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“Ser bicha não é só dar o cu / É também poder resistir“.

Ainda que protegida sob um manto de


comicidade, difícil ouvir os versos da atmosférica Talento, faixa de abertura do primeiro álbum
em carreira solo de Linn Da Quebrada, Pajubá (2017, Independente), e não perceber o aspecto
contestador que sutilmente invade essa e outras composições. Trata-se de uma obra de
enfrentamento. Um espaço onde putas, bichas, travestis, negros, mulheres e outros grupos
marginalizados ganham destaque (e voz) a todo instante, crescendo em meio ao ambiente
dominado pela forte erotização detalhada na poesia urbana da rapper.

Perfeita combinação entre humor e crítica social, Pajubá — “linguagem de resistência,


construída a partir da inserção de palavras e expressões de origem africanas ocidentais” e
adotada pela comunidade LGBT —, nasce como uma clara continuação do material
apresentado há poucos meses durante o lançamento de músicas como Bixa Preta e Mulher.
Composições que se aprofundam no debate sobre gênero (Bixa Travesty), questionam a
fragilidade masculina (Transudo), exploram preconceito e religiosidade (Submissa do 7° Dia),
além de mergulhar e temas próprios do universo gay (Coytada, Enviadescer).

LInn fala: “Eu chamo esse álbum de ‘Pajubá’ porque pra mim ele é construção de linguagem. É
invenção. É ato de nomear. De dar nome aos boys. É mais uma vez resistência“. De fato, do
momento em que tem início, em Talento, até alcançar a derradeira A Lenda, Linn pinta um
retrato honesto, cru, ainda que bem-humorado, de temas muita vezes ignorados/sufocados
pela “moral e os bons costumes da família brasileira”. Um espaço onde sexo, criminalidade,
contestação e identidade se encontram a todo instante, fazendo do disco um exercício criativo
de profunda relevância.

Dividido em duas porções claramente distintas, Pajubá carrega no primeiro bloco de


composições o lado mais contestador da rapper. Prova disso está em, Bomba Pra Caralho,
música que nasce como um passeio sem cortes pela periferia brasileira, detalhando
fragmentos marcados pela violência (“Baseado em carne viva e fatos reais / É o sangue dos
meus que escorre pelas marginais“) e preconceito (“Tem medo de nós? / Não suportam a
ameaça dessa raça que pra sua desgraça“). A mesma crueza se revela ainda em Bixa
Travesty (“Bicha, travesti, de um peito só, o cabelo arrastando no chão / E na mão, sangrando,
um coração“), uma espécie de complemento ao trabalho em Bixa Preta e BlasFêmea.

Com a chegada de Gloria Groove, parceira na poesia afiada de Necomancia, Linn abre
passagem para o lado mais acessível, pop e divertido da obra. Uma seleção de faixas marcadas
pela forte sexualidade, lembrando em alguns aspectos o trabalho de Nicki Minaj, postura
explícita em músicas como Pirigozae, principalmente, no misto de trap e funk da cômica Dedo
Nocué, divertido encontro musical com Mulher Pepita (“Dedo no cu é tão bom / Dedo no cu é
tão gostoso / Eu vou bater uma curirica / E vou lamber meu próprio gozo“). Versos e batidas
descompromissadas, conceito rompido apenas na duas últimas músicas do disco, a mediana A
Lenda e Serei A, MPB óbvia que marca a parceria com Liniker e os Caramelows.

Produzido por Nelson D, Carlos NuneZ, Vincenzo e Diego Sants, além de contar com a direção
musical da paulistana Rafaela Andrade, a BadSista, Pajubá dialoga de maneira explícita, ainda
que de forma particular, com a crescente articulação do Queer Rap, lembrando em alguns
aspectos a obra artistas como Mykki Blanco, Le1f e demais representantes da cena norte-
americana. Composições divididas entre as pistas (Transudo, Dedo Nocué) e a rima crua
(Bomba Pra Caralho, Talento), resultando em uma obra expositiva, forte e necessária, como
uma resposta direta da artsita à crescente onda de conservadorismo e preconceito declarado
que avança pelo Brasil e pelo latinoamérica.

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