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RECONSIDERANDO ETNIA
FICHAMENTO
JEQUIÉ/BA
2018
ROSEMARY SANTOS SOUZA
RECONSIDERANDO ETNIA
FICHAMENTO
Jequié/BA
2018
"O antropólogo é o astrônomo das ciências sociais: ele está encarregado de descobrir um
sentido para as configurações muito diferentes, por sua ordem de grandeza e seu
afastamento, das que estão imediatamente próximas do observador. "
"Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser
humano e vai terminar sem ele - isso é algo que sempre deveríamos ter presente".
“Pode-se dizer que a etnia ou os fenômenos chamados étnicos, por menos que tenham sido
definidos no campo teórico, da Antropologia, sempre estiveram presentes no campo de
pesquisa dos etnólogos como um hóspede não convidado, impondo-se à observação como
alguma coisa real, resistente, por mais imprecisos que sejam os seus contornos como objeto
cognoscível.” p.133
“E se não quisermos permanecer numa posição “confortável” de abrir os olhos para os fatos
sem interrogá-los, deveremos “repensar” a noção de etnia visando constituí-la teoricamente,
antes de aplicá-la à elucidação de objetos concretos empiricamente observáveis.” p.133
Mauss, “com seu trabalho inacabado, “La Prière”, mostra qual o percurso que a inteligência
deve fazer para desvendar a realidade da prece, a despeito das dificuldades inerentes aos
fatos susceptíveis de observação. Segundo o nosso autor, ‘os fatos que servem de matéria
a uma teoria da prece não são dados imediatamente como um organismo é dado ao zoólogo
que o descreve. Eles estão registrados em documentos históricos ou etnográficos através
dos quais é preciso saber reconhecê-los de maneira a determinar sua natureza verdadeira’.
Um procedimento especial é, portanto, necessário para destacá-los, e, em certa medida,
construí-los’ (Mauss, 1968:388). E o procedimento a que alude Mauss, a que chama de
crítica, não é senão o da construção metódica do objeto de investigação por meio de
definições, ainda que provisórias, uma vez que elas constituem ponto de partida da pesquisa
científica.” p.133
os mostra que o
Marcel Mauss, através de sua obra inacabada, La Prière, n
fato, para a construção de uma teoria da prece, não se apresenta de forma palpável,
não existe um objeto concreto a ser observado. Faz-se necessário, então uma
observação mais meticulosa, através de registros etnográficos que possibilitem o
reconhecimento e identificação desse fato. Assim sendo, o objeto de estudo é
construído de forma metódica, através de definições, sendo estas determinantes
para o início da pesquisa científica e que Mauss chama de “crítica”.
“‘uma vez definidos os fatos, é preciso entrar em contato com eles, isto é, observá-los’”
(MAUSS, 1968:388). p.134
1
Lévi-Strauss afirma que Mauss compreendia a nova orientação antropológica: a aproximação entre
a etnologia e a psicanálise.[3] (WIKIPÉDIA)
2
É considerado o fundador da antropologia estruturalista, em meados da década de 1950, e um dos
grandes intelectuais do século XX; porém suas ideias são muito diferentes do pensamento da época
em que viveu, rompem com a ideia de que indíos são somente indíos, não concordava com a divisão
em civilizados e selvagens ou a divisão em superiores e inferiores, além de possuir um maior pensar
ambientalista radical, por mais que sua teoria seja interpretada com base aos olhares de intelectuais
com o pensamento marxista pós-Guerra Fria do século XXI, ideias assim só apareceram a partir do
final da década de 1960 com o aparecimento da contracultura marxista cultural e ambientalista
radical, embora as obras de Lévi-Strauss vejam os índios do Cerrado de forma "eurocêntrica" ou
"colonialista" em certo ponto.[1][2][3] (WIKIPÉDIA)
A percepção crítica do fato (da prece), está além de objetos concretos que
explicam seu significado, quer sejam amuletos, escapulários, terços. Estes objetos
antecedem uma definição prévia do fato, como rito oral, abrigando todo um corpo de
manifestações empíricas que se mostram infundadas quanto o sentimento dos
indivíduos.
“Lévi-Strauss [...], encaminha-nos à crítica das explicações dos fatos, a saber, das teorias
construídas sobre fatos percebidos ou observados através de uma ótica estrábica. É sua
crítica modelar do totemismo, das interpretações que, ao longo da história da nossa
disciplina, foram elaboradas sobre os fatos ditos totêmicos” p. 134
Enquanto Marcel Mauss nos conduz à “crítica dos fatos”, Lévi-Strauss nos
ensina à “crítica das explicações dos fatos”, ou seja, das teorias construídas sobre
os fatos percebidos ou observados de forma incorreta. Enquanto antropólogo,
Lévi-Strauss permitiu-se ir acima das observações, da percepção empírica para
fazer uma leitura crítica dos fatos ainda ocultos e mistificados por teorias construídas
sobre suas aparências.
“O que não quer dizer, evidentemente, que tenhamos por meta um trabalho estruturalista ou
um renascimento de uma sociologia maussiana. A constituição teórica da etnia como objeto
legitimo de investigação sociológica (leia-se também antropológica) requer apoio em
posturas teóricas menos ortodoxas (se tomarmos o Lévi-Strauss de O Totemismo), ou que
melhor reflitam o desenvolvimento de nossa disciplina (o que, naturalmente, não é o caso da
“La Prière”).” p.134
Oliveira deixa claro sua posição ante as perspectivas dos dois estudiosos
escolhidos para reflexão do tema, não pretende seguir nem um nem outro
pensamento, entretanto, para legitimar o objeto de estudo sociológico e
antropológico de etnia como teoria, requer apoio em conceitos teóricos menos
conservadores e que tragam melhores reflexões acerca do assunto.
O autor ressalta o início da discussão a partir da consideração por diferentes
estudiosos acerca dos entraves encontrados nas investigações sobre temas étnicos,
contribuintes do crescimento das pesquisas étnicas, com estas tendo seu objeto de
estudo passível de existência objetiva, capaz de legitimar a investigação sociológica
e antropológica, deixando a parte seu caráter abstrato ou ilusório, permitindo ao
pesquisador realizar um trabalho mais específico sobre os fatos.
A ILUSÃO ÉTNICA
“[...] para mencionarmos alguns dos mais autorizados verbetes registrados em enciclopédias
e em dicionários de Ciências Sociais. Rigorosamente, em nenhum dos contextos a noção de
etnia está desvinculada da idéia de grupo. Ela não tem substância, adquirindo-a apenas
quando associada a um grupo; nas definições referidas não chega a ser sequer uma
“propriedade”, uma “categoria” ou uma “qualidade”, capaz de ser atualizada em tal ou qual
grupo social.” p.135
Oliveira também reforça que não existe vínculo entre biologia e etnia,
comprovado por antropólogos sociais e antropólogos físicos. Tal fato contribui para
que o conceito de etnia receba maior atenção dos antropólogos que constróem suas
investigações em torno do conceito de cultura, promovendo uma homologia entre os
termos, distinguindo-os em suas especificidades.
“Se consultarmos a conhecida revisão crítica feita por Kroeber e Kluchohn (1952) do
conceito de Cultura, verificamos que dentre 161 definições encontradas pelos autores em
cerca de mais de uma centena de antropólogos, em nenhuma delas – salvo engano – há
qualquer referência à etnia. E isso é de certo modo surpreendente, considerando-se a
associação natural que o antropólogo moderno faz entre etnia e cultura, seja superpondo-as,
seja apenas relacionando-as entre si como equivalentes.” p.135
Abner Cohen apud Oliveira (2003), afirma que o termo etnicidade seria de
pouca utilidade se fosse:
“estendido para diferenças culturais entre sociedades isoladas, regiões autônomas, ou stoks
independentes de populações tais como nações em suas próprias fronteiras nacionais.” p.
136
“Diferenças entre Chineses e Hindus, consideradas dentro de seus respectivos países,
seriam diferenças nacionais, mas não étnicas. Mas quando grupos de imigrantes chineses e
Hindus interatuam numa terra estrangeira enquanto chineses e Hindus, eles podem ser
referidos como grupos étnicos. Etnicidade é essencialmente a forma de interação entre
grupos culturais operando dentro de contextos sociais comuns” (Cohen, 1974:XI).” p.136
Abner Cohen chama atenção para o fato do termo etnicidade ser usado de
forma inespecífica entre grupos grupos sociais isolados, habitando em suas próprias
fronteiras. Neste caso, não existe etnicidade a título de investigação de aspectos
culturais.
Abner Cohen também afirma que não existem diferenças étnicas quando se
investiga aspectos étnicos entre grupos sociais habitantes em seus próprios países,
no caso de Chineses e Hindus; neste caso, existem diferenças nacionais e não se
constituem grupos étnicos.
Mas se Chineses e Hindus se relacionam em outro país, eles são
considerados grupos étnicos. Nesse caso, tem-se três grupos étnicos convivendo
entre si, cada um com seus aspectos étnicos transitando entre si.
A partir desses exemplos pode-se afirmar, segundo Abner Cohen, que
etnicidade surge na forma de interação entre grupos sociais cujas culturas operam
dentro de contextos sociais comuns. Isso reforça a ideia que estudos sobre fato
étnico, por antropólogos são recentes.
“Em primeiro lugar, principia com o que Lévi-Strauss chama da ‘crise moderna da
Antropologia’, quando o isolamento de sociedades simples, ou de pequena escala, vai se
tornando uma ocorrência impossível, ao mesmo tempo em que indivíduos nativos dessas
mesmas sociedades vão se tornando seus próprios estudiosos, relegando o antropólogo
estrangeiro a um crescente ostracismo – a não ser que este reformule sua postura teórica.”
p. 136
“Em segundo lugar, segue-se uma tendência cada vez mais acentuada da antropologia
social de voltar-se com maior empenho ao estudo das sociedades complexas, ou de grande
escala, em cujo interior – como vimos – o fenômeno étnico tem lugar.” p. 136
3
Sociólogo e antropólogo britânico, em 1937, Mitchell ajudou a fundar o grupo de antropólogos /
sociólogos sociais do Rhodes-Livingstone Institute , agora parte da Universidade da Zâmbia . Ele foi
influenciado por Max Gluckman e conduziu importantes pesquisas sobre análise de redes sociais na
Universidade de Manchester (veja Manchester School ). Na década de 1940 realizou pesquisas de
campo sobre sistemas sociais e condições sociais na África Central (sul do Malaui) entrevistando
chefes de domicílios em aldeias e áreas urbanas e observando costumes. Em 1952 ele estava no
comitê editorial do Northern Rhodesia Journal. (WIKIPÉDIA).
“‘distinguir entre etnicidade como uma construção de fenômenos de percepção ou cognitivos
de um lado e, de outro, o grupo étnico como uma construção de fenômenos de
comportamento’ (1974:1). Malgrado esta distinção entre cognição (ou percepção) e
comportamento não nos pareça a mais adequada para se dar conta das diferentes
dimensões do problema – razões que daremos adiante –, ela tem a vantagem de apontar
precisamente para a necessidade de se chegar à natureza mesma da etnia, deixando de
confundi-la com o grupo étnico.” p. 137