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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

O ensino explícito, aspectos teóricos e práticos

(2° texto)
por

Clermont Gauthier, Ph.D.

Brasil XVII ENDIPE Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino

Simpósio : A Didática e a Prática de Ensino nas Relações entre a Escola, a


Formação de Professores e a Sociedade

Como vimos no texto anterior, as pesquisas sobre a eficácia do ensino descreveram


amplamente o efeito do professor sobre o desempenho dos alunos. Portanto, não se pode
mais atribuir o sucesso do aluno apenas às características do seu quadro familiar ou
socioeconômico. Mostrou-se que o professor é fator importante no desempenho
acadêmico e nos resultados de um ensino de qualidade, e que os efeitos de tal ensino,
repetido ao longo de vários anos, repercutem significativamente no sucesso do aluno. O
inverso também é verdadeiro: um mau ensino tem um efeito cumulativo ao longo dos
anos. Conforme destacou Hattie (2012), agora que muitos estudos têm mostrado o alto
nível de variação de resultados entre os professores, a questão importante não é mais a de
saber se os professores têm influência sobre o desempenho dos alunos, mas de levar o
maior número posssível de professores a aumentar seus efeitos positivos na
aprendizagem, a fim de reduzir essa lacuna de desempenho.

As pesquisas sobre a eficácia do ensino têm demonstrado que várias abordagens têm
condições de ser eficazes para o sucesso dos alunos. Estas abordagens, desenvolvidas ao
longo dos anos por vários autores, cobrem elementos comuns, mas também apresentam
estratégias diferentes. Incluem-se entre estas a Direct Instruction (Bereiter e Engelman),
a Applied Behavior Analysis, o Mastery Learning (Bloom), o Teaching (Lindsley), o
Success for All (Slavin), o ensino explícito (Rosenshine), o modelo das estratégias
eficazes de ensino (Good and Grows), o modelo de concepção de aulas eficazes de
Hunter, o modelo dos momentos de ensino de Gagné, o modelo de apresentação de
conteúdo de Ausubel, o modelo de ensino como desempenho assistido de Tharp e
Gallimore, etc. Por isso, empregamos o termo instrucionista1 para agrupar numa só
família todas essas abordagens em que, apesar de algumas variações, o professor torna a
aprendizagem de conteúdo acadêmico de forma sistemática, estruturada e explícita para
os alunos.

"... Poucos pesquisadores interessaram-se no que chamamos hoje de abordagem


"instrucionista " sem levar em consideração seu bom resultado junto a alunos fracos

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Utilizamos o neologismo “ instrucionista” para substituir o termo inglês instructivist.

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ou com dificuldades... Às vezes chamadas de “ensino direto”, “pedagogia do auto-


controle”, “ensino explícito”, ou “ensino de precisão”, estas estratégias de ensino
em sala de aula têm particularidades comuns. Os professores que as utilizam são
específicos sobre o que os alunos devem aprender e lhes comunicam claramente tais
expectativas; quase todo o tempo escolar é focado na aprendizagem desejada; a
avaliação fornece informações valiosas sobre os progressos realizados, o sucesso é
recompensado; o fracasso não é aceito; e o esforço continua até que os objetivos
sejam alcançados. "(Finn e Ravich, 1996, p. 8)

Os modelos instrucionistas consideram que as práticas de ensino são eficazes quando o


professor começa por rever os pré-requisitos, relaciona a matéria do dia com as
aprendizagens anteriores e depois, por etapas, aborda a matéria nova. Ele alterna breves
apresentações. Após a apresentação, o professor organiza exercícios dirigidos até que
todos os alunos tenham sido controlados e tenham recebido um feedback. Vêm, a seguir,
os exercícios individuais que se continuam até o controle autônomo do novo aprendizado
do aluno" (Rosenshine, 1986a, p. 96). É sobre esta faceta que se encaixam nossas
propostas. Seguindo Rosenshine, usamos o termo "ensino explícito" para designar a
abordagem pedagógica que descrevemos a seguir. O ensino explícito, cujas estratégias
foram validadas por evidências, é uma das principais condições de um ensino eficaz.
Mantendo o sentido primeiro dado por Rosenshine a esta abordagem pedagógica nós a
enriquecemos e ampliamos mediante adição de estratégias complementares para a gestão
da aprendizagem e da sala de aula, estratégias também oriundas de pesquisas sobre a
eficácia do ensino.

Esta comunicação abrange simultaneamente teoria e prática. Baseando-nos em obras


contemporâneas de psicologia cognitiva, examinaremos as razões pelas quais esta forma
de ensino está associada ao bom desempenho do aluno. Em termos práticos, vamos
examinar os componentes concretos desse ensino na sala de aula.

2.1. O ensino explícito, dimensões teóricas

Um dos autores mais reconhecidos por suas pesquisas empíricas sobre este tema é Barak
Rosenshine (1982, 1986 e 2002). Ele mostrou que o ensino explícito e sistemático é um
método particularmente apropriado para aprendizagem de numerosas disciplinas (leitura,
matemática, gramática, língua, ciência, história e até mesmo línguas estrangeiras). Além
disso, segundo ele, o ensino explícito e sistemático revelou-se particularmente adequado
aos jovens estudantes e a todos aqueles alunos de aprendizagem lenta,
independentemente de sua idade, mesmo com os adultos que tenham dificuldades de
aprendizagem (Hock, 2012). É de se notar que este tipo de ensino é benéfico a todos os
alunos quando se trata de uma matéria estruturada, ou complexa, e mostra-se proveitoso
com alunos de melhores desempenhos (Adams e Engelmann 1996; Marchand-Martella,
Martella e Slocum, 2004; Slavin et alii, 1989). Além disso, um estudo de
acompanhamento por Gersten e Keating, em 1987, revelou que os estudantes que se

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beneficiaram com as lições do modelo de Direct Instruction2, um método de ensino


explícito fortemente estruturado, alcançaram resultados superiores, melhores índices de
aprovação, uma porcentagem mais alta de pedidos de admissão e aceitação ao nível
colegial e, finalmente, uma menor porcentagem de repetição em relação aos grupos que
receberam instrução tradicional.

Além disso, como menciona Adams (1996), além de aumento do desempenho acadêmico
na maioria das disciplinas escolares, o Direct Instruction favorece o desenvolvimento de
habilidades cognitivas para o nível superior. Também deve-se notar que as pesquisas
sobre o ensino eficaz foram realizadas em salas de aula regulares e, muitas vezes, com
alunos de baixo desempenho, com dificuldades de aprendizagem ou provenientes de
meios desfavorecidos, onde o ensino explícito revelou-se particularmente adequado
(Brophy e Good, 1986; Gersten et alii, 1986; Swanson, 1999, 2000 e 2001; Swanson et
alii, 1998, 2001 e 2003, Rosenshine e Stevens, 1986). Esta abordagem pode também ser
oportuna para alunos de classe média e com alto QI, com alunos de classes especiais,
regulares, do ensino fundamental ao médio, para aprender habilidades simples ou
complexas e diferentes matérias. Mesmo os estudantes talentosos obtém melhores
ressultados com a Direct Instruction (Barbash, 2011). Além disso, as pesquisas
conduzidass por Reynolds e seus colaboradores indicam que as escolas reconhecidas
como eficazes recorrem maciçamente aos métodos do ensino dito explícito, constatação
verificada em diversos países com sistemas escolares muito diferenes (Austrália, Canadá,
Hong Kong, República da Irlanda, Holanda, Noruega, Taiwan, Reino Unido, EUA). A
este respeito, ao contrário do que muitos defendem, Reynolds e seus colaboradores
(2002) afirmam que algumas das dimensões associadas a escolas eficazes pode
"transcender" culturas. Na verdade, os ganhos de aprendizagem registrados em diferentes
ambientes parecem estar associados a um tipo de abordagem de ensino comum entre os
professores, ou seja, um ensino diretivo e explícito.

Todas essas pesquisas levam a concluir que há evidências suficientes em favor do ensino
explícito para torná-lo vantajoso para um sistema de ensino usá-lo. De fato, o risco de
falha é menor e os efeitos sobre a aprendizagem são positivos para uma ampla variedade
de alunos em diferentes disciplinas e em diferentes contextos culturais. Além disso, as
aprendizagens não são superficiais e nem efêmeras (Klahr e Nigam, 2004). Finalmente,
esta abordagem educativa não exige que os professores mudem radicalmente suas
práticas e não é oneroso para uma escola ou para uma mantenadora implantar.

O Ensino explícito e psicologia cognitiva

2
O Direct Instruction é um modelo de ensino baseado numa abordagem explícita, estruturada e intensiva.
Insiste-se no preparo minucioso das lições, cuja eficácia é verificada junto aos alunos e que são reajustadas
posteriormente antes de ser implantadas em mais ampla escala. Para mais informações, o leitor consultará
com proveito o siteWeb do National Institute for Direct Instruction no http://www.nifdi.org/15/.

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Como menciona Rosenshine (2008, p. 236), embora a maioria das pesquisas em


psicologia cognitiva foram realizadas após as realizadas sobre a eficácia do ensino, os
seus resultados combinam perfeitamente com esta última de forma que nos ajudam a
entender melhor os resultados da pesquisa sobre o ensino eficaz ou explícito. Em outras
palavras, as pesquisas sobre a arquitetura cognitiva constituem, de alguma forma, o
arcabouço teórico que faltava na pesquisa sobre a eficácia do ensino.

Antes de prosseguir, é necessário fornecer uma visão geral da arquitetura desenvolvida


pelo sistema cognitivo humano elaborado pela psicologia cognitiva, em que a memória
desempenha um papel fundamental. Na perspectiva cognitiva, a aprendizagem está
intrinsecamente ligada à função de memória em geral, responsável pela construção,
organização, codificação e recuperação do conhecimento.

Comparando com o funcionamento do computador, as pesquisas em psicologia cognitiva


estudam como os seres humanos coletam, codificam, interpretam, modificam e
armazenam informações vindo do entorno, e como leva isso em conta no momento de
tomar decisões.

Existem várias teorias cognitivas em relação à aprendizagem. Elas compartilham a


premissa básica de que a mente é um sistema de processamento de informações e
concedem um status central às informações que os seres humanos se representam, aos
meios que eles usam para processar estas informações e aos limites do sistema cognitivo
que restringem a quantidade de informações que podem ser representas e tratadas ao
executar determinada tarefa. Elas definem a aprendizagem como um conjunto de
processos para adquirir novos conhecimentos ou transformar o conhecimento existente.
Essas teorias compartilham também de uma visão comum das características estruturais
do sistema de processamento de informações, ou seja, do que é chamado de "arquitetura
cognitiva".

A arquitetura cognitiva

Destacamos brevemente dois componentes importantes da arquitetura cognitiva: a


memória de trabalho e a memória de longo prazo.

A memória de trabalho tem duas limitações importantes: primeiro, o prazo de


disponibilização da informação (geralmente de 5 a 20 segundos) e o número de unidades
que pode conter (sete para o adulto médio, com um intervalo que varia de mais ou menos
duas). Uma unidade de informação pode ser uma sílaba, uma palavra, um parágrafo, uma
regra, um conceito ou uma rede de conceitos. Isso depende da estruturação do
conhecimento, ou seja, como eles são organizados na memória. Podemos então constatar

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a vantagem de ter uma boa organização do conhecimento e, daí, a importância de se ter


padrões.
Outrossim, a memória de longo prazo é um reservatório ilimitado de conhecimentos.
Nela, todo novo saber vem enxertar-se, por cacho, aos conhecimentos anteriores.
Armazenados na memória de longo prazo, eles irão, eventualmente, servir de lembrete a
ser utilizado na resolução de vários problemas. A memória de trabalho constitue a
interface com a qual as pessoas podem dar sentido aos estímulos que vêm de seu entorno,
a partir da bagagem de conhecimentos acumulados em sua memória de longo prazo. No
entanto, no processo de aquisição de novos conhecimentos, não pode haver sobrecarga.

A teoria da carga cognitiva

A teoria da carga cognitiva é um dos desenvolvimentos teóricos recentes mais


significativos no campo das teorias da aprendizagem (Chanquoy, Tricot e Sweller de
2007, Kirschner, e Kester Corbalan, 2010). A complexidade do processamento cognitivo
necessário para entender e executar uma tarefa em nova área, pode resultar em não haver
mais espaço disponível na memória de trabalho para reter o conhecimento que tem sido
utilizado nesta área. Dada a capacidade limitada da memória de trabalho, Sweller et alii
(2006, 2007) propõem interpretar esse excesso de recursos disponíveis, como seno
sobrecarga cognitiva.

As pesquisas de Sweller conduzem a duas implicações imediatas pedagogicamente. Em


primeiro lugar, propôr a uma pessoa aprender novos conhecimentos, resolvendo um
problema para o qual não tem conhecimento prévio relevante, é um método de ensino
ineficaz. Em segundo lugar, se isto não é uma abordagem para a aquisição de
conhecimentos na forma de esquemas, então o que o seria? A questão é importante
porque desafia a visão dominante, mas errada, dos adeptos de novas pedagogias e da
descoberta segundo a qual "os padrões são aprendidos fazendo: mais o estudante vai
encontrar e tentar resolver muitos problemas, mais ele pode desenvolver esquemas na
memória "(Chanquoy et alii, 2007, p. 132).

A teoria da carga cognitiva foi desenvolvida para fornecer respostas a esta questão, de
fundamenal importância para o ensino. A teoria da carga cognitiva enfoca principalmente
o papel da memória de trabalho na aquisição e utilização dos esquemas. Procura
responder, por exemplo, à pergunta "Para que servem os padrões? ". A principal premissa
da teoria da carga cognitiva é que os padrões servem, em primeiro lugar, para organizar
na memória de longo prazo a grande quantidade de conhecimentos e, por outro, permitir a
execução de tarefas complexas que exigem a mobilização simultânea de vários
conhecimentos e know-how, apesar das limitações da memória de trabalho.

Note-se que a finalidade do tratamento da informação na memória de trabalho é orientar a

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ação em um ambiente complexo. De acordo com a teoria da carga cognitiva, quanto


maior for a quantidade e a complexidade das informações organizadas que podem ser
transferidas da memória de longo prazo para a memória de trabalho, mais importante é a
complexidade das informaçoes que se podem tratar. Pois se ela não tem a capacidade de
permitir que os padrões relevantes na memória de trabalho atendam às exigências da
tarefa, um especialista não é um especialista e deve recorrer a estratégias gerais para a
solução de problemas nas mesmas condições que um novato (Clark, Nguyen e Sweller,
2006). A principal função dos sistemas é permitir que um indivíduo supere as limitações
da memória de trabalho. A eficácia dos sistemas nesta função depende do seu grau de
automação, pois cada sistema automatizado libera recursos cognitivos para a aquisição de
novos padrões.

A teoria da carga cognitiva considera que existem dois processos, cuja função principal é
permitir que a memória de trabalho, cujas capacidades são limitadas, processe grandes
conjuntos de informações e melhore a aprendizagem (Chanquoy et alii, 2007). O primeiro
processo é a aquisição de padrões; o segundo, a automação deles. A teoria da carga
cognitiva enfatiza a importância da automação que gradualmente permite que o indivíduo
execute tarefas mais complexas, sem exceder a capacidade da memória de trabalho, uma
vez que os padrões adquiridos podem processar uma grande quantidade de informações,
como se fosse uma única unidade significativa ou um bloco ou um pedaço (Paas, Renkl e
Sweller, 2004; Clark, Nguyen e Sweller, 2006).

Uma vez que os novatos ainda não desenvolveram os padrões que permitem aos
especialistas resolver problemas complexos, eles precisam do professor e do ensino
explícito que estruturam a aprendizagem desde a simplicidade até a complexidade. para
um substituto aos padrão do qual carecem (Clark, Nguyen e Sweller, 2006). Isso, lhes
permite liberar espaço em sua memória de trabalho para tornar a aprendizagem possível.
Sem tal substituto, o novato construirá representação inadequada das aprendizagens a
alcançar, o que irá levá-lo a integrar em sua memória de longo prazo conhecimentos
errôneos que, uma vez cristalizados, tornam-se muito difíceis de corrigir.

2.2 . O Ensino explícito, características práticas

Como lecionam os professores que "fazem uma diferença positiva" para favorecer a
aprendizagem do aluno? Recorrem eles a várias estratégias avulsas de ensino ou podemos
identificar um padrão de comportamentos eficazes (Rosenshine, 2008, p. 235)?

O artigo de Rosenshine e Stevens publicado no Handbook of research on teaching de


1986 constitui, em nossa opinião, a primeira prova, com base em fontes empíricas, de um
modelo de ensino eficaz. Em suma, parece que os professores eficientes adotam

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estratégias parecidas ao ponto de formar um padrão ou modelo genérico de ensino de tipo


"instrucionista".

2.2.1. Natureza do ensino explícito

Em geral, as pesquisas sobre o ensino confirmam que as abordagens "instrucionistas", tal


como o ensino explícito, são caracterizadas por etapas estruturadas fortemente integradas.
Além disso, como indicado pelo termo “explícito”, o professor procura evitar o implícito
e a imprecisão que pode interferir na aprendizagem. Então, quais são as estratégias que o
professor deve usar diariamente para ensinar explicitamente?

Para isso, cria-se um conjunto de suportes (escoras) para ajudar os alunos no processo de
aprendizagem. Estes apoios ou escoramento passam pelo dizer, mostrar, orientar os
alunos na sua aprendizagem. Dizer, no sentido de explicitar para os alunos as intenções e
os objetivos da lição. Dizer, também, no sentido de tornar o conhecimento prévio
explícito e disponível para os alunos que precisam. Mostrar, no sentido de explicitar a
realização de uma tarefa executando-a na frente dos alunos e explicitando o raciocínio em
voz alta. Guiar, no sentido de levar o aluno a explicitar o seu raciocínio implícito em
situações de prática. Guiar, também no sentido de lhes fornecer uma retroação apropriada
para que eles construam conhecimentos adequados antes de os erros se cristalizarem em
suas mentes (Gauthier, Bissonnette, Richard e Castonguay, 2013).

A principal função dessas escoras é evitar a sobrecarga da memória de trabalho de alunos


(Sweller, 1988; Sweller, Kirschner & Clark, 2006). Sabemos agora, graças ao trabalho
realizado sobre a arquitetura cognitiva, que a capacidade da memória de trabalho é
limitada, de modo que, para facilitar o aprendizado, é melhor para o professor decompor
o conhecimento ou a habilidade em componentes mais simples a fim de que o aluno
aprenda progressivamente.

Alguns associam erradamente o ensino explícito à pedagogia tradicional. É


provavelmente mais apropriado falar de ensino magistral que de pedagogia tradicional
porque, como demonstrado por Kessler (1964), o ensino tradicional é mais uma
caricatura que foi desenvolvido com um propósito polêmico de que um conceito rigoroso
descrevendo a realidade da tradição de ensino. A pedagogia tradicional é simplesmente
uma forma de ensino em que o professor incentiva a transmissão do saber mediante um
monólogo, enquanto no ensino explícito, o professor dialoga constantemente com os
alunos.

2.2.2. Funcionamento do ensino explícito

Tem sido demonstrado anteriormente (Gauthier et alii, 1997) que o professor tem duas
grandes funções inter-relacionadas: a gestão das aprendizagens e o manejo da classe (ou
gestão dos comportamentos). A gestão das aprendizagens refere-se ao conjunto das

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estratégias que os professores utilizam para que os alunos aprendam o conteúdo do


programa. O manejo da sala de aula refere-se a estratégias que o professor faz para criar
um ambiente propício para a aprendizagem e para a vida em classe. Tanto a gestão da
aprendizagem quanto a gestão da sala de aula é realizada em três fases: preparação,
interação com os alunos e consolidação, e pode ser objeto do ensino explícito (Gauthier
et alii, 2013). No texto a seguir3, será tratado apenas da gestão das aprendisagens.

2.2.2.1 A gestão das aprendizagens: a fase de preparação

Durante esta fase, o professor trabalha a partir do currículo e procura adaptá-lo "a seu
jeito". Ele o analisa a fim de destacar os principais componentes e possíveis dificuldades
e para determinar a melhor sequência para ensinar os elementos de conteúdo. A fase de
preparação inclui um conjunto de estratégias: 1. identificar os objetivos claros de
aprendizagem; 2. destacar as principais ideias; 3. determinar o conhecimento anterior; 4.
integrar estrategicamente diferentes tipos de conhecimento; 5. planejar os esteios de
apoio à aprendizagem; 6. planeja a revisão; 7. verificar o alinhamento curricular.

Exprimir com precisão os objetivos de aprendizagem

Desde o trabalho de Tyler em 1949 e a publicação de seu famoso livro, Basic Principles
of Curriculum and Instruction, reconhece-se que a precisão dos objetivos é essencial para
facilitar o ensino e a aprendizagem. A indicação dos objetivos deve indicar as
expectativas do aluno no final do aprendizado. Ela permite que o professor se concentre
nos objetivos e que o aluno saiba o que se espera dele. Ela permite também que os
professores selecionem melhor as atividades de aprendizagem adequadas e facilita a
avaliação da aprendizagem.

Identificar as principais ideias

Nem tudo tem a mesma importância num programa. É por isso que é preciso distinguir o
conteúdo essencial daqueles que são apenas secundários. As ideias-chaves são os
principais conceitos centrais, conhecimentos básicos de que os professores devem ensinar
definitivamente. Trazer as principais ideias simultaneamente permite identificar noções
acessórias.

Determinar os conhecimentos prévios

Alguns conhecimentos ou experiências são anteriores, e o controle deles é um pré-


requisito para a aquisição de novos conhecimentos. Por exemplo, antes de ensinar a
resolução de problemas que requerem o cálculo da hipotenusa, o professor deve
assegurar-se de que os alunos sabem o que é raiz quadrada. Ele deve verificar o nível de

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Estamos preparando uma obra sobre a gestão da classe ou o que chamamos de ensino explícito dos comportamentos. Deve sair no
início de 2015

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dificuldade da tarefa a cumprir, para que o conhecimento caminhe do simples ao


complexo.

Integrar de maneira estratégica vários tipos de conhecimento

Os conhecimentos podem ser divididos em três categorias: declarativos, procedimentais e


condicionais. Esta distinção é importante porque temos de perceber que não podemos
levar os alunos a desenvolver habilidades de procedimento se estamos ensinando apenas
o conhecimento declarativo e que o conhecimento condicional é desconhecida. Não só os
alunos não saberão como realizar a tarefa, mas eles não vão reconhecer o contexto em
que desempenhá-la.

Planejar dispositivos de sustentação da aprendizagem (escoras)

O ensino explícito caracteriza-se pelo uso de múltiplos dispositivos de apoio (visual,


verbal, físico) que o professor escolhe de acordo com o nível de habilidade dos alunos e,
em seguida, os retira gradativamente na medida em que observa o progresso deles.

Planejar a revisão

O professor deve reservar um tempo para revisar o conteúdo. Para ser mais eficaz, a
revisão deve ser distribuída, cumulativa e variada. Rosenshine e Stevens (1986) propõem
uma revisão diária, semanal e mensal.

Verificar o alinhamento curricular

O conceito de alinhamento curricular é essencial, pois permite adaptar o trabalho previsto


àquele que será feito. Durante a fase de preparação, o professor verifica a coerência entre
o curriculum prescrito, o ensino que pretende realizar e a avaliação prevista. Não seria
lógico avaliar o conteúdo não ensinado ou que não faz parte do programa.

2.2.2.2 A gestão das aprendizagens: a fase de interação com os alunos

Uma vez concluido o planejamento, o professor passa para a interação real com os
alunos. Ele executa várias ações tais como verificação diária das tarefas, iniciar a aula,
dirigi-la e terminá-la.

Verificar as tarefas diariamente

A questão das tarefas de casa é controversa. No entanto, o professor que utiliza a lição de
casa corretamente leve seus alunos a aproveitar. Hattie (2012) examinou várias meta-
análises de tarefas de casa e encontrou resultado d = 0,29. Assim, quando se comparam
os alunos com tarefas de casa com os que não as têm, vemos que as tarefas de casa
permitem que os alunos progridem ou aumentem sua grau de aprendizagem de 15%.

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Iniciar a aula

Na abertura da aula, o professor assegura-se de obter a atenção dos alunos: "Atenção!


Agora vamos ... "Diz o objetivo da lição, o justifica, caso seja necessário, liga-o ao
conteúdo visto anteriormente. Pode resumir o conteúdo que será abordado na aula e dar o
plano dela. Em seguida, ele irá ativar o conhecimento prévio de aprendizagem ou
habilidades.

Conduzir a Aula

A condução da aula inclui o uso de um conjunto de estratégias que podem ser


implementadas em três etapas: modelagem, prática orientada e prática independente.

Lição de condução (modelagem)

O professor começa a aula pela etapa de modelagem. Ele mostra o que deve ser
aprendido. Ao fazer isso, ele explica como ele procede e transmite seu pensamento.
Anuncia cada passo para executar a tarefa: as perguntas, as estratégias que ele usará.

Conduzir a lição (prática guiada)

O professor continua com a etapa da prática guiada. Nela, ele faz com que os alunos
trabalhem, geralmente em equipes, enquanto os supervisiona de perto. Ele faz perguntas e
trabalha a partir de problemas já resolvidos. Coloca suportes apropriados e verifica a
compreensão dos alunos. Retroage e corrige as respostas deles.

Perguntar. Foi provado que os professores mais eficientes pedem que os alunos
expliquem como eles fizeram para chegar à resposta. Os menos eficientes não só
perguntam menos, mas quase nunca perguntam aos alunos sobre as suas maneiras de
obter resultados.

Verificar a compreensão. Hollingsworth e Ybarra (2009) propuseram para testar o


conhecimento a estratégia que expressamos pelo acrônimo EQACER sigla: (E) ensinar
algo, (Q) questionar (A) aguardar um momento, (C) convidar um estudante ao acaso (E)
escutar sua resposta, (R) reagir, fornecer feedback.

Trabalhar a partir de problemas previamente resolvidos. Trabalhar a partir de


problemas resolvidos anteriormente evita sobrecarregar a memória de trabalho dos
estudantes, leva a concentrar-se nas etapas necessárias para resolvê-los e sobre os
elementos importantes do problema. Os exemplos permitem demonstrar, passo a passo, a
maneira de resolver um problema.

Empregar o apoio necessário. Durante a prática guiada, o professor fornece apoio ao


estudante, apoio que lhes retira gradativamente, à medida que progridem na sua
aprendizagem.

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Retroagir e corrigir. Há uma forte correlação entre retroação e desempenho do aluno. Ao


invés de parabenizar o aluno, o professor enfatiza uma retroação específica sobre a tarefa
realizada pelo aluno, para que ele associe o seu resultado a seu próprio comportamento. O
professor mantém breves contatos individuais (até 30 segundos) para evitar o transtorno
que possa ocorrer.

Conduzir a aula (prática independente)

Durante esta etapa, o aluno realiza a tarefa sozinho e sem ajuda. Se não sabe como
realizar a tarefa sozinho e o professor insistir para que se exercite, ele integrará na
memória interpretações equivocadas. Será trabalho muito difícil para o professor fazer
desaprender o que foi armazenado erroneamente na memória de aluno. É inútil dar
dezenas de problemas para resolver, quando os alunos não sabem executar a tarefa
indicada. É melhor então ensinar novamente.

Durante a prática independente, o professor não dá aos alunos exercícios de natureza


diferente do que eles fizeram durante a prática guiada.

Terminar a aula

No final da aula, o professor aproveita a oportunidade para assegurar a objetivação do


aprendido. Ele destaca o essencial. Em seguida, ele anuncia a próxima lição e oferece
atividades para uma maior consolidação e automação.

2.2.2.3 A gestão das aprendizagens: a fase de consolidação

Durante esta fase, o professor concentra-se em duas estratégias principais para assegurar
a consolidação e a automação de aprendizagem: dar tarefas de casa e fazer a revisão
diária, semanal e mensal.

Passar tarefas para casa

As tarefas permitem aos alunos praticar o conteúdo aprendido em sala de aula, a fim de
chegar a automatizar o aprendizado. O professor não dá tarefas de casa com novos itens.
As tarefas são parte da rotina da sala de aula e não são negociadas a cada dia. O professor
também sabe que a tarefa de casa não revisada em sala de aula resultará em futuras
tarefas mal feitas ou não feitas.

Além disso, Marzano, Pickering e Pollock (2001) descobriram que quando o professor
comenta as tarefas, o tamanho do efeito é d = 0,83, o que significa um ganho porcentual
de 30 pontos. No entanto, quando não há comentários ou notas, a magnitude cai para d =
0,28, ou 11 pontos percentuais, o que é muito menos eficaz.

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Em geral, os autores recomendam tarefas curtas e frequentes que envolvem a prática de


habilidades simples. O professor prepara cuidadosamente as lições de casa, e os alunos
exercitam-se a praticá-las em sala de aula e, em seguida, as reveem coletivamente.

Revisões semanais e mensais

As revisões permitem organizar novos conhecimentos em rede e possibilitam a sua


mobilização quando se quer recorrer a eles. Os professores eficientes dedicam 15 a 20%
de seu ensino na revisão semanal e mensal.

Conclusão

O ensino eficaz é um ensino explícito que se caracteriza pelo estabelecimento de


dispositivos para simplificar a tarefa de aprendizagem dos alunos. Baseia-se
principalmente no fato de que a memória de trabalho tem capacidade limitada e
rapidamente torna-se sobrecarregada. Para evitar essa sobrecarga é importante ensinar o
conteúdo por etapas. Uma preparação cuidadosa e o uso de boas estratégias, para
interagir com os alunos, incluindo modelagem, prática orientada e prática independente e
atividades de consolidação facilitarão a aprendizagem.

Longe de ser um novo dogma, o ensino explícito é a abordagem de ensino pela qual
temos a maior soma de evidências que demonstram sua eficácia. No entanto, nos casos
em que os alunos já têm alguma experiência, onde o conteúdo e contexto de ensino
permitem, as abordagens por decobertas podem ser indicadas. É preciso reconhecer que
as classes da grande maioria dos professores, pouco ou não pertencem a esta categoria.

Finalmente, é também importante notar que, apesar da eficácia demonstrada de ensino


explícito, este modelo não ocupa o lugar que merece nas faculdades de educação, onde
reina as abordagens construtivistas cujas provas de eficácia são limitadas.

Referências bibliográficas
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ESTÁGIO COM PESQUISA: A ONTOGÊNESE DE UM PROCESSO1

Evandro Ghedin2

Introdução
A pesquisa que deu origem a este trabalho situa-se na interseção estágio-
pesquisa como condição do desenvolvimento profissional e articulador da identidade
docente no processo de formação inicial de professores.
A ideia motora do trabalho defende que a articulação entre estágio e pesquisa na
formação inicial de professores constitui instrumento epistemológico, teórico e
metodológico que se propõe como modelo alternativo-inovador nas licenciaturas,
constitutivo à autonomia intelectual, profissional e da identidade docente. Decorrente da
produção científica na área da Educação, a pesquisa fundamenta-se nos conceitos de
professor reflexivo e pesquisador, que lhe dão suporte epistemológico e metodológico.
A pesquisa teve por objetivos: (1) sintetizar as perspectivas teórico-
epistemológicas apresentadas na literatura da área que discute a formação do professor
reflexivo-pesquisador como fundamentação articuladora do estágio-pesquisa na
formação inicial de professores; (2) estudar os procedimentos adotados e propostas de
cursos de formação inicial de professores tendo em vista sua avaliação, compreensão da
prática instituída e aprofundamento da formação; (3) refletir e propor o
desenvolvimento de práticas pedagógicas para a formação inicial de professores
articulando estágio com pesquisa, tendo como referência a literatura da área e propostas
em desenvolvimento para a formação do professor-pesquisador.
A abordagem metodológica adotada para a análise documental foi a da
hermenêutica crítica e no que se refere à coleta de dados, pautou-se em procedimentos
da pesquisa-ação e outros instrumentos da investigação qualitativa.
O trabalho conclui que o desenvolvimento do estágio com pesquisa fundamenta-
se em uma “pedagogia do conhecimento” que institui a estrutura de uma educação

1
O presente texto é uma síntese do relatório de pesquisa intitulado: Estágio com pesquisa na formação
inicial de professores, originalmente apresentado como relatório de pós-doutoramento à Faculdade de
Educação da USP, sob a supervisão da Profa. Dra. Selma Garrido Pimenta.
2
Professor na Universidade Estadual de Roraima (UERR). Doutor em Filosofia da Educação pela FEUSP,
onde fez estágio de Pós-Doutorado em Didática. Atua na linha de formação de professores no
Doutorado em Educação em Ciência da Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática
(REAMEC), no Doutorado em Educação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), no Mestrado em
Ensino de Ciência e de Educação da UERR.

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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

científica constitutiva da identidade que possibilita um trabalho docente centrado nos


processos de conhecimento como condição de autonomia intelectual, política e
científica do professor.

A filogênese do processo de Estágio com Pesquisa


Este texto origina-se da pesquisa que nasceu de uma experiência positiva
desenhada e executada em um curso de licenciatura. O objetivo geral da pesquisa
desenhava o estudo de uma proposta de formação inicial de professores centrada na
articulação do estágio com pesquisa como condição de desenvolvimento da autonomia
intelectual, profissional e da identidade docente, tendo em vista a formação de um
professor-pesquisador da própria prática como condição da construção de sua
autonomia de intelectual crítico.
Os objetivos foram desdobrados em questões centrais do processo investigativo:
(I) quais as perspectivas teórico-epistemológicas que se apresentam na literatura da área
que discutem a formação do professor reflexivo-pesquisador que se constitua como
fundamentação articuladora do estágio com pesquisa na formação inicial de professores
capazes de sustentar uma proposta pedagógica na direção aqui proposta? Quais são os
procedimentos adotados pelos cursos de formação inicial de professores em instituições
que já desenvolveram/desenvolvem o processo de formação inicial articulando estágio
com pesquisa? Quais os resultados obtidos até o momento? Como é possível, a partir
das propostas existentes, desenhar uma perspectiva comum tendo em vista a avaliação,
compreensão da prática instituída e aprofundamento deste modelo formativo? Como
desenvolver um “projeto” de formação inicial de professores articulador do estágio com
pesquisa, tendo como referência a literatura da área e as propostas em desenvolvimento
para a formação do professor-pesquisador em instituições brasileiras, como resposta às
necessidades formativas inovadoras desta prática?
A pesquisa propôs-se e defende a seguinte tese: “A articulação do estágio com
pesquisa constitui instrumento epistemológico-teórico-metodológico fundante de um
modelo alternativo/inovador da formação inicial como condição de desenvolvimento da
autonomia intelectual, profissional e da identidade docente, tendo em vista a formação
de um professor-pesquisador crítico-reflexivo”.
O texto aqui apresentado, como resultado de um processo de investigação, é
decorrente da leitura, análise, sistematização e síntese da produção sobre a formação de
professores a partir de determinados conceitos previamente definidos como centrais

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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

para a teorização da prática e desta a teoria: a construção do conhecimento na


escola/universidade/curso, a organização do trabalho com o conhecimento, os
professores diante do conhecimento. Essas categorias desdobradas em duas: saberes da
docência e identidade do professor. Decorrente desse mapeamento, assumindo-se como
metodologia da formação, tem-se os conceitos de professor pesquisador, professor
reflexivo, ensino de estágio e estágio com pesquisa como elementos centrais e
fundamentais a essa investigação.
Iniciou-se o trabalho com o levantamento de uma extensa bibliografia. Esta
decorrente das pesquisas na área que discutem o tema e os conceitos aqui apontados
como chaves de leitura para interpretar e propor alternativas a formação. Para isso,
lançou-se mão de uma vasta base de dados disponíveis para conhecimento,
compreensão e aprofundamento do conhecimento que decorre da investigação deste
objeto. Procurou-se avaliar e sintetizar a origem do conceito de professor pesquisador e
seus desdobramentos na literatura brasileira.
Na opção desta estratégia metodológica realizou-se uma investigação que se deu
a partir da produção científica sobre estágio com pesquisa que se apresentou nos
últimos dez anos, em eventos da área: o ENDIPE (Encontro Nacional de Didática e
Prática de Ensino); a ANPED (Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação),
sendo que nesta deu-se nos Grupos de Trabalho de Didática e Formação de
Professores; o ENPEC (Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências),
promovido pela ABRAPEC (Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em
Ciências), neste concentrou-se, também no levantamento da produção que discute o
Estágio nas Licenciaturas, pois para além dos problemas que estas enfrentam, há uma
riqueza de pesquisas que podem colaborar na sustentação teórica da proposta aqui
desenhada.
Fez-se um extenso levantamento da produção de pesquisas publicadas em livros
da área sem uma delimitação temporal. Além disso, fez-se um mapeamento da produção
de teses e dissertações de programas de pós-graduação na área da educação. Estas
disponíveis nas bibliotecas virtuais dos programas de pós-graduação. Do mesmo modo,
fez-se uma intensa busca da produção em periódicos científicos da área, além de uma
busca detalhada no Google Acadêmico. Esse procedimento permitiu um mapeamento da
rica produção do conhecimento sobre os conceitos chaves aqui apresentados.

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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

No transcurso do processo mapeou-se a experiência do estagio com pesquisa em


quatro instituições e se analisou os dados de uma instituição para garantir profundidade
epistêmica e clareza metodológica.
Nesse caso, abriu-se mão da comparação dos projetos de cursos, desenvolvidos
no âmbito de determinadas escolas e/ou cursos para concentrar-se em diferentes olhares
sobre um mesmo problema. Essa opção possibilitou testar metodologias diferentes na
abordagem de um mesmo objeto. O resultado desta decisão tornou possível verificar
que metodologias diferentes, no processo da pesquisa educacional, levam a resultados
muito próximos quando são desenvolvidas adequadamente. Para além da validação da
dimensão metodológica do processo investigativo, o resultado do trabalho possibilita
sustentar e defender que os processos de autonomia intelectual e a identidade
profissional do professor estão intimamente relacionados quando a formação conduz
práticas de investigação que possibilitam processos reflexivos estruturantes de outros
processos perceptivos e cognitivos. Decorrente disso, pode-se pensar que a identidade
docente e sua autonomia estão intimamente ligadas aos processos de percepção e
cognição, compreendendo-se que isso só se realiza num determinado contexto social,
ideológico e cultural.
A inter-relação entre percepção e cognição é um constructo humano que
funciona como mecanismo de leitura e interpretação do mundo. Quanto mais se
desenvolvem mais aprofundam a leitura e mais completa é a interpretação. A interseção
entre mecanismos perceptivos e cognitivos, desenvolvidos pelos processos de reflexão,
desencadeados pelos procedimentos de investigação, constituem os elementos centrais
da identidade e da autonomia docente no espaço da atuação profissional. Essa conclusão
“parece” ser o ganho mais significativo deste trabalho, pois tudo leva a crer que os
processos de investigação constituem instrumentos capazes de proporcionar, ao
professor em formação, relações neurológicas duradouras, isto é, uma estrutura de
pensamento e ação que lhe permite agir no cotidiano da escola orientado por uma forma
de percepção de si que lhe garante mais segurança no trato dos problemas pedagógicos
que precisa dar conta no cotidiano escolar.
Ao defender a ideia de que a educação científica do professor passa pela
necessidade que este possui de dominar os procedimentos da produção do conhecimento
científico, sustenta-se que o estágio com pesquisa constitui-se no instrumento de
formação que possibilitará, ao final do processo e ao longo do desenvolvimento
profissional, uma nova identidade para a docência. Nesse caso, a identidade docente não

EdUECE - Livro 4
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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

está exclusivamente no exercício profissional, mas no modo como o docente pensa a si


mesmo e o sentido que constrói sobre o seu trabalho pedagógico.
Isso implica colocar o ser do professor em outra condição. Aquela de que é
fundamental, diante de todas as mudanças e alterações no mundo contemporâneo,
ensiná-lo a trabalhar com os processos e não com os produtos educacionais, isto é,
apreender a produzir conhecimento a partir de seu contexto, de suas condições, de seus
problemas, de suas dificuldades, de seus dilemas. Trata-se de possibilitar ao professor,
na formação inicial, uma formação científica de tal modo que esta possa fazer com que
compreenda seu trabalho como parte da construção de uma cultura científica, pois age
como investigador de sua prática, como construtor das ciências da educação. Isso por si
só tornaria possível à superação do fosso existente entre escola e universidade.
Este trabalho demonstra as razões e os procedimentos que tornam possível uma
educação científica do professor, capaz de fazer dele um sujeito de identidade e
autonomia no modo de pensar e fazer ciência. Os instrumentos para tal, dentre tantos
outros, encontram-se na articulação de um conjunto de mecanismos pensados e
organizados inter-transdiciplinarmente na formação inicial de professores.
O trabalho não esgota as possibilidades de se pensar a formação. O que faz é
oferecer uma alternativa centrada numa epistemologia diferente daquela que forma o
professor para cumprir uma tarefa meramente operacional no conjunto da educação
escolar. Do mesmo modo que não se quer formar um especialista em pesquisas
educacionais, pois esse não é um trabalho da formação inicial. O que se espera é que
este professor, egresso das licenciaturas, seja capaz de operar, em seu trabalho
pedagógico, com os mecanismos das ciências da educação como condição do trabalho
docente.
Para efeito desse trabalho de pesquisa, além do que já foi mencionado, lançou-se
mão de processos metodológicos específicos. Esse horizonte nos conduz a organização
do conhecimento a partir das práticas dos sujeitos pesquisados. O ponto central da
articulação do processo não está no método que sustenta a organização e acesso as
informações, mas no próprio objeto-sujeito da ação investigativa. Embora que, no atual
contexto da pesquisa em educação, não seja mais possível separar o sujeito do objeto e
nem o método do conceito. No caso específico deste trabalho, situado na perspectiva de
uma hermenêutica crítica, a dimensão do conceito constituiu o eixo articulador do
trabalho de mapeamento do conteúdo produzido sobre o objeto, antecedendo o processo
próprio de inserção na realidade pesquisada.

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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

No desenvolvimento da pesquisa ação operou-se tecnicamente com três grupos


de sujeitos no processo investigativo: (1) acompanhamento e orientação do estágio com
pesquisa com um grupo de 28 estudantes em formação durante quatro semestres letivos;
(2) desenvolvimento de um curso de formação continuada feito com 15 egressos do
curso e que trabalham como professores concursados do sistema público de educação;
(3) solicitou-se aos professores que trabalharam no estágio com pesquisa por mais de
três anos que elaborassem um relato escrito sobre a experiência realizada. Dez
professores aceitaram o desafio e elaboraram textos que constituem os relatos da sua
experiência do estágio com pesquisa. Esses textos foram lidos, estudados e analisados a
luz das práticas instituídas e das teorias que os engendraram. Ao todo foram 98 sujeitos
pesquisados ao longo do processo.

A ontogênese do processo de Estágio com Pesquisa


Por aquilo que fica evidenciado ao longo da pesquisa pode-se afirmar que a
realização do estágio com pesquisa constitui um processo de educação científica do
professor que caracteriza sua identidade docente enquanto profissional que, pelo
domínio dos processos de construção e produção do conhecimento, se constitui sujeito
de sua autonomia.
Concluímos, então, que serão necessárias determinadas atitudes que viabilizem a
formação do professor pesquisador, dentre elas: o desenvolvimento de um período de
estágio vinculado à pesquisa, a discussão dos conceitos que constituem o processo
formativo docente, a apresentação dos elementos técnico-científicos que
instrumentalizam a Pedagogia como ciência articuladora das ciências da educação, pois
se considera que essa trajetória também se caracteriza como um processo de Educação
Científica.
Consideramos o período de estágio, na formação inicial de professores, como o
primeiro momento em que ele tem contato com a realidade da sala de aula,
desenvolvendo suas práticas pedagógicas por meio das atividades realizadas nesse
período. Neste contexto, faz-se necessário um processo de estágio que apresente os
elementos instrumentalizadores das ciências da educação e discuta os conceitos
constitutivos da formação docente, porém, entende-se que esta trajetória apenas se
consolidará quando articulada à pesquisa.
Nessa perspectiva de estágio, o estudante de licenciatura conhece os
instrumentos com os quais operam as ciências da educação, tendo contato com projetos

EdUECE - Livro 4
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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

de natureza variada (pedagógicos, político-pedagógicos, pesquisa, etc.), planejamentos


diversos (de aula, de curso, de unidades) e desenhos curriculares. Esta modalidade
também evidencia os conceitos que caracterizam a formação docente, tais como:
identidade, saberes, autonomia e profissionalização, além de trabalhar as técnicas que
viabilizam uma trajetória metodológica. Entende-se que é o conjunto da
operacionalização destes elementos que propiciam ao professor intervir na realidade
educacional permitindo-lhe encontrar respostas para as situações-problemas ocorridas
na sala de aula e ao mesmo tempo construir, desconstruir e reconstruir o conhecimento.
Para que esse modelo de formação obtenha êxito no âmbito escolar é preciso que
ele seja sustentado pela compreensão da Pedagogia como ciência articuladora das
ciências da educação, pois dessa forma acredita-se que o próprio processo de estágio
vinculado à pesquisa também se constituirá num processo de Educação Científica do
docente em formação inicial.
Na nossa compreensão o estágio vinculado à pesquisa possibilita que o professor
inicie a legitimação de sua identidade docente a partir de um olhar reflexivo sobre o seu
contexto, pois dessa forma ele dá início à busca por sua autonomia
profissional/intelectual.
Nossa intenção nessa investigação foi contribuir com a perspectiva
epistemológica que sustenta a formação do professor-pesquisador, tendo em vista um
processo de estágio vinculado à pesquisa onde o estudante dará início a construção de
sua identidade docente e despertará para a necessidade de desenvolver sua autonomia
intelectual/profissional. Entende-se que o próprio processo de formação docente quando
articulado com a pesquisa, que prioriza a discussão dos conceitos que constituem a
formação do professor e discute os elementos técnico-científicos que operam nas
ciências da educação, pode ser considerado também um processo de Educação
Científica.
Assume-se aqui a necessidade de tratar a Pedagogia como a ciência articuladora
das ciências da educação. Nesse contexto, a incorporação da pesquisa no espaço do
ensino constitui-se elemento articulador da construção de uma prática desta ciência no
contexto da escola. Assume-se que a articulação do estágio com a pesquisa no momento
da formação do professor constitui instrumento formativo para a própria compreensão
da Pedagogia como ciência, pois seus processos são incorporados às práticas dos
docentes.

EdUECE - Livro 4
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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

Ao defender essa ideia, também assume-se uma perspectiva de Educação


Científica na formação de professores, que vai além da discussão de conceitos
científicos, abarcando uma reflexão sobre os próprios conceitos constituidores do
processo formativo docente. Ao refletir sobre este processo enfatiza-se a necessidade de
o professor tornar-se sujeito do conhecimento agindo com autonomia no espaço escolar
para ressignificar as suas práticas a partir da problematização de seu contexto. Para isso,
se faz necessário a articulação das teorias trabalhadas na escola às práticas que ele
desenvolverá em sala de aula, daí considerarmos o período de estágio como o primeiro
momento desta articulação.
Compreender o estágio como um dos principais espaços para o estudante realizar
pesquisas, pode constituir-se no primeiro passo para a construção de sua identidade de
professor-pesquisador, pois neste momento ele pode adquirir postura e habilidades que
propiciem uma leitura crítica do contexto educativo a partir da problematização das
situações que observam.
Dessa forma, considera-se que, apesar de todos os limites desse trabalho, os
resultados obtidos durante o seu desenvolvimento nos levam a concluir que o estágio
com pesquisa, pelos processos que engendra, possibilita a articulação dos elementos
constituidores da formação docente. Entretanto, para o êxito deste processo faz-se
necessário algumas recomendações às instituições responsáveis pelos cursos de
formação de professores:
 Proporcionar aos estudantes do magistério um processo de estágio voltado para a
pesquisa;
 Tratar o período de estágio como um momento de articulação dos conteúdos
curriculares às atividades desenvolvidas;
 Disponibilizar, ao professor de estágio, ferramentas teórico-metodológicas que
possibilitem a ressignificação de suas práticas no transcorrer do processo;
 Promover a interação entre os professores de estágio a partir dos registros de
suas experiências;
 Incentivar os professores e estudantes a desenvolverem pesquisas no espaço de
estágio;
 Possibilitar aos professores e estudantes meios para a comunicação e publicação
dos resultados de suas pesquisas;
 Viabilizar a pratica do acompanhamento da docência e da pesquisa por meio de
condições objetivas de trabalho.

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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

A consolidação destas diretrizes por meio dos cursos de formação de professores


contribui para o desenvolvimento de um modelo de estágio que propicia a formação do
professor-pesquisador. No entanto, se faz necessário uma junção de forças entre quem
dirige a instituição, a coordenação de curso, os professores e estudantes em torno de um
projeto que é, por natureza, inter e transdiciplinar.
O desenvolvimento da pesquisa permitiu refletir sobre a Universidade enquanto
instituição formadora dos professores na condição de sujeitos desta formação e em que
medida a formação docente, mediada pelos processos da pesquisa, é capaz, nesta
triangulação, da ação educativa de formar professores como intelectuais autônomos,
instrumentalizados por uma educação científica e crítica.
O percurso dos estudos sobre a epistemologia do professor pesquisador revelam
que este é um sujeito à medida que tem o domínio da escolha dos processos de
construção e produção do conhecimento e que, por isso mesmo, faz de seu trabalho
educativo uma experiência de articulação entre teoria e prática.
Ao estudar o estágio com pesquisa na triangulação entre a epistemologia do
conceito de professor pesquisador, na intercessão com o conceito de professor
reflexivo, articulado, fundamentado e organizado aos processos de investigação da
realidade pode-se afirmar que um professor formado nesta perspectiva tem mais
condições de dominar as ferramentas da construção do conhecimento pelo caminho da
pesquisa que outro formado só a partir dos conceitos, isto é, dos produtos da Ciência.
Este estudo constata que os professores recém-formados possuem sérias
dificuldades no enfrentamento da cultura escolar, por isso acabam rendendo-se a ela,
conservando os hábitos que já encontram ao chegar à escola. No entanto, os docentes
pesquisados, também manifestam sentimentos de que a formação lhes deu uma visão
mais alargada da realidade e lhes permite perceber com mais clareza as injustiças
sociais e os mecanismos de coerção. Têm uma visão diferenciada da realidade,
especialmente no sentido de perceber algumas “brechas” para fazer diferença no
contexto escolar em que se encontram.
De acordo com a pesquisa, a proposta do estágio com pesquisa garantiu aos
professores uma visão mais crítica da realidade, além de despertar-lhes o interesse pelos
processos de pesquisa desenvolvidos na escola, mesmo que dentro de espaços e
condições limitadas por um currículo que incorpora a velocidade e o interesse do
mercado e não a construção do conhecimento, que demanda tempo e um novo currículo
a ser elaborado, estudado e testado pelo coletivo escolar.

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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

Constatou-se que o Ensino de Ciências, embora as iniciativas em levar alguns


dos processos da pesquisa para sala de aula, ainda se faz, em sua maioria, pelo estudo
dos conceitos consolidados pela ciência com apoio do livro didático e não com os
processos de construção da ciência.
Levando em conta que o processo de formação do professor é inconcluso,
acredita-se que os egressos formados na perspectiva do Estágio com Pesquisa, dão
pistas, em sua prática, de um ensino com processos que fazem parte da investigação em
aula, mas se pode dizer que a marca mais evidente dessa atitude investigativa é o
inconformismo com a realidade escolar. A resposta que dão os professores está na
necessidade que sentem de buscar constantemente o desenvolvimento de práticas
educativas mais críticas pela busca constante do saber construído em colaboração com
os estudantes.
Constatou-se que não basta ter conhecimento para mudar uma realidade como a
escola. O conhecimento é uma ferramenta e o professor, por mais que saiba utilizar bem
essa ferramenta, não tem condições de fazer uma transformação enquanto individuo, por
isso, a educação sozinha não muda uma sociedade, mas é capaz de construir a mudança
por meio dos processos de reorganização do conhecimento, do trabalho coletivo e da
renovação do currículo centrado nos processos e não exclusivamente nos produtos de
ensino.
Construir processos de conhecimento é acercar-se da realidade. Portanto, ao
estudar o Estágio com Pesquisa compreendeu-se que a construção do conhecimento é
feito a partir de todo um processo de pesquisa. Percebeu-se que a grande dificuldade dos
professores da Educação Básica é que não se apropriaram dos processos de produção do
conhecimento da Ciência na graduação. Uma formação estreita implica limitações na
construção do conhecimento com seus estudantes, reduzindo-se a aula ao repasse de
informações e não a apropriação do conteúdo por parte dos discentes.
Isto acontece porque a compreensão dos conceitos de Ciências tem sido
enfatizada nos programas de formação contínua como questões que carecem de
soluções meramente técnicas e práticas, reflexo da tradição acadêmica que toma como
premissa que o domínio da “matéria”, pelo professor, é o mais importante para a
formação docente.
A pesquisa revela que o Ensino de Ciências é visto, de um lado, como disciplina
decorativa presente no currículo escolar, com uma carga horária mínima e seu ensino se
dá predominante a partir do livro texto. De outro, como visão de mundo que, com seus

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00472
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

instrumentos de construção do conhecimento, possibilita o desenvolvimento dos


estudantes mediante processos de investigação em aula de diferentes modos, inclusive
através de jogos.
Os professores compreendem que o Ensino de Ciências é um componente
curricular que, por ser trabalhado de forma disciplinar e com menor carga horária em
relação às outras disciplinas do Ensino Fundamental, é desenvolvido por meio do livro
texto na maioria das vezes, como atividades extraescolares.
Os professores demonstraram interesse em realizar aulas mais significativas.
Nisso a pesquisa demonstrou que eles até fazem, com certo limite, experiências que
envolvem alguns passos da pesquisa, como a observação de um objeto, o registro dessa
observação e socializam com os colegas os resultados. Quando tem apoio do gestor e do
pedagogo utilizam alguns espaços não formais, muito raramente em datas
comemorativas.
Entre os pontos limitantes da pesquisa destacam-se a inviabilidade de
participação efetiva dos sujeitos egressos no curso de formação proporcionado. No
entanto, é preciso relembrar que a formação continua deve acontecer mesmo é na escola
onde os professores desenvolvem a docência, o que não foi possível neste caso.
Acredita-se que como a pesquisa é constituída por sujeitos, de gente como a
gente. Muitas vezes, foi desafiador estudar a realidade na qual se trabalha e interagir
com os pares, talvez porque desnude o fazer pedagógico cotidiano em que, ao estudar
sobre a formação desenvolvida por terceiros, reflete-se também sobre o “papel” de
formador, para além da responsabilidade de pesquisador.
A busca da resposta à pergunta: em que medida o estágio vinculado à pesquisa
contribuiu para a educação científica na formação inicial de professores? Fez-se um
caminho que trouxe como resposta as seguintes conclusões:
 O curso estudado, até certo momento de sua historia, conseguiu desenvolver
naqueles sujeitos das primeiras turmas, cujo recorte se dá no período de 2003 a
2005, a ideia mais sólida da proposta do professor pesquisador reflexivo. O que
fica visível na compreensão que os professores egressos (tanto os que
participaram do curso como os entrevistados) nos apresentam.
 A maior referência de uma postura investigativa sentida nos egressos se dá pela
resistência às condições de um ensino memorístico e a postura de constante
busca pelo conhecimento, uma vez que nenhuma transformação coletiva
acontece, enquanto sentimento, de forma individual, pois ela é coletiva e

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00473
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

processual, embora se saiba que possa partir das ações de cada sujeito na direção
do coletivo.
 O conceito de professor pesquisador, enquanto não foi bem compreendido em
sua proposta pelos professores do curso (na Universidade), não foi
compreendido pelos estudantes, que só se apropriaram depois de perceber os
professores mais afinados com o conceito e sua prática.
 O trabalho de gestão da instituição pesquisada, enquanto esteve articulado com a
coordenação do curso pesquisado, com o devido apoio a professores e
estudantes, deu resposta positiva ao modelo de docente que se pretendia, ficando
claro, pela fala dos sujeitos, que na medida em que a coordenação pedagógica
não articulou com a clareza adequada a organização do trabalho pedagógico com
professores e estudantes, estes últimos sentiram a ruptura de um processo de
formação que se iniciou valorizando a pesquisa e depois a deixou em segundo
plano, perdendo sua epistemologia vinculada ao conceito de formação reflexiva-
pesquisadora.
 Concluiu-se também que os professores que vem de uma jornada de trabalho de
quarenta horas precisam de maior energia física e intelectual para dar conta de
não cair no adormecimento de suas capacidades intelectuais diante do sistema
opressor e alienante que devora aqueles que não estão preparados para resistir à
cultura escolar hegemônica, desesperançados com as condições que exigem
ruptura com as ideias de uma educação discriminadora.
Esta pesquisa teve seus limites. Ao estudar a literatura que trata do conceito de
professor-pesquisador foi possível compreender que quando o professor desconhece
como se constrói o conhecimento este não domina os processos de construção dos
conceitos da Ciência a qual se origina sua disciplina. O professor, por sua vez,
concentra todos os seus esforços em fazer com que os estudantes decorem os conceitos,
ou os aprendam mecanicamente, sem a construção do processo, que vai requerer utilizar
elementos da pesquisa que na sua formação também não foi desenvolvida. Isso reflete
uma prática conteudista em que professor e estudante saem frustrados e
incompreendidos, engolidos pela cultura centrada em um currículo carregado de
conceitos que deve dominar em um curto espaço de tempo, que não coincide com o
tempo necessário para a construção significativa do conhecimento escolar.

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00474
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

Diante destas reflexões conclui-se que a formação desenvolvida no Estágio com


Pesquisa deixa marcas de uma educação científica na inquietação sentida em todos os
egressos cursistas e entrevistados.
É possível concluir, também, que estes não encontram condições para agir em
todas as ocasiões como professores pesquisadores, mas deixam claro que a luta que
travam consigo mesmos na condição de intelectuais da cultura, embora em número
menor, é vivenciada com seus estudantes para a formação destes a partir de processos
que articulam ensino com processos de investigação.
Na experiência com os concluintes constatou-se um movimento que foi da falta
dos pressupostos (conhecimentos, planejamento e projeto consistente) que influenciou
negativamente tanto na proposta de integração entre estágio e pesquisa, quanto de uma
Educação Científica sustentada na concepção de professor-pesquisador. Mas, depois do
percurso, com o desenvolvimento das atividades observou-se avanços referentes ao
processo de Educação Científica, principalmente porque os estudantes se empenharam
em superar a falta dos pressupostos, que não tiveram acesso em disciplinas
anteriormente, possibilitando-os perceber a educação desenvolvida por meio do ato de
pesquisa, que permite uma mudança de perspectiva de um ensino formativo para uma
prática criativa e transformadora.
No contexto daquela experiência com os concluintes é importante frisar que a
sociedade proclama os princípios democráticos, mas pouco investe no cultivo da
autonomia, da habilidade argumentativa e do valor da diversidade. De certo modo, o
modelo de estágio com pesquisa contrasta com esta contradição, pois busca formar
justamente esse sujeito crítico e participativo. Decorrente disso e por meio da pesquisa o
professor terá maiores condições de cultivar as características necessárias para operar
mudanças significativas no desenvolvimento coletivo da sociedade. Desta forma, a
ressignificação da concepção do professor-pesquisador por parte dos estudantes dessa
pesquisa, no processo vivenciado por aqueles sujeitos, demonstra o desenvolvimento da
Educação Científica.
O desenvolvimento do Estágio com Pesquisa enfatiza que o processo da
formação científica é construído a partir da valorização, planejamento e
acompanhamento dos diversos professores das disciplinas no transcorrer do curso, do
mesmo modo que, ao longo do estudo, os estudantes devem ser estimulados a uma
perspectiva crítico-reflexiva na e sobre a prática. No caso desta pesquisa, a proposta do
estágio com pesquisa, constata-se que houve a ressignificação da concepção do

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00475
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

professor pesquisador, levando os estudantes a perceberem a necessidade de reflexão


sobre o espaço de articulação do estágio com a pesquisa. Além disso, também
perceberam a proposta do estágio com pesquisa presente naquele momento formativo,
gerando um avanço no momento de Educação Cientifica. Desse modo, entenderam que
o espaço destinado à proposta de se pesquisar no estágio contribui no desenvolvimento
do pensamento articulador entre prática e teoria, isto é, educação e ciência.

Conclusão
Embora não seja muito adequado no momento da conclusão, considera-se
importante retomar algumas falas dos sujeitos, pois sintetizam elementos significativos
do processo. Um dos professores orientadores entrevistados apresentou bem as
fortalezas e debilidades no processo de articulação entre estágio e pesquisa: “as
fortalezas são: engajamento dos professores, compreensão de universalidade de
conhecimentos e práticas, oferta de possibilidade de ida às escolas desde os primeiros
períodos do curso, exercícios interdisciplinares e confecção de projetos de pesquisa e
propostas de ações. As debilidades são: desarticulação entre os docentes e as
disciplinas que ministram, falta de uma escola de aplicação dos saberes e fazeres do
curso”.
Por meio da atividade do painel integrado com os concluintes obteve-se
sugestões dos estudantes sobre a melhoria do processo formativo no curso em questão:
(1) o estabelecimento de parcerias entre a universidade e as escolas públicas para
contribuir significantemente com a prática educativa; (2) discutir com estudantes, desde
o início da formação inicial, a proposta do curso em atrelar estágio à pesquisa,
contribuindo para o avanço das pesquisas desenvolvidas; (3) iniciar o processo de
orientação e estágio logo no início do processo formativo mantendo o mesmo corpo
docente no acompanhamento da pesquisa.
Para ratificar, apresentam-se trechos das falas de dois estudantes que
experienciaram a condição de sujeitos dessa pesquisa. O primeiro recomenda que “[...] a
coordenação deve ser mais politicamente independente, para que tenha maior
liberdade para tomar decisões, sobretudo quanto às questões de extensão. Isso
aproximará o objeto das pesquisas à realidade contextual em que as mesmas são
produzidas. Quanto aos professores, muitos estão bitolados a linhas epistêmicas
ortodoxas, algumas muito distantes do foco local, sem falar de que não estão em
sintonia com as próprias propostas de pesquisa da universidade, já que não passaram

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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

pelos mesmos processos a que empurra os discentes, algo que cria abismos conceituais
e metodológicos” (Egresso 4).
O segundo sustenta que: “[...] todas as disciplinas ligadas diretamente à
pesquisa, devem ser priorizadas no processo formativo, levando o aluno ao
conhecimento real em relação ao universo geral da pesquisa educacional. A instituição
deve procurar e proporcionar ao maior número de acadêmicos possíveis a participação
em projetos de iniciação cientifica remunerado ou não, ressaltando sempre a
importância desses projetos na formação profissional e acadêmica. A coordenação
deve procurar conscientizar os acadêmicos desde seu ingresso sobre a proposta da
Universidade de formar o professor pesquisador [...], mostrando alternativas e
promovendo encontros e eventos que esclareçam definitivamente este processo para
todos. Os professores devem apoiar a coordenação e sempre que possível esclarecer
temas relacionados a pesquisa, independente da disciplina a qual estejam ministrando,
pois todos são no mínimo mestres em seus respectivos campos de conhecimento e estão
capacitados a orientar e ajudar os alunos em relação a estes temas” (Egresso 5).
A partir da compreensão da expressão dos sujeitos, o processo vivenciado na
realização do plano de ação com os concluintes levou-os a repensar a sua própria
formação evidenciando aspectos do Projeto Pedagógico do Curso, que propõe que a
pesquisa seja o eixo articulador entre as disciplinas. Por outro lado, mesmo que alguns
estudantes não tenham tido conhecimento sobre o Projeto Pedagógico do Curso,
percebe-se que reconheceram a proposta de estágio como processo de pesquisa centrado
na ideia de que a aprendizagem da profissão leva o professor a produzir conhecimento a
partir da prática.
Constata-se, depois da análise, que a elaboração do trabalho de conclusão do
curso, quando conduzida a partir da valorização da pesquisa, é um processo formativo
que contribui para que a educação científica efetivamente ganhe sentido na formação do
professor.
Ficou evidente também que quando o processo em questão é evidenciado no
período de estágio, mais significativa fica aquela experiência. Os estudantes concluintes
passaram a vivenciar um momento ímpar em que lhes foi possível articular o que foi
dito pelos professores em sala de aula, durante o processo de formação, com o que os
professores que atuam na docência faziam e fazem no cotidiano das escolas, não apenas
como um compromisso a ser cumprido por exigência do curso, mas como um momento
de aprendizado de como é possível ser professor pesquisador, na articulação entre teoria

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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

e prática. Ao mesmo tempo em que essa experiência também ajuda o professor a


compreender a sala de aula como um espaço de construção da cidadania, princípio
básico da Educação Científica.
Decorrente de todo o trabalho aqui apresentado podemos afirmar que o
desenvolvimento do estágio com pesquisa fundamenta-se em uma “pedagogia do
conhecimento” que constitui a estrutura de uma educação científica constitutiva de uma
identidade que possibilita um trabalho docente centrado nos processos de conhecimento
como condição de autonomia intelectual, política e científica do professor. Por isso,
abre novos horizontes na direção da crítica ao instituído...

Referências
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EdUECE - Livro 4
00478
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

Eixo: A Didática e a Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores


Subeixo: Escola como espaço de formação docente.
Simpósio: 2.1. Processos Didáticos na formação de professores: relação teoria e prática

Título da Apresentação

Didática multidimensional: da prática coletiva à construção de princípios


articuladores
Autores
PIMENTA, Selma Garrido
Universidade de São Paulo – USP
sgpiment@usp.br

FRANCO, Maria Amélia Santoro


Universidade Católica de Santos - UCS
ameliasantoro@uol.com.br

FUSARI, José Cerchi


Universidade de São Paulo – USP
jcfusari@usp.br

Resumo
Consideramos que os saberes ensinados são reconstruídos pelos educadores e
educandos e, a partir dessa reconstrução, os sujeitos têm possibilidade de se tornarem
autônomos, emancipados, questionadores. Como a Didática tem oferecido fundamentos
a essa prática? A disciplina Didática, em suas origens, foi identificada, no Brasil, a uma
perspectiva normativa e prescritiva de métodos e técnicas de ensinar, perspectiva essa
que ainda permanece bastante arraigada no imaginário dos professores. Quando
indagados sobre o que dela esperam, respondem: técnicas de ensinar. O que evoluiu no
campo de seu ensino para alterar essa expectativa? Na convicção de que a Didática, nos
seus princípios gerais, pode contribuir para fundamentar a prática do ensino em
diferentes níveis e modalidades, foi que criamos, em 1989, (Pimenta et all, 2013) um
grupo de estudos e pesquisas com foco nas práticas escolares e nas práticas de ensinar e
aprender. A grande questão que passou a nortear o grupo após o ano de 2001 foi: O que
a Didática pode oferecer, em seus fundamentos teóricos e metodológicos, aos
professores em formação? Como articular uma Didática que tenha no sujeito aprendente
seu olhar e seu foco? Percebemos em nossas investigações que as didáticas específicas
muitas vezes, ao se preocuparem apenas com a transposição didática, minimizam a
configuração complexa da prática do ensino. Assim, propomos discutir as articulações
possíveis entre os princípios pedagógicos da epistemologia de uma Didática
Fundamental com as didáticas específicas, propondo o estatuto de uma Didática
Multidimensional, que fundamente a prática do ensino como um fenômeno complexo e
multirreferencial, uma vez que temos observado que o foco excessivo na dimensão
disciplinar retira da tarefa do ensino sua necessária multidimensionalidade.

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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

Palavras–chave: Epistemologia Didática; Didática Multidimensional;


multirreferencialidade

Introdução:

Consideramos que os saberes ensinados são reconstruídos pelos educadores e


educandos e, a partir dessa reconstrução, os sujeitos têm possibilidade de se tornarem
autônomos, emancipados, questionadores. Situados em contextos que lhes garantam
condições institucionais e de trabalho para o exercício digno de suas atividades de
ensinar e aprender, professores e alunos, conseguem esse nível de qualidade. Como a
Didática tem oferecido fundamentos a essa prática vislumbrada por Freire, (1996)? A
disciplina Didática, em suas origens, foi identificada, no Brasil, a uma perspectiva
normativa e prescritiva de métodos e técnicas de ensinar, perspectiva essa que ainda
permanece bastante arraigada no imaginário dos professores brasileiros e dos alunos que
se direcionam aos cursos de formação. Essas tensões conceituais serão analisadas neste
texto.

Pode-se afirmar que a lógica da Didática é a lógica do ensino, no entanto e


contraditoriamente, essa vocação básica da Didática realiza-se apenas e tão somente
através da aprendizagem dos sujeitos envolvidos no processo. Portanto a questão da
Didática amplia-se e complexifica-se ao tomar como objeto de estudo e pesquisa não
apenas os atos de ensinar, mas o processo e as circunstâncias que produzem as
aprendizagens e que, em sua totalidade, podem ser denominados de processos de
ensino. Portanto o foco da Didática, dentro nos processos de ensino, passa a ser a
mobilização dos sujeitos para elaborarem a construção/reconstrução de conhecimentos e
saberes.

Assim, mais complexo que elaborar o ensino, numa perspectiva antiga de


organização de transmissão de conteúdos, será agora a perspectiva de desencadear nos
alunos atividade intelectual que lhes permita criar sentido às aprendizagens e só assim,
reelaborá-las e transformá-las em saberes.

Paulo Freire (2011) insiste nessa perspectiva desde os primórdios da Pedagogia


do Oprimido nos finais da década de setenta do século passado. E retoma suas idéias,
quando retorna ao Brasil no início do século XXI, reafirmando que ensinar não é
transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua
construção (p.24), realçando que essa perspectiva transforma o papel do professor e da
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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

Didática, uma vez que quem forma se forma e reforma ao formar, e quem é formado
forma-se e forma ao ser formado (p.25). Reiterava assim que o educador deve ajudar os
alunos a questionar sua realidade, problematizá-la e tornar visível o que antes estava
oculto, desenvolvendo novos conhecimentos sobre ela. Paulo Freire (2011) considera
que quanto mais se exerce criticamente a capacidade de aprender, mais se constrói e se
desenvolve o que denomina curiosidade epistemológica, conceito aproximado do que
estamos aqui denominando de atividade intelectual do aluno, articulado aos conceitos
de sentido e prazer em Charlot (2000). Aí está o papel contemporâneo da Didática que
estamos denominando de Didática Multidimensional: uma Didática que tenha como
foco, a produção de atividade intelectual, no aluno e pelo aluno, articulada a contextos
nos quais os processos de ensinar e aprender ocorre. Uma Didática que se paute numa
pedagogia do sujeito, do diálogo, onde a aprendizagem seja mediação entre educadores
e educandos.

Os princípios epistemológicos dessa Didática Multidimensional buscamos nos


20 anos de pesquisas junto ao GEPEFE-USP (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre
Formação do Educador), bem como na teoria de Paulo Freire e na perspectiva de que, as
didáticas específicas, excessivamente voltadas à estruturação de conteúdos e métodos,
acaba apequenando e impedindo a consideração do ensino em sua perspectiva
multirreferencial e multidimensional. Os conceitos de curiosidade epistemológica
(Freire, 2011), de multirreferencialidade (Ardoino) e da relação com o saber (Charlot,
2000) estarão implicados na construção do conceito aqui proposto de Didática
Multidimensional.

Multidimensional ou Multirreferencial?

O conceito de multirreferencialidade, cunhado por Ardoíno 1992, veio ao


encontro de nossas pesquisas e estudos sobre a Pedagogia como ciência da educação,
afirmando-a como a matriz articuladora dos diferentes aportes disciplinares que se
debruçam sobre a educação. Assim, conforme Franco (2001, p. 11):

(...) as demais ciências, ao estudarem a realidade educacional utilizam-se


de seus aportes epistemológicos que fundamentam seus métodos e recortam
seu objeto. Essa postura tem sistematicamente produzido uma visão
distorcida da potencialidade desse objeto de estudo (a educação) e talvez
seja um dos fatores que poderão explicar o contínuo fosso entre teoria e
prática educacional.
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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

E ainda Pimenta (1996, p. 45):

A fecundidade destas ciências, no entanto, é de pouco valor para a


investigação pedagógica, pois o psicólogo, quando trabalha no campo
educacional, não faz pedagogia. Ele tão-somente aplica conceitos e
métodos de sua ciência a um dos campos da atividade humana, no caso, a
educação [...]

Por isso, a multirreferencialidade foi se constituindo em um apoio à nossa


perspectiva de considerar a educação como campo de estudo de diferentes ciências, mas
com aportes metodológicos diferentes. Entendemos que só a Pedagogia pode
compreender o fenômeno educativo a partir da ótica do pedagógico. E Ardoíno nos
reforça quando afirma que:

[...] a análise multirreferencial das situações das práticas, dos fenômenos e


dos fatos educativos se propõe explicitamente uma leitura plural de tais
objetos, sob diferentes ângulos e em função de sistemas de referências
distintos, os quais não podem reduzir-se uns aos outros. (Ardoino, 1998, p.
7)

Ao estudarmos a Pedagogia, também considerávamos importante a não redução,


subordinação ou sobreposição de um aporte teórico sobre os outros. Era a diversidade
de aportes que nos interessava e que permitia uma leitura plural e complexa dos
fenômenos da educação.

Ao explicitar a Pedagogia como ciência da e para a práxis, que toma a práxis


como ponto de partida (iluminada pelas escolhas teóricas) e ponto de chegada (revendo,
confirmando, negando, propondo teorias e apontando as transformações necessárias à
emancipação humana), realizamos estudos para reconfigurar o método dessa ciência,
que não poderia se contentar com os aportes positivistas. A propósito e conforme
Franco, 2001:

Mesmo a abordagem inter e multidisciplinar, integrando os conhecimentos


produzidos pelas diversas ciências que estudam a educação, dificilmente
poderá dar conta de compreender a essência do fenômeno educativo”[...]
pois os fenômenos ao serem apreendidos, pelas diferentes ciências, com
diferentes intencionalidades, nem sempre terão pontos articuladores de

4
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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

convergência epistemológica, redundando no que Coelho e Silva (1991: 31)


chama de “tapeçaria de conhecimentos dispersos pelas ciências.”

Nessa perspectiva, foi importante naquele momento analisar a proposta de


Ardoino que discute a questão das ciências da educação, realçando:

Apesar das tentativas para “calcá-las” mais ou menos sobre o padrão das
ciências exatas, já não podemos nos contentar atualmente com uma
aproximação somente “positivista” no marco das ciências antropossociais
[...] no seio das quais se situam, incontestavelmente, diferentes olhares que
pretendem dar conta cientificamente dos fenômenos que interessam à
educação e às práticas que põem esta em ação. (Ardoíno, 1998, p. 8).

Esses estudos reforçaram nossa concepção de que a Didática e a Didática


Específicas necessitam articular-se à ciência pedagógica, numa relação de íntima
aderência, uma vez que ausente dos fundamentos pedagógicos que lhe dão suporte,
torna-se mera tecnologia.

Como espaço privilegiado da Pedagogia, estudamos e pesquisamos a Didática


Geral, diferenciando-a das Didáticas Específicas, que são para nós, metodologias
voltadas à estruturação da parte do ensino que organiza os conteúdos das diferentes
disciplinas. Temos concluído que, muitas vezes, o foco excessivo na dimensão
disciplinar retira da tarefa do ensino sua necessária multidimensionalidade. Acreditamos
que o ensino é uma atividade multidimensional, em todas as esferas disciplinares.
Empregamos esse termo, em complemento à abordagem multirreferencial, para
reafirmar nossa convicção de que o ensino, de qualquer disciplina do saber, requer uma
dinâmica de convergência nos atos e formas de ensinar. Requer fundamentos
pedagógicos essenciais, uma vez que a prática da educação organiza-se como fenômeno
complexo imbricado nas condições históricas e mediado por múltiplas determinações.

Considerando que o ensino na sociedade se desenvolve intencionalmente nas


instituições escolares, faz-se necessário explicitar os princípios de uma Didática mais
geral que articule e fundamente os processos de mediação entre a teoria pedagógica e a
ação de ensinar.

A concretização do ensino em sala de aula extrapola e transcende a perspectiva


das Didáticas Específicas cujo foco é a estrutura metodológica e conceitual dos
conteúdos. A tessitura dos conteúdos e sua necessária transposição didática, requer a

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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

contínua articulação entre os princípios educativos, a intencionalidade pedagógica e a


especificidade das condições dadas. Essa triangulação solicita uma base sólida de
princípios e valores, de forma a não se tornar uma mera aplicação de modos de fazer. A
didática específica, por sua vez, requer uma base de fundamentos para bem se articular
com o todo, base essa já assinalada na perspectiva de Chevallard (1991) em: La
transposición didáctica: del saber sabio al saber enseñado. Mas o que é o saber sábio
senão um saber antecedente que fundamenta e dirige o saber ensinado? Cremos que há,
ou pode haver, um processo contínuo de simplificação dos conteúdos para se adaptarem
às limitações do saber ensinado. Aliás, à própria percepção de que algo pode ser
ensinado de fora para dentro. Essa perspectiva de ensinar pode apequenar a dimensão do
saber sábio. Além de minimizar e mesmo subtrair os sujeitos aprendentes e ensinantes,
ao afirmar que toda disciplina (da matemática, no caso de Chevallard e todo o IREM, na
França) possui uma lógica imanente da qual decorre a lógica de ensiná-la, pois são
somente os especialistas das disciplinas aqueles que têm competência para saber e dizer
como ensiná-la. Nessa ótica, os professores, em que pese sua colaboração nesse
processo, seriam os técnicos que executariam o que foi definido pelos especialistas. E
de que lugar os especialistas ‘dizem’? Para quem dizem? Em que contextos dizem? Há
um ‘dizer’ válido/aplicável em qualquer escola, para toda e qualquer situação em que se
encontram os sujeitos professor/aluno? Que sujeitos os ‘matemáticos especialistas
pretendem formar quando dizem o que e como ensinar matemática?

Dentre os autores que apontam os perigos dessa simplificação, Luccas (2004, p.


123) afirma que:

A ausência da segunda transposição didática e a presença da simplificação


sofrida pelo saber, a nosso ver, apresenta-se como um dos fatores
responsáveis pelo fracasso no atual ensino, como muitas pesquisas vêm
apontando. Acreditamos que a existência da simplificação deve-se,
principalmente, à falta de formação apropriada dos responsáveis para
trabalharem com a transposição didática.

E Davini, quando se refere ao problema das didáticas das disciplinas (em


especial à Transposição Didática) de estarem

[...] elaborando uma “teoria diafragmática” [que] ao colocar seu foco em


uma ou duas dimensões, reduzem o processo de ensino a uma tarefa

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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

formativa nas disciplinas separadas entre si, constituindo teorias


autonomizadas e fragmentárias. (Davini, 2013, p. 54).

Há que se pensar na imponderabilidade dessa transposição: quem a faz? Como a


faz? O professor é o responsável por essa transposição? Como não desprezar o saber
sábio que antecede o saber científico? Para Chevallard (1991) a Transposição Didática é
feita por uma Instituição ‘invisível’, uma ‘esfera pensante’ que ele nomeou de Noosfera:
professores, instituições, livros didáticos, universidades, redes de ensino, etc.. Cabe
indagar: como articular interesses/valores/perspectivas de tantas ordens? Como permitir
que essas didáticas de cada disciplina caminhem de maneira tão avulsa e não
coordenadas? Será que Lucca, (citado) tem razão quando afirma que a transposição é
um dos fatores que explicariam o fracasso das salas de aula? E que um dos fatores que
contribuem para isso é o tratamento fragmentado do saber escolar, fragmentado (e
mesmo enclausurado) em cada disciplina, conforme Davini?

Chevallard (1991) aponta a necessidade de um trabalho interno de transposição,


onde o professor é o responsável por esse novo momento na transformação do
conteúdo. Mas nós nos perguntamos: quem é esse professor? Onde está o coletivo de
professores? De que forma foi realizada a formação desse professor? Pode ele produzir
adequadamente o que dele se espera? Há fragilidades que precisam ser superadas,
especialmente na articulação dessas duas esferas da transposição. Há a necessidade de
um rigor e uma vigilância epistemológica, do contrário os saberes se perderão num
labirinto de pequenas interpretações. E os alunos serão vitimados se não aprenderem o
que e do jeito que os ‘sábios’ dizem que ele devem aprender.

Concordamos que há um trabalho político pedagógico necessário para que os


conteúdos escolares sejam negociados, filtrados, escolhidos, propostos no projeto
político pedagógico dos cursos, das áreas, das disciplinas, negociados, articulados,
discutidos entre os professores. Essa ideia existe desde Comenius. Concordamos com
Sacristán (1996, p. 42) quando realça que uma das razões de ser do saber-fazer
pedagógico tem sido a de propiciar a elaboração da cultura transmissível para que seja
assimilável por determinados receptores.

Essa possível simplificação que a transposição pode gerar, foi também


comentada por Lopes (1999) quando propôs o conceito de mediação didática em
substituição ao de transposição didática, sugerindo uma perspectiva dialética que

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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

substituísse a idéia de reprodução, ou mesmo de um “movimento de transportar de um


lugar a outro, sem alterações”(p.208).

Também Forquin (1993), relembra a importância do resgate da dimensão


epistemológica na discussão do conhecimento escolar. O autor preconiza o retorno à
lógica pedagógica em oposição à razão sociológica (ou à razão matemática,
completamos nós), que por muito tempo impregnou os estudos de construção dos
saberes curriculares.

Lopes vai mais adiante e reafirma o que talvez estejamos buscando com a
Didática Multidimensional:

Além da crítica de Forquin, defendo que o papel da epistemologia não se


resume à discussão da validade epistemológica dos saberes, mas na
possibilidade de introduzir uma nova forma de compreender e questionar
o conhecimento, internamente, na sua própria forma de se
constituir.”(grifos nossos) (1999, p.167).

Na seleção de conteúdos didáticos, para além das questões específicas postas


pelas didáticas das disciplinas, há toda uma teoria pedagógica presente na formulação
de projetos de organização da escola.

Os conteúdos a serem ensinados passam necessariamente pela análise das


diferentes culturas presentes nas instituições, bem como pela análise das tensões e dos
valores necessários à explicitação das finalidades do ensino; pela análise das diversas e
divergentes concepções de educação e ideologias presentes nos sistemas de ensino; pela
incorporação de diferentes contribuições das áreas de conhecimentos específicos no
desenvolvimento humano que produzem processos de subjetividade e socialização dos
sujeitos aprendentes e ensinantes. Que ‘perfil’ de humano, de humanidade queremos
construir no nosso educando? Qual a contribuição das disciplinas específicas? É
desejável que se mantenham enclausuradas nos seus respectivos aportes? Essas questões
apontam para o qual deve ser o fio condutor de todo o projeto político pedagógico. E a
pedagogia e a didática como aqui explicitamos, podem respaldar educadores e
educandos na reconstrução dos saberes ensinados; para que se tornem autônomos,
emancipados, questionadores dos saberes historicamente produzidos, analisando-os em
seus nexos com os problemas sociais, humanos, gerados por esses mesmos saberes. E
reconstruindo-os na direção de superar esses problemas.
Ao delinear conteúdos de ensino há que se ocupar com as (novas) formas de
comunicação entre as gerações; com o estudo e o desenvolvimento de modelos
metodológicos e didáticos; com a formulação e crítica de critérios para a seleção de

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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

conteúdos e organização de atividades de aprendizagem, coerentes ao projeto educativo


institucional; com a ressignificação dos sistemas de avaliação para que sejam estratégias
de inclusão, participação e indiquem caminhos de superação dos problemas e das
dificuldades dos estudantes e das escolas.

Ainda temos a considerar que todo processo didático está imbricado com as
políticas de formação dos docentes em diferentes cenários nacionais e internacionais, na
busca de práticas que possibilitem o desenvolvimento de capacidades de reflexão crítica
nos futuros docentes, tendo em vista o fortalecimento da autonomia didático pedagógica
dos coletivos de docentes imersos na educação escolar.

No entanto, mesmo nessas pesquisas pouco se tem considerado os impasses da


escola atual, com as precárias condições trabalho que fragilizam as relações professores,
alunos conhecimento; com as fragilidades da formação docente, distanciada das
contradições presentes nas escolas, nos sistemas de ensino e na sociedade. E que exigem
uma Didática ampliada em suas perspectivas, uma Didática com forte vinculação à
ciência pedagógica. À medida em que as Didáticas Específicas se esquecem que o
tratamento dos conteúdos de ensino e das práticas docentes precisa se deslocar da sala
de aula para a escola, ou seja, ampliando-os como prática docente pedagógica, os
temas clássicos como projeto político pedagógico, projeto curricular, objetivos e
finalidades do ensino, métodos e metodologias, recursos, avaliação, etc., se neutralizam,
fragilizam a prática formativa inerente ao ensino; ou seja, compromete o que lhe pode
trazer significados (Freire, 2011; Charlot, 2013).

Há, pois, que se considerar, com FRANCO, 2012, que nas práticas docentes e
nas práticas didáticas, atividades formativas dos sujeitos que ensinam e que aprendem
há múltiplas dimensões pedagógicas, que incluem e extrapolam a sala de aula. Daí,
entendemos que a essa Didática, que tem seu suporte na teoria pedagógica que parte da
práxis educativa e a ela retorna, seria próprio denominar de Multidimensional.

A Didática Multidimensional explicita assim seu campo próprio e dialoga com


as Didáticas Específicas porque há princípios formativos e pedagógicos que devem estar
presentes em todo processo de ensino-aprendizagem, sem os quais essa não se realiza.

Afirmamos assim que, a ausência desses fundamentos pedagógicos, torna o


ensino de qualquer disciplina em simples treinamento do fazer ou do pensar. Ou,
conforme FRANCO (2010), ao considerar [...] a Pedagogia [como] o espaço dialético

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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

para a compreensão e a operacionalização das articulações entre a teoria e a prática


educativa, e nessa direção ela se organiza como espaço comunicativo à Didática. A
autora conclui que:

Não basta à Pedagogia refletir ou teorizar sobre o ato pedagógico; não


basta à Pedagogia também, orientar ou, muito menos, prescrever ações
práticas para a concretização das práticas educativas. É preciso que a
Pedagogia produza conhecimentos na direção da superação da
fragmentação dos saberes pedagógicos, docentes e científicos que foram
historicamente dissociados. (2010, p.12).

Quando falamos em multidimensionalidade, falamos de convergência, de


fundamentos pedagógicos que subsidiam a proposta multirreferencial. Entendemos que
há uma relação dialética entre multirreferencialidade e multidimensionalidade. A
multirreferencialidade permite a compreensão das totalidades no todo e a
multidimensionalidade do todo às totalidades. O multirreferencial nos ajuda a
compreender a educação em sua complexidade e totalidade; já a multidimensionalidade
foca o ensino na perspectiva da totalidade. Pois, conforme aponta Ardoino, 1995, p. 7-8:

[...] o problema que a análise multirreferencial se coloca é utilizar várias


linguagens para a compreensão dos fenômenos sem misturá-las, sem
reduzi-las umas às outras; o conhecimento produzido por essa postura
seria, portanto, um conhecimento “bricolado”, “tecido” .

O diálogo entre a Didática e as Didáticas Específicas que emerge dessa


compreensão das múltiplas dimensões do ensino e aprendizagem, aponta para a
possibilidade de se superar o tratamento fragmentado dos conteúdos de ensino. Tomar a
especialização, própria das áreas do saber, como referência exclusiva na escolha do
saber a ser ensinado, sem imbricá-los aos pedagógicos e aos próprios das demais áreas
que compõem o currículo escolar, explica, em parte, o fracasso da educação escolar. Ao
contrário, a perspectiva do trabalho coletivo interdisciplinar, referidos aos contextos que
envolvem a educação que se pratica na escola, vem mostrando sucesso nos resultados de
qualidade do conjunto dos estudantes de escolas que, a partir dessa perspectiva, têm
criado novos arranjos curriculares, com atividades que mobilizam a relação dos sujeitos
ensinantes e aprendentes críticos e reflexivos.

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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

A Didática multidimensional propõe a superação dos ‘pequenos poderes’ das


disciplinas específicas que gera um currículo bricolado, somatório de disciplinas, que
impede a compreensão das partes no todo e deste nas partes. E fragmenta, individualiza,
empobrece, enfraquece a relação dos sujeitos com o conhecimento, dificultando a
possibilidade de que compreendam suas relações enquanto sujeitos situados no mundo.

E afirma a perspectiva da totalidade, articulando as partes no todo como forma


de síntese, superando a bricolagem, através do filtro pedagógico. O que nos permite
ajustar e propor seus princípios.

Por uma Didática Multidimensional:

O professor em sala de aula, oprimido por múltiplas e precárias condições de


trabalho difíceis de serem superadas, sempre nos pergunta: o que ou como pode a
Didática ajudar? Como a Didática, cujo objeto de estudo se concentra fortemente nos
processos que ocorrem na sala de aula, com vistas à formação, às aprendizagens do
aluno, pode ajudar o professor? Frente às dificuldades pedagógicas postas ao professor,
o que pode a Didática “recomendar”?

A partir dos estudos e das pesquisas que realizamos no âmbito do GEPEFE, nos
últimos 20 anos, e com base na obra de Paulo FREIRE e nos estudos de CHARLOT
(2000; 2013), passamos a reafirmar alguns princípios que consideramos essenciais à
prática pedagógica docente.

1- As atividades que compõem o ensino resultam melhor quando envolvidas


em processos investigativos. Alunos e professores ao se articularem como
pesquisadores em ação passam a problematizar a realidade e a buscar alternativas de
pensamento e reflexão. Ao invés de transmitir conceitos e conteúdos a perspectiva será
a de pesquisar a realidade envolvida com aquele conceito, tendo nos saberes das áreas
de ensino como ‘ferramentas’ que ampliam o olhar dos sujeitos sobre a realidade. É
sabido que uma das melhores formas de envolver o aluno nas atividades é mobilizá-lo
com perguntas, pesquisas, buscas e sínteses. (Freire, 1979; Charlot, 2013; Pimenta,
2012; Franco, 2013). A sala de aula transformada em oficina de busca e indagação
produz aprendizagens mais consistentes do que aquelas produzidas em ambientes de
transmissão de conteúdos. (Galleão, 2014). A ação de ensinar como prática social é
permeada por múltiplas articulações entre professores, alunos, instituição e comunidade,
impregnadas pelos contextos socioculturais a que pertencem, formando um jogo de

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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

múltiplas confluências que se multideterminam num determinado tempo e espaço


social, impregnando e configurando a realidade existencial do docente. Assim, o fazer
docente estará sempre impregnado com as concepções de mundo, de vida e de
existência dos sujeitos da prática. Desta forma, só a pesquisa contínua e criteriosa pode
colocar o professor em processo de contextualização do ensinar/aprender. (Franco,
2013), e de ressignificar seus saberes disciplinares. Lembrando, no entanto o que nos
ensina FREIRE, 2007, p. 86: Antes de qualquer tentativa de discussão de técnicas, de
materiais, de métodos para uma aula dinâmica assim, é preciso, indispensável mesmo,
que o professor se ache“repousado” no saber de que a pedra fundamental é a
curiosidade do ser humano. E ela que me faz perguntar, conhecer, atuar, mais
perguntar, re-conhecer. É bom realçar que a Didática não recomenda técnicas, pois
sabe que elas só são funcionais se denotarem uma forma de expressão significativa do
professor para o processo de ensinar. E cada professor trabalha, opera técnicas conforme
sua postura, seus valores, suas expectativas em relação a que alunos pretende formar e
projeta com seu trabalho.

2- Paulo Freire em toda sua obra sempre se referiu à necessidade de se


estabelecer entre alunos e professores um universo comum de conhecimento, a partir do
qual poder-se-ia estabelecer as bases de um diálogo na perspectiva do logos que vai
então se estruturando e se construindo. Nesse processo, os sentidos vão sendo criados e
transformados, conforme Charlot. Assim, consideramos que esse segundo princípio
seria a necessidade de processos dialogais na sala de aula. Historicamente, esse sentido
de diálogo proposto por Freire, foi sendo muitas vezes apropriado como senso comum.
Há que se recordar que o diálogo precisa estar voltado à construção do conhecimento.
Lembra-nos Freire que para aprender é preciso existir, e existir ultrapassa viver porque é
mais do que estar no mundo. É estar nele e com ele. E é essa capacidade ou
possibilidade de ligação comunicativa do existente com o mundo objetivo, contida na
própria etimologia da palavra, que incorpora ao existir o sentido de criticidade que não
há no simples viver. Transcender, discernir, dialogar (comunicar e participar) são
exclusividades do existir. O existir é individual, contudo só se realiza em relação com
outros existires. Em comunicação com eles.( FREIRE, 1979, p. 57). Essa exigente
proposta de diálogo como criticidade é fundamental para superar o sentido banal de
diálogo como conversa. Em sala de aula o diálogo adquire a perspectiva de
problematização da realidade e de crítica; e com respaldo no projeto político pedagógico

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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

coletivo esse trabalho em aula amplia o sentido do ensino para os estudantes. Essa é a
dimensão que precisa ser buscada, a superação do empírico pelo concreto, o que se faz
pelo diálogo e pela teoria. Esse processo cria sentido e mobiliza para a ação. Afirma
Freire em 1979, que uma educação dialogal e crítica pode conduzir a uma transitividade
crítica voltada para a responsabilidade social e política e esta transitividade se
caracteriza pela profundidade na interpretação dos problemas. Pela substituição de
explicações mágicas por princípios causais. (…) Pela prática do diálogo, e não da
polêmica.(p.85).

3- Outro princípio que a Didática Multidimensional recomenda é a


construção de processos de práxis, na perspectiva freireana: a praxis, como reflexão e
ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela, é impossível a superacão
da contradição opressor-oprimido.” (1997:38). Temos falado da importância da
reflexão, no entanto, mais uma vez, há que se considerar que a apreensão apressada do
conceito, por parte de muitos professores e pesquisadores, tem banalizado sua
interpretação (Pimenta, 2011) e impedido de ser uma proposta contra-hegemônica
frente ao pragmatismo e ao tecnicismo que tem impregnado as práticas educativas e
sociais. É preciso refletir a partir de um saber comum, de um saber contextualizado
sobre o papel social e político da educação e do trabalho docente. Esse movimento da
epistemologia reflexiva da prática, dentro da racionalidade crítica, tal qual proposta por
Carr e Kemmis (1995) e desenvolvida por Pimenta (2002), inova e organiza
possibilidades de ruptura com algumas circunstâncias da cultura profissional
institucionalizada que limitam o exercício e o desenvolvimento da autonomia intelectual
dos docentes. Por isso é estratégico para a superação de condições inadequadas do
trabalho do professor. Vale a pena refletir com Imbert (2003) a distinção que faz entre
prática e práxis, e atentando para a questão da autonomia e da perspectiva
emancipatória, inerente ao sentido de práxis: Distinguir práxis e prática permite uma
demarcação das características do empreendimento pedagógico. Há, ou não, lugar na
escola para uma práxis? Ou será que, na maioria das vezes, são, sobretudo, simples
práticas que nela se desenvolvem, ou seja, um fazer que ocupa o tempo e o espaço, visa
a um efeito, produz um objeto (ou não, acrescentamos) (aprendizagem, saberes) e um
sujeito-objeto (um escolar que recebe esse saber e sofre essas aprendizagens), mas que
em nenhum momento é portador de autonomia. (2003:15). O exercício da práxis requer
processos de conscientização do professor sobre o papel que desempenha na sala de

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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

aula, no mundo, na vida dos alunos. Somente um professor consciente dessas


circunstâncias pode produzir mudanças e novas perspectivas na vida dos alunos.

4. Construção de processos de mediação. Como a Didática pode tornar


possível o ensino? Um ensino que proceda à mediação reflexiva entre os valores e a
cultura que a sociedade dissemina e os estudantes em formação? Pode a Didática
sozinha dar conta desta tarefa? É claro que não, no entanto ela, como campo específico
de conhecimento, tem uma responsabilidade social em acompanhar e refletir as
mudanças que ocorrem no mundo e dar respostas para a ressignificação dos processos
de ensino na perspectiva da aprendizagem do aluno. E contribuir com os sujeitos desse
processo, e com a construção de situações de aprendizagem significativas, dentre elas as
aulas, para que sejam interessantes, conforme Charlot, 2000:73) “...uma aula
“interessante” é uma aula na qual se estabeleça, em uma forma específica, uma
relação com o mundo, uma relação consigo mesmo e uma relação com o outro”. A
mediação didática aí penetra ao dispor aos docentes perspectivas de análise que os
ajudem a compreender os contextos históricos, sociais, organizacionais, culturais, nos
quais os sujeitos estão, em relação com o saber a ser re/aprendido.

Assim, a Didática se estrutura nas possibilidades de mediação entre o ensino,


prioritariamente na responsabilidade de professores e a aprendizagem dos alunos.
Enfatizamos que Didática é, acima de tudo, a construção de conhecimentos que
possibilitam a mediação entre o que é preciso ensinar e o que é necessário aprender;
entre o saber estruturado nas disciplinas e o saber ensinável nas circunstâncias e
momentos; entre as atuais formas de relação com o saber e as novas formas possíveis de
reconstruí-las.

5- Considerando a complexidade do ato pedagógico de ensinar e aprender


em contextos, parece-nos relevante considerar que os saberes de várias áreas sejam
mobilizados nesses contextos, pois como nos diz o poeta João Cabral de Mello Neto um
galo sozinho não tece a manhã... À Didática Multidimensional compete considerar os
processos de redes de saberes, dispondo os saberes da ciência pedagógica na criação
das atividades dos ensinantes e dos aprendentes. “Não porque contenha diretrizes
concretas válidas para ‘hoje e amanhã’, mas porque permite(m) realizar uma autêntica
análise crítica da cultura pedagógica, o que facilita ao professor (e à escola,
acrescentamos) debruçar-se sobre as dificuldades concretas que encontra em seu
trabalho, bem como superá-las de maneira criadora”. conforme (Suchodolski, 1979, p.

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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

477). Na análise de pesquisas apresentadas em eventos nacionais e internacionais


percebe-se a existência de vasto leque temático – epistemologia didática; docência e
pesquisa; relação professor – aluno – conhecimentos; autoridade e autoritarismo;
avaliação; projeto pedagógico; metodologias específicas; relação comunicacional
mediadas por tecnologias, formação de professores crítico-reflexivos, e tantas outras
que poderiam sugerir uma dispersão temática e perda de foco da didática.

No entanto, se considerarmos a complexidade do objeto da didática – o ensino


enquanto fenômeno complexo e prática social – percebemos que as pesquisas estão
apontando para uma abordagem que poderíamos denominar de multidimensional, para
além da multirreferencialidade de um fenômeno, que não se esgota com a análise de
uma única perspectiva, conforme Ardoíno,

Assumindo plenamente a complexidade da realidade sobre a qual se


interroga, a multi-referencialidade se propõe uma leitura plural dos objetos
(práticos ou teóricos), sob diferentes ângulos, implicando diversos olhares e
linguagens específicos. (Ardoíno, 1998, p.103).

A Didática Multidimensional assume como pressuposto a noção de multi-


referencialidade, para subsidiar seu compromisso com o ensino, fenômeno complexo, e
no momento em que as pesquisas na área se voltam para as práticas, interrogando-as
quanto aos seus resultados. Comporta assim uma intenção claramente prática, mas
também teórica, na medida em que possibilita melhor compreender as práticas, numa
perspectiva que se aproxima da curiosidade científica, mas também ética. Em outras
palavras, a noção de multi-referencialidade na base da Didática Multidimensional
aponta para o trabalho conjunto entre professores e pesquisadores no qual o papel da
teoria é o de alargar a compreensão que se tem da prática, nos contextos nos quais se
realiza (escola, sistemas de ensino, movimentos sociais), para criar as condições
objetivas de transformá-las no sentido que se faz necessário (da utopia que se deseja)
(Pimenta, 1996, p. 70).

Em consequência, através da Didática Multidimensional temos a intenção de


valorizar o trabalho docente na perspectiva de, em diálogo com seus saberes de
especialistas, de experiências, de cidadãos, disponibilizar os aportes da ciência
pedagógica que contribuam para ampliar suas análises e crítica, que os ajude a
compreender os contextos histórico, sociais, culturais, organizacionais nos quais se dá
sua complexa atividade docente.
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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

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