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DE QUEM SÃO OS MENINOS DE RUA?

Eu, na rua, com pressa, e o menino segurou no meu braço, falou qualquer coisa que não entendi. Fui logo
dizendo que não tinha, certa de que ele estava pedindo dinheiro. Não estava. Queria saber a hora.

Talvez não fosse um Menino De Família, mas também não era um Menino De Rua. É assim que a gente
divide. Menino De Família é aquele bem-vestido com tênis da moda e camiseta de marca, que usa relógio e a
mãe dá outro se o dele for roubado por um Menino De Rua. Menino De Rua é aquele que quando a gente passa
perto segura a bolsa com força porque pensa que ele é pivete, trombadinha, ladrão.

Ouvindo essas expressões tem-se a impressão de que as coisas se passam muito naturalmente, uns
nascendo De Família, outros nascendo De Rua. Como se a rua, e não uma família, não um pai e uma mãe, ou
mesmo apenas uma mãe os tivesse gerado, sendo eles filhos diretos dos paralelepípedos e das calçadas,
diferentes, portanto, das outras crianças, e excluídos das preocupações que temos com elas. É por isso, talvez,
que, se vemos uma criança bem-vestida chorando sozinha num shopping center ou num supermercado, logo nos
cercamos protetores, perguntando se está perdida, ou precisando de alguma coisa. Mas se vemos uma criança
maltrapilha chorando num sinal com uma caixa de chicletes na mão, engrenamos a primeira no carro e nos
afastamos pensando vagamente no seu abandono.

Na verdade, não existem meninos De rua. Existem meninos Na rua. E toda vez que um menino está Na
rua é porque alguém o botou lá. Os meninos não vão sozinhos aos lugares. Assim como são postos no mundo,
durante muitos anos também são postos onde quer que estejam. Resta ver quem os põe na rua. E por quê.

No Brasil temos 36 milhões de crianças carentes. Na China existem 35 milhões de crianças


superprotegidas. São filhos únicos resultantes da campanha Cada Casal um Filho, criada pelo governo em 1979
para evitar o crescimento populacional. O filho único, por receber afeto “em demasia”, torna-se egoísta,
preguiçoso, dependente, e seu rendimento é inferior ao de uma criança com irmãos. Para contornar o problema,
já existem na China 30 mil escolas especiais. Mas os educadores admitem que “ainda não foram desenvolvidos
métodos eficazes para eliminar as deficiências dos filhos únicos”.

O Brasil está mais adiantado. Nossos educadores sabem perfeitamente o que seria necessário para
eliminar as deficiências das crianças carentes. Mas aqui também os “métodos ainda não foram desenvolvidos”.

Quando eu era criança, ouvi contar muitas vezes a história de João e Maria, dois irmãos filhos de pobres
lenhadores, em cuja casa a fome chegou a um ponto em que, não havendo mais comida nenhuma, foram levados
pelo pai ao bosque, e ali abandonados. Não creio que os 7 milhões de crianças brasileiras abandonadas conheçam
a história de João e Maria. Se conhecessem talvez nem vissem a semelhança. Pois João e Maria tinham uma casa
de verdade, um casal de pais, roupas e sapatos. João e Maria tinham começado a vida como Meninos De Família,
e pelas mãos do pai foram levados ao abandono.

Quem leva nossas crianças ao abandono? Quando dizemos “crianças abandonadas” subentendemos que
foram abandonadas pela família, pelos pais. E, embora penalizados, circunscrevemos i problema ao âmbito
familiar, de uma família gigantesca e generalizada, à qual não pertencemos e com a qual não queremos nos
meter. Apaziguamos assim nossa consciência, enquanto tratamos, isso sim, de cuidar amorosamente de nossos
próprios filhos, aqueles que “nos pertencem”.

Mas, embora uma criança possa ser abandonada pelos pais, ou duas ou dez crianças possam ser
abandonadas pela família, 7 milhões de crianças só podem ser abandonadas pela coletividade. Até
recentemente, tínhamos o direito de atribuir esse abandono ao governo, e responsabilizá-lo. Mas, em tempos de
Nova República, quando queremos que os cidadãos sejam o governo, já não podemos apenas passar adiante a
responsabilidade.

A hora chegou, portanto, de irmos ao bosque, buscar as crianças brasileiras que ali foram deixadas.
Eu sei, mas não devia

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E,
porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a
não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à
medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está
atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá
para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e
dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja
números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não
acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem
receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que
pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a
saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas
filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir
a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na
infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de
ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da
água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a
hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando
uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e
torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o
trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que
fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas,
sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida.
Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.

– Marina Colasanti (1972). do livro “Eu sei, mas não devia”. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1996.
Os verbos anômalos são aqueles que, em sua conjugação, apresentam no radical alterações mais profundas do
que os verbos irregulares. São considerados pela gramática como verbos anômalos, apenas os verbos “ser” e
“ir”, pois estes perdem todo o radical ao serem conjugados. ... Já no verbo “ir”, entramos: vou, fui, irei.

A conjugação de alguns verbos como falir, doer, abolir, colorir, esculpir costuma gerar dúvidas pela cacofonia
provocada em determinadas conjugações ou pelas formas de verbos diferentes que se confundem, como é o caso
de falar e falir, que apresentam a mesma conjugação na primeira pessoa do singular. Esses verbos são chamados
de verbos defectivos e não se conjugam em todos os tempos e pessoas. Nesses casos, costuma-se substituir a
conjugação do verbo por um sinônimo ou por sua forma no gerúndio, como por exemplo, “eu estou abolindo”.
Veja:

Ex. Verbo “colorir”:

Eu “colôro” ou eu “colóro”?

São exemplos de alguns verbos defectivos: adequar, falir, doer, reaver, abolir, banir, brandir, carpir, colorir, delir,
explodir, ruir, exaurir, demolir, puir, delinqüir, fulgir (resplandecer), feder, aturdir, bramir, esculpir, extorquir,
retorquir, soer (costumar: ter costume de), etc.

Formas Rizotônicas e Arrizotônicas


Gramática

Consideram-se formas rizotônicas aquelas em que o acento recai no radical; e arrizotônicas as formas em que o
acento recai nas terminações.

Conceituam-se como formas rizotônicas aquelas formas verbais cujo acento recai no radical, ou seja, naquela
parte em que não se opera nenhuma mudança. Assim, de modo a ilustrar o que estamos afirmando tomemos
como exemplo o verbo pular:

Presente do indicativo

Eu pulo
Tu pulas
Ele pula
Eles pulam

Presente do subjuntivo

Que eu pule
Que tu pules
Que ele pule
Que eles pulem
Notamos que nas pessoas gramaticais do singular, bem como na terceira do plural, tal ocorrência se manifestou.
Sendo assim, afirma-se que para cada verbo existem apenas oito formas rizotônicas: eu, tu, ele e eles do presente
do indicativo e eu, tu, ele e eles do presente do subjuntivo.

As chamadas formas arrizotônicas são aquelas em que o acento tônico recai nas terminações, e não no radical.
Dessa forma, voltemos aos exemplos em questão:

Nós pulamos
Vós pulais

Que nós pulemos


Que vós puleis

Nós andamos
Vós andais

Que nós andemos


Que vós andeis

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