CONTRA A ELOQÜÊNCIA: �GAINST EL0OUENCE: NOTES 0N BA�RIO, 1969-1980
NOTAS SOBRE BARRIO,
1969-1980
Carlos Basualdo
Texto publicado originalmente no catálogo da exposição Regist/RJos,
Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Porto, 2000.
.. N u ma série de textos breves escritos entre 1969 e 1975,1 Art u r
Barrio definiu u m programa artístico, ético, e fundamentalmente
político que ainda hoje nos parece admirável pelo seu grau de
radicalidade e precisão. Durante os dez anos seguintes, Barrio
desenvolveria esse programa de maneira simultaneamente inven­
tiva e meticulosa, mantendo sempre u ma coerência implacável.
Inclusive no contexto admirável e ainda tão po uco estudado da
prod.u ção artística no Brasil das três últimas décadas, a obra de
Barrio destaca-se pela su a sobriedade intelectu al, pela clareza
extrema das operações artísticas que realiza e pela firmeza com
qu e o artista se manteve fiel às conseqüências do seu pensamen­
to. O compromisso extremo do artista com o seu trabalho, a sua
disponibilidade inesgotável face às possibilidades q ue, por vezes
de modo talvez inesperado, a sua produção inaug u ra, aproximam
Barrio da que talvez seja u ma das atitudes artísticas exemplares
do pós-gu erra, a de Hélio Oiticica.
O ponto de partida da obra de Oiticica consistiu em rea­
lizar u ma crítica à arte concreta em nome das s u bjetividades
qu e esta dissim u lava ou obstruía.2 Barrio parte, pelo contrário,
de u ma análise econômica do objeto artístico, entendendo este
conceito fundamentalmente em dois sentidos. Nos seus textos,
Barrio descreve o objeto artístico tradicional enqu anto mer­
cadoria, e responsabiliza o circuito artístico pelo processo de
capitalização da obra, q u e a sanciona como arte na mesma me­
dida que a valoriza, convertendo-a n u m elemento s u sceptível de
ser intercambiado por dinheiro. Barrio posiciona-se, portanto, a
partir de u m texto brilhante redigido em 1969 e intitulado "Ma­
nifesto", çontra todas as institu ições (incluindo a crítica de arte)
a partir das q u ais se articula o sistema da arte como circuito de
criação e acum u lação de capital. Mas a análise de Barrio não se
detém neste ponto, que teria parecido óbvio para qualquer
1 Refiro-me especificamente aos seguintes textos: ·Manifesto', 1969; 'Das formas de
atuação', 1969non3; 'Lama/carne esgoto', 1970; 'Trabalho', 1970; 'O artista plás­
tico/divulgação do trabalho/mercado de arte', 1970n4; 'Em relação aos aspectos:
rótulos/rscolas e possibilidades', 1975; 'A critica de arte não tem o saber', 1975n5;
e 'Oa qualidade técnica do registro ou precariedade', 1970n5. Todos in Barrio, arte
brasileira contemporJnea, Rio de Janeiro, MEC/Funarte, 1978.
2 Cf. o meu 'Some supplementary comments on the Parangolé', in L'art au corps,
MAC, galeries contemporaines des Musées de Marseille, 1996.
Text originaf/y published in the catalogue of the exhibition Regist<R)os,
Contemporary Art Museum of Serralves, Oporto, 2000
ln a series of short essays written between 1969 and 1975,1
.
Artur Barrio defined his artistic, ethica/ and fundamentally poli­
tical program, one that remains admirable for its precision and
its extremely radical position. ln the ten years fol/owing, Barrio
would develop that program inventively and meticu/ously, always
maintaining a relentless coherency. Even within the admirable
context of the Brazilian artistic production of the /ast three
decades, which has har�ly ever been studied, Barrio's work
stands apart for its intel!ectua/ sobriety, the extreme c/arity of its
artistic process and the firmness with which the artist has main­
tained faith in the consequences of his thought. The great com­
mitment of the artist to his work, his inexhaustible resources in
the face of the possibilities, sometimes unexpected, that his pro­
duction engenders, brings Barrio to what is one of the more
exemplary artistic attitudes of the post-war period, that of Hélio
Oiticica.
The point of departure of Oiticica's work fies in his cri­
tique of concrete art in the name of the subjectivities which it
disguised and obstructed.2 Barrio, on the other hand, takes as
his point of departure an economic ana!ysis of art objects,
understanding that term in two senses. ln his writings, Barrio
describes the traditional art object as merchandise and points
out that the art circuit is responsible for the capitalization of
the work, which, with the sanction of art to confer value on it,
becomes something that can be exchanged for money. ln his
bril/iant "Manifesto", written in 1969, Barrio takes a position
against ai/ institutions (including art critics) that support art as
a system for creating and accumulating capital. But his analy­
sis doesn't stop at that point, one which wou/d have been obvi­
ous to any attentive observer of post-war art production. Barrio
claims to elucidate the economy belonging to the libidinal
l I reler specifically lhe following texts: 'Manifest', 1969; 'On forms of action',
1%9non3; 'Mud/Meat sewer', 1970; 'Work', 1970; 'The plastic artist/publicising of
work / art market', 1970n4; 'ln relation to the aspects: labels/schools and possibili­
ties', 1975; 'Art criticism doesn't have the knowledge', 1975n5; e 'On lhe technical
quality of the record or precariousness things', l 970n5. AII in Barrio, arte brasileira
contemporJnea, Rio de Janeiro, M EC/Funarte, 1978.
2 Compare my 'Some supplementary comments on the Parangolé', in L'art au corps.
MAC, galeries contemporaines des Musées de Marseille, 1996.
233
observador atento da produção artística do pós-guerra. Barrio
pretende distinguir também a economia propriamente libidinal
do trabalho artístico de forma a utilizar este contra aquela. Em
1970, Barrio escreve: "O meu trabalho está ligado a uma situa­
ção subjetiva/objetiva: mente/corpo. Considero esta relação uma
coisa só, pois é ela que inicia o processo energético que irá fazer
deflagrar situações psico-orgânicas de envolvimento do especta­
dor, conduzindo-o a uma maior participação relativamente à
proposta apresentada<...)". Desde o início, o programa de Barrio
é bífido: por um lado, trata-se de criticar o falso materialismo
que torna a obra num objeto capitalizável, por outro, de recu­
perar bo trabalho artístico aquilo que, contra todo e qualquer
processo de acumulação, o assinala como pura perda, descarga
emotiva que passa de um pólo (o artista) para outro (o espec­
tador), confundindo-os.
Pensar a obra como mercadoria dá a Barrio a possibili­
dade de não só criticar o sistema institucional da arte, mas
também a própria materialidade do objeto artístico. Refletir
acerca da obra como puro processo de descarga afetiva per­
mite-lhe referir-se à própria noção de artista como um "rótulo
(...) fora de época, mais de acordo com um tipo de mentalidade
'belas-artes"', e postular, pelo contrário, a necessidade de desen­
volver um trabalho em equipe.
No primeiro parágrafo do seu "Manifesto", explicita-se
claramente o ponto de partida de sua análise: trata-se de pen­
sar a partir da "nossa, minha realidade" demarcada pelos
aspectos "socioeconômicos do Terceiro Mundo". O desafio con­
siste, portanto, em refletir não na perspectiva da história da
arte como disciplina autônoma e auto-suficiente, mas sim a
partir do contexto em que a análise é conduzida. Pensar, sim,
"com a História recente da arte'!, mas "a partir" do Terceiro
Mundo.3 A partir do Terceiro Mundo, diz Barrio, não é possível
pensar no objeto artístico como precioso, separado do seu con­
texto, divorciado das suas condicionantes éticas. Na perspectiva
do Terceiro Mundo, ética e estética, afirma Artur Barrio nos iní­
cios da década de 1970, tal como o farão Oiticica ou o cineas­
ta G lauber Rocha.
Primeira conseqüência: materiais
No "Manifesto", Barrio estabelece uma relação biunívoca
entre o valor (econômico) dos materiais artísticos e o seu per­
tencimento aos círculos do privilégio. " Portanto, partindo desse
aspecto socioeconômico, faço uso no meu trabalho de materiais
perecíveis, baratos, tais como: lixo, papel higiênico, urina, etc."
Barrio é estritamente materialista quando postula que o capital
3 Não tem cabimento neste espaço ensaiar uma análise da viabilidade atual da cate­
goria 'Terceiro Mundo' tal como aparece nos textos tanto de Barrio como de Glauber
Rocha. No Ambito deste texto, esclareça-se unicamente que esta noção é de funda­
mental importAncia para o pensamento destes artistas, e que a sua eficácia ideológica
deveria ser entendida no contexto histórico em que foi utilizada.
234
aspect of creating art, pitting that against its capita(ization. ln
1970 Barrio wrote: "My work is tied to a subjective/objective
situation: mind/body, l consider that relationship a thing by
itself, since it initiates the energetic process that produces an
ignition of psycho-organic-situations which invo/ve the specta­
tors, bringing them to a greater participation in relation to the
presented proposition." From its beginning, Barrio's program
has been twofold: on the one hand to criticize the materialism
that turns a work of art into an object of capital, and on the
other to regain in the work everything that, contrary to the
process of accumulation, marks it as pure loss, a discharge of
emotion that passes from one pote (the artist) to another (the
spectator) thereby fusing tnem.
ln considering the work as merchandise, Barrio was not
only criticizing the institutional system of art but also the
material of the object itself. Reflecting on the work as a pure
process of affective release allows Barrio to refer to the notion
of artist as a "... label from the past, more in accord with the
mentality of Fine Arts" and postulate, on the other hand, the
necessity to develop cooperative work.
The first paragraph of Barrio's Manifesto clearly exp/ains
his point of departure: it's about thinking, it te/Is us, of " .. . our,
my reality" bounded by the socio-economic aspects of the Third
World. The challenge therefore is to look upon the history of
art not as an autonomous, self-sufficient discipline but from the
context wherein the analyses originates. Thinking that way
about the recent history of the art of the Third World/ says
Barrio, it's not possible to conceive an art object as precious,
separate from its context, divorced from ethica/ conditions.
From the perspective of the Third World, "the ethic is the aes­
thetic", affirmed Barrio in the early seventies as did Oiticica
and Brazilian film-maker G/auber·Rocha.
First consequence: materiais
ln his Manifesto, Barrio establishes a one to one relation­
ship between the economic value of artistic materiais and their
p/ace in privileged circles. "Therefore, starting from that socio­
economic aspect, l use cheap, perishable materiais such as rub­
bish, toilet paper, urine, etc.". Barrio is strictly materialist
when he postulates that capital attracts capital, and that the
possibility of conceivin9 an artistic space free of social and eco­
nomic problems is, particularly in Latin America, an idea help
by reactionary elite. ln Brazi/1 in Latin America, in the Third
World, as Glauber Rocha a/so said in those years, the artistic
space must always be considered fundamentally politica/ and
3 It is inconceivable to test, in this space, an analysis of the actual viability of the ca­
tegory 'Third Word', such as it appears .both in Barrio and Glauber Rocha's texts. ln
the present text, it should be clarified that this notion is fundamentally important for
these artists' minds, and that its ideological efficiency should be understood according
to the historical context in which it was used.
 atrai o capital, e que a própria possibilidade de conceber um
espaço artístico dissociado das problemáticas sociais e econô­
micas do contexto é, sobretudo na América Latina, o atributo
de uma elite retrógrada e reacionária. No Brasil, na América
Latina, no Terceiro Mundo, como repetia naqueles anos G lauber
Rocha, o espaço artístico deve ser considerado sempre como
fundamentalmente político, e o território da arte como o terre­
no fértil de uma polêmica que envolve a própria definição da
arte enquanto tal.
A escolha de materiais é, então, para Barrio, algo menos e
algo mais que uma simples decisão sujeita aos fatores cam­
..
" biantes da sua idiossincrasia. É uma imposição que surge de
uma análise rigorosa, mas é ao mesmo tempo o destino pro­
fundamente poético que, paradoxalmente, justifica essa análise.
· Barrio escolhe em consciência trabalhar com tudo aquilo que
não é permanente, que é frágil, passageiro. Mas a escolha de um
determinado tipo de material supera o puramente instrumental,
dado que Barrio escolhe também, talvez sem o saber total­
mente, um universo de relações às quais apenas essa materiali­
dade precária pode aceder. Dito de outra forma, ao criticar o
objeto artístico enquanto cúmplice e suporte de um processo de
acumulação de valor econômico, Barrio postula uma poética
baseada menos em materiais e mais em atributos: não-perma­
nência, instantaneidade, precariedade. Será essa poética que,
curiosamente, dotará de unidade o trabalho de Barrio ao longo
das três décadas seguintes e o organizará como uma investi­
gação em torno da perda, da memória e da experiência.
Segunda conseqüência: espaços para a arte
Barrio opõe ao objeto artístico, fechado sobre si mesmo e
imutável, a possibilid�de de conceber a obra como um proces­
so dinâmico. Essa oposição inicial entre a obra de arte tradi­
cional como objeto completo e o dinamismo do trabalho/ação
duplica-se, para Barrio, numa nova oposição entre os espaços
tradicionais para a arte (museus, salões, galerias) e os espaços
públicos, que passarão a ser, segundo o seu critério, os sítios
privilegiados para o desenvolvimento da atividade artística.
Exceção consistiria na possibilidade de realizar ações-relâm­
pago nos locais institucionais. Nestes casos, a intenção será a
de dinamizar a estaticidade dos museus e das galerias, romper
com a unidade de espaço, tempo e ação que estes impõem aos
objetos e atividades que exibem. As praças· e as ruas passarão a
ocupar um lugar preponderante no trabalho de Barrio, conver­
tidos nos cenários sempre protagonistas nos quais se desen­
volverão as suas obras, que passarão a ser denominadas sistema­
ticamente por "situações", com a tônica colocada sobretudo no
instantâneo da sua duração e na fragilidade da sua presença.
E, no entanto, o trabalho de Barrio parecerá condenado a incor­
porar na sua poética despojada um tipo de espaço específico, no
fhe territory of art as fertile ground for a po/emic which invol­
ves the definition of art itself.
The choice of materiais is for Barrio something more and
something less than a simple decision subject to the vicissitudes
of his idiosyncrasy. lt is an imposition that emerges from a ri­
gorous analysis but at the sarne time it is a profoundly poetic
destiny that paradoxically justifies the analysis. Barrio makes
a conscientious choice to work only with that is impermanent,
fragile, passing. But that choice of specific materiais goes
beyond what is purely usefu/1 given that Barrio chooses, per­
haps without fui/ awareness, a universe of relationships made
possible only through the use of precarious materiais. ln the
other words/to criticize the art object as an accomplice that
supports the accumulation of economic va/ue, Barrio postu­
lates a poetic based less on materiais and more on attributes:
impermanence, instantaneousness, precariousness. It wi/1 be
this poetic that, curiously, will give unity to Barrio's work over
those three decades and will organize it as an investigation
around loss, memory and experience.
Second consequence: spaces for Art
Countering the idea of an art object as something immu­
table, c/osed unto itself, Barrio proposes the possibility of con­
ceiving it as a dynamic process. That opposition between the
traditional work of art as a complete object and the dynamism
of work/action is recreated by Barrio in another opposition, one
between traditional spaces for art (museum, salon, gallery) and
public spaces that would be, according to his criteria, privi­
leged places for artistic activity. An exception wou/d be the
possibility of creating spontaneous actions in local institutions.
ln those cases the intention would be to activate the static
museums and galleries, to break the unity of time, space and
action imposed on the objects and activities exhibited. The
plaza and the street will come to occupy a preponderant place
in Barrio's work, converted to theatrical stages as protagonist
in the development of his work which will come to be systema­
tically ca/led "situations'' with an emphasis on the instant in
which it occurs and its fragile presence. Nevertheless, Barrio's
work will seem destined to incorporate in its despoiled poetic,
certain spaces in which the connection between the material
aspect of the actions and the kind of spatial insertion that cha­
racterizes them will reach a point of greater coherence: it is
about vacant lots of the city and empty comers of halls, muse­
ums and galleries. Those kinds of spaces, both charged insensi­
bly by invisibility (best described as 'behind the scenes') are, on
one hand, a part of city life (empty lots) and on the other, social
life (museums and salons). Spaces neither private nor public,
anonymous, singularly incomplete, /acerated and hidden. These
places mark and sum up the ambiguously monumental character
235
 qual a correspondência entre a materialidade das ações e o tipo
de inserção espacial que as caracteriza alcançará o ponto de
maior coerência: trata-se dos terrenos baldios da cidade e dos
recantos vazios nas salas de museus e galerias. Zonas, ambas,
,carregadas insensivelmente de invisibilidade, que bem poderiam
ser descritas como os bastidores, por um lado, da vida urbana,
e por outro, da sociabilidade. Espaços nem privados nem públi­
cos, anônimos, de uma singularidade incompleta, dilacerada e
oculta. Neles se assinala e se resume o caráter ambiguamente
monumental da obra de Barrio. Porque esses espaços não são
senão aquele resto, emudecido, da experiência quotidiana que a
instrumentalidade do capital ainda não conseguiu obliterar de
...
tudo, simplesmente porque a sua singularidade não foi ainda
percebida enquanto tal. A obra de Barrio constitui, na sua tota­
lidade, o mais bem sucedido monumento contemporâneo a essas
formas nuas e desertas da subjetividade, ainda não totalmente
emudecidas, mas longe já de toda a eloqüência, que suportam
estoicamente o dom duvidoso da sua própria fragilidade.
Terceira conseqüência: registros
Situada, segundo seus materiais, entre o lixo e o objeto
artístico, e segundo sua estratégia exibicional, entre a ação e o
desaparecimento e, ainda, de acordo com seus modos de inser­
ção no espaço, entre o anonimato irremediável ao qual parece
estar relegado o espaço público e o esquecimento inexorável que
circunda e delimita o espaço privado, a obra de Barrio procura
a permanência através do registro fotográfico, o seu duplo fan­
tasmagórico. Barrio exige que o trabalho artístico seja, antes
de mais nada, experiência, sem limitações nem condicionamen­
tos. O corolário de semelhante postulado é que a sua marca
será o puro documento, sem que o artista autorize ingresso do
artístico na forma do seu registro. A vontade, de certa forma
inalcançável, de transformar-se em informação, pura e estrita,
marcará esta encarnação última da obra.
Barrio define estritamente também este capítulo do seu
programa num breve texto escrito em 1970, intitulado "Tra­
balho", que, no entanto, conclui com uma série de reticências no
meio das quais flutuam duas palavras: "Ou não", como que colo­
cando em dúvida a totalidade do que antes havia afirmado.
"Ou não", signo de uma reticência que terminará por con­
taminar todo o trabalho, entre arte e a sua negação, objeto e
passagem do ato, registro e obra. Porque, se é certó, seguindo o
raciocínio de Barrio, que se entende que os registro das "situa­
ções" não podem ser considerados como um substituto da obra,
é lógico, por outro lado, que um trabalho cujo leitmotiv é a
perda acabe por se tornar imagem através do uso da fotografia.
Este é, ao fim e ao cabo, o meio fantasmagórico por excelência,
e é menos uma série de marcas daquilo que esteve ou está aí que
uma máquina de fabricar ausências. Barrio, por fim, tentará
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of Barriq's work. Because these spaces are simply mute remain­
ders, a part of daily experience which the instruments of capi­
tal cannot entirely obliterate, their singularity is not perceived
as such. Barrio's work constitutes, in total, the most faithful
contemporary monument to those naked and empty forms of
subjectivity, not comp/etely silent but far from any e/oquence,
that stoically support the doubtful gift of their own ffagility.
Third consequence: records
Situated, because of its materiais, between junk and objects
of art, because of its exhibitionist strategy between action and
disappearance, and because of its mode of insertion into a
space between the hope/ess anonymity that seems to be the des­
tiny of public space and the inexorable oblivion that surrounds
and delimits private space, the work of Barrio gains its perma­
nence through photography, its phantom doub/e. Barrio
demands that before anything e/se the artistic work be experi­
ence without censure or imposition. The corol/ary of such a pos­
tulate is that the proof of the work wi/1 be the pure document
without the artist's authorization to include it as part of the
0
work itse/f. The intention, in some way unattainable, to trans­
form it into pure and strict information, wi/1 define the final
embodiment of the work. Barrio also strictly defined that chap­
ter of his program in a brief piece written in 1970 entitled
"Trabalho" (Work) which, despite its strictness, concludes with
el/ipses between which float two words: " ... Or not ... "1 putting
into doubt everything he has affirmed.
" .. . Or not .. . " is a sign of suspension that u/timately wi/1
contaminate the entire work, between art and its negation,
object and passing to action, record and work. Although accor­
ding to Barrio it is understood that records of the "situations"
cannot be considered substitutes for the work, it is logica/1 on
the other hand, that a work whose leitmotiv is the /oss should
finally become an image through the medium of photography.
This is, after ali is said and done, the phantasmagorial medium
par excel lence, not so much a series of signs of what was or
what is, but a machine to fabricate that which is absent.
Barrio, finally, wi/1 try to substitute medium and framing
(those e/ements that indicate a work as such) through a carnal
relationship, unresolved, between information and absence.
The fact of a work strictly considered apart from its con­
text, referring to the experience through which it passes, is
perhaps one of the more powerful characteristics of Barrio's
work, and that wi/1 be destined to provoke a revision of the con­
ventions that frame a general underst;;inding of what constitutes
política/ or "committed' art in our time. As public, the work of
Barrio refers to the conditions of production in the environment
where it was rea/ized. ln this respect there are no better examp/es
than Trouxas Ensangüentadas (8/oody Bundles) which Barrio
 substituir suporte e enquadramento (aqueles elementos que tradi­
cionalmente assinalam uma obra enquanto tal) por uma relação
carnal, irresolvida e sem solução, entre informação e ausência.
O fato de que uma obra pensada estritamente a partir do
seu contexto possa referir-se a experiências que a superam é
talvez uma das características mais rigorosas do trabalho de
Barrio, e estará condenada a provocar uma revisão das con­
venções que enquadram o entendimento generalizado acerca do
que é o político ou o "comprometido" na arte dos nossos dias.
Enquanto pública, a obra de Barrio refere-se às condições de
..
produção do meio no qual foi realizada. Não há melhores exem­
plos a este respeito que as Trouxas Ensangüentadas que Barrio
instala nas ruas do Rio de Janeiro e depois no Parque Muni­
cipal de Belo Horizonte em 1970, em plena ditadura militar no
Brasil. Estes grandes embrulhos amarrados por cordas e sujos
de sangue, contendo carne, fezes e lixo, funcionavam simultanea­
mente como uma negação da escultura pública e tradicional,
como poderosos catalisadores de situações imprevistas e como
sinais de uma memória popular suprimida pelo regime ditato­
rial. Outro exemplo é a segunda parte de Áreas Sangrentas,
uma obra realizada em 1975 na Praça da República, em Viana
do Castelo, durante o processo revolucionário em Portugal, na
qual Barrio promoveu a realização de um debate público a par­
tir das palavras de D. Lucília, uma peixeira de rua. Enquanto
secreta e privada, a obra de Barrio parece reclamar a emergên­
cia dos estratos mudos de uma subjetividade arruinada. Talvez
consista nisso mesmo a dolorosa metáfora sintetizada no Livro
de Carne, de 1979, ou em obras/ações tais como Ritual, de 1970
- uma performance sem público levada a cabo no Rio de Janeiro.
No entanto, a obra pública de Barrio não deixará nunca de
raiar o segredo e � sua obra privada anunciará o desapareci­
mento dos espaços de sociabilidade. A componente política da
obra de Barrio permanecerá sempre como uma investigação
acerca dos condicionamentos que, justamente, determinam que
certas experiências sejam consideradas públicas e outras pri­
vadas. Empenhado em desmontar essas distinções, o trabalho
não se permitirá operar a partir de uma série de afirmações
discretas, como enunciados ancorados na sua presumível posi­
tividade, mas, pelo contrário, insistirá em pôr sistematicamente
em dúvida todo o resíduo de positividade: dúvida que se verifi­
cará na materialidade da obra, na singularidade equívoca dos
espaços nos quais se apresenta, no meio que escolhe para se
fazer paradoxalmente presente. O resto, o recanto, a fotografia,
elementos que passarão a ser as coordenadas de uma poética do
precário e do pobre como alternativa crítica do Terceiro Mundo.
installed in the streets of Rio de Janeiro and !ater (1970) in the
municipal park of Belo Horizonte, during the height of Brazil's
military dictatorship. The huge bundles tied up with rape,
stained with blood, containing meat, feces and garbage func­
tioned at the sarne time as a negation of traditional public
scu/pture and as a powerful catalyst for unforeseen situations
and as a remembrance of a culture that had been suppressed by
a dictatorial regime. Another example is the second part of
Áreas Sangrentas (Bloody Areas) a work dane in 1975 in the
Praça da República, in Viana do Castelo, during the revolu­
tionary period in Portugal in which Barrio promoted a public
debate on the words of Dona Lucília, a woman who sold fish in
the street. ·As secret and private, Barrio's work seems to ask
for the emergence of mute strata of a ruined subjectivity.
Perhaps in such as that there fies the painful metaphor synthe­
sized in the Livro de Carne (Flesh Book), of 1979, ar in a
work/action such as Ritual of 1970 - a performance without
audience carried out in Rio de Janeiro.
Nevertheless, Barrio's public work wi/1 never stop temp­
ting the secret and his"private work wi/1 announce the disappea­
rance of social spaces. The po/itica/ component of Barrio's
work wi/1 a/ways remain as investigation of conditions that
determine precisely which experiences ought to be considered
public and which private. Determined to retrace those distinc­
tions, the work won't permit itse/f to function as a series of dis­
creet affirmations, as enunciations anchored in presumed posi­
tivity, but, on the other hand, it wi/1 insist on articulating a sys­
tematic doubt of any residue of positivity. Jt wi/1 p/ace in doubt
that which wi/1 be verified through material aspects of the
work, through the equivocai singularity of the spaces in which
it is presented, through the medium in which it chooses to
become paradoxically present. The rest, the comer, the photo,
elements that wi/1 become coordinates of a poetic of the pre­
carious and the poor, as a criticai option for Third Word.
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