
39- Levantamento dos alimentos consumidos no recreio e no dia
17 S P S
anterior.
39- Avaliação sobre a alimentação do recreio e do dia anterior. 17 S P S
40- Discussão sobre o conceito de alimentação saudável. 17 P S S
Fonte: Síntese das transcrições das três primeiras aulas. P- objetivo principal; S- objetivo
secundário; i- objetivo não identificado. CON: conteúdo conceitual; PRO: conteúdo procedimental;
ATI: conteúdo atitudinal.
157
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
Sem uma resposta clara para tais indagações, o que percebemos foi um
conteúdo que procurou aproximar o aluno da natureza por meio da observação e da
informação. Numa perspectiva como a apontada por Lemke (2006, p. 6):
No século XXI, quais são as contribuições mais importantes que a educação
científica pode fazer aos estudantes e para a sociedade? Como podemos
fazer que a educação científica sirva melhor aos interesses de toda as
pessoas? Sustentarei que a educação científica necessita mais de
entusiasmo, mais honestidade, mais humildade e mais valor real para
muitos estudantes. Com os estudantes menores, devemos trabalhar para
criar um compromisso mais profundo com os maravilhosos fenômenos
naturais.
Nessa linha de pensamento, sobre o papel do ensino de Ciências, os
conteúdos da unidade três trataram do corpo humano, mostrando suas partes e seu
funcionamento. Possivelmente, na perspectiva do aluno respeitar o próprio corpo e
valorizar aspectos ligados à saúde, como, por exemplo, a necessidade de atividade
física, da postura correta e da boa alimentação.
Cachapuz et allii (2005) reconhecem a imperativa necessidade de a educação
científica cumprir seu papel social, numa perspectiva de ampliar o debate sobre a
sustentabilidade e discutir questões que nós, enquanto sociedade, enfrentamos ao
longo de nossa história. A obesidade é um problema atual que caminha
paradoxalmente a outro: a fome. Além da subnutrição, temos de pensar na má
nutrição. Nossos hábitos mudaram ao longo da história, a TV, o videogame, a
Internet e o comodismo exagerado marcam a nossa sociedade. Talvez essa fosse a
intencionalidade da Professora Vitória ao selecionar os conteúdos que desenvolveu.
Na entrevista, a Professora Vitória explicou porque abordou o corpo humano,
além da necessidade de seguir o plano e o livro didático:
Eu acho importante ele saber como funciona o corpo humano, ele se
reconhecer, não é? Claro, e tem coisas que ele deve aprender mais
tarde. Sabe aquele dia que foi o torso? Nem a gente mesmo tem
esse conhecimento de todos os órgãos. Claro que com a vivência
você vai aprendendo, não é? (Lógico.) Mas eles saberem a
importância. Então: por que comer bem, por que se alimentar, por
que dormir. O funcionamento do corpo humano, entendeu? Mas de
conhecer: o coração bate, vamos perceber que está batendo.
[...]Porque olhando no livro você sempre corre o risco de esquartejar
o corpo humano, e achar que o coração não tem nada a ver com o
dedão do pé, sei lá. (Claro.) Ir percebendo essas relações. Sem
aquela coisa muito imposta de decorar (Entrevista 2, 22/11/06).
159
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
a) SITUAÇÕES DIDÁTICAS
Depois de decidir o conteúdo a ser ensinado, o professor escolhe as
tarefas educativas para abordá-lo e que serão realizadas pelos alunos, entre elas
estão: a leitura, o questionário, o experimento, a exposição, a descrição, a
elaboração de relatório, a observação, a classificação, a medição entre outras.
Tais tarefas se estruturam em alguns elementos, como o uso de perguntas, o uso
do cotidiano e o levantamento dos conhecimentos prévios dos estudantes,
criando situações didáticas para que a professora possa abordar os conteúdos e
atingir os objetivos educacionais planejados. Por isso, essa categoria analisará
as tarefas desenvolvidas e a próxima, a presença de alguns elementos que as
compõem.
A leitura foi uma tarefa bastante utilizada pela professora. Ela foi trabalhada
de diferentes formas. A leitura mais tradicional, na qual a professora lia em voz alta
sem interrupções, com os alunos acompanhando em silêncio, ou apenas uma leitura
silenciosa. A leitura interativa, em que a professora lia o início de um trecho e
deixava que os alunos terminassem em voz alta.
Por exemplo, a Professora leu: “O ar envolve toda a Terra e forma a...” e os
alunos completaram a leitura: “atmosfera”.
A Professora, então iniciava outro trecho: “A atmosfera filtra grande parte
dos raios ultravioleta do...” e os alunos em coro leram “Sol”.
Em outro trecho do mesmo parágrafo, a Professora leu: “Esses raios
causam danos aos seres vivos e podem...”, novamente, os alunos leram em
coro “provocar doenças nos seres humanos...”, para terminar o parágrafo, a
Professora e os alunos leram em voz alta “como o câncer de pele”
(Anotações do caderno de Observações da aula 4, 29/3/2006).
A dinâmica que essa forma de leitura criou envolveu mais os alunos na tarefa,
aumentando o controle da professora sobre a disciplina e a própria concentração das
crianças. Não foi possível identificar conversas paralelas durante a realização da leitura,
a nossa percepção foi de que todos acompanhavam o texto para lerem o trecho.
Foi possível identificar outra modalidade de leitura, que denominamos de
leitura explicativa, a qual a professora explicava ou comentava o trecho lido. Entre
aspas, está o texto lido pela docente, em negrito, o seu comentário:
161
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
“Em qualquer ambiente existe uma relação dos seres vivos entre si e com
outros componentes desse ambiente. Por exemplo: uma árvore que produz
flores e frutos precisa do solo, de onde retira água e sais minerais. Ela
precisa do ar para respirar, do oxigênio presente no ar” que a gente
conhece “e de luz, para fazer a fotossíntese”. Não é? Ela vai fabricar o
seu próprio alimento. “Essa mesma árvore precisa de insetos e outros
animais para polinizar...”. Que é para levar o pólen de uma planta à outra,
“as flores, que assim produzem frutos; de animais, [ou do ar], ou da água
ou do vento, para espalhar suas sementes. Essas são algumas das
relações desta árvore com o ambiente em que vive”.
Então, uma árvore no ambiente, ela não vai viver sozinha. Ela precisa dos
outros componentes daquele ambiente. Certo? (Transcrição da aula 6,
12/4/06).
A leitura tradicional foi pouco utilizada, a impressão foi de que os alunos se
dispersavam com mais facilidade ora conversando com os colegas, ora se ocupando
de outra atividade. Na leitura interativa, o interesse dos alunos era complementar a
leitura da professora em voz alta.
Na leitura explicativa, a professora fazia algumas breves interrupções
para comentar, explicar ou discutir o trecho lido, o que também mantinha a sala
menos agitada.
A discussão foi outra tarefa utilizada pela professora para abordar os
conteúdos que marcou o seu estilo de ensinar. Tais discussões consistiram,
basicamente, em diálogos entre a professora e as crianças por meio de
questionamentos que ela propunha oralmente, o que estimulava a participação dos
estudantes e contribuía com o controle da disciplina. O objetivo era promover a
reflexão dos alunos sobre um determinado assunto.
Para abordar a cadeia alimentar, o equilíbrio ecológico e outros conceitos
pertinentes, a professora apresentou uma cena do filme “O Rei Leão”32, mostrando o
rei leão conversando com o filho sobre a importância de respeitar todos os animais.
O trecho a seguir mostra uma parte da discussão que ocorreu depois da
apresentação da cena do filme.
P: O que o filme falou?
As: Equilíbrio.
A1: Equilíbrio.
A2: E respeitar os animais.
P: Desde a...
As: Formiguinha até o maior animal....
P: Até o maior dos antílopes...
As: Antílopes.
A1: E aí teve um negócio lá que ele falou do corpo dos antílpes...
As: “Errr”. [Colega faz chacota] Antílopes.
32
The Lion King: Walt Disney Productions, distribuição Buena Vista Pictures, 1994, DVD, 88 minutos.
162
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
33
Todos os alunos já haviam assistido ao filme, por isso a professora utilizou outras cenas que não
foram exibidas.
163
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
refletir sobre um assunto, como foi o caso do sexto sentido. Isso vai ao encontro do
que Harlan e Rivkin (2002, 50) sustentam sobre a condução de discussões: “As
discussões têm objetivos diferentes em momentos diferentes da aprendizagem de
novos conceitos”.
Durante a condução das discussões, foi possível observar que a professora
manteve um grande controle sobre a tarefa. Os questionamentos, os comentários,
as explicações e o considerar ou não as idéias das crianças direcionavam a
discussão de acordo com os interesses da docente, sempre no sentido de promover
uma atitude reflexiva que fazia o estudante ouvir, pensar e falar.
Uma boa discussão coloca o professor no papel de catalisador que fortalece
a capacidade das crianças para pensarem e expressarem as idéias. [...] O
professor catalisador ressalta as contribuições das crianças, acrescenta
informações que expandem essas idéias e esclarece conceitos errados que
ainda possam existir (HARLAN; RIVKIN, 2002, p. 51).
Nesse sentido, a Professora Vitória assumiu o papel de um professor catalisador.
Os exercícios propostos pela professora foram trabalhados de formas
distintas e consistiram em questões ora passadas no quadro, ora presentes no livro
didático com o propósito de avaliar e/ou ‘fixar’ o entendimento ou os conhecimentos
dos estudantes. Os exercícios sobre cadeia alimentar, por exemplo, se apoiaram no
filme para fixar uma série de conceitos, como decompositores, consumidores,
produtores e o próprio equilíbrio ecológico, vistos nas aulas anteriores.
A maneira mais tradicional apresentou um bloco de questões no quadro que
foram copiadas e respondidas pelos alunos no caderno e em seguida corrigidas
oralmente pela professora. O trecho abaixo mostra um exemplo desse tipo de
exercício proposto:
1) Após a leitura do texto, responda:
a) Surgiu um mistério no galinheiro. Qual é esse mistério?
b) Quem foi chamado para investigar o mistério?
c) Todo detetive utiliza estratégias para fazer investigações. Você percebeu
qual foi a estratégia usada pelo Visconde?
d) O que você poderia sugerir para melhorar a estratégia de investigação do
Visconde?
e) Na sua opinião, quem pegou o pintinho do galinheiro? (Transcrição da
aula 2, 15/3/06).
A segunda maneira de trabalhar os exercícios também apresentou um bloco
de perguntas no quadro, porém elas foram respondidas oralmente, por meio de uma
discussão e depois escritas no caderno. Ou seja, perguntas e respostas precisavam
ser registradas no caderno do aluno. A seguir, um pequeno trecho dessa tarefa:
166
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
A1: Não.
A2: Porque os dois não podem ficar no mesmo lugar.
P: Olha aí. Continua... Senta aí, A. Olha aqui uma coisa que está na
atividade 4, que eu vou falar. “Por que a água contida em uma banheira
bem cheia transborda quando entramos nela?” [pergunta 2]
A1: Porque a gente entra e a água sai.
A2: A gente empurra a água e ela sai.
A3: Porque a gente e a água não pode ficar no mesmo lugar na mesma
hora.
P: Tá. Então, vamos escrever. Escrevam aí: porque nós e a água não
podemos ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo. (Transcrição aula 4,
29/3/06).
Uma nova forma de desenvolver os exercícios foi proposta nas aulas oito e
nove. A tarefa consistia em recortar as respostas corretas e colá-las nas
perguntas correspondentes. Os alunos se mostraram interessados e motivados a
desenvolver essa modalidade de tarefa, que, na sua essência, é a mesma da
tradicional, mas em vez de escrever a resposta, os alunos a recortavam e a
colavam na respectiva questão.
Os relatórios foram tarefas que os alunos realizaram no fim de algumas aulas,
com o propósito de sintetizar o que ocorreu e o que eles entenderam da aula, exceto
o da aula três e sete. O relatório da aula três foi o único redigido coletivamente e
teve o propósito de mostrar quais seriam os elementos de um relatório e a sua
importância para a Ciência (ver capítulo 8.3.1).
O relatório da aula sete foi redigido depois da visita ao bosque, com as
seguintes orientações:
P: Então, olha. Não é só para escrever: “-Ah, eu vi árvore, planta, flor,
passarinho, borboleta”. Não é para escrever só o que viu, mas escrever
como é que uma coisa ali, de tudo que a gente estudou, leu, entendeu,
conheceu na aula passada, o que está no livro, vamos dizer assim, que a
gente comprovou lá.
Então, vamos pensar: na aula passada, no que a gente viu hoje, e escrever.
Olha, é rapidinho. (Transcrição da aula 7, 19/4/06).
Como podemos observar, a finalidade desse relatório foi fazer que o aluno
organizasse as idéias, associando as informações vistas na aula anterior com as
observações realizadas durante a visita.
Esse tipo de tarefa colaborou para que os alunos refletissem sobre o que foi
discutido durante a aula, organizassem e expressassem suas idéias por escrito e, no
caso do relatório da primeira aula, também por meio de desenho. A tarefa, portanto,
contribuiu com a disciplina de Português.
168
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
colando a etiqueta correspondente a cada uma. A seguir, houve uma discussão sobre
as semelhanças e as diferenças que existem entre os corpos das pessoas e sobre a
identificação realizada pelos grupos. O trecho abaixo mostra como foi desenvolvida a
tarefa de identificação das partes externas do corpo humano:
P: Olha, é um papel, tá? Vocês vão desenhar sim, mas depois que a gente
separar os grupos. Nós vamos escolher um do grupo para a gente fazer o
contorno, tá? Vocês vão pôr o papel no chão, quem for escolhido do grupo
vai deitar no papel e os outros vão... Sabe como a gente fez o contorno da
mão? Agora nós vamos fazer do corpo inteiro, certo?
A1: huuu!
A2: Professora, a aula vai ser bem legal, posso ser eu?
A3: Não! Eu falei primeiro.
A4: Professora, deixa eu. Você nunca me escolhe.
A5: Deixa eu, deixa eu, deixa eu!
[...]
P: Olha, desse jeito não vai dar certo. Vai mais para cima, tá bom. (Põe o
cabelo em cima.) Abre os braços, a mão não pode sair para fora, tem que
ser assim: dentro do papel. Arruma a mão e aí tem que ficar no lugar.
Arruma o cabelo assim.
[...]
P: Cadê o pessoal do grupo, só têm duas aqui? Olha, vem cá, cadê o grupo
aqui? Eu vou dar os papéis para eles... Eles vão trazer aqui, vocês vão
identificar e localizar as partes do corpo escritas na etiqueta. Eles vão
pegar.
[...]
P: Pronto? Vocês acabaram? Olha, vocês vão discutir aqui no grupo onde
vai cada etiqueta dessa. Então, o grupo lê cada um, certo? E discute.
[...]
P: Tá, agora o que tem aí? Membros superiores...
A: Membros superiores.
[...]
P: E membros inferiores. Onde vocês acham que é? Peraí, vamos ver aqui
o que o A1 e o A2 acham. Senta aqui, vem. Vamos, A3.
A3: É para falar onde é o membro superior?
[...]
P: Membros superiores... (Superiores.) E membros inferiores.
A3: Eu acho que é esse daqui.
P: Se os inferiores são aí, onde são os superiores?
A3: Aqui. (Transcrição da aula 12, 21/6/06).
Para trabalhar as partes internas, a Professora Vitória utilizou um torso
(boneco). Após o levantamento dos órgãos internos que os alunos conheciam, onde
estavam localizados e as informações que possuíam sobre cada um, a docente
pediu às crianças que identificassem os órgãos do torso que ela mostrava. Houve
uma discussão sobre esses órgãos e, em seguida, a leitura do capítulo do livro que
introduzia o assunto. A seguir, alguns trechos que mostram partes da tarefa:
[Trecho 1: os alunos citam os órgãos internos que conhecem]
P: Então, vocês já falaram vários aí. O que tem dentro do corpo humano?
A1: Coração.
A2: Pulmão. (Pulmão.)
A3: Fígado.
170
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
P: O que mais?
A4: Bexiga.
A5: Troncos.
A6: Músculo.
[Trecho 2: os alunos localizam no próprio corpo alguns órgãos]
P: Agora cada um, no seu corpo, vai pôr a mão, vai localizar, o coração.
Põe a mão. Onde que fica o coração?
A: No peito.
[...]
P: Não, põe a mão. Põe a mão aí. Vamos, Aluno. Cadê, onde fica o teu
coração?
A: Quase no meio aqui, no peito, no peito esquerdo. Aqui, olha.
[...]
P: Onde é o pulmão?
[Trecho 3: a professora mostra o torço]
P: Olha, não tem como todos ficarem em pé. Sentadinho. Vamos tentar ver.
Só tem um, mas é grande, certo? Então, lá do fundo, se estiver, pode até
chegar, mas sem barulho, sem tumulto. Porque assim, olha, dentro do corpo
a gente não tem como saber tudo, e tudo de uma vez.
A1: É, abaixa a cabeça, né?
A2: Abaixa!
[...]
P: Mas isso aqui, o que é?
As: Cérebro.
A1: Que da hora.
A2: Que da hora!
[...]
P: Ãhn?
A1: Que da hora!
A2: Igual ao cérebro.
P: Olha, o que é isso aqui, olha?
A1: Costela.
A2: Costela.
P: Osso do quê?
A1: Costela!
A2: Nossa!
[...]
P: Está vendo direitinho A? Bom... O problema é encaixar as peças. Aí
alguém falou: ‘O coração está do lado esquerdo do peito’. Ele está?
As: Não.
A1: Está no meio! (Transcrição da aula 13, 28/6/06).
Somente alguns alunos tiveram acesso às peças do boneco no fim da
atividade, outros sentiram dificuldade de enxergar os órgãos do torso que foram
mostrados. Mesmo assim, os alunos de modo geral, participaram da tarefa.
Para trabalhar os cinco sentidos, a professora propôs a tarefa denominada
pelos alunos como o Jogo dos Sentidos. Nela, os alunos escolhidos pela professora
de olhos vendados tentavam descobrir qual o objeto retirado do saco preto. Depois
de o aluno falar o nome do objeto e antes de retirar a venda, a professora fazia
algumas perguntas como podemos verificar no trecho abaixo:
P: Então, olha aqui: eu tenho um saco aqui com algumas coisas, alguns
objetos... (Ah, já sei como que é, professora.) Dentro dele.
[...]
171
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
realizada próximo das quadras, onde existem vários canteiros destinados ao projeto
horta. A experiência consistia em uma caixa de madeira com uma canaleta (feita de
garrafa PET) no centro. Na tarefa, a professora solicitou aos alunos que sentassem
em frente ao canteiro. Depois, pediu a cada um que fosse até o canteiro e colocasse
um pouco de terra dos dois lados da canaleta. O mesmo procedimento foi adotado
para semear o alpiste em um dos lados (uma planta que, segundo instruções
recebidas pela docente, cresceria em dez dias).
Segundo conversas informais com a Professora Vitória, a atividade
experimental não foi concluída porque o alpiste não germinou. Ela atribuiu o fato à
presença de pombos e pássaros que possam ter comido o alpiste, visto que esse foi
colocado sobre a terra. Nessa tarefa, os alunos se dispersaram muito, alguns
estavam brincando, outros conversando, talvez, porque eram muitos alunos para
auxiliar na montagem de apenas um experimento. Portanto, a tarefa se restringiu a
um trabalho manual realizado por toda a sala.
No caso da experiência das digitais, a tarefa permitiu que os alunos
observassem, comparassem e analisassem os desenhos formados, mas não houve
apresentação nem discussão dos resultados, os alunos apenas analisaram as
digitais. Isso talvez tenha dificultado que os estudantes chegassem a uma conclusão
ou descoberta, como podemos verificar no trecho abaixo, que mostra uma discussão
sobre um dos exercícios do experimento:
P: Agora, vamos ler o último exercício: “explique o que você descobriu com
o resultado do experimento”. Depois que você viu todos os desenhos, tudo
que formou, você descobriu o quê? O que você pôde descobrir? Olhando
um, olhando o outro, comparando, vendo.
A1: Que eles são diferentes.
A2: Prof?
P: Vai, escreve aí.
A3: Tá, mas tem dedo que é igual.
P: Todos são iguais?
As: Não.
P: Então...
A4: Um é diferente do outro.
A5: Têm diferentes e têm iguais.
P: Ou um é parecido com o outro? Ou os dois são iguais?
A1: Não. Não é igual.
A2: Mas também não é diferente.
A3: Então a gente responde o quê?
P: O que descobriu. Gente, cada um aí descobriu uma coisa. Eu
descobri que um dedo é igual ao outro; os outros são iguais, uns são
diferentes, outros são iguais, outros sei lá. (Transcrição da aula 3,
21/3/06).
173
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
A resposta também deixa claro que, para a docente, existe uma diferença
entre experimentação e experimento ou experiência. Se essa concepção de
experimentação for considerada, podemos afirmar que, nas três unidades, esse tipo
de tarefa foi desenvolvido. A professora reconhece a importância das experiências
no sentido investigativo, de observar, analisar, comprovar e descobrir, não apenas
como um recurso ilustrativo, mas ao operacionalizá-las, possivelmente, seu
saberfazer seja conduzido por seus esquemas práticos.
Como podem ser observados nos quadros 7A, 7B e 7C, os conteúdos
trabalhados na unidade dois foram essencialmente conceituais, por isso, os tipos de
tarefas desenvolvidas se concentraram na leitura, discussão, exercícios e exposição.
A observação foi uma ação bastante explorada nas tarefas. Observar as
digitais, as partes do corpo, o tipo de sabor, de cheiro, de textura, de som, os
elementos da natureza e as relações entre os seres vivos foram exemplos desse
tipo de ação. Na entrevista um, a docente deixou claro a importância da observação
para o processo de investigação.
P: É, porque eu acho importante a observação, né Alfonso? Tudo parte da
observação, como hoje mesmo, na aula de hoje, apesar que eu fiz
meio...mas... (a professora ficou pensativa e não conclui o raciocínio). De
observar, eu acho que não preciso ficar ali, lendo, decorando os órgãos, o
aparelho, mais nesse sentido de tocar, de ver, de perceber, perceber no
colega, né? (Entrevista 1, 13/9/06).
Perguntava para gerar dúvida sobre as afirmações dos alunos, para direcionar a
discussão. Solicitava ao aluno desatento que respondesse a questão para envolvê-lo
na tarefa e manter o controle da disciplina. A seguir, alguns exemplos de perguntas
realizadas pela docente em diferentes tarefas e distintos propósitos: “Agora, como o
leãozinho morre e vira grama? Como ele vira grama?”; “O que é uma águia em
decomposição?”; “Quem pode me explicar o que é fotossíntese?”; “É? Por que você
acha isso?”; “O que a gente fez? Pra que foi feito isso?”; “Por que o coração bate?”;
“Então, aquele grupo ali. Por que achou que os membros inferiores são ali?”; “O ser
humano é um animal vertebrado e mamífero. Por que é vertebrado?”; “O que se
aprende nas aulas de Ciências?”; “As aulas de Ciências são muito legais, legais ou
chatas? Por quê?”; “Como podemos separar os assuntos em grupos?”.
As perguntas que serviram de apoio para manter as tarefas até o seu
encerramento foram apresentadas durante a sua realização. Exemplos dessas
perguntas são: “a gente experimenta para quê?” “O que é carijó?”; “Quem foi
chamado para desvendar o mistério?” e “Só observar?”.
Como mostra o capítulo quatro, vários autores abordam a temática. Uns
estabeleceram categorias de perguntas, outros apenas mostraram a importância
dessas para o ensino de Ciências. Existem os autores que se referem às perguntas
enquanto meio para problematizar uma situação investigativa. Autores, como Harlen
(1998), acreditam que as perguntas desempenham um papel nas tarefas e estão
relacionadas a quem as faz. Desse modo, existiria o momento certo para realizar a
pergunta certa.
As respostas que os alunos verbalizaram, o envolvimento dos alunos e a
vontade de responder, muitas vezes em coro, o incentivo de responder para o aluno
com uma pergunta, evitando dar respostas prontas e estimulando-o a ouvir, refletir e
se posicionar, entre outros aspectos, sinalizam para a importância das perguntas no
estilo de ensinar da docente. Nesse sentido, podemos refletir sobre a situação atual
da formação de professores. Por exemplo, em que medida os cursos de formação
inicial ou continuada de professores polivalentes têm discutido os estudos realizados
sobre o papel das perguntas e outros aspectos relacionados para que as
professoras das séries iniciais possam utilizar desse elemento apropriadamente? Ou
será que o saber perguntar está associado a um dom ou que só se aprende na
prática da docência?
178
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
34
Os animais citados para definir animal foram nomes de vertebrados, já para exemplificar o conceito
de bicho, os alunos usaram o termo inseto.
180
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
P: Então, tudo tem que funcionar certinho, não é? Se alguém falhar na sua
função, as coisas não vão funcionar bem. E assim é na natureza. Tudo
funciona com equilíbrio porque cada um tem a sua ... função.
A: Função. (Transcrição da aula 6, 12/4/06).
A analogia foi utilizada para destacar que, na natureza, cada ser vivo possui
uma função e que a falta de um pode comprometer o equilíbrio do sistema, mas a
docente não explorou as funções que os seres vivos desempenham na natureza, a
exemplo da falta da merendeira.
Diversos estudos foram realizados sobre o uso de analogias no ensino de
Ciências, apontando as vantagens do uso desse elemento que podem facilitar a
tarefa educativa do professor. Entre esses estudos está o de Andrade, Zylbersztajn
e Ferrari (2002) que afirma:
Concluindo, consideramos que a linguagem metafórica e analógica é uma
forma de raciocínio inerente ao ser humano. Tanto na ciência quanto na
educação, pode ser tomada como uma ferramenta útil no processo de
explicação dos conceitos científicos. Colocamo-nos assim ao lado de vários
autores que, nas últimas décadas, têm tomado a linguagem metafórica e
analógica como uma forma legítima de pensamento, que auxilia no
processo de aprendizagem do conhecimento científico por aproximar os
conceitos considerados teóricos e abstratos das ciências de análogos mais
familiares e melhor compreendidos pelos alunos.
O trabalho, no entanto, aventa a possibilidade da formação ou reforço de
alguns obstáculos, propostos por Bachelard, devido à linguagem da analogia estar
intimamente vinculada às concepções prévias dos estudantes, como o
substancialismo e o animismo.
Concordamos plenamente com Bachelard quanto ao perigo das analogias e
metáforas serem mal utilizadas, serem tomadas como cópias fiéis da
realidade e se transformarem em esquemas gerais que permanecem, em
vez de assumirem um papel transitório. É importante ressaltar, em
educação, a necessidade de um maior preparo das analogias e metáforas,
pelo professor, que as utiliza muitas vezes de forma espontânea e
inadequada (ANDRADE; ZYLBERSZTAJN; FERRARI, 2002, p. 1-11).
No caso da Professora Vitória, o seu uso se restringiu a essas duas tarefas,
nas quais, de certo modo, ficou clara a intencionalidade de comparação. A única
ressalva foi a possibilidade do reforço do estereótipo do cientista.
De modo geral, a Professora Vitória evitou utilizar terminologias científicas,
isso significa que as tarefas não se estruturaram por uma série de termos científicos
que deveria ser memorizada pelos estudantes. Provavelmente, a docente tenha
enfrentado o dilema do uso da terminologia científica, ou seja, é possível que ela
tenha vivenciado momentos que geraram tensões como: até que ponto usar termos
183
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
V: Eu acho que tem o tempo para eles aprenderem isso. Eu acho mais
importante ele sentir e saber como o corpo funciona e tal, do que ficar
decorando, fazendo um desenho, acho tão vago isso daqui (apontando para
a página sobre célula e tecido).
Eu não entendo nada, isso daqui para mim, não significa nada, eu fico
imaginando o que passaria na cabeça do aluno (Entrevista 1, 13/9/06).
Diante desse quadro, podemos afirmar que a professora, considerando seus
saberes e suas limitações, decidia os termos científicos que acreditava serem
importantes para o aluno e que, de alguma forma, faziam parte do universo da criança.
Para Harlen (1998), a palavra correta deve ser utilizada no momento preciso
de ajudar a criança a alcançar os objetivos educativos do assunto tratado. Porém, a
questão é qual seria esse momento. Brenda Prest sugere que a professora faça
algumas perguntas para si e, em função das respostas, decida o momento: “A
palavra vem ao caso? Aumenta a compreensão das crianças se a usarem?
Necessitam conhecer a palavra agora? Será útil para a criança insistir no uso da
palavra?” (HARLEN, 1998, p. 246). Se a maioria das respostas às questões for
positiva, pode-se dizer que o momento é adequado, pois o aluno poderá expressá-lo
com suas próprias palavras. O que significa que ele poderá atribuir um significado ao
termo e, assim, incorporá-lo no seu vocabulário.
Uma tarefa docente bastante difícil é a escolha das tarefas que serão
trabalhadas em sala de aula. Alguns autores, na área de ensino de Ciências, entre
outras recomendações, propõem partir do cotidiano dos alunos. A justificativa para
considerar o cotidiano do aluno está na motivação. Segundo Harlen (1998), as
crianças possuem um potencial interesse sobre assuntos familiares. O professor, ao
explorar tais assuntos, estaria assegurando uma ligação entre os fenômenos reais e
as atividades em sala, o que significa fazer que a tarefa proposta para o aluno,
realmente o ajude a compreender seu mundo, evitando estabelecer ligações que
façam sentido apenas para o professor. No entanto, a autora adverte para o perigo de
propor atividades pouco relevantes aos olhos do próprio aluno, pois a complexidade
da realidade pode dificultar a associação entre a tarefa e essa realidade.
A Professora Vitória, nas tarefas que desenvolveu, procurou vincular o
assunto discutido com o cotidiano do aluno. Um exemplo foi a aula que tratou dos
órgãos internos. Durante as tarefas, ela criou situações didáticas nas quais os
alunos associavam os órgãos mencionados com algo do cotidiano deles. Por
185
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
- Material mimeografado;
- Almofada para carimbo, algodão e álcool;
- DVD do Rei Leão;
- Torso;
- Caixa de madeira, terra, alpiste, água e pás;
- Tesoura e cola;
- Material impresso avulso;
- Recortes de paisagens;
- Saco de lixo preto e diversos objetos;
- Papel Kraft e fita crepe;
- Pátio;
-Bosque;
-Horta;
-Sala de Educação Artística;
- Auditório.
Essa relação mostra-nos que os recursos usados podem ser classificados,
segundo a sua natureza, em materiais e extraclasse. Isso significa que a docente
não usou somente um conjunto de materiais para operacionalizar as atividades, ela
precisou de recursos que estavam diretamente relacionados ao ambiente fora da
sala de aula. Harlen (1998) afirma que:
Não se trata de negar que a sala de aula e a escola e tudo que possuam sejam
parte do ambiente das crianças, mas é uma parte selecionada e controlada, e é
preciso estabelecer e manter relações regulares entre as atividades das
crianças na escola e o ambiente, em um sentido mais amplo, para observar e
interagir diretamente com esse ambiente (HARLEN, 1998, p. 203).
Nesse sentido, o pátio, a sala de educação artística e o auditório foram
ambientes extraclasse que ajudaram a viabilizar as tarefas por suas características
de infra-estrutura. Já a horta e o bosque foram recursos extraclasse que permitiram
às crianças interagir diretamente com os elementos do ambiente. Na horta, por
exemplo, foi possível coletar a terra, preparar o experimento e mantê-lo nas
condições ambientais necessárias de luz e água.
Os recursos materiais, por sua vez, podem ser divididos em dois tipos: os
materiais básicos e comuns aos escolares, como caneta, régua, lápis, tesoura, cola,
borracha, quadro branco e o seu marcador que servem de suporte às atividades de
professores e alunos; e os materiais específicos para a tarefa, que podem ser
188
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
O material impresso foi enviado para as escolas pela Secretaria Estadual da Saúde.
Isso mostra a facilidade da professora em organizar e adaptar os materiais escritos
às suas necessidades educativas.
Aqui cabe um destaque para o fato de que nenhum material escrito disponível
na biblioteca foi utilizado ou solicitado para ser usado. Como visto no capítulo seis, a
biblioteca dispõe de um grande número de material escrito de boa qualidade, como
é o caso da revista Ciência Hoje das Crianças, publicada pela Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência.
Ao todo, sete materiais não escritos fizeram parte das tarefas trabalhadas
pela professora. Entre eles, apenas o torso é destinado especificamente para a
disciplina de Ciências, os outros são de uso comum utilizados especificamente para
desenvolver os conteúdos da tarefa.
A quantidade de material, muitas vezes, é o fator determinante para a
realização das tarefas, o que, em muitos momentos, obriga o professor a realizar
demonstrações ou a dividir a sala em grupos com um número grande de alunos.
Nesse momento, é importante pensar até que ponto é satisfatório, do ponto de vista
educativo, realizar a tarefa, considerando o número de alunos e a quantidade de
material. O uso desse material deve contribuir com o processo de ensino-
aprendizagem, por isso, é importante, ao planejar as atividades, articular, por
exemplo, o tipo de tarefa, os elementos que a estruturam, a organização social da
classe e os recursos materiais disponíveis.
Vale, novamente, lembrar que a escola possuía mapas do corpo humano e
uma série de materiais referentes aos kits das atividades do conhecimento físico que
não foram usados.
Diante do quadro exposto, podemos afirmar que, de modo geral, a professora
buscou recursos variados, mostrando disposição e facilidade em adaptá-los e
aproveitá-los, para desenvolver as tarefas e abordar os conteúdos, concentrado-se
no uso de materiais escritos. Exceto o torso, os demais materiais foram de baixo
custo e de uso comum, e os recursos extraclasse utilizados foram de fácil acesso.
No entanto, vale ressaltar que o espaço da biblioteca e o uso dos materiais de
Ciências disponíveis não foram usados; talvez, porque estes não estejam
cadastrados e o acesso seja difícil, pois estão localizados em um depósito,
distribuídos em caixas empilhadas que possuem materiais diversos. No caso da
190
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
biblioteca, a escola possui o Projeto Leitura, em que os alunos, uma vez por
semana, realizam uma atividade junto com a professora, como visto no capítulo 6.
A distribuição dos recursos específicos e extraclasse, ao longo das três
unidades didáticas trabalhadas, foi muito boa, sem privilegiar nenhuma sobre as
outras. Com relação à motivação dos alunos, percebe-se que os recursos materiais
específicos não escritos e os recursos extraclasse foram aqueles que mais
motivaram as crianças a se envolver nas tarefas. Superando, assim, a expectativa
de uma aluna que, ao justificar porque achava as aulas de Ciências chatas,
respondeu imediatamente “porque ela não anima a gente”.
Todavia, a motivação muitas vezes não está só nos recursos usados, e sim
em como são usados. A organização social da classe e as relações interativas
contribuem para essa avaliação por parte das crianças, como se verá a seguir.
dificuldades dos alunos, o que facilita o seu trabalho. Harlen (1998) atesta que o
trabalho em grande grupo é vantajoso para abordar conteúdos factuais, mas para
ensinar conteúdos conceituais sugere o trabalho em pequenos grupos por permitir:
[...] conhecer o grau e o tipo de processo que está seguindo cada aluno na
construção do significado, a fim de que se possa prestar a ajuda que cada
aluno precisa. Quanto mais complexo for o conteúdo a ser aprendido e mais
jovens forem os alunos, mais dificuldades teremos para atender à
diversidade numa estrutura de grande grupo (ZABALA, 1998, p. 121).
O tipo de agrupamento está intimamente relacionado com a utilização do
espaço. O trabalho em grande grupo, habitualmente, é desenvolvido com os alunos
dispostos em fileiras voltadas para o quadro branco, centrando a atenção no
professor. Essa foi a maneira como a classe da Professora Vitória ficou disposta na
maioria das tarefas realizadas. O tamanho da sala e a quantidade de móveis
dificultavam possíveis alterações na disposição.
Quando foi necessário um espaço maior para desenvolver a tarefa de
contorno do corpo no papel Kraft, a docente utilizou o pátio. No jogo dos sentidos, a
sala ficou disposta na forma padrão; somente na atividade do torso que os alunos do
fundo da sala, com a permissão da professora, puderam levantar-se e ocupar os
espaços entre as fileiras e, assim, enxergar os órgãos apresentados e participar
melhor da atividade.
A visita ao bosque foi trabalhada em grande grupo. Durante a visita, a
professora parava em alguns pontos e chamava a atenção dos alunos para
observarem determinados aspectos. Nesses momentos, parte dos alunos
dispersava-se, pois, enquanto a docente interagia com as crianças mais próximas,
outras, mais afastadas, tinham a atenção desviada. Talvez, se os alunos estivessem
distribuídos em pequenos grupos, com tarefas pré-definidas, a dispersão fosse
menor e a professora tivesse mais tempo para dirimir dúvidas e manter o controle
disciplinar. Isso nos mostra que a forma de agrupamento dos alunos mantém uma
relação direta com o modo de ocupar o espaço e de usar o tempo.
No experimento sobre a mata ciliar, os alunos agrupados em um grande
grupo tinham como tarefa colocar terra e alpiste em uma caixa de madeira. Um de
cada vez dirigia-se ao canteiro para colocar um pouquinho de terra, o que,
provavelmente, facilitou a dispersão. No final da aula anterior, quando a professora
propôs o problema de como comprovar se plantar nas margens do rio colabora para
evitar deslizamentos de terra, o tempo destinado para a discussão foi insuficiente
193
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
e) RELAÇÕES INTERATIVAS
Os tipos de conteúdos, a forma de organizá-los, as tarefas selecionadas, os
recursos didáticos, o uso de alguns elementos estruturadores das tarefas, a
organização social da classe, entre outros fatores, são meios que mobilizam a trama
de comunicações que se constituíram em sala de aula. São essas relações
194
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
Na aula nove, que abordou a questão da cadeia alimentar, foi passada uma
cena do filme “O Rei Leão”; as demais tarefas basearam-se nessa. Em todas elas,
como por exemplo, a discussão após o filme, a leitura do capítulo sobre cadeia
alimentar, os exercícios realizados e a exposição da professora, os alunos estavam
agrupados em grande grupo, dispostos em fileiras voltadas para a professora, no
intuito de cumprir o objetivo educacional da atividade, compreender uma série de
conceitos vinculados à cadeia alimentar. Então, a aula teve um caráter conceitual e
promoveu a interação professor-aluno.
Na tarefa desenvolvida no bosque, os alunos realizaram uma série de
observações, procurando identificar as relações dos seres vivos, apresentadas no
livro. Como vimos anteriormente, durante o percurso, a docente fez algumas
paradas com a intenção de as crianças observarem determinados aspectos, em
geral, relacionados aos conteúdos vistos no livro didático. Em alguns momentos, a
professora valorizou as observações realizadas pelos alunos, solicitando a esses
que contassem para os demais. Assim, essa tarefa de caráter procedimental teve
como finalidade educativa a observação. As relações interativas que se
estabeleceram foram a de professor-aluno e a de aluno-aluno. Contudo, como
observado, a relação professor-aluno, em alguns momentos, estabelecia-se a partir
das observações das crianças que chamavam a professora (aluno-professor) para
contar-lhe e esta fazia questão de chamar a atenção do grande grupo para socializar
esses comentários. A seguir, partes de alguns trechos:
P: Gente, olha só aqui. Eu tenho uma coisa para falar aqui. Olha.
A1: Olha, isso aqui é o maior crespo.
A2: Ai, pára de empurrar!
P: Olha. Vem aqui para trás. A A1 fica aqui. Olha aqui. [a professora
organizando as crianças]
A1: Olha ali atrás.
A2: Então porque você está me segurando?
A3: Não, sai daí, sai daí.
P: Olha o que a A1 vai falar aqui. Fala, A1.
A1: Não, aqui tem ovo de alguma coisa.
A2: Esses aqui são os frutinhos dela.
A3: Ai, tem ovo?
P: Então, por que será que a folha está toda comida, A1?
A1: Porque bichos vêm voam vêm aqui para...
A2: Se alimentam.
A3: O cara comeu...
[...]
A1: Olha aqui, prô!
[...]
P: Ãhn?
A1: Olha, formigueiro!
196
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
P: Não, não mexe. A gente não veio aqui para destruir. Olha, não mexe.
Vem aqui, vem aqui. Não, deixa as formigas em paz, não... O que é isso
aqui?
A2: Tem um monte de formiga!
P: O que é isso aqui?
As: Formigueiro.
P: E formigueiro é o quê?
A1: É uma casa de formigas.
A2: É a origem das formigas.
A3: É onde elas moram.
P: E as formigas, para fazer a casinha delas, elas usam o quê?
A1: Ô professora, tem mais de mil formigas aí.
A1: Barro.
A1: Pedra.
P: Onde está a casa delas?
A1: Debaixo da terra.
A2: Tem mais de mil formigas porque eu já pesquisei isso num livro. Mais
de mil. (Transcrição da aula 7, 2006)
Na tarefa de contornar o corpo no papel Kraft, realizada na aula 12, os alunos
foram distribuídos em pequenos grupos e o objetivo educacional foi identificar as
partes externas do corpo humano solicitadas pela professora, o que caracteriza um
conteúdo procedimental. As interações que ocorreram foram a aluno-aluno e a
professor-aluno, a primeira ocorreu nas discussões entre os integrantes do grupo
para decidir quem iria ser contornado, depois para ajustar o contorno e, por último,
para identificar os referidos órgãos. A segunda acontecia quando a professora, ao
circular pelos grupos, interagia com as crianças para discutir aspectos da tarefa.
P: Olha... Não, Pedro. Pedro! É grupo. Então, você pega o papel, lê e o
grupo tem que concordar onde vai pôr.
A1: Na cabeça, por exemplo, vai ser esse. (É.)
A2: É, com certeza.
A3: É aqui mesmo.
A4: Professora.
A5: Membros inferiores.
A6: Mem...
A7: Membros superiores.
A8: Mais para cima superiores. “Su” - superior.
A9: Acho que é para cima, aqui.
A10: É aqui?
A11: É.
A12: É aqui mesmo.
A13: Tio, onde é o membro superior? [aluno interrogando o pesquisador]
[...]
A2: Ah professor, ajuda. [outro grupo pedindo ajuda ao pesquisador]
A3: Mas, não é onde vocês querem colocar.
A4: É ali mesmo, na perna. Não! Ali, ó, mais para baixo, mais para baixo.
A5: Será?
A6: Não, pra cima.
A7: É aqui, ó!
A8: Mas, ali o tronco [trecho inaudível].
A9: O tronco é...
[...]
A1: Aqui é a vagina.
197
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
A2: “Errr”.
A3: É o tronco...
P: São dois membros: superiores e inferiores. O que quer dizer superior?
A1: Em cima.
A2: Em cima.
P: E inferior?
A1: Ah!
A1: Embaixo.
P: Embaixo, então, o que são? Duas coisas, que... A mesma coisa: em cima
e em baixo.
P: Embaixo são as pernas?
[...] (Transcrição da aula 12, 2006)
Nessa mesma aula, quando as crianças dirigiram-se para a sala de Educação
Artística, a tarefa foi discutir as semelhanças e as diferenças entre os corpos e a
identificação realizada na tarefa anterior, a finalidade educativa nesse momento foi
citar as diferenças entre as pessoas, como tamanho do pé, peso e cor do cabelo e
as semelhanças, como a presença de olhos, membros e tronco, e verificar se a
identificação realizada pelos grupos estava correta. Isso caracterizou um conteúdo
conceitual/factual ensinado por relações interativas que privilegiaram a relação
professor-aluno.
O exposto acima vai ao encontro do que Zabala (1998) sustenta: que os tipos
de conteúdos que expressam as finalidades educativas influem e, por vezes,
definem o tipo de participação dos atores envolvidos nas situações didáticas.
Percebemos que, em geral, as tarefas destinadas a abordar conteúdos conceituais
criaram situações didáticas que privilegiaram a relação professor-aluno, como foi o
caso, também, das tarefas de leitura. A abordagem de conteúdos procedimentais,
em geral, promoveu a relação aluno-aluno.
O estudo que analisou as interações em sala de aula a partir da fala do
professor e propôs uma classificação do dizer docente em: retórica, socrática e
dialógica, segundo Bouter e Gilbert (1995), citados por Monteiro e Teixeira (2004),
afirma que a argumentação retórica está associada à argumentação que o professor
usa para expressar, sustentar uma idéia ou posição, sem considerar o pensamento
e a opinião dos estudantes, pois o objetivo é transmitir o conhecimento, os
conceitos, os fatos de forma linear. A fala procura persuadir o ouvinte, que assume
um papel essencialmente receptivo, o que significa que o aluno assume um papel
passivo no processo de ensino-aprendizagem e que, de certa forma, os conflitos
internos são escondidos. Por sua vez, o professor assume o papel principal do
processo.
198
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
35
Como sugerem Zabala (1998) e Sacristán (2000), estilo de ensino é um conjunto de características
que definem a maneira de ensinar de um determinado professor.
201
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
36
Termo utilizado pela professora para designar o assunto, o conteúdo conceitual tratado na aula.
202
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
Trabalhar com duas classes, uma pela manhã e outra à tarde, com
aproximadamente 35 crianças, em uma sala de aula construída para desenvolver
tarefas com os alunos enfileirados, em que o mimeógrafo ainda é o principal
equipamento para reprodução, em plena era do “xerox”; a falta de computadores
que possam ser utilizados pelos docentes para atender suas necessidades
formativas, em plena era da Internet; o salário, que é um obstáculo a uma qualidade
de vida mais digna à função docente; a falta de uma política séria para a biblioteca
escolar; a necessidade de uma política de formação continuada para o docente,
entre outros fatores, configuram uma série de possibilidades e oportunidades à
atuação do professor.
As idéias apresentadas pela professora sobre o ensino de Ciências, a
inserção da unidade que abordou o trabalho científico, a importância que atribui à
observação, o uso de relatório ao término das atividades, o caráter investigativo ao
propor experiências podem significar marcas dos projetos na área que a docente
participou. Em uma das reuniões de HTPC, a Professora Vitória afirmou que o mais
importante do projeto sobre conhecimento físico é a proposta metodológica, ou as
etapas, como ela sugere. No entanto, há um descompasso entre o saber e o
saberfazer da professora. Embora o seu discurso sobre o ensino de Ciências
caminhe na direção de um ensino investigativo, o currículo em ação não demonstrou
isso.
A forma predominante de organizar a classe em grande grupo e disposto em
fileiras na sala de aula, com os estudantes voltados para o quadro, as poucas
tarefas em pequenos grupos, o uso do livro didático e dos materiais básicos e
comuns aos escolares como principais recursos para a aprendizagem, a
predominância da relação interativa professor–aluno, a argumentação socrática
como base da interação professor-aluno e o uso de uma linguagem bem próxima do
estudante são outras características do estilo de ensinar da Professora Vitória. Uma
docente preocupada com o que e como ensina, que critica seu trabalho e sente a
necessidade de mais tempo e material de apoio para preparar melhor as suas aulas.
A saída ao bosque, o trabalho no pátio e na horta são tarefas que contaram
com o apoio da direção da escola. Nas reuniões, recomendava aos professores
diversificarem as tarefas; no caso de Ciências, incentivava os professores a
realizarem experiências e aproveitarem o material didático disponível. Isso mostra o
205
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
10. BIBLIOGRAFIA
Educação Básica: Ciências nas Salas de Aula. Porto Alegre, n. 2, p. 9-18, 1997.
11. ANEXOS
HABILIDADES CONTEÚDOS
-Identificar s causas e conseqüências da poluição da -Camadas do planeta Terra: hidrosfera; atmosfera e
água, do ar e do solo. litosfera.
-Reconhecer espaços do planeta que podem ser -Principais componentes da Camada da Terra.
ocupados pelo homem considerando as conseqüências de -Materiais que compõe os objetos.
qualidade de vida. -Transformações físicas e químicas.
- Compreender o corpo humano como um conjunto -Análise da atividade vulcânica.
integrado da saúde como bem estar físico e psíquico. -Recursos naturais e preservação ambiental.
- Reconhecer o alimento como fonte de matéria e Seres vivos:
energia para o crescimento e manutenção do corpo. -Conhecendo ambientes;
-Compreender as condições de higiene pessoal e -Medidas de preservação ambiental;
ambiental em relação a saúde. -Cadeias alimentares;
-Conhecer as condições de saneamento básico. -Equilíbrio ecológico.
-Saber estabelecer uma cadeia alimentar entre seres -Seres vivos e seu habitat.
vivos de um mesmo ambiente. -Interferência do ser humano na cadeia alimentar.
-Identificar os órgãos do corpo humano e suas funções. -Corpo humano (todos os sistemas)
11.2. ANEXO 2: PLANO DE ENSINO DE CIÊNCIAS
* digestão;
* respiração;
* circulação;
* excreção.
* Reprodução humana.
* Medidas de higiene física, mental e social.
* Doenças (contagiosas e não contagiosas).
* Prevenção de acidentes.
* Medidas de saneamento básico (lixo e
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
reciclagem).
* Esgoto (tratamento e despoluição de mananciais).
* Técnicas e tecnologia.
212
213
O Ensino de Ciências e o Currículo em Ação de uma Professora Polivalente
Questionário
Justificativa
O currículo é uma construção social, resultado da interação de diversos fatores, cada um
exercendo uma força durante o processo de construção. Ao estudar o currículo se faz
necessário analisá-lo no contexto em que se configura, procurando identificar as forças que
atuam e compreender como elas se manifestam durante a sua construção .
No entanto, visões simplistas, sistematicamente, levam várias pessoas e até mesmo alguns
educadores a responsabilizar, quase que exclusivamente, os professores pelos maus
resultados da aprendizagem das crianças. Como professores sabemos que podemos e, que
gostaríamos de fazer diferente, muitas vezes até tentamos, mas obstáculos variados e
diversos podem nos impedir de fazer como desejamos.
Neste projeto, o questionário tem o papel de conhecer alguns pontos do currículo, para que
depois, se for necessário, se estruture as entrevistas. Diante disso, não faz muito sentido
uma análise de certo ou errado e sim, uma análise que problematiza a partir de um contexto
educacional, social e histórico.
Para conhecer alguns dos fatores que influem no processo de construção do currículo peço
que você responda este questionário sem nenhum constrangimento, pois todas as
informações aqui fornecidas terão sua identidade preservada.
ROTEIRO DA ENTREVISTA 1
ROTEIRO DA ENTREVISTA 2