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Fico muito feliz com a lembrança tanto da Fundação Mauricio Grabois quanto da direção do
Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da UFF para participar de um evento tendo como
tema o centenário de Nelson Werneck Sodré. A honra do convite é maior, devido ao fato de
que deveria apresentar alguns dos resultados acerca da minha pesquisa sobre da
importância de Sodré para a História Econômica do Brasil e para a História do Pensamento
Econômico Brasileiro.
1961, após ter sido preso durante a crise e sua obra no campo da História Econômica.
política da renúncia de Jânio Quadros e a Na segunda, busca avaliar a sua influência
posse de João Goulart. na configuração de um pensamento
econômico brasileiro de esquerda.
Uma outra marca de sua trajetória intelectual
foi a sua atuação no ISEB, Instituto Superior
de Estudos Brasileiros ligado ao Ministério de O HISTORIADOR ECONÔMICO
Educação e Cultur à convite de Guerreiro
Ramos (1955/64), para ministrar cursos de Antes de mais nada, devemos refletir acerca
pós-graduação, sendo o principal o do essência do trabalho do historiador, com
Formação Histórica do Brasil no qual buscou destaque para o historiador econômico,
renovar a produção e o ensino de história. como referência para que possamos
perceber a pertinência, ou não, da
Um dos produtos desses cursos do ISEB foi a classificação de Sodré como um historiador
produção de material didático destinado a econômico, independentemente de ter
professores e alunos do ensino médio, a escrito a maioria de sua obra com títulos que
série História Nova do Brasil, elaborada com nos remetem ao fazer do historiador, ou de se
a colaboração dos estagiários do antodesignar como tal .
Departamento de História do ISEB e da FNFi.
Um outro produto dos cursos, após diversas Primeiramente, um historiador tem que ter
reformulações, foi a publicaçãoem 1962 do um objeto de estudo. Ainda jovem, publicara
livro Formação Histórica do Brasil, que serviu História da Literatura Brasileira, em 1938;
de base para esta nossa comunicação. Panorama do Segundo Império, em 1939; a
segunda edição de História da Literatura
Entre os membros ilustres do ISEB, podemos Brasileira, em 1940; Oeste, em 1941;
citar Miguel Reale e Sérgio Buarque de Orientações do Pensamento Brasileiro, em
Hollanda, Hélio Jaguaribe, Roland Corbisier, 1942; Síntese do Desenvolvimento Literário
Alberto Guerreiro Ramos, Nelson Werneck no Brasil, em 1943; Formação da Sociedade
Sodré, Antonio Cândido, Cândido Mendes, Brasileira, em 1944 e O que se Deve Ler para
Ignácio Rangel e Álvaro Vieira Pinto, Carlos Conhecer o Brasil, em 1945.
Estevam Martins, Celso Furtado, Gilberto
Freyre e Heitor Villa Lobos, Anísio Teixeira, Nas décadas seguintes, continuou
Roberto Campos, Horácio Lafer, Pedro publicando vários livros importantes pela
Calmon, Augusto Frederico Schmidt, Sérgio temática como História do Vice-Reinado do
Milliet, Paulo Duarte, Fernando de Azevedo, Rio da Prata (1945), A Campanha Rio-
San Tiago Dantas, que gerava muitos Grandense (1950, O tratado de Methuen
conflitos internos, embora garantisse a (1957) História Militar do Brasil, além de
pluralidade intelectual do Instituto. muitos outros, com destque para Formação
Histórica do Brasil (1962) seu mais influente
Após o Golpe de 1964, com o ISEB tendo livro entre os historiadores econômicos. Em
sido extinto, ele teve cassado os seus direitos cada um desses títulos podemos perceber a
políticos, seus livros foram censurados e clara delimitação do objeto de pesquisa: os
Sodré sofreu constantes ameaças e IPMs. dilemas do desenvolvimento e da exclusão
Desde então e até a sua morte, Nelson brasileiros ao longo do tempo.
Werneck Sodré dedicou-se integralmente a
pesquisar e escrever livros e artigos.. Uma segunda questão que ronda nos ronda
no nosso metier é a questão das fontes. O
Para efeito deste evento, dividi o artigo em próprio Nelson Werneck Sodré reconhecia a
duas partes fundamentais. A primeira, busca sua pouca intimidade na utilização de fontes
explorar a atuação de Nelson Werneck Sodré manuscritas, particularmente do período
colonial. Tal fato fê-lo optar sempre pela Conselho Técnico de Economia e Finanças e
manipulação de fontes impressas, o que não demais fontes de governo, além dos
o impediu de escrever, por exemplo, uma existentes no Arquivo General de la Nación,
obra de referência para a historiografia como da Argentina.
“ O Tratado de Methuen”(1957) no qual
polemiza se assinatura do famoso tratado no Se considerarmos a bibliografia utilizada, de
século XVIII teria retardado – ou mesmo onde o autor extrai muito de suas fontes e
impedido – o desenvovimento industrial conclusões, além dos autores anteriormente
lusitano. citados como Sérgio Buarque de Holans,
Caio Prado Júnior e Celso Furtado, merecem
Como optamos por analisar o Formação destaque trabalhos muito recentes para a
Histórica do Brasil, podemos observar a época e que representaram avanços
pesquisa e a manipulação com maestria das historiográficos, como os de Clovis Moura14,
fontes históricas acessíveis à época, como Carlos Mariátegui15 e João Cruz Costa16.
relato de viajantes, documentos
diplomáticos, documentos militares, dados Contudo, é na parte final do seu livro, que
estatísticos os mais variados, inclusive e incluem os capítulos dedicados à República
principalmente, dados do Ministério da que o autor intitulou de Revolução, que nós
Fazenda e do IBGE, fontes fundamentais podemos observar com mais propriedade o
para o fazer do historiador econômico. trabalho com fontes, uma das marcas
primaciais do trabalho do historiador
Considerando-se o período colonial, o econômico.
Formação Histórica do Brasil tem nas
memórias¹ de Jan Andries Moerbeck², Joan Basicamente todas as fontes de cunho
4 5
Nieuhof³, Fernão Cardim , Antonil , e Antonio econômico disponíveis ao seu tempo Sodré
6
Vieira , as suas principais fontes, o que, utilizou, como podemos perceber nas
ressalvamos eram a normalmente utilizadas inúmeras citações a Relatórios e demais
à época de elaboração do livro. Em outras documentos do Ministério da Fazenda, da
ocasiões, Sodré buscou trabalhos de SUMOC, do BNDE, da Comissão Mista
referência para se estribar na interpretação, Brasil-Estados Unidos, do IBGE, além de
como os de Caio Prado Jr.7, Celso Furtado8, documentos oriundos da CEPAL, da
Roberto Simonsen9 ou Mafalda Zemella10, UNESCO e do Foreing Capital in America
dentre outros, apresentando o que existia de Latina, do escritório central da Organização
mais avançado em termos de pesquisa das Nações Unidas e os do do Departamento
histórico acerca do período. do Comércio dos Estados Unidos.
Quando adentramos o período que vai do Além disso, manipulou dados e conclusões
Processo de Independência até a crise do de estudos muito recentes e também que se
Império, as fontes se ampliam: com tornaram referência acadêmicas acerca do
memórias, depoimentos e relatos de viagem, período, como os de Fernando Henrique
como os de Azeredo Coutinho11 , Tollenare12 e Cardoso17, de Otávio Gouvêa de Bulhões18 ou
Charles Reybaud13; e fontes jurídico-políticas mesmo de Caio Prado Jr19.
tais como os álvaras régios e os Autos da
Devassa da Inconfidência Mineira, além da Num pequeno artigo como este, podemos
legislação do Império Brasileiro. avançar no sentido de que Nelson primava
pelo domínio das fontes e do melhor da
Com relação aos dados econômicos, Sodré historiografia de seu tempo, não faltando
compulsou os Relatórios do Ministério da referências a mestres como Bloch20, Henry
Fazenda de 1840 a 1910, as Estatísticas do Pirenne21- referências obrigatórias da Escola
Comércio Marítimo do Brasil, os Boletins do dos Analles- ou Bagu22, etc. Aliás, ressalve-se
Para além da influência das obras de Lenine, (...) Na análise da economia brasileira, os
ao longo da Formação Histórica do Brasil, um socialistas distinguiam-se, porém, dos
nacionalistas pelo fato de que toda sua reflexão
7 21
PRADO JUNIOR, Caio – História Econômica do Brasil. SP, PIRENNE – Historia Econômica y Social de La Edad Media .
1945 Mexico, 1947, 4ª edição
8 22
FURTADO, Celso – Formação Econômica do Brasil. RJ, 1959 BAGU, Sergio – Economia de La Sociedad Colonial: Ensayo
de Historia Comparada de America Latina. Buenos Aires, 1949
9
SIMONSEN – Roberto – História Econômica do Brasil. SP,
23
1937 BARBOSA, Wilson do Nascimento – Nelson Werneck Sodré
e o “Marxismo Ocidental” in Revista de História nº 141, SP,
10
ZEMELLA, Mafalda – O Abastecimento da Capitania das FFLCH/USP, 1999 p. 170
Minas Gerais no Século XVIII. SP, 1951
24
SODRÉ, Nélson Werneck. Capitalismo e a revolução
11
COUTINHO, Azeredo – Memória sobre o Preço do Assúcar. burguesa no Brasil. Belo Horizonte: Oficina deLivros, 1990
Lisboa, 1791 e o Ensaio Econômico sobre o Comércio de
25
Portugal e suas Colônias – Lisboa, 1816 DUCATTI, Ivan – Nelson Werneck Sodré Historiador in
Revista de História e Estudos Culturais. SP, Revista Fênix,
12
TOLENARE, L. F. – Notas Dominicais. Recife, 1906 volume 4, ano IV nº1, jan/fev/mar/2007.
26
13
REYBAUD, Charles – Le Brésil. Paris, 1856 BIELCHOWSKI, Ricardo – Pensamento Econômico
Brasileiro, 1930-1964. RJ, Contraponto, 4ª edição, 2000.
14
MOURA, Clóvis – Rebeliões da Senzala,. SP, 1959 27
Idem, ibidem. P. 182
15
MARIÁTEGUI, Carlos – Siete Ensayos de Interpretación de 28
la Realidad Peruana. Santiago do Chile, 1955 Idem, ibidem p. 182
29
16
CRUZ COSTA, João – Contribuição à História das Idéias no Idem, ibidem, p.182
Brasil. RJ, 1956 30
Idem, ibidem. P.189 e 190
17
CARDOSO, Fernando Henrique – Condições Sociais da 31
Industrialização de São Paulo in Revista Brasiliense nº28, SP, SODRÉ, op. cit. P. 382 e seguintes
março/abril de 1960 32
Idem, ibidem
18
BULHÕES, Otavio Gouvêa – A Estrutura Econômica do 33
Brasil en Carta Mensal nº66, RJ, setembro de 1960 Idem, ibidem p. 366 e seguintes
19 34
PRADO JUNIOR, Caio – Contribuições para a Análise da BIELCHOVSKI, op. cit. P. 203
Questão Agrária no Brasil in Revista Brasiliense nº28, SP,
35
março/abril 1960 DUCATTI, op. cit p. 3
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BLOCH, Marc - La Societé Feodal. Paris, 1940 Bielchovski, op. cit. P. 207