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Série Cenários culturais e sociais do Design

Design, Cultura e Sociedade:


Limites e Reciprocidades

Organizadores:
Elenir Morgenstern
Victor Aguiar

Joinville, 2016
Universidade da Região de Joinville

Reitora
Sandra Aparecida Furlan

Vice-Reitor
Alexandre Cidral

Pró-Reitora de Ensino
Sirlei de Souza

Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação


Denise Abatti Kasper Silva

Pró-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários


Claiton Emilio do Amaral

Pró-Reitor de Administração
José Kempner

Campus Joinville Campus São Bento do Sul


Rua Paulo Malschitzki, 10 Rua Norberto Eduardo Weihermann, 230
Campus Universitário Bairro Colonial – Cx. Postal 41
Zona Industrial CEP 89288-385 – São Bento do Sul/SC
CEP 89219-710 – Joinville/SC Tel./Fax: (47) 3631-9100
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CEP 89202-207 – Joinville/SC Tel.: (47) 3471-3800
Tel.: (47) 3422-3021 e-mail: univille.sfs@univille.br
Design, Cultura e Sociedade:
Limites e Reciprocidades

Organizadores:
Elenir Morgenstern
Victor Aguiar
Produção editorial Conselho Editorial
Editora Univille
Profa. Dra. Denise Abatti Kasper Silva
Coordenação geral
Andrea de Lima Schneider Profa. Ma. Ágada Hilda Steffen
Secretaria Prof. Dr. Alexandre Cidral
Adriane Cristiana Kasprowicz
Profa. Dra. Berenice Rocha Zabbot Garcia
Revisão
Profa. Dra. Denise Monique D. S. Mouga
Viviane Rodrigues
Cristina de Alcântara Prof. Me. Fabricio Scaini
Capa Profa. Dra. Liandra Pereira
Haro Schulenburg
Profa. Ma. Marlene Feuser Westrupp
Produção gráfica
Profa. Dra. Taiza Mara Rauen Moraes
Rafael Sell da Silva
Diagramação
Marisa Kanzler Aguayo
Impressão
Gráfica Impressul Ltda.
Tiragem ISBN
978-85-8209-055-8 (edição impressa)
500 exemplares
978-85-8209-054-1 (edição online)
Agradecimentos

À Universidade da Região de Joinville (Univille);


Ao Mestrado Profissional em Design e a todos os nossos colegas professores;
Aos mestrandos que partilharam seus artigos elaborados na disciplina
Cenários Culturais e Sociais, especialmente à acadêmica Letícia Hermes, a sua
contribuição na organização de todo o material;
Ao professor Haro Schulenburg, a linda capa;
 
E, por fim, mas certamente o mais importante,
a Deus, que nos ilumina e fortalece.

Professores Elenir Morgenstern e Victor Aguiar


Introdução ..................................................................................... 9

n CAPÍTULO 1 – Design, Cultura e Identidade .....................11

Novos cenários, novas formas de morar ...............................13


BERNARDI, Daniela | SOBRAL, João Eduardo Chagas

O material têxtil: cultura material que tece


uma história ................................................................................ 28
GRUBER, Valdirene | SANTOS, Adriane Shibata

Design contemporâneo e diaconia: uma reflexão acerca dos


cenários de atuação onde o bem-estar humano permeia o
contexto ........................................................................................ 44
STAHN, Maria Odete | EVERLING, Marli T.

n CAPÍTULO 2 – Design de Moda e Sociedade .................... 63

Tendências de moda em um contexto social .........................65


ZANCHETT, Rosenei Terezinha | AGUIAR, Victor

A moda em contexto sociocultural: um estudo de projetos


sociais relacionados à moda ................................................... 77
HERMES, Leticia | MORGENSTERN, Elenir Carmen

Agentes produtivos e organizações no campo da moda:


possíveis práticas cooperativas...................................................91
SILVA, Jéssica de Almenau | MORGENSTERN, Elenir Carmen
Perspectivas acadêmicas para o ensino do design
de moda .......................................................................................112
KORNER, Edson

n CAPÍTULO 3 – Design Gráfico, Comunicação


e Sociedade ..........................................................................133

A importância do design na evolução da internet ............... 135


LANDMANN, Daniel Rodrigo | AGUIAR, Victor

Intervenções urbanas: o cidadão como agente


da cidade .....................................................................................152
CREUZ, Morgana | EVERLING, Marli T.

O contexto social e econômico do desenvolvimento


das embalagens de marcas próprias ...................................172
BRUDZINSKI, Vanessa M. | PRUNER, Fernando P.
8
Introdução

Integrando a coleção Cenários Culturais e Sociais do Design, cujo


primeiro volume foi publicado pela Editora Univille em 2015, apresentamos o
livro Design, cultura e sociedade: limites e reciprocidades. Os textos presentes
nesta coletânea, bem como o aporte teórico que lhes dá cientificidade, são
fruto das leituras e práticas desenvolvidas na disciplina Cenários Culturais e
Sociais, do Mestrado Profissional em Design da Universidade da Região de
Joinville (Univille). Essa disciplina aborda as relações do design com o contexto
social e com a instituição da cultura material e simbólica. Além do escopo
teorético, forjado numa concepção social do conhecimento, a ementa propõe
o uso de ferramentas e técnicas para pesquisa de tendências e elaboração de
cenários para o desenvolvimento de produtos e serviços, considerando micro
e macrotendências.
Os escritos que compõem este livro foram selecionados entre artigos
resultantes da referida disciplina e não representam, necessariamente, conclusões
das pesquisas de mestrado dos estudantes, mas configuram-se em ponderações
que esquadrinham o contexto sócio-histórico-cultural de seus objetos de estudo,
ou áreas de interesse, alvitrando nisso uma visão sistêmica do conhecimento.
Destarte, em alguns casos, o conteúdo do artigo fundamenta, em parte, os
Trabalhos de Conclusão de Curso de alguns mestrandos.
Esta coletânea de artigos científico-acadêmicos provoca os designers a
contemplar sua matéria de pesquisa considerando limites e reciprocidades entre
design, cultura e sociedade. Ou seja, para além da consideração dos atributos
internos do design, estimula a observação dos cenários culturais, sociais e
históricos em meio aos quais esses produtos/serviços/processos/conceitos são
gerados, produzidos, comercializados e instituídos, social e culturalmente, como
objetos de desejo, perpetuando um mercado de bens simbólicos.
Trata-se de uma abordagem do design (enquanto produto, serviço,
processo ou conceito) que ultrapassa a consideração de sua lógica interna. Em
outros termos, além de seus atributos visuais, físicos, estéticos, ergonômicos
etc., propõe uma abordagem extraestética. Pressupõe, por essa matriz, que o
design seja analisado por intermédio de uma perspectiva que reflita aspectos
sociais, históricos, culturais, econômicos, políticos, filosóficos, entre outros, que
possibilitam o surgimento e o sucesso dos artefatos produzidos. Dessa maneira,
o design passa a ser compreendido não como uma forma criativa, livre das
amarras histórico-sociais-culturais, mas enquanto campo, numa relação social
recíproca entre seus agentes, cultura e sociedade.
Por essa diretriz, a coletânea apresenta os artigos divididos em três
capítulos, nos quais os textos foram agrupados por áreas temáticas.
O primeiro capítulo versa sobre design, cultura e identidade; já o segundo
traz trabalhos cuja temática se relaciona ao design de moda e sociedade e, por
fim, o último trata de design gráfico, comunicação e sociedade.
O leitor certamente perceberá que essa composição procurou propiciar
uma maior organização na apresentação dos materiais elaborados pelos
mestrandos, todavia a temática cultura e sociedade está presente em toda a
obra, propiciando, assim, um material rico e instigante.

Boa leitura!
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Capítulo 1

Design, Cultura e
Identidade
Novos cenários, novas formas de morar
New scenarios, new ways of living

BERNARDI, Daniela1
SOBRAL, João Eduardo Chagas2

Resumo: Este artigo apresenta-se como um recorte da investigação


do Mestrado Profissional em Design que tem o intuito de pesquisar
sobre as transformações dos modos de morar, buscando relações com
a estrutura da família e da moradia contemporânea. O artigo objetiva o
desenvolvimento do estado da arte, por meio de observações históricas do
cenário cultural e social dentro das transformações dos modos de morar,
da configuração da família e dos espaços residenciais no século XXI, a
fim de vislumbrar, com apoios bibliográficos, a construção da identidade
do usuário e sua forma de utilização do espaço residencial.
Palavras-chave: transformações; modo de morar; família e espaços
residenciais.

1
Mestranda no Programa de Mestrado Profissional em Design pela Universidade da Região de
Joinville (Univille), especializada em Design de Interiores e graduada em Design de Produto pela
Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc). Atualmente é professora titular da Unoesc e
também atua como designer de interiores, com projetos residenciais, comerciais e promocionais.
E-mail: daniela.bernardi@unoesc.edu.br.
2
Doutor em Design e Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-Rio), mestre em Educação pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (Furb),
graduado em Comunicação Visual pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi chefe
do Departamento de Design da Univille no período de 2002 a 2012. Atualmente representa o
estado de Santa Catarina como membro do Colegiado de Design do Conselho Nacional de
Políticas Culturais (CNPC), do Ministério da Cultura. É consultor ad hoc da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Estadual de Educação
de Santa Catarina (CEE/SC), além de coordenador do Programa de Mestrado Profissional em
Design e professor titular da Univille. E-mail: sobral141@gmail.com.
Novos cenários, novas formas de morar

Abstract: This article is presented as a cut of the Professional Master in


Design research that has purpose of researching about the transformation in
the way of living, seeking relations with the structure of the contemporary
family and its house. The article aims at the development of the state of
the art through historical observations of the cultural and social scene
into the transformation of the way of living, family configuration and
residential spaces in the twenty-first century, in order to glimpse, with
bibliographic support, construction the user's identity and the way of using
the residential space.
Keywords: transformations; way of living; family and residential spaces.

n Introdução
Este artigo pretende demonstrar e analisar as transformações sociais
dos modos de morar ocorridas nos últimos anos, mudanças que, entre outros
fatores, determinaram a configuração de novos formatos familiares e espaços
residenciais. Para tal, foi realizada pesquisa bibliográfica buscando compreender
as transformações ocorridas ao longo da história. A análise feita com base
em pesquisa bibliográfica buscou categorizar os diferentes formatos familiares
e suas principais características, como também distinguir novos formatos de
espaços residenciais internos, identificando a transformação do modo de morar
e o usuário.
Os reflexos são inevitáveis no modo de vida da população, o que acarreta
mudanças no comportamento e no cotidiano das pessoas. Por meio desse
cenário, procurou-se averiguar se essas transformações causaram também
mudanças no modo de morar e, consequentemente, na configuração dos
espaços residenciais, análise feita na perspectiva do design de interiores. Para
Kumar (1997, p. 9), “ao longo do último quarto de século, temos ouvido
persistentes afirmações de que as sociedades do mundo ocidental ingressaram
em uma nova era de sua história”. Esse autor finaliza: “Vivemos, de fato, em
um mundo saturado de informações e comunicações. A natureza do trabalho
e a organização industrial estão de fato mudando com uma rapidez alucinante”
(KUMAR, 1997, p. 210). Portanto essas afirmações também devem incluir a
compreensão de como os diversos grupos sociais se comportam na interação
com os espaços. No caso dos grupos domésticos, além da tradicional família
nuclear (pai, mãe e filhos), observa-se que novos grupos estão surgindo.
A importância desta pesquisa está relacionada ao fato de que por meio
do espaço interno se entende o significado das ações nele praticadas, das mais
cotidianas e íntimas às públicas ou formais. Assim, identificar que tipos de espaço
residencial melhor caracterizam os modos de vida atuais é relevante, como
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BERNARDI, Daniela | SOBRAL, João Eduardo Chagas

são relevantes o papel que as novas tecnologias desempenham na sociedade,


as questões de sustentabilidade, cada dia mais urgentes, os indefinidos papéis
sociais e a avalanche de informações que nos bombardeiam dia a dia, todos
requisitos de um comportamento em fase de mutação.
O interesse pelo tema justifica-se, sobretudo, pelas profundas
transformações verificadas tanto nos padrões comportamentais quanto na
composição dos grupos domésticos brasileiros. Busca-se aqui estabelecer um
paralelo social e cultural, a fim de materializar o cenário atual desse nicho que
envolve moradia e população.

n Transformações sociais e culturais dos modos de morar


A transformação da sociedade está refletida no interior do espaço
residencial, e o design e a arquitetura refletem as mudanças de cada época;
o espaço residencial e o mobiliário ficam marcados por aspectos econômicos,
culturais e sociais. A residência passou a incorporar uma série de outros
significados, desde o local de dormir até o de fazer as refeições, o lugar onde
o usuário passa a maior parte do tempo ou o ambiente onde estão as pessoas
com quem se tem laços emocionais e afetivos. Trata-se assim de um local de
atividades condicionadas à cultura de seus usuários, um resultado de mudanças
sociais e culturais no mundo (KAMINAMI, 2003).
Percebe-se que hoje se passa a maior parte do tempo em espaços internos,
que são locais de permanência e segurança. Sennet (1998) afirma que a vida
nos ambientes domésticos começa a adquirir valor maior que a vida pública, de
modo que as relações humanas se voltam para o interior, constituindo assim a
premissa do conhecer a si mesmo, uma maneira de conhecer o mundo. Isso é
fundamental para a construção do caráter da maioria dos homens.
A evolução dos ambientes internos é consequência da busca constante
por conforto físico ao longo do processo de desenvolvimento tecnológico
e cultural das sociedades. Algumas mudanças no campo da habitação são
descritas por Tramontano (1993), como as separações entre casais, que podem
multiplicar o número de grupos domésticos, diminuindo seu tamanho médio. O
cônjuge que passa a morar sozinho necessita de espaço para receber os filhos
nos fins de semana, e provavelmente haverá uma queda no nível de vida após
a separação, levando um ou mais filhos a começar a trabalhar, com prováveis
efeitos na organização do grupo doméstico e na configuração dos seus espaços
residenciais.
Com o crescimento urbano acelerado, houve a transformação da casa
em mercadoria, e o fator econômico passou a ter peso enorme no programa de
15
Novos cenários, novas formas de morar

moradia, pois esta, além de ser funcional, confortável e segura, também deve
dar lucro, sendo a casa vista como uma acumulação de capital. Como explica
Wolff (1982), tudo que é produzido está localizado em estruturas sociais e, por
conseguinte, é afetado por elas. Assim, passa-se a usar bens materiais como
atributos e associações próprias à personalidade íntima, construindo-se uma
liberdade individual por meio da aquisição de bens de consumo. O fato de o lar
ser uma fábrica de ilusões privadas e um catálogo de gostos, valores e ideais
prontos torna o design doméstico revelador das condições da vida moderna.
Harvey (2011) reforça o pensamento de Sennet (1998) quando afirma
que nunca os objetos domésticos, junto com a indústria de vestuário, estiveram
tão conectados à identidade do homem e à construção do modo de vida.
Considerando a mudança de local, de tempo e de cultura, as transformações
do homem hoje têm se moldado nesses padrões nas sociedades organizadas
e globalizadas. As pessoas procuram um “eu” nos artefatos residenciais: elas
buscam ser individuais, mas querem ao mesmo tempo se adequar aos padrões,
surgindo daí os ideais de beleza e moral.
Para Forty (2007), as ideias sobre o lar variam entre as culturas e entre
períodos, assim como as noções do que é apropriado e belo, dando forma à
arquitetura e ao design de artigos para uso em espaços internos. O design desses
artigos diz às pessoas o que elas devem pensar sobre a casa e como devem
comportar-se dentro dela. A ideia de que a decoração expressava o caráter
pessoal foi se difundindo a partir do século XIX até os dias de hoje, aumentando
a vontade das pessoas em apresentar uma imagem satisfatória.
Nota-se que em diversos grupos que habitam os espaços residenciais a
revolução dos costumes também produziu ou estimulou a consolidação de novos
modos de morar e de novas atividades exercidas no espaço interno, permitindo
a execução de várias funções em um mesmo local e tempo, como a unificação
do espaço social e alimentação. A casa modifica-se, mesmo que em passos
lentos, em forma, tempo e conteúdo, trazendo no campo cultural a interação
entre design e cultura, essencial para que os objetos produzidos estejam em
sintonia com as necessidades das pessoas que os utilizarão.
O lar é então ambiente significativo na formação da história de vida das
pessoas, revelador de padrões de gostos e de hábitos que demonstram muito
sobre como o design e a arquitetura devem se comportar e se adaptar no
cotidiano e se voltar para as diversas identidades, que incluem, além da classe
social, fatores como gênero e faixa etária. Fica claro que relacionar moradias
a esses aspectos pode revelar diferentes vertentes de entendimento quanto aos
modos de morar.
16
BERNARDI, Daniela | SOBRAL, João Eduardo Chagas

n Transformações das famílias no século XXI


Atualmente há dificuldade de se estabelecer um conceito único para
família; constantes transformações nos modelos familiares são incorporadas às
formas tradicionais já conhecidas.
Durham (1982) diz que famílias são grupos sociais, estruturados por meio
de relações de afinidade, ascendência e consanguinidade. Tem-se a família como
grupos sociais já concretos, ou aquela que refere as regras ou os modelos
culturais.
A família contemporânea desdobra-se numa multiplicidade de formas e
numa complexidade de relações, principalmente por considerar que não haveria
como o seio familiar não revelar as características culturais da sociedade atual,
referentes a costumes, hábitos e contradições sociais. O retrato da família hoje
representa as mudanças nas formas concretas dos papéis de membros familiares,
como também no modelo cultural, na circulação simbólica e nas relações sociais
(SILVA; CHAVEIRO, 2009).
Tal como se tem evidenciado, as transformações sociais das famílias
brasileiras estão relacionadas às mudanças econômicas, políticas, culturais.
A revolução industrial, a modernização, a urbanização e, principalmente, as
modificações nas relações de trabalho afetaram a instituição familiar e as formas
de regulamentação da procriação, da família na escola e no trabalho.
Essas alterações na sociedade influenciaram diretamente a consolidação
de novos formatos de grupos domésticos: famílias monoparentais, casais Dinc
(dupla renda e nenhum filho, do inglês double income, no children), uniões livres,
grupos coabitando sem laços conjugais ou de parentesco entre seus membros
e família nuclear renovada. Entre esses modelos podemos citar alguns: grupo
doméstico maior que a família nuclear (membros da família de um dos cônjuges,
afilhados, serviçais); famílias matrifocais (aquelas formadas basicamente por
mãe e filho); novos arranjos familiares (formação de outras famílias de casais
separados) (SILVA; CHAVEIRO, 2009).
A família composta por pai, mãe e filho começa a renovar-se, a passar
por transformações. “O modelo patriarcal de família, caracterizado pelo arranjo
composto por pai, mãe e filhos que convivem sob a égide da autoridade do
primeiro sobre os demais, está em crise” (PERUCCHI; BEIRÃO, 2007,
p. 66). Atualmente o retrato da família é diferente, não mais corresponde ao
das grandes famílias.
A imagem que se tem hoje é de uma família pequena, formada por pai,
mãe e dois filhos. A redução do número de filhos veio acompanhada do controle
da natalidade, agora estabelecido pela mulher, enquanto escolha própria, não como
forma de reprodução, mas refletindo uma política de emancipação. A queda da
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Novos cenários, novas formas de morar

fecundidade e da mortalidade e o aumento da expectativa de vida têm sido as


causas diretas da diminuição do tamanho do grupo familiar em todo o mundo
ocidentalizado, incluindo o Brasil. Nos últimos anos vem caindo no país o número
médio de pessoas por unidade domiciliar (BERQUÓ, 1989). A diminuição no
tamanho das famílias não foi consequência exclusiva da queda da fecundidade,
em que se tem menos filhos com maior espaçamento entre eles.

O envelhecimento da população contribuiu para modificar


a composição das diversas etapas do ciclo de vida familiar
(nascimento, consolidação e saída do lar) e alterar a composição
e o tamanho das famílias devido à subdivisão de configurações
familiares anteriores (LEONE; MAIA; BALTAR, 2010).

Dados do IBGE (2010) mostram que o percentual de homens e mulheres


que moram sozinhos cresceu em todos os grupos etários entre 2001 e 2009. E
ainda se identificou que idosos (60 anos ou mais) estão em grande proporção
com referência aos outros grupos etários. Dessa forma, percebe-se que o
envelhecimento da população contribuiu para modificar a composição das
famílias e alterar o tamanho delas, por conta da subdivisão de configurações
familiares anteriores.
Outras razões para o surgimento de novos grupos domésticos na
contemporaneidade foram a diminuição do número de casamentos e o
crescimento acentuado do número de separações e divórcios. Tais processos
acabam por elevar a quantidade de unidades domiciliares em meio urbano, já
que, em sua grande maioria, levam os ex-cônjuges a demandar outro espaço
doméstico, constituindo, ao mesmo tempo, um novo formato familiar. A família
hoje passa por transformações sociais que trazem consigo a insegurança, a
incerteza, representando relações conjugais menos estáveis. O casamento nessa
relação perde sua estabilidade. Segundo Medina (2002, p. 25), “o casamento
passou a ter um papel social menos central e o companheirismo tornou-se
corrente e aceito”. Outros aspectos apontados pelo IBGE (2010) para esse
encolhimento da família dizem respeito a postergação do casamento, aumento
das famílias monoparentais, diminuição da disponibilidade de tempo e excesso de
individualismo. Esses fatores sem dúvida geram mudanças nas relações internas
das famílias e resultam em laços cada vez mais fracos.
A tendência de redução do número de famílias nucleares já era observada
desde o início da década de 1990, mas só agora no século XXI é que esse tipo
de arranjo deixou de ser preponderante no Brasil. De acordo com Tramontano
(2007), os motivos dessa redução residem no número crescente de divórcios,


Aqui “companheirismo” tem o sentido de vínculo estabelecido entre duas pessoas,
relacionamento, união.
18
BERNARDI, Daniela | SOBRAL, João Eduardo Chagas

na opção pelo celibato, no retardamento da idade do primeiro casamento, na


emancipação da mulher e no aumento do número de viúvos e também porque
os filhos adultos apresentam tendência de demorar mais a sair da casa dos pais
por razões econômicas.
No mundo todo, os casais sem filhos são um tipo de arranjo doméstico
muito característico das grandes cidades modernas, como especificam dados do
IBGE (2010), que mostram o crescimento desse grupo familiar e a diminuição
do grupo casal com filhos. São famílias em que ambos trabalham, ou seja,
a família tem duplo rendimento. São consumidores exigentes de vestuário e
produtos culturais, e também se preocupam com os aspectos ligados ao espaço
doméstico. Os dados evidenciam ainda um aumento na configuração de mães
sozinhas com filhos ou ainda homem e mulher morando sós.
O cenário em que se constituem as famílias no século XXI é um
desdobramento de tendências já observadas há pelo menos duas décadas, mas
que está redefinindo o conceito de família nesse século. A família nuclear vai
passar a ser apenas uma etapa da vida de seus membros individuais, já que o
tempo de duração desse modelo de família não mais se prolonga por toda a
vida. Tramontano (1993, p. 13) chega à mesma conclusão quando afirma:

Com a redução do número de filhos – queda da fecundidade,


diminuição do tamanho da família – e do período gasto pelos pais
com a sua manutenção – escolarização cada vez mais cedo e
mais longa – ao lado do aumento das possibilidades de autonomia
financeira da mãe, deixam de existir razões para que a família
nuclear prolongue-se por toda a vida, cada vez mais longa de
seus indivíduos, continuando a existir após a morte do amor
conjugal. Assim, crê-se que a família nuclear torna-se, cada vez
mais, apenas um momento transitório – e não obrigatório – das
trajetórias individuais de cada vez menos pessoas.

Essas mudanças na família e nos seus modos de vida resultaram em


modificações também nas formas de organizar o espaço doméstico e de se
adaptar a ele. As transformações ocorridas na sociedade, principalmente nas
últimas décadas, passam por alterações de valores, crenças, sentimentos,
atingindo todos os segmentos sociais. A análise desse cenário permite que se
tenha uma visão das tendências e do cenário futuro, que são construídos, de
acordo com Naisbitt e Aburdene (1990), por diversos processos que se repetem
e permanecem por algum tempo, em que novas tendências são definidas por
fatos, acontecimentos e eventos que se sucedem o tempo todo. E, como se
percebe, esse cenário foi sendo construído com o passar de séculos, portanto,
não apareceu nem desaparecerá de uma hora para outra.
19
Novos cenários, novas formas de morar

n Transformações nos espaços residenciais no século XXI


A partir da metade do século XIX, no Brasil começou a ser adotada a
tripartição (que é dividir em três) do espaço interno da casa em social, íntimo e de
serviços (MACHADO, 2011), o que provavelmente aconteceu com referências
trazidas pela missão artística francesa. Antes disso as referências das casas
coloniais no Brasil eram portuguesas. A família colonial brasileira assemelhava-
se muito com a família medieval europeia, sendo constituída, conforme
Machado (2011, p. 20), “[...] pelo chefe da casa, esposa, filhos, parentes, amigos,
dependentes, escravos e agregados, todos submetidos à autoridade indiscutível
do patriarca”. Essa era a base da organização da sociedade colonial brasileira.
Em meados do século XIX, formadas pelo enriquecimento de comerciantes
e de indústrias, junto da classe média nasceram as noções de individualidade e
intimidade, o que transformou a estrutura social do Brasil com o surgimento
de uma elite urbana.
Com a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República, segundo
Veríssimo e Bittar (1999) houve uma progressiva compactação dos espaços da
casa, que sofreram uma verdadeira transformação como decorrência desses
eventos, pois, entre outros fatores, não há mais o escravo para limpar a casa,
recolher o lixo e realizar as tarefas consideradas servis, que a partir de então
são de responsabilidade direta ou indireta da dona da casa.
A configuração interna da casa contemporânea tomou a forma que hoje
nos é familiar, em que se podem identificar, como mostra a figura 1, a área social
(sala de estar, sala de jantar e lavabo), a área íntima (dormitórios e banheiros
menores), a área destinada a serviços (cozinha e lavanderia) e ainda o cômodo
de dependência para empregada, isolada da área íntima da residência.

Figura 1 – Planta do século XX

Fonte: French (2009)


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BERNARDI, Daniela | SOBRAL, João Eduardo Chagas

No século XX, incorporaram-se aos projetos os conhecimentos sobre


economia doméstica, racionalização do trabalho e ergonomia dos espaços.
Iniciaram-se na cozinha com as tentativas de melhorias, e foi onde tiveram
maior êxito. Como resultado desses aprimoramentos, desenvolveu-se o que
conhecemos por cozinha americana (figura 2), sinônimo de cozinha eficiente,
prática e compacta. Hoje se associa o termo cozinha americana somente às
cozinhas integradas ao espaço da sala, mas o conceito original é muito mais
complexo e abrangente que a simples integração dos dois espaços.

Figura 2 – Cozinha americana

Fonte: Cookeletroraro (2013)

Os novos modos de vida surgiram em decorrência das mudanças que a


sociedade sofreu, os quais conduziram à alteração do nosso comportamento,
do nosso cotidiano doméstico e do nosso modo de morar. De acordo com
Rybczynski (2002), a evolução dos interiores e de sua decoração é consequência
da busca constante por conforto físico ao longo do processo de desenvolvimento
tecnológico e cultural das sociedades ocidentais.
Mudanças que já vinham ocorrendo desde o século XX e que hoje
estão estabelecidas são descritas por Tramontano (2007): quanto a moradias,
encontram-se as suítes em todos os segmentos, aumentaram as metragens
médias de unidades de um e três quartos, nas unidades de quatro quartos a área
média diminuiu, a área das varandas em apartamentos mais caros aumentou
e estas foram equipadas com churrasqueiras e bancadas para preparação de
alimentos, há uma grande oferta de configurações tipo loft e duplex destinadas
a grupos de renda mais elevada, cresce a diversificação de equipamentos e
21
Novos cenários, novas formas de morar

serviços de uso comum em todos os casos, cresce o número de vagas nas


garagens (exceto para prédios), surgem projetos com espaços para trabalho
(escritórios), há apartamentos econômicos no segmento de quatro quartos, são
lançados conjuntos maiores e com maior número de unidades.
O apartamento é o tipo de moradia mais comercializado nas principais
cidades brasileiras, mesmo que todos os segmentos de apartamentos tiveram
suas áreas reduzidas ou mantiveram o padrão já reduzido de anos anteriores. No
que se refere à divisão dos cômodos, tanto para casas como para apartamentos,
não surgiram grandes novidades em relação à configuração de seus interiores,
já que prevalece a tripartição social, íntimo e serviços (com um diferencial de
que agora não há o cômodo para empregada, resultado de uma tendência de
substituição da empregada por diarista), como mostra a figura a seguir.

Figura 3 – Planta comercializada com três dormitórios

Fonte: Bolfe (2015)

O crescimento do número de pessoas morando sozinhas, de recém-


casados, de casais sem filhos e de pessoas vivendo sós em diferentes fases da
vida, como jovens solteiros estudantes ou no início da vida profissional, pessoas
divorciadas, viúvos e viúvas, faz com que imóveis de um dormitório sejam muito
22
BERNARDI, Daniela | SOBRAL, João Eduardo Chagas

procurados (TRAMONTANO, 2007). A figura a seguir demonstra como o


espaço desses imóveis normalmente está dividido, com a área social e a de
serviço mais conjugadas, porém ainda com separação, utilizando fechamentos
com paredes, e área íntima separada somente por um pequeno corredor.

Figura 4 – Planta comercializável com um dormitório

Fonte: Habiteto (2015)

Percebe-se nos últimos anos também a grande atração pela possibilidade


de viver, ou voltar a viver, em contato com a natureza em espaços mais
generosos e confortáveis, morando em casas em vez de apartamentos. Por
isso, segundo Teixeira (2011), os condomínios horizontais de casas crescem
em grande número nos arredores das cidades. Ainda nesse aspecto nota-
se a mesma linguagem de definição de cômodos e espaços internos, em que
há integração da cozinha gourmet com sala (que contempla o home theater)
e também integração com sala de jantar, transformação de um quarto em
escritório (para o possível trabalho em casa), a criação de quarto de hóspedes,
assim como a renovação do banheiro (pensando em funcionalidade).
23
Novos cenários, novas formas de morar

O agrupamento de ambientes de usos afins ou de mesma função


fundamentou a configuração espacial moderna. Percebe-se, no uso e na
distribuição interna do novo espaço de morar, o aparecimento das zonas
de estar, íntima e de serviços (TEDESCHI, 1980, p. 124), justificando a
compartimentação do espaço doméstico e a consolidação do funcionalismo.
Assim, observa-se que o espaço residencial passou por pequenas mudanças
desde o século passado, porém identificam-se profundas transformações nos
aspectos culturais do modo de viver, em que se busca por espaços de integração
para momentos de lazer, espaços de integração com áreas externas e um maior
contato com a natureza e bem-estar, além de praticidade e funcionalidade.

n Considerações finais
Este artigo se propôs a fazer um levantamento bibliográfico das
transformações por que passaram os modos de vida do homem, para entender
como elas podem ter influenciado a configuração dos espaços residenciais e
assim ter um esboço do cenário atual em que se enquadram o modo de morar
e a configuração familiar.
Identificam-se as transformações mais essenciais para a evolução
dos modos de morar, sua relação com a estrutura familiar e com o espaço
residencial.
No século XX, o Brasil passou por várias transformações; os modos de
viver e de morar evoluíram também em meio a crises políticas e econômicas, sob
efeito das inovações tecnológicas e das transformações dos comportamentos
e das famílias. Novos grupos domésticos, inexistentes ou quase inexistentes,
surgiram, formando uma grande parcela da sociedade contemporânea.
Ainda de acordo com a pesquisa, a família brasileira passou por mudanças
importantes na sua estrutura, e há uma diversificação dos tipos de grupos
domésticos, com maior presença de arranjos diferentes da família nuclear
tradicional. Antes a família nuclear era a maioria nos censos realizados. Agora,
no século XXI, a família nuclear não é mais maioria absoluta. Isso é muito
significativo, pois outros grupos, como casais sem filhos e pessoas morando
sós, têm necessidades de espaços e arranjos internos diferentes dos da família
tradicional, antes predominante.
Com o início do século XXI o mundo passou por transformações dadas
pela comunicação e pela tecnologia, de modo que até a percepção do tempo
e do espaço foi modificada. As maneiras de viver e de morar neste século não
parecem se distinguir muito das do anterior, mas descobre-se que há diferenças
muito profundas. Uma nova e constante transformação no cenário cultural e
24
BERNARDI, Daniela | SOBRAL, João Eduardo Chagas

social faz com que essas diferenças estejam continuamente em transição. Uma
das maiores influências hoje são os meios de comunicação digitais instantâneos,
representados pelos telefones celulares e mais ainda pela internet. Os modos de
morar são influenciados por essas mudanças, que às vezes ocorrem de forma
imprevista e independente da vontade dos moradores.
Por meio da análise dos cenários que envolvem o contexto pesquisado,
chega-se a uma reflexão de que a residência passou a ser um local de refúgio,
como também de lazer e intimidade. As mudanças que caracterizam o espaço
interno hoje mostram sua relevância cultural e já estão instaladas nos hábitos
da sociedade.
Portanto os resultados alcançados por meio deste artigo configuram uma
aprendizagem maior acerca do tema e dos cenários cultural e social em que está
inserido, bem como favorecem uma visualização das tendências de moradias e
da configuração de seus espaços internos residenciais.

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27
O material têxtil: cultura material
que tece uma história
The textile material: material culture that weaves a story

GRUBER, Valdirene1
SANTOS, Adriane Shibata2

Resumo: Este artigo é fragmento da pesquisa de Mestrado em Design


que traz uma reflexão teórica do material têxtil como cultura material
no contexto histórico e sociocultural. A pesquisa é exploratória, com
abordagem qualitativa, baseada em pesquisa bibliográfica e observação
in loco. Analisa a indústria Döhler, com mais de cem anos de história no
polo têxtil catarinense. Nas considerações finais, ressalta a importância dos
acervos têxteis como fonte de pesquisa na área do design e afins.
Palavras-chave: material têxtil; cultura material; história.

Abstract: The article is design Master’s research fragment that brings


a theoretical reflection of the textile material and material culture in
historical and sociocultural context. The research is exploratory with a
qualitative approach in the literature and observation in place. Presents
a case study in Döhler industry, with over one hundred years of history
in Santa Catarina textile pole. In the final considerations, emphasizes the

1
Mestranda no Programa de Mestrado Profissional em Design pela Universidade da Região de
Joinville (Univille), especialista em Gestão de Moda pela Estácio de Sá, graduada em Moda pela
Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Atua como docente do departamento de
Design da Univille. E-mail: valdirene.gruber@univille.br.
2
Doutora em Design pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/Rio). Atua
como professora do departamento de Design e do Mestrado Profissional em Design da Univille.
E-mail: adriane.shibata@univille.br.
GRUBER, Valdirene | SANTOS, Adriane Shibata

importance of textile collections as a source of research in the design


area and similar.
Keywords: textile material; material culture; history.

n Introdução
O material têxtil é uma das mais antigas manufaturas do homem que
evoluiu com a industrialização, o design e a tecnologia. Como material têxtil3
se denominam as fibras, os fios e os tecidos, que por meio de seus processos
criativos e produtivos são expressões de tendência, simbolismo e cultura.
A cultura está ligada à formação das sociedades, que compreende suas
crenças, artes, costumes e expressa seu comportamento e identidade. Por
cultura material se entende o conjunto de artefatos produzidos e utilizados em
determinada sociedade, com significados particulares que refletem seus valores
e referências culturais (ONO, 2006).
Este artigo objetiva identificar o produto têxtil como cultura material no
contexto sociocultural. Traz uma reflexão teórica interdisciplinar que aborda
história, sociologia, filosofia, museologia, cultura material e design, fundamentada
em Pezzolo (2007) e Udale (2009), que estudam o material têxtil nos seus
aspectos históricos e culturais; Forty (2007), que apresenta os tecidos como
meio de possível identificação de classes sociais; Bourdieu (2008), que expõe a
prática do design como cultura e fator de distinção social; Cipiniuk (2014), que
trata o design como produção social; Sant’Anna (2007), que estuda a teoria
da moda e relaciona a inspiração dos tecidos com as características culturais;
Ono (2006), que estuda a sintonia entre design e cultura material; e Andrade
e Monteiro (2010), que abordam a cultura material das roupas.
Este trabalho também analisa o cenário da Döhler, indústria têxtil
situada em Joinville (SC), uma das maiores empresas nacionais do setor têxtil
no segmento de cama, mesa, banho e decoração. A empresa de tecelagem
desenvolve materiais têxteis desde fibra, fio e tecido até alguns produtos têxteis4
confeccionados. Ela tem mais de cem anos de história, referida pela experiência
vivenciada dos profissionais ao longo dos anos. Além de sua história, a empresa

3
Agrupam-se sob essa designação três espécies de produtos: as fibras, que podem
ser naturais, artificiais e sintéticas; os fios, que por diferentes processos mecânicos
ou químicos são construídos da junção dessas fibras; e os tecidos, que são obtidos do
entrelaçamento de fios (RIBEIRO, 1984).
4
Referem-se a produtos que, em seu estado bruto, beneficiado, manufaturado ou confeccionado,
são compostos de pelo menos 80% de fibras ou filamentos têxteis (IPEM-AP, 2015).
29
O material têxtil: cultura material que tece uma história

já possui parceria com o departamento de Design da Univille em alguns projetos,


o que justifica sua escolha.
Por fim, tendo em vista que o material têxtil é representativo para a
sociedade, o texto ressalta a importância dos acervos têxteis institucionais como
memória da cultura material e fonte de pesquisa em design e áreas afins.

n Material têxtil nos aspectos históricos e socioculturais


A história das fibras, fios e tecidos relaciona-se com a própria história
da humanidade há milhares de anos. Nesta revisão, é apresentado um recorte
da história, que relata a origem das primeiras fibras naturais extraídas e
manufaturadas nas diferentes regiões brasileiras.
Pezzolo (2007) afirma que a existência de materiais têxteis remonta a
mais de 24 mil anos nos países do Leste Europeu, mais especificamente na
República Checa, descoberta feita pela antropóloga Olga Soffer. Por meio de
pesquisas arqueológicas, foram comprovadas a existência de tecidos e fios e a
atividade de tecer, que consiste no ligamento das fibras e fios para formação
dos tecidos. Os primeiros indícios das fibras têxteis naturais vegetais e animais
concentraram-se em diferentes países: no Egito a fibra vegetal linho, na Índia
a fibra vegetal algodão, na Suíça a fibra animal lã e na China a fibra animal
seda.
Pezzolo (2007) descreve, nos aspectos históricos e culturais, a seguir
detalhados, a origem das primeiras fibras naturais: as vegetais de algodão e
linho e as animais de lã e seda.
a) A cultura do algodão teve início em 1794 e encontra-se em cinco
continentes: América, Ásia, África, Europa e Oceania. No Brasil, a prática foi
iniciada pelos índios, que tinham como atividade cultivar, fiar e tecer. Com a
vinda dos portugueses, algumas espécies foram trazidas do Oriente na época do
descobrimento, e passou-se a cultivar o algodão no norte do país, nos estados
do Pará, Maranhão, Ceará, Pernambuco e Bahia;
b) Na cultura do linho, a maioria da produção – o equivalente à metade
da produção mundial – concentra-se na Rússia. No Brasil, o cultivo iniciou-se no
século XIX com os imigrantes alemães, poloneses e italianos nos estados do Rio
Grande do Sul e Santa Catarina, com a produção agrícola e o desenvolvimento
da indústria têxtil. A utilização da fibra do linho teve declínio nos anos 1960
por conta do surgimento das fibras químicas sintéticas;
c) A manufatura da lã teve início na Britânia, por meio dos romanos
em 55 a.C., e atualmente se origina na criação ovina, com aproximadamente
1,4 mil raças no mundo, que se concentram na América do Sul e no Oriente.
30
GRUBER, Valdirene | SANTOS, Adriane Shibata

No Brasil, mais especificamente na Região Sul, no período do século XIX,


imigrantes espanhóis e italianos principiaram a atividade pecuária e a fabricação
de fios e tecidos;
d) A cultura da seda começou por volta do ano 2.620 a.C. pela imperatriz
chinesa Xiling Shi. Enquanto tomava seu chá da tarde embaixo da amoreira, caiu
um casulo em sua xícara e, ao desenrolar o casulo, descobriu o filamento têxtil
da seda. No Brasil a sericultura concentra-se nos estados de São Paulo e Paraná,
tanto na criação de casulos como na produção da seda.
Na indústria têxtil brasileira essas fibras naturais são utilizadas como
matéria-prima em processos de fiação das fibras, dos fios e na tecelagem, que
consiste no processo de tecer os fios em tecidos. Elas também são exportadas
para outros países.
Os fios usados na tecelagem são elaborados com uma única fibra ou com
uma mistura dela; por exemplo, os fios de seda e linho com fios de algodão,
com fios originados de fibras artificiais e sintéticas desenvolvidas pelas indústrias
químicas. As fibras químicas proveem de laboratórios, feitas à base de celulose
extraída de madeira, petróleo, polímeros e produtos químicos (PEZZOLO,
2007).
As fibras químicas participam de um cenário atual merecedor de destaque
na história têxtil, porém este estudo apresenta um recorte na origem das fibras
naturais, que foram as precursoras da tecelagem.

n Das fibras à tecelagem


As fibras naturais foram extraídas, fiadas e tramadas na arte das cestarias
e, posteriormente, em teares rústicos desenvolvidos por artesãos, o que originou
a tecelagem.
A tecelagem ou tecedura é um processo de entrelaçamento dos fios em
tecidos por meio de teares, sendo considerada um grande marco na evolução
do ser humano e em sua inclusão social. Era um trabalho feminino que durante
séculos proporcionou um estágio de vida diferenciado, misturado com arte,
costumes, tradições e, posteriormente, ciência e tecnologia. Das tramas dos
fios eram criados motivos que identificavam o período e a arte e simbolizavam
a cultura e a sociedade (PEZZOLO, 2007).


Filamento têxtil – é toda matéria natural de origem vegetal, animal ou mineral, assim como todo
material químico artificial ou sintético, que, pela sua alta relação entre comprimento e diâmetro,
e ainda por suas características de flexibilidade, suavidade, alongamento e finura, se torna apta a
aplicações têxteis (IPEM-AP, 2015).
31
O material têxtil: cultura material que tece uma história

O processo de tecer fios em tear manual originou-se na Antiguidade


e evoluiu com o passar do tempo. Nos dias atuais, a tecelagem manual está
presente nas atividades das artesãs, sendo um material têxtil de tendência
artesanal.
Na história têxtil, com a Revolução Industrial os teares manuais foram
sendo substituídos pelos teares mecânicos, entretanto não foram descartados
da produção têxtil.
Forty (2007) descreve que em meados do século XIX a mecanização nas
indústrias de tecelagem não era avançada o suficiente, e a manufatura dependia
também da habilidade manual. As máquinas eram aplicadas em algumas etapas
de produção dos tecidos; outras fases eram feitas manualmente. Somente a
partir da metade do século a produção têxtil teve avanço tecnológico e passou
a ser mecanizada nas indústrias britânicas.
Pelo fato de a industrialização britânica se destacar nesse período, o
autor acrescenta ainda que os tecidos estampados receberam maior destaque,
e foram desenvolvidas novas técnicas no design e na arte de estampar. A partir
de 1840 houve um aumento na quantidade de máquinas de estamparia e, com
isso, a demanda por designers cresceu, ao passo que a estampagem manual dos
artesãos declinou.
A introdução das máquinas provocou mudanças na sociedade. A produção
mecânica acabou levando a uma divisão social do trabalho, a manufatura atingiu
um estágio mais avançado e a produtividade têxtil chegou a um grau elevado.
Mão de obra de mulheres e crianças ocupou o lugar de artesãos especializados,
e os designers de bens manufaturados tornaram suas ideias contemporâneas
(FORTY, 2007).
No fim do século XIX, com os avanços tecnológicos e a mecanização, “o
lugar uma vez ocupado pelo artesão-artista, que era simultaneamente designer
e fabricante, foi então separado em duas atividades pelo processo mecanizado.
A qualidade dos tecidos era inferior e carecia de design” (UDALE, 2009,
p. 15). Com isso, o trabalho manual e o design foram promovidos e começaram
a produzir o design têxtil; os tecidos dessa época foram criados com temas
naturalistas, medievais e estéticos.
No campo do design, a produção industrial é vista como uma prática
social que estuda o modo como os valores sociais são materializados em objetos
manufaturados. Cipiniuk (2014, p. 31) menciona: “uma cor, um aspecto formal
que ninguém havia percebido, um pequeno detalhe ergonômico é capaz de
transformar um objeto comum em um objeto especial, dotado de uma natureza
peculiar que oferece a quem o possui grande distinção social”.
A industrialização e o design podem ter sido responsáveis pelas mudanças
na sociedade e consequentemente pelas diferenças sociais. É possível identificar
essas diferenças em vários produtos, inclusive no vestuário, como também em
classe ou posição social, idade e gênero.
32
GRUBER, Valdirene | SANTOS, Adriane Shibata

Forty (2007) cita que o vestuário era considerado um indicador


social importante de diferenciação de classes. Na sociedade, um exemplo de
identificador eram os trajes de trabalho feitos em tecidos lisos de brim e fustão,
ambos compostos da fibra de algodão, que identificavam como “operários”
aqueles que os usassem, mesmo não sendo intencional.
Por conta da tendência da moda que inspirou a classe média a usar
tecidos lisos e clássicos, outro exemplo de identificador social seriam os
tecidos estampados, que foram destinados somente às classes inferiores,
ocorrendo assim a diferenciação entre as classes no uso dos materiais têxteis.
Posteriormente, a moda retomou a tendência de tecidos estampados para a
classe média, na utilização de materiais superiores com desenhos exclusivos, e
de tecidos inferiores com estampas tradicionais, para as classes trabalhadoras
(FORTY, 2007).
As tendências de moda constituem previsões que influenciam a área
do design, especialmente nos produtos têxteis, isto é, elas antecedem o que
vai acontecer. E, “olhando para o passado, podemos reconhecer tendências
historicamente importantes por meio das mudanças na moda” (UDALE, 2009,
p. 120).
O vestuário comunica uma tendência, um estilo e gosto pessoal ou de
um determinado grupo, que se diferencia socialmente. Entretanto pode-se dizer
que, com o passar do tempo, os designers e a produção industrial contribuíram
com essas diferenças sociais.
Considerando o fato de os produtos de vestuário serem na maioria
constituídos de materiais têxteis que simbolizam referências culturais e sociais
e que comunicam uma história, um passado, um avanço tecnológico, uma
sociedade e seus valores, a arte e o design também podem ser tratados como
cultura material.


n O produto têxtil e a cultura material
O produto têxtil por si só, ou no contexto da moda, comunica os
momentos históricos, os valores, a identidade e a cultura material de uma
sociedade.
Cultura material é definida como “o conjunto de artefatos produzidos
e utilizados pelas culturas humanas ao longo do tempo, sendo que, para cada
sociedade, os objetos assumem significados particulares, refletindo seus valores
e referências culturais” (ONO, 2006, p. 104).
O termo cultura compreende várias definições da antropologia e da
sociologia, entre outras ciências. Segundo a abordagem de Geertz (1989 apud
33
O material têxtil: cultura material que tece uma história

ONO, 2006, p. 1), “entende-se cultura como a teia de significados tecida pelas
pessoas na sociedade, na qual desenvolvem seus pensamentos, valores e ações,
e a partir da qual interpretam o significado de sua própria existência”.
Os materiais têxteis apresentam usos e significados específicos de cada
sociedade; a sua cultura pode ser percebida nas estampas dos tecidos, as
quais simbolizam a arte, o movimento ou o comportamento social. Um tecido
que exprime a cultura brasileira é a chita, que se destaca dos tecidos florais
considerados populares.
Foi a partir dos anos 1980, com o avanço nos estudos da cultura material,
que a “roupa”, constituída de material têxtil, foi vista não apenas como ilustração
de pesquisa, mas como o próprio documento a ser pesquisado (ANDRADE;
MONTEIRO, 2010).
O estudo da cultura material é multi e interdisciplinar. Segundo o antropólogo
Daniel Miller (1998 apud ANDRADE; MONTEIRO, 2010), os métodos para
sua análise com abordagens da história, arqueologia, geografia, design e literatura
são contribuições aceitáveis, e seus trabalhos estão essencialmente focados nos
estudos da cultura material do consumo e do valor. Já os estudiosos das áreas de
sociologia ou estudos culturais analisam a “roupa” em relação com a sociedade,
com as identidades culturais ou com aspectos econômicos e políticos concernentes
ao consumo e ao poder. Os conservadores têxteis consideram os aspectos dos
materiais têxteis em suas pesquisas, nas práticas de preservação, a fim de evitar
a degradação de tecidos ocasionada pelo tempo.
No estudo da cultura e materialidade de roupas e tecidos, Andrade (2006)
afirma que os artefatos apresentam uma vida social, cultural e política; eles
explicitam as relações dos objetos com as pessoas e devem ser preservados como
fonte de pesquisa histórica. O museu, no sentido de preservar, conservar, torna
acessíveis os acervos têxteis e de vestuário, como documento para pesquisa
acadêmica.
No campo da museologia, alguns acervos abrigam materiais têxteis,
mesmo não sendo o espaço apropriado. Um exemplo citado por Sant’Anna
(2008) é o Museu Histórico Nacional, que possui produtos de vestuário
pertencente à Família Real, mesmo não sendo o seu foco preservar o acervo
de suporte têxtil.
No momento em que um vestuário-moda faz parte do acervo de uma
instituição cultural, ele é compreendido como um objeto têxtil tridimensional,
fonte primária para o conhecimento histórico, artístico e cultural. A moda é


Chita: termo hindu para o tecido pintado com cores vibrantes. Trata-se de um tecido que se
originou na Índia, cujo nome em inglês é chintz (UDALE, 2009).

Patrícia Sant’Anna (2008) pesquisa a moda no museu, e Mara Rúbia Sant’Anna (2007) estuda
a teoria da moda.
34
GRUBER, Valdirene | SANTOS, Adriane Shibata

um fenômeno social que busca referências no passado para criar o presente


e instaura o novo. Refere-se à influência do passado, como inspiração para as
tecelagens. Os tecidos trazem elementos presentes nas padronagens, estampas,
superfícies e bordados, com características culturais e sociais de determinada
região (SANT’ANNA, 2007).
O material têxtil devidamente documentado passa a ser fonte de pesquisa.
Para Nora (1993), a preservação documental da história das empresas é
importante, pois contribui para o desenvolvimento industrial e social, favorecendo
a pesquisa, seja institucional, histórica, política, cultural ou acadêmica.
Tratando-se de documentar o histórico das empresas, a seguir é
apresentado o cenário da indústria têxtil Döhler, uma empresa que tem mais
de cem anos de história.

n Indústria têxtil Döhler: história e processos


A produção da Döhler apresenta um cenário competitivo no setor têxtil.
A empresa é uma das maiores indústrias têxteis do Brasil no setor de cama,
mesa, banho e decoração. Localizada no Distrito Industrial de Joinville (SC), em
um complexo fabril de 200 mil metros quadrados de área construída, completou,
em 2015, 134 anos.
Fundada em 1881 pelo engenheiro têxtil Göttlieb Döhler, iniciou o processo
de tecelagem com fios trazidos da Alemanha e com tear construído com a madeira
nativa da Colônia Dona Francisca, como ilustrado na figura 1 (à esquerda). Após
dez anos, passou a produzir com um tear mecânico britânico datado de 1891,
considerado na época um avanço na tecelagem (figura 1, à direita).

Figura 1 – Tear manual de madeira de 1881 (à esquerda) e tear mecânico de 1891


(à direita)

Fonte: Primária (acervo do Museu Döhler, 2015)


35
O material têxtil: cultura material que tece uma história

Os teares são preservados no acervo do Museu Döhler, no complexo


fabril da empresa. A armação jacquard do tecido em desenvolvimento no tear
mecânico da figura 1 foi criada pela Butterwortn na Inglaterra em 1881. O tear
foi projetado para comandar amarrações dos fios com capacidade de produzir
aproximadamente 6,5 m/h, segundo dados registrados nele.
Em 1975 foi fundada a empresa de fiação Comfio, construída no mesmo
complexo fabril. Atualmente ela desenvolve mais de 200 fios com diferentes
titulações e especificações. A partir da década de 1970, passou a fazer também
a estamparia com seu próprio maquinário, completando assim todo o processo
de produção, que se inicia pela fibra e fiação, segue para a tecelagem e os
processos de tingimento, estamparia e vai até o processo de confecção de
alguns produtos específicos (DÖHLER, 2015a).
Os produtos têxteis são definidos pela equipe de pesquisa e desenvolvimento
(P & D), que se baseia nas tendências de comportamento de consumo e
tecnologia para garantir a qualidade Döhler.

Desenvolvimento de produtos

A pesquisa e o desenvolvimento de materiais e produtos têxteis estão


ligados ao design e à tecnologia, podendo ser decorrentes das novas tecnologias
de processos industriais ou do significado dos produtos.
Nesse caso, a Döhler é aliada tanto à tecnologia de última geração em
máquinas e equipamentos como aos processos de tingimento dos fios e cores
desenvolvidas em laboratório. As cores para tingimento dos fios, assim como as
estampas dos tecidos, são definidas de acordo com as pesquisas de tendências
e comportamento do consumidor (DÖHLER, 2015a).
Entender as transformações do mercado têxtil é um desafio para a pesquisa
e o desenvolvimento de produtos. Há 19 anos iniciou-se na Döhler a criação de
desenhos com identidade, e desde 2008 a empresa possui uma equipe criativa,
conforme destacou a gerente de pesquisa e desenvolvimento Elizabeth Döhler.
Os profissionais não tinham formação em design, apenas conhecimento adquirido
na prática. “Destaca-se, portanto, que a atividade criativa na Döhler é própria de
uma história, apoiada pela prática herdada pelos profissionais que os antecederam
nesta função ao longo dos 130 anos da empresa” (FLORIANO, 2012, p. 80).
Em 2011 a Döhler foi parceira do departamento de Design da Univille, na
pesquisa de mestrado de Floriano (2012), em que se aplicou a metodologia de
projeto de design de superfície na empresa, com a colaboração de acadêmicos de
Design de Moda e Design Gráfico. Desde então, a empresa conta com quatro
profissionais designers do curso de Design da Univille e anualmente disponibiliza
vagas de estágio semestrais aos acadêmicos desse curso.
36
GRUBER, Valdirene | SANTOS, Adriane Shibata

No desenvolvimento de produtos Döhler adota-se a estratégia de


inovação colaborativa, a qual segundo Bueno e Balestrin (2012) é empregada
pelas empresas para promover inovações tecnológicas de produtos e serviços, de
modo que um dos elementos de evolução está na pesquisa e no desenvolvimento
de produtos.
Os profissionais da empresa pesquisam as tendências mundiais e as
aplicam nos processos produtivos. Um exemplo é a tecnologia usada na criação
de tecidos funcionais, com ação autolimpante nos produtos de segmento
doméstico, hoteleiro e profissional.
Em relação ao contexto socioeconômico e às mudanças na sociedade,
a Döhler é representativa no polo têxtil catarinense, tendo atualmente 3.200
funcionários. São produzidas 1.400 toneladas de tecido por mês, com 12 mil
produtos têxteis e exportação para 40 países (DÖHLER, 2015a).
A produção têxtil Döhler segue um método verticalizado. Ela se
inicia pelo processo criativo no desenho têxtil e de estampas, seguindo para
os processos produtivos, tais como: a fiação desenvolvida na Comfio (indo
desde o laboratório das fibras – naturais de algodão e outras químicas – até a
formação do fio); a tecelagem (figura 2) dos fios para a formação dos tecidos; o
tingimento testado em laboratório e aplicado aos fios e tecidos; a estamparia à
base de corantes, feita com cilindros; a confecção de alguns produtos no setor
de costura etc. O controle de qualidade de seus processos é outro diferencial
da empresa, o qual todos os anos passa pelo processo de certificação e recebe
a chancela das normas ISO 9002 e ISO 9001, garantindo a excelência dos
produtos (DÖHLER, 2015a).

Figura 2 – Tecelagem Döhler

Fonte: Catálogo Döhler (2015b)


37
O material têxtil: cultura material que tece uma história

A Döhler produz tecidos técnicos destinados a equipamentos mecânicos


e a móveis, assim como produtos confeccionados para cama, mesa, banho,
decoração e artesanato para o consumidor doméstico. O selo “Feito por mãos
brasileiras” acompanha os produtos, o que demonstra a preocupação da empresa
para com o trabalho regional e a sociedade.
A gerente de desenvolvimento de produtos, Elisabeth Döhler, explica que
o processo de criação corresponde a 70% de pesquisa e 30% de realização. Cada
coleção é desenvolvida com base em pesquisas de tendências e consumo:

Unimos as informações dos bureaus de estilo, das visitas às


lojas pelo Brasil aos estudos de comportamento de consumo.
Obtivemos a percepção da evolução do gosto popular, respeitando
as características de consumo, que vão dos românticos aos
vanguardistas (DÖHLER, 2015c, p. 7).

Ela declara ainda que são desenvolvidas duas coleções por ano: uma
lançada em fevereiro e outra em agosto. A Coleção Sentimentos 2015 foi
dividida por subtemas e painel semântico com referências ao comportamento do
consumidor, que corresponde a 45% românticos, 25% ecléticos, 15% clássicos
e 15% vanguardistas (figura 3).

Figura 3 – Produtos Döhler – Coleção Sentimentos 2015

Fonte: Döhler (2015c)


38
GRUBER, Valdirene | SANTOS, Adriane Shibata

Para cada nova coleção lançada é feita uma explanação dos subtemas
aos representantes e vendedores. Alguns produtos apresentam segmentos
por “família”, formada por peças conjugadas, sendo tendência de mercado.
O lançamento da Coleção 2016 em agosto teve como inspiração o tema
“Mixologia: uma mistura do passado e futuro”.
Os produtos são divulgados na revista Estilo D e no site institucional,
além de serem espalhados em todas as capitais do país no projeto Momento
Döhler.

Momento Döhler e projetos sociais

O projeto Momento Döhler é aplicado em diferentes regiões brasileiras,


entre as cidades e comunidades rurais, nas quais são distribuídos tecidos e linhas
de bordar. As oficinas gratuitas são destinadas a mulheres artesãs em projetos
de geração de renda (figura 4), que possibilitam aproximar o consumidor e o
produto (DÖHLER, 2015a).

Figura 4 – Momento Döhler

Fonte: Döhler (2015a)


39
O material têxtil: cultura material que tece uma história

Há inúmeras professoras colaboradoras cadastradas no projeto, que


passam o conhecimento da arte e cultura do bordado, oferecendo as atividades
para as bordadeiras em cooperativas de geração de renda. Na empresa,
essa ação foi representativa no contexto socioeconômico e apresentou um
crescimento de 12% do faturamento da empresa, com a venda de produtos
destinados ao empreendedorismo e ao artesanato.
Outra ação social é o Programa Menor Aprendiz, que prepara 40 jovens
anualmente para o mercado de trabalho. Há ainda programas para capacitação
e treinamento individual aos seus colaboradores.
A empresa divulga essas e outras ações no site institucional e distribui
o jornal informativo Linha Aberta + Família, das empresas Döhler e Comfio,
editado mensalmente. Entre as matérias, destacam-se temas como: saúde;
capacitação; tecnologia dos maquinários e equipamentos desenvolvidos na
empresa; dicas de segurança; recomendações de eventos culturais; conteúdo
de comportamento, educação e economia; e o espaço do leitor “Contador de
histórias”, com experiências vivenciadas por seus colaboradores.
A empresa Döhler expressa o desenvolvimento industrial e a cultura
têxtil catarinense, sendo destaque nacional nos setores de cama, mesa, banho
e decoração. Ela prioriza a qualidade dos produtos brasileiros e contribui para
o contexto sociocultural e econômico da sociedade.

n Considerações finais
O material têxtil, nos aspectos históricos e socioculturais, foi uma
das primeiras manufaturas descobertas há milhares de anos e atualmente
é considerado a principal matéria-prima produzida nas indústrias têxteis
catarinenses.
A cultura material compreende o conjunto de artefatos produzidos e
utilizados pela sociedade. A cultura está ligada à formação das sociedades e
expressa seu comportamento, costumes, arte e design. O produto têxtil pode
constituir um documento da cultura material que simboliza o desenvolvimento
industrial e comunica a cultura de determinada região.
Considerando que o produto têxtil se destaca no desenvolvimento
industrial catarinense, e diante da análise da Döhler, observou-se que o material
têxtil dessa empresa é “feito por mãos brasileiras”, o qual comunica a história da
região e o comportamento da sociedade e expressa a cultura, podendo assim
ser tratado como cultura material.
Tendo em vista que, por meio das fibras, dos fios e dos tecidos é possível
estudar a história, o desenvolvimento industrial, o avanço tecnológico e o design
40
GRUBER, Valdirene | SANTOS, Adriane Shibata

têxtil, vale ressaltar a importância de preservar o produto têxtil como cultura


material em acervos institucionais.
A abordagem bibliográfica apontou contribuições favoráveis à pesquisa
de mestrado, que investiga o produto têxtil nas indústrias da região, a fim de
montar um acervo destinado à pesquisa de design e áreas afins.

n Agradecimentos
• PQD/Univille: Programa de Qualificação Docente;
• Empresa Döhler: gerente de pesquisa e desenvolvimento – Elizabeth
Döhler.

n Referências
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41
O material têxtil: cultura material que tece uma história

_____. Do que é feita uma vida completa? Döhler completa sua vida.
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_____. Estilo D, ed. 14, p. 8 e 9, fev. 2015c.

_____. Jornal Linha Aberta + Família – Informativo das empresas Döhler


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42
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43
Design contemporâneo e diaconia: uma
reflexão acerca dos cenários de atuação
onde o bem-estar humano
permeia o contexto
Contemporary design and diaconia: a reflection
about the scene where practice the well-being human
composes the context

STAHN, Maria Odete1


EVERLING, Marli T.2

Resumo: Esta pesquisa busca refletir o design à luz do contexto social e


cultural, bem como as abordagens que podem ser vislumbradas pela relação
do design com a diaconia, termo utilizado para designar o trabalho social
prestado pela Igreja Luterana em parceria com outras igrejas e instituições,
as quais buscam desenvolver atividades que propiciem melhoria na
qualidade de vida do ser humano na sociedade. O estudo parte de uma
abordagem sociológica, passando pelas manifestações contemporâneas do
design, e por fim contextualiza a diaconia e suas dimensões, por meio de
um caso prático de cooperação entre design e diaconia.
Palavras-chave: design contemporâneo; diaconia; contexto social.

1
Mestranda no Programa de Mestrado Profissional em Design pela Universidade da Região de
Joinville (Univille). E-mail: m.stahn@univille.br.
2
Doutora em Design e Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-
Rio), professora do departamento de Design da Univille. E-mail: marli.teresinha@univille.br.
STAHN, Maria Odete | EVERLING, Marli T.

Abstract: This research seeks to reflect the design in light of the social and
cultural context as well as the approaches that can be glimpsed from the
design's relationship with the diaconate, a term used to describe the social
work done by the Lutheran Church in partnership with other churches and
institutions seeking to develop activities that provide improved quality of
life of the human being in society. The study was based on a sociological
approach, through the contemporary manifestations of design as well,
contextualizes the diaconate and its dimensions, through a case study of
cooperation between design and diakonia.
Keywords: contemporary design; diaconia; social context.

n Introdução
A reflexão exposta neste artigo é parte introdutória de uma dissertação
do programa de Mestrado Profissional em Design da Universidade da Região de
Joinville (Univille). Tal pesquisa busca conhecer as abordagens contemporâneas
do design no contexto social e cultural e as ações que podem ser compartilhadas
e trabalhadas em parceria com a diaconia, termo utilizado para definir o exercício
da fé transformado em ações concretas aplicadas na comunidade. A diaconia
faz parte da tríade que forma a estrutura da Igreja Luterana. Apesar de abordar
tema religioso, a pesquisa procura centrar sua análise no campo social e não
defender ideologia religiosa.
Para falar sobre religião, buscou-se amparo na concepção de campo
religioso segundo a teoria do sociólogo Pierre Bourdieu (1930-2002), bem como
as divisões do trabalho religioso. Esta reflexão tem como finalidade localizar
a estrutura religiosa no tempo e no espaço por meio da relação das trocas
simbólicas com o meio material no contexto social. Para conseguir visualizar o
espaço de atuação do design e a diaconia na sociedade, um passeio pela história
colaborou para a compreensão dos eventos que tornaram a sociologia a ciência
que tem a sociedade como laboratório de estudos. Nesse cenário, observou-se
a ordem de organização social que compreendia inicialmente a família, a Igreja
e os grupos como instituições mantenedoras dos valores éticos e morais da
sociedade. Os movimentos apresentam de forma contínua os sentimentos que
estão latentes, gerando mudanças e reflexões nos cenários sociais, culturais,
políticos, religiosos, econômicos e ambientais.
O design contemporâneo revela-se campo de estudo em que o conceito
“forma e função” do design começa a ceder espaço para abordagens mais
subjetivas que conseguem agregar sensibilidade ao processo no que tange a
atender às aspirações dos usuários de forma holística sem perder de vista a
forma e a função, assim como os anseios que os movimentos sociais apontam.
A diaconia é estudada para compreender o contexto onde atua, os pontos de
45
Design contemporâneo e diaconia: uma reflexão acerca dos cenários de atuação onde o
bem-estar humano permeia o contexto

convergência com o discurso do design contemporâneo e a possibilidade de


colaboração na troca de saberes, para que protagonismo e empoderamento
possam ser visualizados na aplicação prática.

n Contextualização
Este estudo busca inicialmente compreender e contextualizar as
abordagens do design na contemporaneidade e onde ele possa promover troca
de conhecimentos, de modo a agregar valor a práticas artesanais sem perder
de vista o artífice, levando em conta seus anseios como meio para fomentar o
protagonismo e o empoderamento do indivíduo no contexto social.
Permeando os cenários sociais com amparo nas contribuições e desafios
propostos pela disciplina Cenários Culturais e Sociais, ofertada pelo programa
de mestrado, vários contextos foram explorados, possibilitando um delineamento
em que arte e cultura se encontram e promovem um diálogo, tendo o contexto
social como pano de fundo nos dias atuais. Para trilhar o caminho do cenário
social, é importante entender como a sociologia tipifica ou caracteriza os cenários:
estes são entendidos como movimentos sociais, possuem subdivisões nas quais se
identificam grupos sociais e seus campos de atuação. A contextualização inicial foi
referenciada com os estudos do sociólogo Pierre Bourdieu (1974), em seu capítulo
2 (“Gênese e estrutura do campo religioso”), como meio de compreender o
cenário social e cultural no campo religioso. O periódico eletrônico Protestantismo
em Revista colaborou com a leitura de artigo que complementou a compreensão
da teoria defendida por Bourdieu no cenário religioso (REBLIN, 2007). A obra
de Martins (2013) contribuiu para entender o campo de atuação da sociologia
e seus referenciais. Em relação à elucidação dos termos, a consulta foi feita no
Dicionário de filosofia (ABBAGNANO, 2014).
Pensando em movimentos sociais, efetuou-se uma análise da relação entre
design e diaconia; ambos estão inseridos no contexto social e cultural, cada um
com suas filosofias e métodos de trabalho, porém com um objetivo em comum:
promover ações que estimulem o empoderamento do ser humano para uma
atividade plena na sociedade. O estudo originou-se de experiências vivenciadas
pela pesquisadora durante trabalho voluntário com o grupo Pontos de Amor
(composto por mulheres voluntárias), que faz parte do setor de Diaconia da
Comunidade Evangélica de Joinville – Paróquia São Mateus. Cabe ressaltar
que o viés que a pesquisa pretende seguir não está pautado por nenhuma
ideologia religiosa, e sim tenciona explorar novos cenários em que o design
possa atuar como agente agregador de saberes tácitos, transformando-os em
valores objetivos e subjetivos e promovendo interação entre a teoria e a prática.
Pensou-se nesse cenário como campo de atuação em que o design e uma
instituição religiosa com característica ecumênica são associados para promover
46
STAHN, Maria Odete | EVERLING, Marli T.

o bem-estar do outro, fazendo uso do conceito de capital social; nesse cenário,


por meio de redes de contatos as pessoas compartilham saberes e se ajudam
mutuamente. Conforme o pensamento do sociólogo Pierre Bourdieu (1974), a
instituição religiosa é entendida como “campo religioso”, onde a divisão do trabalho
social é composta por “produtores” e “consumidores”. Os produtores religiosos são
os agentes que detêm o conhecimento e a erudição para gerar os produtos que
os consumidores leigos (fiéis) adquirem para suprir suas necessidades espirituais;
os produtos consistem em bens (materiais) e práticas (simbólicas) religiosas
produzidas por especialistas. A estrutura social corresponde ao macrocampo, e
as relações sociais, ao microcampo que abarca o trabalho religioso, o qual por sua
vez abrange uma diversidade de movimentos e grupos. Apesar de a pesquisa não
pretender discutir os conceitos ideológicos da religião luterana, tem-se a intenção
de analisar a relação entre design e diaconia pela ótica do campo social. A figura
1 apresenta a estrutura do campo social de acordo com Bourdieu.

Figura 1 – Configuração do campo religioso segundo Bourdieu

Fonte: Primária, com base em Bourdieu (1974)

Desdobrando o trabalho religioso dentro das relações sociais, é possível


compreender o conceito de divisão do trabalho, assim como localizar nas
vertentes apresentadas pelo autor a ideologia e as características que cada grupo


Bens materiais no campo religioso: cobrança de dízimos e de outros serviços, como celebração de
casamentos, batizados, entre outros, praticados por algumas igrejas para manter suas estruturas
físicas e salários dos funcionários e pastores.
47
Design contemporâneo e diaconia: uma reflexão acerca dos cenários de atuação onde o
bem-estar humano permeia o contexto

de trabalho possui nos movimentos que regem as relações sociais. Partindo


dessa premissa, foi criado um esquema (figura 2) para apresentar a divisão do
trabalho religioso de acordo com a estrutura ideológica: a religião.

Figura 2 – Divisão do trabalho religioso segundo Bourdieu

Fonte: Primária, com base em Bourdieu (1974)

Entender a configuração estrutural do campo religioso segundo a teoria


de Bourdieu permite que esta pesquisa seja mais bem delineada, possibilitando
pensar e localizar o objeto de estudo no tempo e no espaço do cenário cultural
e social sem perder de vista os campos de atuação do design e a diaconia e
quais movimentos proporcionam mudanças no sentido de trocas simbólicas e
materiais entre grupos.

n Movimentos sociais
Como meio de reconhecimento de espaço, buscou-se compreender o
significado da palavra movimento, no contexto filosófico e sociológico, haja vista
ela ser empregada no cenário tanto cultural quanto social. A investigação iniciou-
se pela significação da palavra “mudança” em um dicionário de filosofia, pois,
ao tentar relacionar o design a um segmento que atua em um cenário religioso,
parecia inicialmente o termo mais apropriado, considerando o pressuposto de
que, com base nessa análise, o resultado seria propor uma mudança na forma de
cooperação em relação à atuação tanto do design quanto da diaconia. Ao fazer
a busca pela palavra mudança, deparou-se com a seguinte definição: “o mesmo
48
STAHN, Maria Odete | EVERLING, Marli T.

que movimento”. Voltando a análise para a palavra “movimento”, ela é conceituada


da seguinte forma: “mudança ou processo de qualquer espécie” (ABBAGNANO,
2014, p. 798). Constata-se ainda que “movimento” é pensado por meio da física e
abarca vários significados. Platão define tal termo por duas espécies: movimento
de translação e de alteração. Já Aristóteles acrescenta mais duas espécies de
definição, além das duas citadas: substancial e qualitativo. De acordo com
a Teoria das Quatro Causas desenvolvida por Aristóteles, movimento pode ser
resumido e compreendido da seguinte forma: “tudo que se move é movido por
alguma coisa” (ABBAGNANO, 2014, p. 798).
Motivado por essa definição de Aristóteles, percebe-se que o conceito de
movimento transita nos diferentes cenários que compõem uma sociedade, sejam
eles sociais, culturais, econômicos, políticos ou religiosos, ou seja, movimentos
que estão em constante translação, alteração qualitativa e de preferência
substancial nas mudanças que propõem movimento, conforme apontamentos
históricos.
A modernidade trouxe consigo a economia industrial, o urbanismo e a
Revolução Francesa. Pensadores daquele período começaram a traçar novas
teorias sobre a sociedade; seus estudos estavam voltados para instituições sociais
como família, religião, grupo social e a contribuição desses para a manutenção
e coesão da ordem social. Durkheim (1858-1917) acreditava que as questões
de ordem social passariam a fazer parte da sociedade de forma constante;
assim, desenvolveu o método de investigação sistemático, estabelecendo o
objeto do estudo da sociologia. Ele foi responsável pela introdução da sociologia
na universidade, conferindo-lhe o reconhecimento de disciplina acadêmica
(MARTINS, 2013). A sociologia pode ser definida como “estudo científico das
relações sociais, as formas de associação, destacando-se os caracteres gerais
comuns a todas as classes e fenômenos sociais, fenômenos que se produzem
nas relações de grupos entre seres humanos” (LAKATOS; MARCONI, 2014,
p. 25). Seguindo a vertente sociológica dos movimentos sociais, eles podem ser
entendidos como “a esfera de ações de grupos organizados, para a conquista de
determinados fins estabelecidos coletivamente, que partem de necessidades e
visões específicas de mundo e de sociedade” (FERREIRA, 2010, p. 146). Ainda
de acordo com o mesmo autor, para a configuração de um movimento social,
alguns elementos são essenciais: projeto, ideologia e organização. O projeto tem
o caráter de organizar as ideias ou planos que serão executados no futuro; este
pode ser de uma mudança ou conservação das relações sociais do movimento.
Com base nesse delineamento são traçados metas e objetivos que orientam o
conjunto de medidas ou estratégias que impulsionam as ações, revelando dessa
forma a força do movimento perante a sociedade.
A ideologia compõe o conjunto de valores, opiniões e crenças, ou seja,
as forças que regem a unidade de determinado grupo ou movimento social. Por
meio do estudo da ideologia a sociologia consegue identificar novos movimentos
49
Design contemporâneo e diaconia: uma reflexão acerca dos cenários de atuação onde o
bem-estar humano permeia o contexto

sociais, pois a ideologia orienta os projetos e as práticas de atuação, bem como


revela a natureza de suas ações pela mudança ou conservação de seu status na
sociedade.
A organização de um movimento manifesta seu modo de operação
interno, de acordo com a formação hierárquica assumida. Pode ser centralizada
ou descentralizada. Em ambas as formas há vantagens e desvantagens. Na
organização centralizada a estrutura é pautada por uma coordenação definida,
conduzida por um ou mais líderes, eleitos periodicamente ou de forma
permanente, com a função de direcionar as ações do movimento. A vantagem
dessa organização é a agilidade nas ações. A desvantagem pode estar em
transformar os integrantes liderados em massa de manobra no movimento. Na
organização descentralizada a direção das ações ocorre de forma coletiva, e
a alternância da liderança é permanente. A desvantagem está na demora em
tomar decisão sobre as ações, além de certa desorganização e morosidade na
efetivação dos objetivos delineados nos projetos do movimento.
Diante das definições do conceito de movimento e da forma de atuação
e organização de grupos ou movimentos sociais, perceber-se que tanto o design
quanto o trabalho diaconal permeiam as relações sociais em ambos os campos
de atuação, pois o fazer e o pensar estão ancorados em movimentos compostos
por grupos com estruturas organizadas ou não, com ideologias diversificadas.
Tais características não impedem o compartilhamento de trocas materiais e
simbólicas, pois ambas podem ser exploradas e experimentadas como meio de
proporcionar a melhoria na qualidade de vida social. Neste estudo compreende-
se o design contemporâneo como um movimento que busca encontrar formas
de aproximar cada dia mais o conhecimento acadêmico e a comunidade;
também se considera o olhar de modo segmentado para cada caso no intuito
de entender e colaborar de maneira compartilhada, buscando aplicar o conceito
de acessibilidade para além das barreiras institucionalizadas, mas percebendo-
as como qualquer evento que limite o acesso do indivíduo na realização de
atividades cotidianas.

n Design contemporâneo
Lembrando que a reflexão vislumbra o cenário atual, utilizou-se a
abordagem de “contemporâneo” de Agamben (2009). Observa-se que o
conceito está relacionado ao momento e não a épocas específicas; não
importa o século ou a década em que ocorreu, mas sim materializa-se na
ruptura de um conceito, constituindo o surgimento de um novo, ou seja, o
contemporâneo ocorre no instante em que se percebe a mudança na forma de
pensar. Segundo o posicionamento do autor, a humanidade não está vivendo
a era contemporânea, pois o conceito de contemporâneo está relacionado à
50
STAHN, Maria Odete | EVERLING, Marli T.

mudança, à quebra de paradigmas. Sendo assim, pode-se pensar que os saberes


artesanais e as abordagens atuais do design estão se adaptando às realidades
que a sociedade está vivenciando hoje, de valorização do indivíduo, bem como
a busca pelo empoderamento de seu espaço no curso de sua história. Antes
de entrar nos conceitos acadêmicos que discutem a posição do design diante
das novas demandas, cabe destacar a definição do posicionamento do designer
perante os novos cenários sociais.

O designer deve, com sua atividade, suprir necessidades humanas


por meio de sua competência, da sua criatividade, do seu método.
Deve ainda ser sensível às prioridades sociais e culturais, conhecer
as tendências concorrentes e a multiplicidade de parâmetros que
as rege (NIEMEYER, 2014, p. 44).

É preciso sensibilidade e empatia para entender e aplicar as abordagens do


design sem perder o foco dos estudos clássicos. A presente reflexão discute questões
do tempo presente procurando centrar o design como filosofia que tem as ações
humanas como objeto de estudo. Tanto o design quanto a diaconia tencionam
suprir as necessidades do homem, e para alcançar tais objetivos o conhecimento
acadêmico se faz presente por meio do desenvolvimento, da experimentação e
da aplicação de metodologias que não almejam tornar rígido o processo, mas sim
direcionar o uso de ferramentas que possam multiplicar o saber e promover o
protagonismo tanto nos meios acadêmicos como em grupos ou organizações que
podem apoiar-se em métodos para alcançar êxito no resultado.
Nesse sentido, cabe bem observar as análises de Bonsiepe (2012), que
reflete sobre a metodologia clássica do design e os desafios da metodologia
alternativa. Segundo o autor, quando foi institucionalizada a metodologia projetual
do design em 1960, buscou-se certificar a metodologia formalista, com foco na
produção científica do design, mas como bem frisa Bonsiepe (2012), o design
não é uma atividade científica; projeto é diferente de ciência. Assim, é preciso
olhar para as metodologias alternativas como meio de preencher lacunas da
metodologia clássica e ao mesmo tempo contemplar questões imprescindíveis a
serem pensadas no campo do design na atualidade que não foram contempladas
ou não faziam parte do contexto global na década de 1960 – por exemplo, a
análise dos ciclos de vida do produto como meio de prever os impactos ambientais
que tal atividade ou produto poderia gerar ao meio ambiente, “respeito a certas
minorias populacionais, como pessoas idosas e aquelas portadoras de necessidades
especiais” (BONSIEPE, 2012, p. 43), entre outras.
As metodologias alternativas vão surgindo e sendo exploradas de acordo
com as transformações sociais e adequando as práticas de design ao contexto
em que se aplicam, porém a metodologia clássica serve de suporte no exercício
da atividade projetual, para sustentar as ramificações alternativas. Entre essas
51
Design contemporâneo e diaconia: uma reflexão acerca dos cenários de atuação onde o
bem-estar humano permeia o contexto

abordagens alternativas, encontra-se o design participativo (DP). Conforme


defendem Moraes e Santa Rosa (2012), pode ser uma abordagem metodológica,
uma metodologia ou uma filosofia que visa melhorar a experiência do usuário, na
proposição de novas soluções de design e inovações, que podem ser resgatadas
da própria vivência cotidiana dele, ou seja, o usuário torna-se coautor do
processo; sua participação é efetiva do início ao fim do desenvolvimento do
produto, serviço ou na busca de soluções para concretizar ideias.
Das teorias apresentadas anteriormente, desdobram-se outras abordagens,
cujo foco é proporcionar maior satisfação ao usuário, no desempenho de suas
funções diárias. Buscar amparo nos conceitos antropológicos, sociológicos e
psicológicos assegura um conhecimento mais aprofundado do comportamento
humano e quais aspectos poderão ser explorados de acordo com as características
do público ou problema de pesquisa. Dessa forma, o design como experiência
trata desses conceitos, conforme descreve Sanders (2002).
O design como experiência percorre um campo interdisciplinar que
envolve a sociologia, o design social e abordagens psicológicas. A experiência
aplicada da pesquisadora Elizabeth Sanders (2002) ocupa local de destaque
como referência para trabalhos cujo foco está na interação humana e no design
como ciência social. Conforme a teoria defendida por Sanders, o processo de
design atual envolve o usuário no processo; o pesquisador tem a função de
interpretar informações de acordo com os critérios do projeto, levando em
conta os dados primários e secundários coletados pela pesquisa, ao passo que
o design nos moldes clássicos apenas desempenhava o papel de interpretar
esboços de conceito e cenários. Ou seja, de acordo com a visão da autora o
design apropria-se dos conhecimentos situando o designer/pesquisador como
quem cria com base em dados reais e não em cenários. Ainda de acordo com
ela, nesse novo sistema não cabem mais hierarquias e sim o pensamento em
rede, em que a troca de informações é constante, promovendo maior interação
entre usuários e influenciando de forma positiva as relações.
Outra abordagem que a autora traz é o design de experiência. Segundo ela,
não é possível projetar experiências, mas sim projetar tendo a experiência como
base. Para acessar a experiência de outras pessoas é necessário ouvir, interpretar,
ver, observar, descobrir, aproximar, estar junto e apreciar. Utilizando tais conceitos
é possível compreender mensagens ou experiências que as pessoas não verbalizam
com palavras e sim com gestos, ações e atividades. Além da participação, no
cenário contemporâneo é impossível pensar o design no campo social sem levar
em conta temas como sustentabilidade, que devem ser explorados nos processos
de design em todos os movimentos que permeiam a sociedade.
Para fundamentar e nortear as abordagens de design e sustentabilidade,
utilizou-se como base o posicionamento de Carlo Vezzoli (2010) no livro Design
de sistemas para a sustentabilidade; nele o autor ressalta a importância do design
no cenário sociocultural como um meio para conectar ações que, em vez de
projetar ações de reparação, migrem para ações de prevenção. Ou seja, no
52
STAHN, Maria Odete | EVERLING, Marli T.

“contexto atual a informação deve deslocar do contexto da produção para o


do usuário”, envolvendo-o no processo, ativamente como agente preservador
(VEZZOLI, 2010, p. 48). Diante das abordagens metodológicas e suas aplicações
práticas, as ferramentas para aproximar a teoria da prática contribuindo com
o diagnóstico dos pontos que devem ser trabalhados (até a seleção da melhor
abordagem) podem partir da imersão.
A imersão é a primeira abordagem para conhecer o ambiente; trata-se
do paralelo do que em algumas discussões é considerado como “preparação”
em metodologias de design. Nessa etapa o profissional atua como espectador;
é o momento inicial de diagnóstico de possíveis situações que precisam de
alguma intervenção e requerem uma atitude de empatia, em que o profissional
utiliza a habilidade de se situar no lugar do usuário (ou interage com a situação
com base no olhar dele), e não como mero observador. Seus princípios estão
voltados em oferecer soluções que sejam desejadas, porém agregadas de
elementos que auxiliem na qualidade de vida do ser humano. Para interpretar
os conceitos de design de experiência defendidos por Sanders (2002), em grupos
de pessoas é preciso aplicar a imersão sem perder de vista o respeito pelo
conhecimento tácito, que muitas vezes se encontra adormecido, porém vivo na
cultura local. Mediante esse entendimento e mantendo as ações humanas no
centro do processo de reflexão, busca-se contextualizar a diaconia no cenário
contemporâneo, expondo sua estrutura e contexto de atuação.

n Diaconia
Para fundamentar a pesquisa sobre diaconia, utilizou-se como fonte o
caderno Diaconia em contexto: transformação, reconciliação, empoderamento
(FLD, 2004), material desenvolvido pela Federação Luterana Mundial (FLM)
e pela Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). Tal pesquisa
foi feita no portal da Fundação Luterana de Diaconia (FLD – 2015) e no Portal
Luteranos, onde é possível encontrar materiais publicados pela Editora Sinodal,
entre outros documentos de produção da fundação.
A diaconia é uma das dimensões centrais do Plano de Ação Missionária da
IECLB (Pami). Ela faz parte da tríade que compõe as dimensões teológicas da
Igreja Luterana, estando relacionada com os princípios norteadores das práticas
litúrgicas utilizadas pela Igreja. O luteranismo iniciou-se no século XVI, com o
movimento reformatório, instaurado pelo monge Martim Lutero. O propósito da
Reforma era reconduzir a igreja evangélica conforme entendimento de Lutero
do que estava descrito na Bíblia. Em 1558 chegaram os primeiros luteranos ao
Brasil, na cidade de São Vicente, em São Paulo, e o primeiro culto evangélico
foi celebrado no estado do Rio de Janeiro. O Império colocava limites para
a realização dos cultos, por reconhecer apenas a Igreja Católica Apostólica
Romana como igreja em solo brasileiro, conforme descrito na constituição.
53
Design contemporâneo e diaconia: uma reflexão acerca dos cenários de atuação onde o
bem-estar humano permeia o contexto

O parágrafo quinto da Constituição do Império dizia: “A religião


católica apostólica romana continuará a ser a religião do Estado.
Todas as demais religiões serão toleradas, em casas para tanto
destinadas, sem qualquer forma exterior de templo”. Isso queria
dizer que não eram permitidos torre, cruz, sino, enfim, nada que
lembrasse igreja (PORTAL LUTERANOS, 2015a).

Com a chegada de imigrantes alemães nos estados do Rio Grande do Sul,


Santa Catarina, Paraná, Minas Gerais e Espírito Santo, iniciou-se a configuração
de comunidade, e os cultos passaram a ser feitos em escolas construídas pelos
imigrantes alemães, pois as restrições imperiais permaneciam. Após a configuração
da comunidade, formou-se a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil
(IECLB). Os cultos domésticos evoluíram depois para comunidades, elaborando
seus estatutos e elegendo as diretorias. Na atualidade a estrutura organizacional
da IECLB está configurada de acordo com o organograma da figura 3:

Figura 3 – Estrutura organizacional da IECLB

Fonte: Portal Luteranos (2015b)


54
STAHN, Maria Odete | EVERLING, Marli T.

A diaconia está inserida em todas as instâncias da igreja. Ela é um dos


elos que compõem a estrutura com os preceitos que regem a comunhão da
Igreja Luterana, que são a celebração e a proclamação litúrgica, tendo como
base a Bíblia e o serviço, nesse caso expresso por meio da ação da diaconia,
conforme exemplifica a figura 4.

Figura 4 – Tríade dos valores da Igreja Evangélica

Fonte: FLD (2004)

Tem-se o objetivo aqui de apresentar de forma breve apenas dados para


situar a Igreja Luterana no Brasil, bem como onde a diaconia está posta no
campo de atuação da igreja. A pesquisa não pretende adentrar no contexto
histórico de forma aprofundada quanto à constituição da Igreja Luterana e suas
ideologias. O intuito é entender a diaconia, como o trabalho diaconal é exercido
e quais contextos ele abrange. Para tanto, busca-se entender o significado do
termo diaconia, seu campo de atuação, bem como os preceitos que regem esse
setor da Igreja Luterana:

O termo “Diaconia” é uma palavra grega que foi traduzida


para o português como “serviço”, remetendo a uma práxis. Na
sua origem, a palavra diaconia não possui sentido religioso. Na
tradição cristã, esta palavra grega foi ressignificada, passando
a designar aquele/a que presta auxílio às pessoas em situação
de vulnerabilidade. Entre diversas dimensões, a Diaconia possui
três dimensões imprescindíveis: a dimensão profética (denúncia),
a dimensão libertadora (empoderamento) e a dimensão política
(controle social). As três apontam para o importante papel da
igreja junto à sociedade civil organizada, trabalhando para a
garantia de direitos em prol de uma vida digna para todos e todas.
A atuação diaconal acontece em distintos níveis e de diferentes
formas. No caso específico da FLD, interessa apoiar instituições
55
Design contemporâneo e diaconia: uma reflexão acerca dos cenários de atuação onde o
bem-estar humano permeia o contexto

e comunidades luteranas e/ou da ecumene que já assumiram o


seu papel como protagonistas sociais e que promovem ações de
transformação nas sociedades onde estão inseridas – ou seja, deve
haver uma clara inter-relação entre diaconia e desenvolvimento
(FLD, 2015).

A diaconia trabalha em duas dimensões: horizontal e vertical. Na


verticalidade os preceitos espirituais mantêm-se por meio da fé, das raízes da
diaconia com a igreja e sua percepção de mundo de acordo com o que a Igreja
Luterana proclama e celebra. A horizontalidade é responsável pela atuação da
diaconia na sociedade, trabalhando com os desafios que surgem no contexto
social. Sendo assim, a diaconia é “dialética, isso de tal forma que comunique as
perspectivas vertical e horizontal. Isso quer dizer que a reflexão sobre diaconia
há de ser interdisciplinar e levar em conta os aportes da ciência teológica e
social” (FLD, 2004, p. 30).
Diante da teoria de Bourdieu (1974) em relação ao campo religioso,
acredita-se que a diaconia atua no microcampo onde a religião é considerada
erudita e possui pessoas especializadas para executar o trabalho, porém na visão
de “consumidor e produtor” a diaconia pode ser considerada, partindo-se da
horizontalidade, como produtora e consumidora de suas próprias produções,
haja vista que na verticalidade ela consome produtos simbólicos, nutrindo-se
de conhecimento bíblico para produzir ações que serão aplicadas no campo
material, a fim de colaborar com o bem-estar social, não necessariamente
explorando os leigos, mas buscando oferecer melhor qualidade de vida mediante
a realidade e os desafios que cada contexto apresenta.
A diaconia atua em diversas áreas em diferentes partes do mundo e
reflete sobre a globalização e o efeito desta nos cenários sociais, culturais,
econômicos e religiosos. Na busca de compreender seu campo de atuação,
esse olhar colabora para um melhor direcionamento dos projetos e assertiva
na intervenção social. Conforme aponta o estudo Diaconia em contexto (FLD,
2004), a globalização possui um lado positivo, já que a informação é muito
mais rápida, fator esse que permite maior agilidade na mobilização de ajuda
humanitária. A relação entre os seres tornou-se mais próxima, apesar de haver
controvérsias. Por outro lado, o mesmo estudo considera que as relações
entre as instituições, principalmente estados e empresas, se tornaram mais
agressivas; basta olhar o número de guerras que afetam diretamente as pessoas
mais necessitadas e o enriquecimento das indústrias bélicas e de petróleo. A
degradação ambiental traz consequências para ambos os cenários sociais, porém
os menos favorecidos sofrem de forma direta as consequências das catástrofes
e levam mais tempo para se recuperar, pois as instituições governamentais se
perdem em suas próprias burocracias e corrupção, conforme indica o caderno
Diaconia em contexto (FLD, 2004, p. 13).
56
STAHN, Maria Odete | EVERLING, Marli T.

A diaconia está estruturada em âmbito mundial por meio da Federação


de Diaconia Mundial, a qual opera em muitos países, em parceria com outras
instituições, que formam o Departamento para Missão e Desenvolvimento
(DMD), constituído por uma comunhão de Igrejas que atuam em ajudas
humanitárias e que proporcionam melhor qualidade de vida e respeito à
dignidade humana. No Brasil a sede da diaconia está na cidade de Porto
Alegre (RS), contudo tem atuação em todos os estados brasileiros, por meio
de parceiros estratégicos, apoiadores e instituições. Nas comunidades a FLD
atua nas paróquias, onde são formados grupos de voluntários que desenvolvem
os mais variados trabalhos para atender as pessoas necessitadas.

n Caso prático de atuação da diaconia


Durante atividades desenvolvidas em voluntariado no grupo Pontos de
Amor, foi possível perceber na prática a importância da troca de saberes entre
o design e a comunidade. A parceria surgiu de um convite da coordenadora
do grupo na época, senhora Armi Lange, solicitando ajuda para desenvolver
novos produtos com materiais têxteis, os quais eram doados para o grupo
e não se sabia como utilizar. Passados cinco anos, a parceria permanece.
Atualmente o design atua em quase todas as atividades manuais desenvolvidas
pelo grupo, como: reaproveitamento de materiais, estudo e combinação de
cores para compor bordados e pinturas, escolha e seleção de aviamentos para
produzir os bordados, realização de oficinas e palestras com temas de interesse
feminino (saúde e beleza da mulher, consumo consciente, gastronomia, ideias
de decoração, técnicas artesanais, entre outras).
O grupo Pontos de Amor existe há aproximadamente 40 anos. Desde seu
surgimento o objetivo central sempre foi promover o bem-estar social de forma
ecumênica. O grupo integra a estrutura da Paróquia São Mateus, em Joinville
(SC), que faz parte da Comunidade Evangélica de Joinville (CEJ). Ele possui
uma estrutura organizada, com líder na coordenação por dois anos, tempo que
pode se estender por mais dois, caso a pessoa que está na liderança manifeste
vontade. Não se faz eleição; geralmente o grupo é liderado por alguém que faz
parte dele, tem experiência nas atividades do grupo e possui disponibilidade de
tempo para participar das reuniões mensais solicitadas pela CEJ e pelo Conselho
da Paróquia, além de treinamento, que ocorre várias vezes por ano em diferentes
regiões do estado, promovidos pela FLD. A líder do grupo é responsável pelo
andamento dos trabalhos executados pelas voluntárias, bem como pelo controle
financeiro e pela compra de suprimentos. Os encontros ocorrem no salão
paroquial a cada 15 dias, na segunda-feira, sempre no mesmo horário, das 14 às
17 horas. Nesses encontros as voluntárias levam os trabalhos que executaram em
casa, costuram, pintam, bordam, têm um momento de reflexão, onde são lidas
57
Design contemporâneo e diaconia: uma reflexão acerca dos cenários de atuação onde o
bem-estar humano permeia o contexto

passagens bíblicas ou textos que proporcionem alguma reflexão. Atualmente está


sendo montada uma biblioteca; os livros são trazidos pelas próprias voluntárias,
e ocorre o compartilhamento de saberes por meio dos trabalhos manuais e da
opinião pessoal referente aos contextos abordados nos livros.
O trabalho diaconal pode ser exercido tanto por homens quanto por
mulheres. O grupo Pontos de Amor é composto basicamente por mulheres, com
idade a partir dos 18 anos. São voluntárias com nível de escolaridade e renda
diversificados. O trabalho diaconal tem a função de acolher, e assim, todas as
pessoas que se oferecem para participar, independentemente de suas habilidades
para trabalhos manuais, são aceitas. O grupo é dividido por núcleos de trabalhos
manuais, em que são empregadas diferentes técnicas, como bordado, ponto-
cruz, ponto-cheio, vagonite, crochê, tricô, pintura em tecidos e enxovais para
recém-nascidos. Cada núcleo possui uma líder que, além executar a atividade,
ensina a técnica aos novos integrantes. A figura 5 mostra o grupo reunido e
alguns trabalhos – bolsas desenvolvidas com calças jeans, bordados em ponto-
cheio e combinação de cores mediante a observação de flores naturais.

Figura 5 – Grupo de diaconia Pontos de Amor

Fonte: Arquivo pessoal da autora (2014)


58
STAHN, Maria Odete | EVERLING, Marli T.

Os trabalhos manuais desenvolvidos pelo grupo são compostos por


técnicas variadas, conforme citado. Os produtos são comercializados e a renda
é revertida para compra de cestas básicas para famílias cadastradas e de fraldas
geriátricas, destinadas a idosos e pessoas com deficiência que dependem desse
tipo de auxílio. São montados enxovais para recém-nascidos, e há uma equipe
responsável por fazer as visitas na Maternidade Darcy Vargas em Joinville, onde
são entregues para a coordenação de assistência social os kits contendo fraldas,
mamadeiras, cobertor, roupinhas e uma bolsa para carregar os pertences do
recém-nascido. Tais kits são ofertados a mulheres que dão à luz e não possuem
o enxoval inicial para deixar a maternidade com seu bebê.
Pode-se afirmar que a empatia é o pano de fundo do cenário de atuação
diaconal, bem como do design social e das abordagens contemporâneas do
design. Entre estas está o design participativo, que busca manter o indivíduo
no centro do processo, viabilizando eventos nos quais o usuário possa se sentir
partícipe do processo como agente que detém o poder de transformação e de
disseminar saberes por meio do compartilhamento.

n Considerações
Diante das observações feitas durante a pesquisa sobre o contexto do
design e suas abordagens contemporâneas, a diaconia e seu trabalho no campo
religioso, percebe-se uma convergência em cujo centro está o ser humano.
Ambas as abordagens buscam desenvolver ações cujos benefícios possam ser
sentidos e percebidos pelo indivíduo. Amparados pelo conhecimento e seus
métodos de pesquisa (o design por meio de suas abordagens ou estudos de caso
e a diaconia por intermédio da realidade percebida e com base na fé), ambos
buscam resolver um problema, seja ele material ou imaterial. Acredita-se que
design e diaconia podem ser associados, de modo a promover um encontro
entre o mundo acadêmico, que atua com foco no conhecimento e na reflexão
sobre a prática, e o da diaconia, que por sua vez opera no campo simbólico
em que o subjetivismo é o método que norteia as ações, porém os resultados
são percebidos em ações que se materializam na sociedade.
Este texto constitui o início de uma reflexão que será aprofundada no
decorrer do trabalho dissertativo do Mestrado Profissional em Design, que
pretende analisar e apresentar abordagens nas quais design e diaconia possam
atuar juntos, promovendo movimentos de cooperação pautados pela pesquisa
exploratória com base nos apontamentos de Bourdieu, que defende a pesquisa
de campo como uma das formas de analisar os eventos da sociedade, por
meio da observação. A pesquisa não pretende discutir o cenário religioso mas
sim explorar o campo de atuação da diaconia e a possibilidade de trocas de
conhecimentos e saberes com o design no campo social.
59
Design contemporâneo e diaconia: uma reflexão acerca dos cenários de atuação onde o
bem-estar humano permeia o contexto

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61
Capítulo 2

Design de Moda e
Sociedade
Tendências de moda em um
contexto social
Fashion trends in a social context

ZANCHETT, Rosenei Terezinha1


AGUIAR, Victor2

Resumo: A investigação das tendências e macrotendências e suas


possíveis manifestações nos cenários de consumo é fundamental para
o desenvolvimento de novos produtos. Este artigo, por meio de revisão
bibliográfica, apresenta uma abordagem teórica destacando os conceitos
das tendências e macrotendências de moda e comportamento de consumo
em um contexto social e cultural. A proposta é associar as tendências
apresentadas por intermédio desses fenômenos e saber como são
transferidas pelos pesquisadores e designers de moda.
Palavras-chave: designer; pesquisa; tendência; inovação.

1
Mestre em Design Profissional pela Universidade da Região de Joinville (Univille), graduada em
Moda e especialista em Marketing e Comportamento do Consumidor pela Fundação Universidade
Regional de Blumenau (Furb). Pesquisadora na área de tendência de moda e comportamento
de consumo no caderno Inova Moda. Consultora em pesquisa de moda e desenvolvimento de
produto, sendo responsável pelo projeto Santa Catarina Moda e Cultura no Senai/Blumenau, e
consultora no Instituto Senai de Tecnologia Têxtil, Vestuário e Design – SC. Professora da Pós-
Graduação em Moda e Gestão da Faculdade Senai/Blumenau. E-mail: rosezanchett@hotmail.
com.
2
Doutor em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-
SP), mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),
especialista em Marketing pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e graduado
em Administração de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Professor do quadro permanente da graduação e do Mestrado Profissional em Design da Univille.
E-mail: contato@ograndevendedor.com.
Tendências de moda em um contexto social

Abstract: Research trends and macro trends and possible Their


manifestations in consumer scenarios to the development is critical of new
products. This article, through literature review, presents the theoretical
approach highlighting the concepts of fashion trends and macro trends and
consumer behavior in the social and cultural context. The proposal is to
link the trends presented by these phenomena and how they are encoded
by researchers and fashion designers.
Keywords: structure; search; trend; innovation.

n Introdução
Trabalhar na área de moda e design, seja qual for a atividade que envolve
criação e desenvolvimento de produto, exige dos profissionais bons instrumentos
para realizar as pesquisas das tendências no âmbito global de moda, design,
contexto social, arte e comportamento.

A moda, no seu mais amplo sentido, é um retrato de seu tempo,


e falar de moda, hoje, é falar de comportamento, cultura, arte,
espetáculos, movimentos sociais, políticos... é estar, enfim, com
antenas ligadas a tudo o que acontece de importante nas principais
capitais do mundo (BASILE; LEITE, 1996, p. 11).

O contato direto com o panorama cultural, contemporâneo das tendências


e macrotendências, tem grande importância na área de criação de produtos e
seus reflexos na sociedade quanto aos usos e costumes do cotidiano. Desse
modo, pesquisa significa investigação, ter conhecimento sobre os acontecimentos
sociais e a maior quantidade de assuntos possível. No início são apenas alguns
sinais, que têm um crescimento, chegam ao auge e desaparecem; as tendências,
portanto, são indicadores de mudanças, que envolvem tecnologia, economia,
governo, política, trabalhos coletivos, ações culturais e sociais, os quais de certa
forma afetam ou modificam as necessidades e os desejos dos consumidores e,
portanto, o seu estilo de vida.
Segundo Faccioni (2011, p. 47), “além de percebermos as tendências,
temos de compreendê-las através de filtros e comparação com informações,
pois tudo tem a ver com tudo”. Dessa forma, os designers de moda devem ter
informações claras sobre as necessidades atuais do mercado e as expectativas
das empresas no desenvolvimento de novos produtos para suas demandas.
66
ZANCHETT, Rosenei Terezinha | AGUIAR, Victor

n Tendências e macrotendências
Paralelamente às tendências, há as macrotendências, que têm como
objetivo identificar os cenários globais e os movimentos sociais nos dias
atuais. “Ao analisar as macrotendências é fundamental que os designers de
moda compreendam e transformem estas informações em conhecimentos
adequados às demandas do mercado” (BES; KOTLER, 2011, p. 70). Portanto,
o correto entendimento de ferramentas que retratem os movimentos políticos,
econômicos, sociais, culturais e os sistemas ambientais é fundamental para o
bom desempenho das atividades em um setor de criação.
Interpretar e analisar as pesquisas das macrotendências requer uma
metodologia clara e abrangente, que englobe uma análise de mercado adequada
para uma sociedade complexa, a qual reflete comportamentos de consumo
múltiplos. Segundo Bes e Kotler (2011, p. 70), as “macrotendências duram
de cinco, no mínimo, a dez anos, e já as tendências duram de um ano, no
mínimo, até cinco anos, no máximo”. Sendo assim, é fundamental uma análise
significativa das pesquisas e das informações observadas nos cenários da moda
para que os designers de moda tenham um bom entendimento das informações
e estas sejam adaptadas às necessidades de consumo.

A moda é uma importante área de produção e expressão de


cultura contemporânea. Tanto apresenta reflexão da sociedade
quanto dos usos e costumes do cotidiano. A dinâmica da moda
permite refletir, criar, participar, interagir e disseminar este
costume. Portanto, o desenvolvimento e a expressão da moda
ocorrem a partir da inter-relação entre a criação, a cultura e a
tecnologia, bem como dos aspectos históricos, sociopolíticos e
econômicos (PIRES, 2008, p. 28).

Com a democratização da moda por meio das redes sociais e o aumento


do número de sites e revistas especializadas, a divulgação do que sejam as
tendências e macrotendências na área vem aumentando de forma expressiva
nos últimos anos, o que permite ao designer de moda a organização de ideias
e a conscientização quanto ao fato de que o processo de aprendizagem não se
restringe apenas a informações primárias. Nesse sentido, Caldas (2004, p. 44)
afirma que “conhecer o universo e os significados da sociedade e o funcionamento
das tendências de moda tornou-se estratégia para ampla gama de empresas,
muito além da indústria têxtil e de confecção”. Ou seja, seguir tendências não é
garantia de venda, mas com certeza auxilia no planejamento e na organização
dos processos produtivo e criativo, já que usar tendências permite às empresas o
desenvolvimento de um bom produto, que tenha conceito, que seja coordenável
67
Tendências de moda em um contexto social

à proposta da coleção, além de atingir com mais eficácia o seu público-alvo.


“Esta análise significa sistematizações das informações, decompondo-as com
objetivos de compreender o que elas representam e realmente significam no
comportamento das pessoas” (FACCIONI, 2011, p. 47).
A informação das tendências hoje está integrada a todos os nichos de
mercado e a todos os níveis sociais e culturais. Por esse motivo a imersão e a
compreensão dos cenários pelos diversos profissionais envolvidos na criação são
fundamentais para que estes possam decodificar tais informações e adequá-las
à realidade de sua empresa. Kotler (2000, p. 158) confirma que “as empresas
bem-sucedidas têm visões do ambiente interno e externo de seus negócios”.
É nesse contexto que as grandes lojas de departamento lançam suas
coleções com temas das macrotendências e tendências, apresentadas por suas
vitrines. Um exemplo disso são lojas de departamento renomadas em Londres,
como Harrods, Selfridges, Harvey Nichols e Liberty. A Selfridges, por exemplo,
localizada na Oxford Street, em parceria com o designer Faye Toogood no
ano de 2015 delineou o conceito de novos gêneros na exposição. A ideia por
trás do projeto Agender era explorar um universo no qual a expressão do
“eu” fosse maior que a representação social culturalmente construída do ser.
A figura a seguir demonstra como o espaço transcendia as noções de feminino
e masculino, apresentando peças com design exclusivo para ambos os sexos
simultaneamente.

Figura 1 – Vitrine Selfridges – Agender

Fonte: Selfridges (2015)

Nos últimos anos, no entanto, as discussões sociais que giram em


torno do tema da moda impulsionam novos pensamentos e novas formas de
68
ZANCHETT, Rosenei Terezinha | AGUIAR, Victor

expressão cultural. Para Kotler (2000, p. 185), além dos “fatores culturais, o
comportamento do consumidor é influenciado por fatores sociais, como grupos
de referência, família, papéis sociais e status”. De acordo com esses conceitos,
captar e interpretar as tendências e as macrotendências requer uma análise
aprofundada para transformar dados em informações, e estas, em conhecimento
adequado ao mercado de consumo.

n Tendências e o designer de moda


Entender as tendências de moda é um trabalho que envolve diversas
áreas de conhecimento. O pesquisador precisa estar atualizado com relação ao
cenário global, social e cultural. Mozota (2011, p. 45) afirma que “o designer de
produto deve adaptar seu processo criativo a uma tendência geral em direção
à abstração, imaterialidade e complexidade. O conhecimento técnico tornou-se
transversal com quem deve fazer contato e se comunicar”.
Nesse sentido, o designer de moda precisa ter uma visão ampla dos
cenários globais, estando conectado às tendências de moda que são divulgadas
em feiras, sites especializados, bureaux de estilo e comportamento de consumo,
viagens de pesquisa, bem como em cadernos de tendências elaborados por
profissionais especializados. Para Treptow (2013), a pesquisa em moda exige
disciplina e técnica para que o profissional de criação possa descobrir e registrar
o que está nas ruas, vitrines, feiras, revistas e desfiles e também compreender
o que está no imaginário dos consumidores.

A moda é o fenômeno que melhor demonstra esta capacidade


e necessidade de mudanças da sociedade, que é refletida no
processo de consumo. Moda essencialmente envolve mudança,
definida pela sucessão de tendência e manias em espaço curto de
tempo, é um processo de obsolescência planejada (MIRANDA,
2008, p. 17).

A busca pelas tendências envolve diversas áreas do conhecimento, pois


captar e interpretar as tendências requer dos profissionais envolvidos uma
metodologia abrangente. De acordo com Mozota (2011), o design é uma atividade
que integra um amplo espectro de profissões, o que inclui produtos, sistemas
gráficos, serviços, interiores e arquitetura. Assim, o trabalho colaborativo
dos designers de moda com outros profissionais nas organizações mostra-se
fundamental para a atividade de desenvolvimento de produto, que deve ser
interdisciplinar. Outrossim, as etapas e propostas para o desenvolvimento e
69
Tendências de moda em um contexto social

a criação de novos produtos devem ser claras entre as diferentes equipes de


trabalho. Essa interação tem como objetivo definir melhorias em produtos,
identificar capacidades de transformação, gerenciar o conhecimento tecnológico
das informações adquiridas e, por fim, aplicá-lo no desenvolvimento de novos
produtos, com base no entendimento do comportamento do consumidor e na
dinâmica de mercado.

n O novo cenário para o designer de moda


Diante do novo cenário, o designer de moda deve ser um gestor nos
processos de desenvolvimento de produtos inovadores, pois ele precisa ter uma
compressão clara das necessidades e dos desejos do consumidor diante do
mercado atual. Para Treptow (2013, p. 63), o designer tem de “conhecer a
capacidade e as limitações da indústria. É preciso que ele domine conceitos de
produtos e conheça as metas da empresa quanto à produção e ao faturamento,
bem como a capacidade de absorção dos produtos pelo mercado-alvo”.
Seguindo esse raciocínio, o designer de moda tem então de estar aliado em ações
conjuntas com empresas por meio de tecnologias no desenvolvimento de novos
produtos. Tal processo exige métodos de pesquisa e um trabalho multidisciplinar
do design de moda por meio das pesquisas de campo e análise de mercado. Ele
também deve ter sensibilidade para planejar, identificar, classificar e mensurar
suas experiências em todas as áreas de atuação, buscando informações sobre
essas novas filosofias e estilos de vida, bem como sobre os anseios da população
pesquisada e como isso afetará o comportamento e o padrão de consumo de
acordo com o mercado.
Segundo Baxter (2011), desenvolver um novo produto não é tarefa
simples. Requer pesquisa, planejamento cuidadoso, controle meticuloso e, o
mais importante, uso de métodos sistemáticos. No entanto, ao identificar as
informações do mercado, é fundamental que os designers de moda saibam
aplicar tais referências com eficácia e conhecimento para diferenciar-se perante
os demais profissionais em um mercado cada vez mais competitivo e atingir
as estratégias de inovação para desenvolvimento de produtos ou serviços. De
acordo com Mozota (2011), o processo de design é de identidade; ele define a
empresa, seus clientes e seus investidores.
Ao realizar as pesquisas de tendências, o designer de moda precisa fazer
uma previsão das informações de modo “macro”, detectando as informações
com muita antecedência, criando um repertório baseado em referenciais de
moda e comportamento em todas as áreas, como por exemplo da filosofia,
psicologia, antropologia, sociologia, e averiguando as principais tendências de
70
ZANCHETT, Rosenei Terezinha | AGUIAR, Victor

comportamento na sociedade. Miranda (2008, p. 14) entende o comportamento


de consumo como o estudo “dos processos onde os indivíduos ou os grupos
selecionam, compram, usam, ou dispõem de produtos, de serviços, de idéias,
ou de experiências para satisfazer a necessidades e desejos”.
Refletir as tendências e as mudanças dos tempos atuais – o que está
acontecendo no mundo – não é tarefa fácil. Trata-se de uma forma de
conscientização e compreensão das informações apresentadas na sociedade.
Seguindo esse raciocínio, Mozota (2011, p. 45) propõe que os “designers agora
participem do desafio do novo milênio – como ser sustentável em termos
ambientais e econômicos”.
Outro aspecto importante é que as empresas estão vivendo um período
de grandes mudanças sociais e comportamentais; estamos vivenciando uma
das maiores revoluções industriais, a qual está modificando totalmente a
forma de analisar as tendências e desenvolver produtos. Por esse motivo o
designer de moda tem de desenvolver produtos com informações de moda,
tecnologia e inovação. Cada dia mais se fala sobre as indústrias do futuro, a
nova revolução industrial, por intermédio da impressão em 3D, customização
de roupas em peças exclusivas e máquinas automatizadas. É nesse sentido que
o compartilhamento de informações se torna fundamental para a evolução
e o crescimento das empresas. Segundo Kotler (2000, p. 67), o “sucesso da
empresa depende não apenas do grau de excelência com que cada departamento
desempenha seu trabalho, mas também do grau de excelência da coordenação
das diversas atividades”.
No entanto esse cenário vem mudando, e cada vez mais o setor de
criação, com a sua velocidade alucinante, e as novas tecnologias de informação
apresentadas pela sociedade estão exigindo dos profissionais mais habilidades
e conhecimento, além de uma flexibilidade para trabalhar na sua área de
atuação.

O setor da moda move-se em uma velocidade alucinada e o novo


está sempre presente. Existem poucos setores em que seja tão
rápido e evidente como a moda. Por isso, os designers precisam
ser como mega parabólicas, utilizando filtros de alta sensibilidade.
A busca constante de novas inspirações, novos conceitos, novos
materiais e novos elementos são fundamentais para a criação do
novo [sic] (FACCIONI, 2011, p. 124).

Partindo dessas premissas, o designer de moda deve estabelecer um ponto


focado nas orientações contínuas para o mercado de consumo, proporcionando
maior propriedade e condições para o aperfeiçoamento dos processos e o
desenvolvimento de novos produtos com alto valor agregado.
71
Tendências de moda em um contexto social

n Integrar para inovar


A integração nos dias de hoje é fundamental para a realização das
atividades em uma empresa. Dessa forma as atividades devem estar claras para
a equipe de trabalho, a fim de definir melhorias, capacidade de transformação e
conhecimento tecnológico das informações adquiridas, para o desenvolvimento
de novos produtos alinhados ao comportamento do consumidor e à dinâmica
de mercado. Bes e Kotler (2011) informam que a falta de colaboração entre
os departamentos é considerada a maior barreira à inovação; no entanto esta
requer mais do que processos. As empresas mais inovadoras criam um espaço
para promover a colaboração e o trabalho em equipe.

Portanto, o design apontado como uma esfera multidisciplinar


desenvolveu-se para a esfera interdisciplinar, cuja ampliação leva
à transdisciplinaridade, como a efetiva aplicação deste campo
em seu universo maior e mais complexo, sendo este também
determinante e enriquecedor não apenas para o profissional e
para a área, mas também para a sociedade (MOURA, 2003,
p. 116).

A sintonia entre os diferentes setores de pesquisa, desenvolvimento e


criação é fundamental para as empresas durante o processo de inovação. Cabe
às equipes promover a cooperação e o crescimento entre os diferentes setores da
organização, adquirindo metas criativas entre as funções a serem desenvolvidas
na empresa. Quanto mais integrado o setor de criação e desenvolvimento
de produtos com as outras áreas por meio da comunicação e da troca de
experiências, mais haverá vantagem competitiva para a empresa.

Os métodos sistemáticos de projeto exigem uma abordagem


interdisciplinar, abrangendo marketing, engenharia de métodos e a
aplicação de conhecimento sobre estética e estilo. Esse casamento
entre ciências sociais, tecnologia e arte aplicada nunca é uma
tarefa fácil, mas a necessidade de inovar exige que ela seja tentada
(BAXTER, 2011, p. 19).

Percebe-se que com o desenvolvimento científico os avanços tecnológicos


do mercado ganharam rumos nunca antes pensados. A inovação está relacionada
ao trabalho coletivo por meio de um novo olhar para os negócios e a criação
de produtos. Dessa forma, as empresas do futuro devem estar integradas aos
acontecimentos do mercado para prevê-los de acordo com seus interesses,
criando um método de pesquisa apropriado à sua realidade, e sair a campo,
72
ZANCHETT, Rosenei Terezinha | AGUIAR, Victor

observar, questionar e analisar os sinais transmitidos pela sociedade, por meio de


vários conhecimentos específicos, desenvolver novas possibilidades de inovação,
pela troca de informações e integração composta por profissionais de diferentes
áreas.
Em síntese, não há dúvida de que, historicamente, o sucesso do
desenvolvimento de novos produtos no campo da moda tem como grande
influência a figura do designer, remetendo ao seu conceito, à sua identidade e
sua criatividade. Geralmente seu nome está interligado à marca do produto, e
quando há troca de designers entre as marcas sempre se criam expectativas se
o produto manterá sua identidade.
Assim, é de extrema importância que os criadores estejam completamente
antenados com os acontecimentos no mundo e sejam capazes de imaginar e
fazer conexões, trabalhando com as mesmas ferramentas de pesquisa como
subsídios para a construção das cartelas de cores, tecidos, formas, texturas,
estampas, aviamentos, processos e acabamentos, agregando informações ao
artefato de acordo com a demanda do seu mercado consumidor.
A compreensão das tendências é de fato o ponto-chave para o
desenvolvimento de produtos adequados. Bes e Kotler (2011) descrevem que
os designers de moda devem examinar cada informação das tendências de
mercado e observar se alguma é pertinente as suas conveniências. Essa análise
de informações é, por si só, uma tarefa criativa, pois nesse momento os criadores
não apenas se informam, mas também se inspiram. Tal inspiração tende a
provocar na indústria um grau interessante de inovação. De fato o crescimento
das empresas de moda está ligado tanto ao percentual de inovação que são
capazes de produzir quanto ao que podem reproduzir de seus produtos.
O tema inovação é abrangente e fundamental para a sobrevivência
das empresas, sendo necessário inovar e renovar sua oferta de mercadorias e
serviços, porém percebe-se que juntamente a essa necessidade existe também o
contraponto de reproduzir mercadorias e serviços que caem no gosto do público
em geral. Bes e Kotler (2011) destacam que para iniciar o processo de inovação
nas empresas é preciso haver consenso entre os profissionais da pesquisa e os
empresários sobre a necessidade de inovar, e muitas vezes falta o alinhamento
de como concretizar tais processos.
A inovação em design nem sempre acontece por meio de saltos gigantescos,
e sim de forma gradual em diversos setores e processos, sendo trabalhada
passo a passo em diferentes áreas da empresa. Cabe bem aqui o conceito de
Mozota (2011) sobre inovação radical e incremental. Esse gerenciamento de
ações é também considerado inovação, muitas vezes até mais necessário ou
mais importante que uma inovação radical no produto ou no processo, que
envolve a utilização de avanços tecnológicos e científicos, gerando custos que
73
Tendências de moda em um contexto social

a empresa nem sempre pode gerir. Essa inovação pode ser entendida como o
desenvolvimento de uma nova cultura na empresa, a qual requer o envolvimento
de pessoas criativas e comprometidas e principalmente focadas nas estratégias e
responsabilidades de cada profissional em sua área de atuação, com clareza de
suas atividades e definição de seus procedimentos. Bes e Kotler (2011) observam
que a inovação parte de um modelo de negócio que impõe uma mudança
profunda, gerando novos valores, novas formas de pensamento, e por isso requer
uma organização e reestruturação da empresa, bem como a objetivação do
mercado, visando atender às necessidades e novas situações de compra.
Segundo Faccioni (2011), o desenvolvimento da tecnologia industrial está
chegando a níveis jamais pensados, e novos produtos com alto valor tecnológico
estão modificando para sempre as exigências dos consumidores. Quem trabalha
com pesquisa de moda, design, comportamento ou tendências precisa estar
atento a todas as variáveis possíveis, ou seja, precisam ser profissionais com
habilidades e qualificações adequadas para acompanhar, identificar e codificar,
de acordo com a realidade da empresa, todos os movimentos relacionados à
inovação e ao mercado que possam fazer a diferença.
Nesse sentido, Mozota (2011) considera que a função do designer não está
relacionada somente à forma ou à estética do produto, como também a uma
ferramenta de gestão em desenvolvimento e criação, por meio de processos e
da compreensão dos anseios e desejos do consumidor. Tal ferramenta, por sua
vez, tem de estar alinhada às ações conjuntas da empresa com a tecnologia no
desenvolvimento de novos produtos, diferenciados e com valores intrínsecos,
que possuem uma adição de benefícios correspondendo a um mercado mais
exigente e informado.

n Considerações finais
Entender as tendências e macrotendências da moda é fundamental para
o desenvolvimento científico e os avanços tecnológicos, por meio dos quais as
empresas tomam novos rumos nunca antes pensados. O designer de moda,
por sua multidisciplinaridade, deve trabalhar as novas tecnologias para facilitar
a rapidez e a importância dessas informações na pesquisa em todos os setores
do conhecimento.
As empresas e os designers de moda precisam estar cada vez mais
conectados, por meio de suas pesquisas, com o mundo e com tudo o que
acontece ao seu redor, observando o comportamento do consumidor e os
movimentos sociais. Ou seja, é fundamental o acompanhamento da atualidade
no mundo, sobretudo dos cenários apresentados nos grandes centros lançadores
de tendências tecnológicas, que estão relacionados às questões fundamentais de
74
ZANCHETT, Rosenei Terezinha | AGUIAR, Victor

gestão e inovação, buscando o sucesso no desenvolvimento de novos produtos.


A promoção da inovação em trabalho multidisciplinar é fator crucial para o
aumento da competitividade das empresas.

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MOURA, Mônica. O design de hipermídia. Tese (Doutorado em


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75
Tendências de moda em um contexto social

MOZOTA, Brigitte Borja de. Gestão de design: usando o design para construir
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TREPTOW, Doris. Inventando moda: planejamento de coleção. 5. ed. São


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76
A moda em contexto sociocultural:
um estudo de projetos sociais
relacionados à moda

The fashion in sociocultural context: a study of


fashion related social projects

HERMES, Leticia1
MORGENSTERN, Elenir Carmen2

Resumo: Este artigo apresenta uma reflexão acerca das relações entre
moda e produção sociocultural. Analisa as relações de reciprocidade entre
sociedade e moda, levando em conta o contexto histórico-sociocultural.
Para isso, considera características de três projetos sociais que utilizam
a moda como viés de capacitação pessoal e profissional, com foco em
geração de renda e valorização da cultura artesanal local. O escopo

1
Mestranda no Programa de Mestrado Profissional em Design e graduada em Design com ênfase
em Moda pela Universidade da Região de Joinville (Univille). Possui experiência em webdesign e
desenvolvimento de produto de moda e interiores. E-mail: lethermes@gmail.com.
2
Doutora em Design pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), mestre
em Educação nas Ciências pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande
do Sul (Unijuí). Professora titular no curso de Design e no Mestrado Profissional em Design da
Univille. É autora dos livros Arte, experiência e intersubjetividade (Editora Unijuí, 2004), Grito
preso na garganta (Editora Unijuí, 1999) e Ressurgir (Editora Unijuí, 1992), além de coautora dos
livros Ambientes virtuais de aprendizagem (Editora da UFSC, 2008), Linguagem, escrita e mundo
(Editora Unijuí, 2000), Educação, saberes distintos, entendimento compartilhado (Editora Unijuí,
2000), Todo dia é dia especial (Editora Unijuí, 1998) e Porções de bem querer (Editora Unijuí, 1997).
E-mail: elenir.m@gmail.com.
A moda em contexto sociocultural: um estudo de projetos sociais relacionados à moda

teórico apoia-se em autores que sugerem abordagens extraestéticas.


Os resultados das reflexões do artigo contribuirão em investigação de
Mestrado Profissional em Design.
Palavras-chave: moda; sociedade; cultura.

Abstract: This article presents a reflection about the relationship


between fashion and sociocultural production. It analyzes the relationship
of reciprocity between society and fashion, considering the historical
sociocultural context. For this, it analyzes the characteristics of three
social projects that use fashion as personal and professional development
bias, focusing on sales generation and appreciation of local artisan culture.
The theoretical scope is supported by authors who suggest extra aesthetic
approaches. The results of article’s considerations will contribute in
research for Professional Masters in Design.
Keywords: fashion; society; culture.

n Introdução
Este artigo, configurando-se em início de investigação de Mestrado em
Design, desenvolvido na Universidade da Região de Joinville (Univille), objetiva
refletir acerca da moda enquanto produto de determinada sociedade e como
influência sociocultural. Para isso, ancorou-se a pesquisa em um aporte teórico
baseado, principalmente, nas concepções de Bourdieu (2002), Lipovetsky (2013)
e Fletcher (2011). O estudo é desenvolvido por meio da análise de três projetos
sociais que utilizam a moda como viés de suas oficinas e de geração de renda.

n A moda como produto social


A moda tornou-se um produto da sociedade. O comportamento, o
conhecimento, a expressão, a classe social, a intenção de uma pessoa podem
ser traduzidos pelo modelo de vestimenta ou artefatos comprados/utilizados.
Inicialmente é necessário definir o entendimento do termo moda, na
presente reflexão. Compreende-se que a moda não atinge/atingiu apenas o
vestuário; outras áreas também são incluídas e dominadas pelo poder da moda,
tal como mobiliário, peças de interiores, gostos, maneiras, linguagem, ideias,
obras de arte... De acordo com Lipovetsky (2013), a moda não está ligada
apenas a um objeto específico, de forma que afeta diferentes esferas da vida
coletiva. A opinião de Lipovetsky converge com a de Baldini (2006, p. 2), em
78
HERMES, Leticia | MORGENSTERN, Elenir Carmen

seus argumentos de que, “nos dias de hoje, a moda tornou-se um fenômeno


social de difícil definição, dada a sua amplitude e a diversidade de opiniões de
que tem sido objeto”.
Desse modo, percebem-se a flexibilidade da moda em empregar-se em
diferentes situações e artefatos e a dificuldade de defini-la com base nessa
mesma flexibilidade, visto que sua amplitude permite diferentes interpretações
e conceitos.
Segundo Bergamo (1998), “[...] a roupa significa algo, seja o que for.
Longe de ser uma criação artística que escapa à razão, ou a mera expressão
da futilidade alheia, a roupa é uma construção racionalizada”. O que confere,
na visão do autor, que a roupa significa algo é o seu sentido, dentro da sua
estrutura social, tornando-se instrumento da sua realização.
Em parte, a alta produção de moda na atualidade pode estar principalmente
relacionada à concepção da “sociedade de consumo”. Como teoriza Lipovetsky
(2007, p. 68),

na fase III, em que as necessidades básicas estão satisfeitas,


o comprador por certo dá importância ao valor funcional dos
produtos, mas, ao mesmo tempo, mostra-se cada vez mais
em busca de prazeres renovados, de experiências sensitivas ou
estéticas, comunicacionais ou lúdicas. Excitação e sensações
é que são vendidas, e é a experiência de vida que se compra,
assemelhando-se todo consumidor, mais ou menos, a um
“colecionador de experiências” desejoso de que se passe alguma
coisa aqui e agora.

Entende-se que as práticas sociais influenciam altamente o consumo, não


apenas de produtos de moda; as produções sociais são abrangentes e afetam
toda a estrutura em que o indivíduo se relaciona e consome.

n A moda como atividade de influência sociocultural


A moda tornou-se uma atividade que cria significados e personalidades e
influencia a sociedade. Desse modo, salienta-se a concepção de Oliveira (2013,
p. 14): “A moda apresenta-se como um dos fenômenos mais influentes na sociedade,
desde as primeiras civilizações, abrangendo diversas áreas de atividades humanas,
interagindo nas bases essenciais da relação entre indivíduo e sociedade”.
No mesmo sentido, Svendsen (2010) escreve que, antigamente, eram
vendidas apenas peças de roupas confeccionadas por costureiras, e hoje, por
outro lado, são vendidas “experiências de vida”. Ou seja, vende-se “fumaça”.
Atualmente, essa indústria de sonhos, denominada moda, cria situações dentro
79
A moda em contexto sociocultural: um estudo de projetos sociais relacionados à moda

da estrutura social, influenciando diretamente o comportamento e o estilo de


vida de seus membros.

A ornamentação, a estética propriamente dita, desenvolve a


decoração da vida, da identidade, do comportamento, o que
culmina na perda de objetivos, uma vez que, em meio a tantas
máscaras, mudanças, transições e pressões por parte do coletivo,
o indivíduo se vê consumado a se tornar sempre uma pessoa
diferente do que realmente é, mas nunca se tornará essa pessoa,
porque não tem nenhuma concepção positiva de quem deseja ser
de fato [...] (OLIVEIRA, 2013, p. 30).

Observa-se que a moda torna o seu consumidor espectador e agente,


quando compra um produto vislumbrando a relação que este permitirá com
a sociedade, sua nova postura, sua nova identidade a partir daquele artefato
simbólico.
A submissão perante o mercado da moda é vista ainda na infância.
Quando o bebê é vestido pela mãe, a criança está construída para ser analisada
não só pela indumentária, mas, por outros aspectos sociais, mostra para a
sociedade o que a mãe quer que ela seja. É um produto da interferência que a
moda exerce no coletivo (BOUCHER, 2010; OLIVEIRA, 2013).
A moda apresenta-se, na atualidade, como influência em todo o público
envolvido na sociedade, sem distinção de idade ou qualquer outra diferenciação.
Seu predomínio pode ser percebido em ideias, costumes, linguagem e identidade,
no cotidiano do indivíduo, que faz uso dessa moda para inserir-se no contexto
social.
Diante de uma engrenagem que impõe situações à sociedade, Bourdieu
(2002) destaca que o valor de um objeto, para um grupo social, está
diretamente relacionado ao valor simbólico ditado pelos jornalistas da moda,
que se fundamentam no desconhecimento do indivíduo, vendendo para este
um produto propositalmente colocado como valioso.

O discurso performativo dos jornalistas de moda é uma


manifestação perfeita da lógica de um sistema de produção que,
para produzir o valor de seu produto, deve produzir, entre os
próprios produtores, o desconhecimento dos mecanismos de
produção (BOURDIEU, 2002, p. 166).

Nesse sentido, Bergamo (1998) explica: “A questão é que há um sentido


que sinaliza os vários símbolos de mundo que precisam ser amealhados para
imprimir a certeza de uma determinada posição. A roupa nutre esta certeza,
assim como diversos outros símbolos também a nutrem”.
80
HERMES, Leticia | MORGENSTERN, Elenir Carmen

Entende-se que a “experiência” permitida pela moda é estruturada e


desenvolvida pela concepção do seu produtor, jornalista ou estilista, não somente
do seu consumidor. O indivíduo recebe o sentido daquele símbolo com base
no que vê; a maneira como a moda apresenta aquele artefato é a forma como
a experiência do produto será entendida.
Fletcher (2011) argumenta que a moda pode suprir algumas de nossas
necessidades mais específicas de abrigo e de proteção, podendo transmitir nossa
expressão social e pertencimento àquilo que deseja. Não obstante, percebe-se a
moda como definidora de símbolos, produtora de habitus sociais, influenciadora
direta de costumes e comportamentos, que envolvem o grupo dominador e o
público dominado (ver BOURDIEU, 2002).
A moda não se limita apenas ao contexto social, também é um campo
influenciador e influenciado na cultura:

[...] as práticas de cultura, entre elas as práticas religiosas, são


fenômenos que se correspondem, pois têm raízes na natureza
humana de produzir sentidos e de estabelecer as relações e a
organização interna dos grupos. [...] a construção social da realidade
é fruto das articulações de sentido que indivíduos estabelecem com
seus semelhantes. A religião e a moda, portanto, como práticas de
cultura, seriam fenômenos que oferecem espaço para empreender
o diálogo entre indivíduo e sociedade. Mais explicitamente, as
práticas de cultura como espaços de entendimento das relações
estabelecidas entre mundo material (estruturas objetivas) e
mundo simbólico (estruturas mentais / subjetivas) e as diferenças
intergrupais. Nesse sentido, poderia afirmar que a variedade e a
heterogeneidade dos múltiplos sistemas de símbolos pertencentes
à moda seriam [...] uma expressão cultural, isto é, expressões de
sentido e/ou de valores dados pelos grupos aos objetos ao longo de
suas experiências sócio-históricas. A moda e todas as práticas de
cultura, suas estratégias de sociabilidade e controle seriam práticas
pelas quais os indivíduos e os grupos se mantêm coesos ou se
dissociam a partir da transmissão, comunhão ou diferenciação de
sentidos (SETTON, 2008, p. 121).

Fletcher (2011) entende que a moda, em seus itens e objetos impregnados


de signos e códigos, indica um serviço de transmissão de mensagens. Isso
ajuda a desenvolver uma relação crucial entre nós, os outros e a sociedade em
sua totalidade. Por esses moldes, percebe-se a moda como prática cultural,
permeada por signos e estratégias que identificam grupos na sua relação com a
sociedade.
Para Souza et al. (2013), o vestuário é relevante para a cultura,
configurando-se em produto direto desta e de seu país. Ele movimenta uma
81
A moda em contexto sociocultural: um estudo de projetos sociais relacionados à moda

indústria próspera, como se observa em Santa Catarina, que conquistou o título


de segundo maior polo têxtil de vestuário do Brasil. Esse poder empreendedor
advém da influência e tradição dos imigrantes, ainda presente no estado.
Desse modo, percebe-se o vestuário, bem como demais artefatos de
moda, enquanto expressão cultural, articulada entre agentes do campo e da
sociedade. Entende-se, nos termos dessa significação, que a moda se articula
com o contexto cultural, assim como a arte, o artesanato, a linguagem e outras
produções do ser humano.

n Moda e projetos sociais


Para o entendimento de uma das situações em que a moda influencia
a produção social e cultural, serão apresentados alguns projetos sociais, do
contexto brasileiro. Destacam-se, para esta análise, três projetos da Região Sul
do Brasil: ProModa, de Caxias do Sul, SempreViva, de Joinville, e Moda em
Produção, de Novo Hamburgo.
Conforme a concepção de Fletcher (2011, p. 122), “a moda nutre a vida de
quase todos, todos os dias, e pode ser um veículo eficaz para mudar intenções,
atitudes e comportamentos”. O referido teórico ainda afirma: “O que quer que
seja alcançado na moda será inevitavelmente disseminado, pois a prevalência da
moda é global, e como tal, pode despertar mentes criativas, modelar atitudes
culturais e sugerir novos comportamentos em todo o mundo” (FLETCHER,
2011, p. 180). Entende-se, por essa diretriz teórica, que a moda, enquanto
estrutura estruturada e estruturante, ao passo em que agrega um conceito de
produção social (no sentido de produto de um projeto social), expande-se para
outros ambientes.
Nesse ínterim apresentam-se, na sequência, alguns exemplos de projetos
sociais bem-sucedidos que se integram ao campo da moda com o intuito de
gerar trabalho e renda.
O Projeto ProModa é fruto de parceria entre designers e artesãos. Ele
ocorre em Caxias do Sul, onde sempre foi percebida uma rica produção artesanal
oriunda da influência da colonização italiana. O projeto é produto do esforço da


Projeto social é um plano ou um esforço solidário que tem como objetivo melhorar um ou
mais aspectos de uma sociedade. Normalmente tem como propósito ajudar um grupo mais
desfavorecido ou discriminado (sem abrigo, dependentes químicos etc.). Muitos projetos sociais são
criados por organizações não governamentais (ONGs), a fim de mudar uma realidade existente.
Essas iniciativas potencializam a cidadania e a consciência social dos indivíduos, envolvendo-os
na construção de um futuro melhor (SIGNIFICADOS, 2015).
82
HERMES, Leticia | MORGENSTERN, Elenir Carmen

Universidade de Caxias do Sul e dos artesãos da região. De Carli (2012) cita que
muitas carências para o artesanato da serra gaúcha podem ser supridas com o
envolvimento de projetos que permeiem conhecimentos de design de moda.

Desta forma, a universidade pode e deve ser a mediadora de


encontros entre o fazer artesanal, com seus valores afetivos
e emocionais tão desejados pelo consumidor atual, e a moda
pelas novidades e pelo primor estético [...]. É necessário ainda
lembrar que a relação com o artesão, em oficinas e cursos, não
comporta imposições, é importante incentivar o clima de trocas
de conhecimentos e respeito mútuo, reconhecendo os valores
particulares no trabalho coletivo (DE CARLI, 2012, p. 95).

Em parceria com a Secretaria de Ciência, Inovação e Tecnologia do


Estado do Rio Grande do Sul, o projeto caminha com sucesso desde 2010,
tendo o objetivo principal de incluir o artesanato como valor agregado aliado a
produtos de moda (conforme figura 1), por meio de oficinas com as integrantes.
A capacitação teórica ocorre por meio de encontros que debatem os seguintes
temas, de acordo com De Carli e Peretti (2013, p. 2): “identidade cultural da
região; [...] aprimoramento estético; estado da arte do artesanato na moda e vice-
versa; visita ao museu municipal para apreciação do artesanato dos imigrantes;
empreendedorismo, trabalho em equipe, associativismo e cooperativismo”. A
capacitação prática é feita, ainda segundo as autoras, abordando os seguintes
temas: “pesquisa de tendência; [...] tema de coleção, materiais e cores [...]; estudo
e aplicação das especialidades artesanais dos participantes; quadro de coleção;
ficha técnica [...]; formação de custo e preço de venda; execução dos protótipos
e apresentação em mostra ou desfile”. O projeto ainda conta com o apoio de
profissionais do Sebrae e uma assistente social (DE CARLI; PERETTI, 2013).

Figura 1 – Produtos feitos em uma das oficinas do ProModa

Fonte: De Carli e Peretti (2013)


83
A moda em contexto sociocultural: um estudo de projetos sociais relacionados à moda

Um dos principais objetivos do ProModa é valorizar o artesanato da


região, o que converge para os escritos de Krucken (2009) acerca de design
e território, em sua indicação de que os elementos da identidade local podem
ser aplicados a produtos, resultando em sua valorização. Trata-se de uma
mutação de comportamento que implica o reconhecimento da sociedade para
preservação de suas características históricas, sua identidade local e tradições.
Esse pensamento é útil no processo criativo do design de produtos, visto que
considera o contexto cultural da região.
Os resultados do projeto não se aplicam apenas às integrantes capacitadas,
mas se estendem a todos os envolvidos, como citam De Carli e Peretti (2013,
p. 4):

A troca de conhecimentos e técnicas artesanais, a colaboração


nos trabalhos e o espírito de equipe constituíram um aprendizado
de valor humano. Para os designers o contato com o artesanato
foi gratificante porque traduziu identidade; para as acadêmicas
e professoras, a oficina mostrou as potencialidades criativas da
união moda/artesanato. E, para as artesãs, o fortalecimento da
autoconfiança e da autoestima foi o ápice da experiência. Os
resultados das oficinas foram mostrados para o público, em
desfiles, exposições e programas de televisão, essa visibilidade
abriu portas para perspectiva econômica do artesanato.

Nesse mesmo aspecto, Fletcher (2011) ainda explica que o designer pode
unir diferentes estilos culturais, tendo como resultado produtos que expressem
a característica do artesanato e por outro lado se ajustem às necessidades do
mercado-alvo. Entretanto, de acordo com o autor, devem ser levadas em conta
as tradições da atividade do artesão e as limitações e exigências do mercado.
O resultado positivo atingido pelo ProModa adveio da iniciativa de parte
das integrantes em formar uma associação intitulada Damas & Tramas. Por
meio do Projeto ProModa, as integrantes perceberam a similaridade de suas
vivências e expectativas profissionais, o que culminou no empoderamento
delas. O surgimento da associação objetivou promover e disseminar, por meio
do próprio trabalho, o artesanato da região, baseado em rendas, tramas e
bordados, conhecimentos herdados dos imigrantes. Além disso, as integrantes
da associação participaram de um curso de extensão chamado “Aprendendo a
ensinar: artesanato como preservação e fonte de renda”, cujo objetivo é preparar
as artesãs para serem professoras, disseminando o conhecimento adquirido (DE
CARLI; PERETTI, 2013).
Em Santa Catarina, na cidade de Joinville, outro projeto, vinculado à
Univille, possui objetivo muito similar ao ProModa: instruir artesãs para além do
artesanato, com saberes do design. Intitulado SempreViva, o projeto de extensão
da Univille, em parceria com a Secretaria de Assistência Social de Joinville,
84
HERMES, Leticia | MORGENSTERN, Elenir Carmen

desenvolve-se desde 2007, ininterruptamente, até a presente data, tendo como


objetivo capacitar as integrantes do grupo (cerca de 30 mulheres a cada ano) com
saberes oriundos dos campos do design e da moda, visando à geração de renda.
A metodologia do projeto promove o desenvolvimento de produtos (conforme
figura 2) em oficinas práticas e teóricas, ministrando os seguintes temas: serigrafia,
patchwork, modelagem, costura, projeto de produto, projeto de programação
visual e administração. O grupo responsável por ministrar as aulas é formado
por professores da graduação de Design (das diferentes linhas de formação: moda,
projeto de produto e projeto de programação visual e, ainda, empreendedorismo).
O projeto conta com a colaboração de estudantes bolsistas e profissionais da
Secretaria de Assistência Social de Joinville. O SempreViva investe na qualificação
profissional dessas mulheres e em sua inserção social, facilitada pela geração de
renda e por ocupações produtivas (SEMPREVIVA, 2015).

Figura 2 – Produto desenvolvido nas oficinas SempreViva

Fonte: SempreViva, AmaViva (2015)

Após a capacitação, ao decorrer de um ano, as alunas são estimuladas


a integrar um segundo projeto, intitulado AmaViva. Este caracteriza-se como
a segunda fase do SempreViva, em que as mulheres podem exercer em grupo
85
A moda em contexto sociocultural: um estudo de projetos sociais relacionados à moda

seus conhecimentos adquiridos (conforme figura 3) e capacitar-se de forma


continuada. A produção acontece conforme a demanda do mercado e de acordo
com os projetos de produto elaborados no ano anterior. Os materiais utilizados
são em parte provenientes de doações por meio das parcerias estabelecidas. A
estrutura para uso é cedida pela Univille (SEMPREFLOR, 2015).

Figura 3 – Grupo Amaviva em atividade

Fonte: SempreViva, AmaViva (2015)

Além dos resultados percebidos pelas artesãs, há também os resultados


estendidos à universidade. Atualmente três projetos de mestrado da Univille
abordam a metodologia e o impacto social e cultural do SempreViva e do
AmaViva, um deles já finalizado e outros dois em processo.
O terceiro projeto aqui referenciado configura-se em projeto de extensão
universitária denominado Moda em Produção. Ele tem como propósito capacitar
mulheres em estado de vulnerabilidade social, situadas em Novo Hamburgo, Rio
Grande do Sul. O projeto ocorre em parceria entre a Universidade Feevale e a
prefeitura da cidade. Está ativo desde 2008 e é mantido com a interdisciplinaridade
dos cursos de Design, Design de Moda e Tecnologia e Psicologia. As oficinas
ministradas buscam mixar técnicas de artesanato, costura e modelagem (adulto
e infantil). Segundo Cezar (2010, p. 4), “o conteúdo das aulas rege os princípios
de organização da produção, qualidade e empreendedorismo no segmento da
confecção, sempre com o acompanhamento psicossocial durante sua realização”.
Um dos resultados do projeto foi a iniciativa de um grupo de participantes de
86
HERMES, Leticia | MORGENSTERN, Elenir Carmen

se associar ao Economia Solidária por intermédio da Incubadora de Tecnologia


da Feevale, o que permite que as integrantes vendam seus produtos em feiras e
eventos por meio da cooperativa. Além disso, as integrantes cadastraram-se para
obter a carteirinha do artesão, que beneficia a venda, possibilitando a participação
em feiras municipais, e dá direito a aposentadoria (CEZAR, 2010).
Fletcher (2011) diz que as necessidades locais são relevantes na hora de
promover um produto de moda, pois estimulam a sustentabilidade, transformam
a moda e a comunidade envolvida, além de fomentar a solidez econômica, a
diversidade estética e cultural. Desenvolver o artesanato em produtos de moda
vendáveis pode caracterizar uma necessidade local. Para Fletcher (2011, p. 146),
o artesanato é “útil, prático e concreto, tem conexão visceral com os materiais
e com a forma em que são moldados para exibição ou utilização”.
Cezar (2010, p. 7) explica que os acadêmicos envolvidos nesse projeto
também são favorecidos, uma vez que há aprimoramento no sentido de
vivenciarem experiências reais, por meio de contato direto com a comunidade,
com a prefeitura e com diversos setores e profissionais da instituição. No mesmo
sentido, encontra em Fletcher (2011, p. 162) o argumento de que o “papel do
facilitador tende a enfatizar o processo, em detrimento do resultado, e redesenha
as fronteiras do ego dos designers, por entender o sucesso como consequência
do esforço coletivo, não de talento isolado”.

Figura 4 – Integrantes do Projeto Moda em Produção

Fonte: Cezar (2010)


Para obter mais informações sobre a Incubadora de Economia Solidária, acesse o site <http://
www.feevale.br/institucional/institutos-academicos/instituto-deciencias-sociais-aplicadas-icsa/
projetos-e-laboratorios/incubadora-de-economia-solidaria>.
87
A moda em contexto sociocultural: um estudo de projetos sociais relacionados à moda

No estudo apresentado, a moda, em contexto de projeto social, propicia


práticas não de “sujeitos”, mas de “agentes”:

[...] Os “sujeitos” são, de fato, agentes que atuam e que sabem,


dotados de um senso prático [...], de um sistema adquirido de
preferências, de princípios de visão e de divisão (o que comumente
chamamos de gosto), de estruturas cognitivas duradouras (que são
essencialmente produto da incorporação de estruturas objetivas)
e de esquemas de ação que orientam a percepção da situação e
a resposta adequada (BOURDIEU, 1996, p. 42).

As oficinas oferecidas pelos projetos apresentados neste artigo investem


na capacitação de agentes de mudança social e cultural. Os integrantes dos
diferentes grupos demonstram, após a capacitação, sua posição como agentes.
Boa parte destes se posiciona em uma associação ou monta um negócio próprio,
para geração de renda e melhoria da qualidade de vida. Os integrantes do
ProModa, por exemplo, além do conhecimento adquirido, são estimulados a
ser agentes disseminadores de informação e preservação do artesanato.

n Considerações finais
O artigo apresentou um fragmento de pesquisa de Mestrado em Design.
Abordou a moda em contextos socioculturais e verificou sua relação direta com
a sociedade, indagando sobre a influência nela exercida e dela recebida. Analisou,
brevemente, três projetos sociais que instituem a moda como espinha dorsal
de seu desenvolvimento, considerando seu impacto direto nas integrantes dos
projetos e o impacto indireto absorvido por todos os agentes envolvidos.
O objetivo desta reflexão foi analisar resultados dos projetos sociais
expostos, considerando questões extraestéticas e tendo como escopo teórico
as abordagens sociais.
Concluiu-se que a moda, enquanto produto social, afeta a estrutura
em que interagem os agentes integrantes desse campo. O sistema da moda,
produtor de signos, influencia a cultura e a sociedade e é influenciado por elas.
O vestuário, entendido como expressão cultural, fruto de habitus instituídos,
configura-se em modo de comunicação entre agentes e sociedade.
Os resultados dos projetos, descritos por meio das capacitações, evidenciam
que com o conhecimento prévio (artesanato) e com o conhecimento adquirido
(saberes do design e da moda) boa parte dos integrantes conquista autonomia
e posição de agente social. Tais agentes desenvolvem seus conhecimentos
valorizando as características locais, os saberes herdados e os saberes adquiridos
na capacitação, reconhecendo o potencial cultural e social desse aspecto. A
88
HERMES, Leticia | MORGENSTERN, Elenir Carmen

capacitação estende-se ainda a acadêmicos, profissionais da área da moda e


professores, que percebem o impacto social e cultural favorecido pela moda.

n Agradecimentos
Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes) e à Univille.

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89
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90
Agentes produtivos e organizações
no campo da moda: possíveis
práticas cooperativas

Productive agents and organizations in the field of


fashion: possible cooperative practices

SILVA, Jéssica de Almenau1


MORGENSTERN, Elenir Carmen2

Resumo: Este artigo configura-se como recorte de pesquisa de Mestrado,


ainda em andamento, a qual examina possibilidades de cooperação entre
indústria de moda e agentes integrantes de projetos sociais que visam à
geração de trabalho e renda. O objetivo deste artigo é analisar, com base
em conceitos-chave do método de Pierre Bourdieu, “campo” e “habitus”,
práticas de cooperação entre produtores manuais, apoiados em saberes
artesanais, e organizações do ramo da moda. O estudo, por intermédio
da análise das práticas de duas marcas, Coopa-Roca e Ronaldo Fraga,

1
Mestranda no Programa de Mestrado Profissional em Design pela Universidade da Região de
Joinville (Univille). E-mail: jessicaalmenau@gmail.com.
2
Doutora em Design pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), mestre
em Educação nas Ciências pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande
do Sul (Unijuí). Professora titular no curso de Design e no Mestrado Profissional em Design da
Univille. É autora dos livros Arte, experiência e intersubjetividade (Editora Unijuí, 2004), Grito
preso na garganta (Editora Unijuí, 1999) e Ressurgir (Editora Unijuí, 1992), além de coautora dos
livros Ambientes virtuais de aprendizagem (Editora da UFSC, 2008), Linguagem, escrita e mundo
(Editora Unijuí, 2000), Educação, saberes distintos, entendimento compartilhado (Editora Unijuí,
2000), Todo dia é dia especial (Editora Unijuí, 1998) e Porções de bem querer (Editora Unijuí, 1997).
E-mail: elenir.m@gmail.com.
Agentes produtivos e organizações no campo da moda: possíveis práticas cooperativas

destacará aspectos relacionados ao campo da moda, averiguando o habitus


instituído, bem como suas imbricações sociais, ambientais, econômicas e
culturais.
Palavras-chave: moda; artesanato; cooperação.

Abstract: This paper is part of a research still in process which aims a


critical analysis of two key concepts of the Pierre Bourdieu method: the
field and the habitus, analyzing the cooperation practices already existing
in the market between the productive agents of the handcraft field
and the organizations in the fashion field. The study will focus in the
investigation of relevant aspects of these fields as well as their habitus,
social, environmental, economics and cultural relations. Finally, the two
brands, Coopa-Roca and Ronaldo Fraga, will be analized in order to obtain
data which will stimulate cooperative and sustainable practices.
Keywords: fashion, handcraft, cooperation.

n Introdução
Este artigo apresenta parte da investigação de Mestrado Profissional
em Design intitulada “Indústria de moda e projetos sociais: possíveis práticas
de cooperação”. A pesquisa objetiva desenvolver um processo de cooperação
entre a indústria de moda Dente d’Leão e o projeto social AmaViva/Extensão
Univille que considere questões econômicas, sociais, culturais e ambientais.
É importante evidenciar que a pesquisa, ancorada na abordagem social
do conhecimento, aplicará o método de Pierre Bourdieu como base do estudo.
Assim, propõe-se uma análise das práticas cooperativas, no ramo da moda,
com base em dois conceitos-chave do método de Bourdieu: o campo e o
habitus. A investigação avaliará e definirá possíveis práticas cooperativas entre
indústria de moda e projeto social, as quais visam à geração de trabalho e renda,
focalizando em estratégias de design e saberes artesanais, ambos orientados
para a sustentabilidade e a valorização cultural e social.
O objetivo central deste artigo é identificar e compreender experiências,
ou seja, processos, ferramentas e diretrizes já aplicados com resultados positivos.
Para tanto, será realizada uma análise de práticas de cooperação entre agentes


Segundo Setton (2008, p. 120), Pierre Bourdieu é considerado um dos maiores sociólogos de
língua francesa das últimas décadas e um dos mais importantes pensadores do século XX. Sua
produção intelectual, desde a década de 1960, vem se destacando no cenário acadêmico, pois se
estende por uma grande variedade de objetos e temas de pesquisa – educação, cultura, moda,
artes, gênero, entre outros.
92
SILVA, Jéssica de Almenau | MORGENSTERN, Elenir Carmen

produtivos ligados a projetos sociais e organizações industriais – experiências da


Coopa-Roca e Ronaldo Fraga –, levando em consideração o campo no qual
esse cenário acontece e o habitus instituído entre os agentes que se relacionam
em tal processo.

n Teoria na prática
Partindo do ponto de vista de que a prática é a comprovação de todo
o estudo científico, seria insustentável deixá-la de lado ao projetar um estudo
com base social aplicada. Assim, o método de Bourdieu torna-se o pilar de toda
a construção de conhecimento aqui expresso, por tratar-se de processo que
consiste não apenas na reunião de escopos e pensamentos preexistentes, mas
na análise e aplicação da teoria, para que, a partir desse ponto, se construa de
fato algum conhecimento.
Para Bourdieu (2013), muitas vezes a prática é considerada negativa se
confrontada à lógica do pensamento do discurso (razão). Em contrapartida, para
que o desenvolvimento de uma razão tenha valor científico é preciso valer-se
de argumentos, demonstrações e refutações, ou seja, não há como estudar
o campo de produção cultural deixando de lado a ação. Se a prática não for
considerada em uma investigação científica, o estudo ainda é prisioneiro de
uma ilusão escolástica que acredita que apenas a lógica faz o discurso valer
cientificamente (BOURDIEU, 2011).
Segundo Setton (2008), Bourdieu defende a ciência social reflexiva e
propõe colocar questões sobre diversos olhares científicos, visando à quebra de
doutrinas e paradigmas, para que se consiga esmiuçar e desvendar o objeto em
estudo. Denominada “estruturalismo genético” ou “construtivista”, a aplicação
desse conceito origina a necessidade de utilizar autores com olhares distintos e
de diferentes campos de estudo, para que se desdobre uma visão panorâmica
do assunto. Particularmente, para esta pesquisa, serão destacados autores dos
ramos de economia, sociologia, filosofia, entre outros.
Bourdieu propõe também a abordagem dos sistemas simbólicos (linguagens
e representações), os quais sugerem uma análise das práticas de grupos sociais
com base em conceitos-chave como campo e habitus. Ambos os conceitos
podem ser avaliados isoladamente, mas influenciam-se mutuamente. Segundo
Cherques (2006, p. 32), para seguir os passos do processo investigatório de
Bourdieu é essencial compreendê-los tanto separadamente quanto na forma
como se articulam.
93
Agentes produtivos e organizações no campo da moda: possíveis práticas cooperativas

Campo

O primeiro conceito-chave de Bourdieu a ser abordado, antes da aplicação


da teoria na prática, é a noção de campo. Segundo o autor, “a ciência social
não deve construir classes, mas sim espaços sociais no interior dos quais as
classes possam ser recortadas” (2011, p. 49). Ele enfatiza que a esfera econômica
apenas é um exemplo de campo.

Os campos são resultados de processos de diferenciação social,


da forma de ser e do conhecimento do mundo e o que dá suporte
são as relações de força entre os agentes (indivíduos e grupos) e
as instituições que lutam pela hegemonia, isto é, o monopólio da
autoridade, que concede o poder de ditar as regras e de repartir o
capital específico de cada campo (BOURDIEU apud ARAÚJO;
ALVES; CRUZ, 2009, p. 36).

Logo, entende-se que o campo é um espaço social em que se produz


uma lógica própria e se fomenta uma relação entre agentes e grupos sociais.
Cada campo possui propriedades que lhe são particulares. Para Cherques (2006,
p. 36), “os campos possuem propriedades que lhes são particulares, existindo
os mais variados tipos, como o campo da moda, o da religião, o da política, o
da literatura, o das artes e o da ciência”. Ele também afirma que “todo campo
se caracteriza por agentes dotados de um mesmo habitus”.
Esses fragmentos do discurso de Cherques elucidam o pensamento de
Pierre Bourdieu (2011): na mesma medida em que o estado tem a capacidade
de regular diferentes campos, a apreensão relacional cria grupos de agentes que
compartilham gostos e comportamentos semelhantes.
Assim, todas as sociedades se apresentam como um espaço social
(campo), porém nada permite supor que o campo é imutável; pelo contrário, as
mudanças ocorrem por meio de diversas influências exercidas sobre a sociedade
ao longo dos anos. Esse é apenas um exemplo de campo. Podem-se destacar
diversos outros, como os campos religioso, político, artístico, literário, da moda,
entre outros (BOURDIEU, 2011).
Este artigo dedica-se a averiguar processos cooperativos entre indústrias
têxteis e projetos sociais constituídos por grupos femininos que visam à geração
de trabalho e renda. Assim, os próximos desdobramentos teóricos dedicar-se-ão
à compreensão do campo da moda e do artesanato, tendo como pano de fundo
a sustentabilidade, base recorrente de fomento a essa prática social.
94
SILVA, Jéssica de Almenau | MORGENSTERN, Elenir Carmen

O campo da moda

Diversas áreas de estudo dedicam-se a compreender o fenômeno da


moda e sua indústria. Isso ocorre por se tratar de uma área multidisciplinar
com pluralidades e relevância econômica e cultural. A vestimenta sempre esteve
presente na vida do ser humano e evoluiu com ele. A indústria de vestuário,
que é movimentada pelo fenômeno da moda, é uma das atividades fabris mais
antigas da humanidade, e suas tecnologias, processos e métodos produtivos são
bastante conhecidos. Normalmente as primeiras atividades industriais instaladas
em um país são referentes a esse setor e têm sido absorvedoras de mão de
obra (FEGHALI; DWYER, 2001).
A atividade têxtil, inicialmente, era prática exclusiva dos artesãos, que com
ferramentas e habilidades de conhecimentos únicos, muitas vezes passadas de
pai para filho, confeccionavam peças de vestimenta criadas e produzidas por eles
próprios. Não existia reprodução de peças em escala, logo esses ateliês foram uma
das primeiras atividades afetadas pela Revolução Industrial, iniciada em meados
do século XVIII na Inglaterra, quando a mão de obra artesanal passou a ser
deixada de lado, pois, por conta da invenção da máquina a vapor, mecanizou-se
a maioria dos processos têxteis (KUBRUSLY; IMBROISI, 2011).
A partir desse ponto da história da sociedade, a moda tornou-se explícita e
industrializada como é conhecida hoje, pois foi por meio dessa revolução que se
conseguiu a reprodução dos produtos têxteis. Segundo Faccioni (2011, p. 79),

com a invenção das máquinas de costura, da fotografia, da


lâmpada elétrica, do telefone e do rádio, o mundo se modernizou,
e a Inglaterra passou a ser o centro das atividades industriais.
As grandes cidades da época receberam as primeiras lojas de
departamentos, vendendo produtos fabricados em série.

Com tantas invenções e descobertas, consolidou-se no século XX uma


transformação sociocultural que conduziu a uma nova forma de pensar a
indústria da moda, a qual atualmente, segundo Berlim (2012, p. 26), “[...] é um
dos três setores mais importantes da economia mundial”.
Percebe-se que com a evolução da indústria têxtil a moda passou a englobar
vários segmentos, entre eles a produção de fibras, a fiação, a tecelagem ou
malharia, a tinturaria, o beneficiamento e a confecção. Também abrange os setores
agroindustrial, químico e de bens de capital, responsáveis pelo fornecimento de
matérias químicas e equipamentos (FEGHALI; DWYER, 2001, p. 30).
Para melhor entendimento desse modelo industrial, a figura 1 exemplifica
em forma de fluxograma a cadeia têxtil em todas as suas etapas.
95
Agentes produtivos e organizações no campo da moda: possíveis práticas cooperativas

Figura 1 – Fluxograma simplificado da cadeia têxtil

Fonte: Adaptado de Feghali e Dwyer (2001, p. 32 e 33)

O fluxograma comprova a multidisciplinaridade existente na indústria


têxtil, contudo, mesmo que tal cadeia seja tão abrangente, ela pode ser
considerada de fácil entendimento quando comparada ao fenômeno que a
movimenta, denominado moda.
A moda está além da peça física que encontramos exposta em lojas;
ela envolve fatos imateriais, contextos culturais e sociais e, acima de tudo, a
identidade e necessidade do ser humano. Segundo Bourdieu (2011), a moda
possui um elevado rendimento simbólico de sociação ou dissociação, em virtude
de sua intrínseca relação entre a linguagem e a cultura. Esse paradoxo é o
resultado da busca da individualização e ao mesmo tempo da imitação por
meio do vestuário.
Tal imitação muitas vezes ocorre por meio da relação entre tendência e
moda, que Berlim (2012) define como “uma relação de retroalimentação: a moda
tanto expressa tendências quanto as gera”. Ou seja, a tendência de moda muitas
vezes é criada não com o intuito de valorizar a cultura ou a identidade de um
certo campo, mas como forma de programar a obsolescência de um produto.
Ocorre que o sistema da moda tem como principal objetivo o lucro, mesmo que
o conceito de sustentabilidade, aplicado ao vestuário, esteja em ascensão.
O mercado tem mostrado uma mudança de comportamento do
consumidor, que está cada vez mais preocupado com as questões éticas e
sociais; logo, é necessário manter-se atento às novas demandas mercadológicas
(SCHULTE; LOPES, 2013). A relação do consumidor com os produtos
ofertados a ele está evoluindo rapidamente, definindo aspectos relevantes para
a aquisição ou rejeição desses artefatos. O respeito à natureza, a composição
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SILVA, Jéssica de Almenau | MORGENSTERN, Elenir Carmen

dos materiais, o posicionamento ético e a postura ecológica, em alinhamento


com os anseios da humanidade, tornam-se pontos efetivos para que se agregue
valor a um produto e este seja preferência aos consumidores movidos pela
inteligência coletiva (FACCIONI, 2011).

Sustentabilidade na moda

A sustentabilidade tem sido um tema de discussão de longa data, pois


possui diferentes dimensões e sua aplicação pode estar relacionada a áreas
distintas, inclusive na indústria da moda. Para compreender essa relação, é
preciso esclarecer o conceito de sustentabilidade.
Segundo Cabrera (2009), em 1987 Gro Brundtland, presidente de
uma comissão da Organização das Nações Unidas (ONU), apresentou pela
primeira vez o termo sustentabilidade, ao qual ela definiu do seguinte modo:
“Desenvolvimento sustentável significa suprir as necessidades do presente sem
afetar a habilidade das gerações futuras de suprirem as próprias necessidades”.
Assim, a proposta não era só salvar a Terra, cuidando da ecologia, e muito
menos interromper o crescimento econômico, mas suprir todas as necessidades
de gerações sem esgotar o planeta.
Desde então, assuntos pertinentes ao meio ambiente passaram a ser
vinculados à sustentabilidade, que tem como regra básica ser economicamente
viável, socialmente justa, culturalmente aceita e ecologicamente correta. Logo,
tal conceito ganha, a cada dia que passa, maior destaque nos meios empresariais,
governamentais, acadêmicos e na sociedade de maneira geral.
Preservar o meio ambiente tornou-se essencial nas organizações, visto
que a sustentabilidade está se difundindo ligeiramente, o que faz empresas,
meios de comunicação de massa e organizações da sociedade incorporar um
novo estilo de vida e consumo. É preciso agir de forma correta com o planeta
em que se vive para que ele se torne sustentável. Segundo Fialho et al. (2008,
p. 90), “uma organização cujo processo produtivo é reflexo de uma cultura
voltada para a questão do desenvolvimento sustentável se preocupa em
assegurar a continuidade da vida para todos, não só a curto prazo, mas levando
em conta gerações futuras”.
O conceito de sustentabilidade aplicado aos setores da moda e produção
têxtil também tem sido focalizado por inúmeros pesquisadores da área.
Conforme Berlim (2012), a sustentabilidade relacionada com a moda surgiu
na década de 1960, visto que obedeceu a uma tendência mundial para o
desenvolvimento de materiais ecológicos. Nessa mesma época, no Brasil, as
preocupações ambientais referentes ao impacto causado pela indústria têxtil
começaram a surgir.
97
Agentes produtivos e organizações no campo da moda: possíveis práticas cooperativas

Apesar de o termo sustentabilidade já fazer parte da sociedade


contemporânea, a indústria da moda ainda é facilmente associada à
sustentabilidade por meio de ações ambientais. Por mais que elas tenham valor,
pode-se ir além disso, pois a moda é responsável por algumas questões sociais
insustentáveis, que devem ser percebidas e ponderadas (BERLIM, 2012).
De acordo com a mesma autora, as pesquisas atuais abrangem não
apenas os aspectos ambientais dos produtos, como todas as questões sociais,
econômicas, políticas e culturais, analisando todo o processo da cadeia têxtil,
até o consumo e descarte desses produtos.
Nota-se que a sustentabilidade na moda está além de produções limpas
e produtos ecológicos. A moda é um fenômeno disseminador de ideias e possui
um papel importante na valorização cultural e social.

O artesanato

Para Lody (2013), pode-se definir o artesanato como uma técnica


manual que utiliza ferramentas e/ou objetos adaptados como ferramentas para
transformar diferentes matérias-primas em produtos, apropriando-se do conjunto
de conhecimentos tradicionais, étnicos e técnicos para a criação de objetos.
Muitas técnicas são ancestrais, e outras se adaptam a novas necessidades.
Assim, o artesanato permeia a memória cultural e a ação autoral individual,
considerando também a transformação social em sua prática.
O artesanato, tal qual a moda, sofreu transformações com a Revolução
Industrial, principalmente com a substituição da produção manual pela
mecanizada. “A partir daí, a função do artesanato começou a se modificar,
aproximando-se daquela que possui nos dias de hoje: passou de único meio de
fabricação para uma forma alternativa de produção” (KUBRUSLY; IMBROISI,
2011, p. 11).
O artesanato, historicamente, faz parte do repertório de símbolos de
uma sociedade e possui um significativo papel cultural para ela. Segundo Lody
(2013, p. 13),

a relação entre criador e criação – artesão e objeto – implica um


conhecer que fundamentalmente está na técnica, aliada à função,
que é o desempenho sociocultural do objeto, penetrando o que
há de útil e simbólico ao mesmo tempo. Tem ainda ele, objeto,
a suficiência de traduzir em material e forma as marcas do meio
ambiente, da região – sua ecologia.

Essa valorização simbólica do artesanato esteve no foco de criadores


e estudiosos em diversas épocas e de diferentes maneiras. Um exemplo da
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SILVA, Jéssica de Almenau | MORGENSTERN, Elenir Carmen

preocupação da valorização do artesanato foi o movimento Arts & Crafts, na


Inglaterra, o qual defendia o artesanato em oposição à produção mecanizada
em série e às condições de trabalho dos operários. A Bauhaus, escola de design
fundada em 1919 na Alemanha, também é um exemplo desse contraponto
industrial, pois ela foi estabelecida com o intuito de criar uma nova guilda de
artesãos capazes de produzir artefatos que fossem, ao mesmo tempo, artísticos
e comerciais. Ou seja, a escola ergueu-se em contraponto a produtos sem
identidade cultural e artística (KUBRUSLY; IMBROISI, 2011).
Atualmente, percebe-se o retorno do artesanato nos meios industriais, o
que evidencia a mudança da sensibilidade contemporânea, que se apropria do
artesanato de forma sustentável para expressar uma nova revolta contra a religião
abstrata do progresso (LODY, 2013). Assim, o artesanato sustentável tem como
intuito a valorização cultural, visto que, diante de uma sociedade globalizada e de
intensa competitividade, os produtos confeccionados industrialmente perderam
traços de identidade cultural.
Segundo Barroso Neto (2014), o artesanato para o Brasil serve como
uma estratégia de diferenciação, pois dificilmente o país conseguirá competir
na base do preço. Assim, investir em aspectos mais singulares de um produto
configura-se em possibilidade de distinção.

[...] o artesanato passou a ser repentinamente valorizado, pois


nele ainda residem os traços culturais mais característicos de sua
região de origem. São estes diferenciais culturais a grande força
competitiva dos países menos desenvolvidos. Além deste aspecto
estratégico do ponto de vista econômico, cabe ainda lembrar a
capacidade de o artesanato ocupar expressivo contingente de
mão-de-obra pouco qualificada, que foi marginalizada no mercado
de trabalho por forças das mudanças tecnológicas, destacando-se
assim a sua função social que empresta dignidade a quem produz
(BARROSO NETO, 2014, p. 6).

Verifica-se que o artesanato, nesse sentido, além de preservar


aspectos culturais também se apresenta como inovação social, organizando
empreendimentos criativos e competitivos. Esses empreendimentos organizados
por projetos sociais fomentam novos modelos de atividades locais, por se tratar
de uma inovação social que, segundo Manzini (2008, p. 61), se refere “[...] a
mudanças no modo como indivíduos ou comunidades agem para resolver seus
problemas ou criar novas oportunidades”.
Evidencia-se que o artesanato, por si só, pode ser considerado sustentável
cultural e economicamente, quando, além de preservar características culturais
de um local, também gera a inserção de indivíduos de mão de obra pouco
qualificada no mercado de trabalho.
99
Agentes produtivos e organizações no campo da moda: possíveis práticas cooperativas

Habitus

Da mesma forma que o campo está ligado à sociedade, o habitus está


conectado às práticas individuais ou coletivas. Contudo esses dois conceitos
possuem uma relação de interdependência, e ao abordar um campo é
indispensável refletir também sobre seus habitus.
Levando em consideração tal ligação, Bourdieu (1983, p. 82) afirma que “as
diferentes posições no espaço social correspondem a estilos de vida, sistemas de
desvios diferenciais que são a retradução simbólica de diferenças objetivamente
inscritas nas condições de existência”. Logo, esses campos distintos induzem a
diferentes estilos de vida que, consequentemente, influenciarão pensamentos,
percepções, expressões e ações de seus agentes.
Segundo Bourdieu (2013), o habitus é produto das condições sociais de
toda relação do passado, mas ao mesmo tempo sofre influências e é construído
continuamente no presente imediato. O habitus não deve ser considerado
imutável, pois ele é constantemente moldado por novas experiências.
Apesar de esse conceito ser resultado da obediência a algumas regras e ser
coletivamente orquestrado, ele não possui a ação organizadora de um maestro,
podendo fluir e ser construído continuamente. Com base em Bourdieu, Setton
(2002, p. 64) afiança que o “habitus é um instrumento conceptual que auxilia a
apreender uma certa homogeneidade nas disposições, nos gostos e preferências
de grupos e\ou indivíduos produtos de uma mesma trajetória social”.
Dessa forma, o habitus está inteiramente ligado à cultura e à sociedade.
Ele orienta a conduta de um sujeito ou grupo, ou seja, é um princípio gerador
e organizador de práticas e representações. Esse conceito de Bourdieu não é
responsável pela construção de regras, mas trata de regularidades construídas em
um campo e serve de base para a delimitação de previsões de macrotendências
comportamentais (BOURDIEU, 2013).

Cultura e sociedade

A cultura só existe por conta dos sistemas simbólicos que são construídos
por linguagens/significantes e representações/significados. Ela tem relação com
todo tipo de comportamento, prática ou rotina de um indivíduo ou grupo,
quer dizer, o modo de ser e fazer dos agrupamentos humanos – alimentação,
vestuário, mobiliário, lazer, hobby, entre outros (BOURDIEU, 2013).
Com base na teoria de Bourdieu, Cherques (2006) define o capital
cultural como os conhecimentos, as habilidades e as informações transmitidos
pelo campo em que o agente ou grupo está inserido. Em outras palavras, é o
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SILVA, Jéssica de Almenau | MORGENSTERN, Elenir Carmen

habitus pertencente a esse meio. Já o capital social se refere aos relacionamentos


e rede de contatos destes.
A moda como sinônimo de comportamento e o artesanato como
sinônimo de representação estão intrinsecamente ligados à cultura de uma
sociedade quando desvinculados das influências da globalização, que por sua
vez acarreta a monocultura e a homogeneidade de gostos e estilos, destruindo a
pluralidade cultural e a heterogeneidade de um indivíduo ou grupo, sem respeitar
as particularidades de um determinado local.
Nesses termos, a responsabilidade sociocultural de um produto de moda
ou produto artesanal recai sobre o seu criador ao projetá-lo, visto que este deve
atentar para aspectos sociais e culturais, promovendo a diversidade local e a
solidez econômica do ambiente no qual está inserido.

n Análise das práticas de cooperação


A intenção principal desta reflexão é analisar práticas de cooperação entre
agentes produtivos do campo do artesanato e organizações no ramo da moda.
Para tal, foram seleciodas duas marcas brasileiras – Coopa-Roca e Ronaldo
Fraga –, a fim de identificar processos, ferramentas e diretrizes que já foram
realizadas e bem-sucedidas nessas indústrias.

Coopa-Roca

A primeira marca analisada será a Coopa-Roca – Cooperativa de Trabalho


Artesanal e de Costura da Rocinha Ltda. –, idealizada e posteriormente fundada
em 1982 por Maria Tereza Leal, socióloga e arte-educadora. Trata-se de uma
cooperativa de mulheres moradoras da comunidade da Rocinha, Rio de Janeiro,
que produzem peças artesanais com foco no mercado da moda e do design
(COOPA-ROCA, 2015).
A cooperativa originou-se de uma experiência de reciclagem com crianças
da Rocinha, atividade pela qual a própria fundadora foi responsável. Ao perceber
os trabalhos que as crianças traziam feitos pelas mães, ela se surpreendeu com
a qualidade das peças e principalmente dos fuxicos. Foi então que surgiu a
ideia de montar a Coopa-Roca, e assim se deu início ao embrião do que é a
cooperativa hoje (SANTANA apud BERLIM, 2012).
A figura 2 representa a produção fotográfica realizada para a revista
Vogue americana de 2003, em que Murillo Meirelles apresenta as artesãs e
Maria Tereza Leal com suas produções na entrada da sede da Coopa-Roca,
na Rocinha, Rio de Janeiro.
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Agentes produtivos e organizações no campo da moda: possíveis práticas cooperativas

Figura 2 – Coopa-Roca (Vogue)

Fonte: Coopa-Roca (2015)

Maria Tereza, também conhecida por Tetê, é denominada hoje como


“Fada da Rocinha”, pois segundo Berlim (2012, p. 107) ela é

uma fada com os valores que todas as fadas têm: justiça, bondade,
bom senso e uma varinha chamada “DDD” – desejo, determinação
e disciplina. Foram esses princípios, associados a sua sólida formação,
que fizeram com que a nossa Tetê fosse reconhecida no mundo
como uma ativista que se antecipou às questões da sustentabilidade
antes mesmo do conceito ser edificado.

O primeiro contato que teve com o campo da moda só se deu em


1994, quando começou a participar de desfiles. A partir desse ano a visibilidade
da Coopa-Roca aumentou, por conta dos jornalistas e de novas parcerias,
porém somente em 2000 a instituição conseguiu se tornar uma cooperativa e
sistematizar sua produção (SEIXAS, 2011). A figura 3 ilustra uma das peças
produzidas para o desfile da cooperativa em 1994. A peça foi elaborada com
retalhos, e a fotografia foi veiculada na revista Elle Brasil.


Esta figura retrata a fachada da Cooperativa Coopa-Roca. A imagem foi coletada no Facebook
da marca, e sua utilização neste artigo acadêmico tem o intuito de ilustrar as atividades exercidas
pela cooperativa.
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SILVA, Jéssica de Almenau | MORGENSTERN, Elenir Carmen

Figura 3 – Fotografia veiculada na Elle (1994)

Fonte: Coopa-Roca (2015)

As figuras 4 e 5 mostram peças confeccionadas em parceria com grandes


marcas da moda: Osklen e Lacoste.

Figura 4 – Peça confeccionada em parceria com a Osklen

Fonte: Coopa-Roca (2015)


Fotografia veiculada na revista Elle em 1994, coletada no Facebook da Coopa-Roca. A utilização
de tal imagem neste artigo acadêmico visa ilustrar as atividades exercidas pela cooperativa.

Fotografia do desfile da Osklen em parceria com a Coopa-Roca, coletada no Facebook da
Coopa-Roca. O uso de tal imagem neste artigo acadêmico visa ilustrar as atividades exercidas pela
cooperativa.
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Agentes produtivos e organizações no campo da moda: possíveis práticas cooperativas

Figura 5 – Peças confeccionadas em parceria com a Lacoste

Fonte: Coopa-Roca (2015)

Atualmente, com aproximadamente cem artesãs, a cooperativa desenvolve


produtos de moda com técnicas como fuxico, patchwork, bordado, nozinho,
crochê, tricô, tingimentos e estampas artesanais como pinturas, batique e tai dai10.
Muitas de suas técnicas utilizam materiais reciclados e sobras de tecido doadas por
empresas de confecção (BERLIM, 2012). A Coopa-Roca respeita o tempo biológico
da Terra e contribui para o desenvolvimento sustentável da indústria têxtil.
Além do seu lado ambiental, a cooperativa também possui um lado social,
pois proporciona melhorias na qualidade de vida para suas artesãs e famílias,
visto que, além de ajudar na qualificação e no crescimento profissional, também
possibilita o aumento da renda familiar. Um grande benefício de participar da
cooperativa é que as mulheres podem trabalhar em casa. Como muitas delas
possuem filhos em idade não escolar, essa é uma possibilidade de maiores
vínculos familiares afetivos (COOPA-ROCA, 2015).


Fotografia de peças produzidas pela Lacoste em parceria com a Coopa-Roca, coletada no
Facebook da Coopa-Roca. A utilização de tal imagem neste artigo acadêmico visa ilustrar as
atividades exercidas pela cooperativa.

Técnica de unir retalhos, em que se emprega reciclagem de tecidos lisos, estampados, de
diferentes cores e texturas, para construir outro tecido (LODY, 2013, p. 289).

Técnica de impressão sobre tecido com uso de cera e pigmento. As técnicas que utilizam
vários pigmentos também costumam ser chamadas de reserva, porque tingem algumas partes e
reservam outras que vão ficar na cor do tecido original e que depois podem ser preenchidas com
outra cor (LODY, 2013, p. 90).
10
Técnica de tingimento inspirada nas estampas indianas e nos ideogramas japoneses. Caracteriza-
se por fazer manchas no tecido para formar estampas por meio de superposição de cores (LODY,
2013, p. 345).
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SILVA, Jéssica de Almenau | MORGENSTERN, Elenir Carmen

Com um enfoque profissional que valoriza a produção artesanal


apoiada no aperfeiçoamento constante das cooperadas, a Coopa-
Roca tem por visão ampliar o impacto social de sua experiência
na Rocinha, tornando-se uma referência nacional no processo
de inserção social das comunidades de baixa renda (COOPA-
ROCA, 2015).

Dessa forma, sua visão não se faz distante de ser atingida, pois trabalhos
desenvolvidos com a Osklen e parceiros como o estilista Carlos Miele abriram
portas para que hoje a cooperativa atuasse juntamente com marcas como
Lacoste e nomes como Paul Smith, Ann Taylor, Lacroix e outros, além de
possuir atualmente sua própria marca. “No último ano (2011) a cooperativa
participou de três importantes eventos internacionais, sendo um na Itália e dois
nos Estados Unidos” (BERLIM, 2012, p. 107).
Segundo a mesma autora, em março de 2012 a Coopa-Roca inaugurou
sua primeira loja, localizada no Rio de Janeiro, no Shopping São Conrado
Fashion Mall, a qual visa ampliar a visibilidade da marca no país e gerar aumento
do consumo local de seus produtos (BERLIM, 2012). A seguir estão fotos dos
produtos e da loja da Coopa-Roca.

Figura 611 – Loja Coopa-Roca

Fonte: Coopa-Roca (2015)

11
Fotografia da loja da Coopa-Roca no Shopping São Conrado Fashion Mall, coletada no
Facebook da marca. O uso de tal imagem neste artigo acadêmico tem a intenção de ilustrar as
atividades exercidas pela cooperativa.
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Agentes produtivos e organizações no campo da moda: possíveis práticas cooperativas

Figura 712 – Vestuário feminino

Fonte: Coopa-Roca (2015)

Figura 8 – Acessórios

Fonte: Coopa-Roca (2015)

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As figuras 7, 8 e 9 mostram peças comercializadas na loja da Coopa-Roca no Shopping São
Conrado Fashion Mall. Elas foram coletadas no Facebook da marca, e sua utilização neste artigo
acadêmico busca ilustrar as atividades exercidas pela cooperativa.
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SILVA, Jéssica de Almenau | MORGENSTERN, Elenir Carmen

Figura 9 – Almofadas

Fonte: Coopa-Roca (2015)

Destaca-se que a marca Coopa-Roca, além de resgatar a cultura local das


bordadeiras, também possui o papel de integrar socialmente tais mulheres, que
são respeitadas e tratadas como trabalhadoras e remuneradas de forma justa.
Alguns trabalhos realizados com sobras de tecidos doadas por outras indústrias
também demonstram a responsabilidade ambiental da cooperativa.

Ronaldo Fraga

A marca Ronaldo Fraga, que possui o nome de seu fundador, é hoje um


dos mais importantes referenciais no campo da moda nacional. Esse estilista
participa da maior semana de moda do Brasil, o São Paulo Fashion Week, e é
conhecido por transparecer a cultura brasileira em suas coleções, que já tiveram
temas como: o universo da obra de Carlos Drummond de Andrade, o sertão
de Guimarães Rosa, a cerâmica das bonecas do Jequitinhonha e o legado da
cantora Nara Leão (BERLIM, 2012).
Fraga sempre traz em suas coleções problemas que afligem a realidade
brasileira. Em seu desfile mais recente o estilista abordou o tema “Sereias”,
por meio do qual fez uma crítica contra os padrões estéticos impostos pela
sociedade. Ronaldo também já empregou temas polêmicos como o abandono
de crianças e idosos, evidenciado na coleção “Tudo é risco de giz”, do inverno
de 2009, e a transposição do Rio São Francisco, situação exposta na coleção
do verão do mesmo ano. A figura 10 refere-se a peças apresentadas no desfile
com o tema “Sereias”:
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Agentes produtivos e organizações no campo da moda: possíveis práticas cooperativas

Figura 1013 – Desfile “Sereias”

Fonte: FFW (2015)

A diversidade cultural, o artesanato local gerador de renda para


comunidades e o resgate artístico nacional são valores embutidos nas peças
produzidas por Ronaldo Fraga (BERLIM, 2012). Em entrevista para a revista
Brasil Feito a Mão (MOREIRA, 2011), Ronaldo Fraga explica que o artesanato
passou a ser característica de seu trabalho, algumas vezes de modo mais
explícito, outras de forma mais implícita, porém esse ofício entrou em suas
coleções para não sair mais. O bordado e o feito à mão sempre se fazem
presentes em suas produções. A prática de embutir o valor artesanal em seu
produto já se tornou rotineira no desenvolvimento de seu ofício. Da mesma
forma que ele escolhe uma estampa ou tecido para a coleção, ele também
define os tipos de bordados manuais ou técnicas artesanais que vai utilizar
(MOREIRA, 2011).
Nessa mesma entrevista, Ronaldo ressalta que uma das maiores
dificuldades para incorporar a prática do artesanato em seu trabalho e garantir
a continuidade de geração de renda e preservação da atividade dos artesãos
é a logística desses produtos. Ele afirma que em diversos momentos foi
impossibilitado de dar continuidade à parceria entre a marca Ronaldo Fraga e os

13
Fotografia de peças da marca Ronaldo Fraga apresentadas no desfile da edição verão 2016
do São Paulo Fashion Week (SPFW), com a temática “Sereias”. A imagem foi coletada no site
Fashion Forward no ano de 2015 e sua utilização neste artigo acadêmico tem o intuito de ilustrar
as peças produzidas pela marca.
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grupos de artesãs, pois não conseguiu contatá-las, ou mesmo por conta do custo
elevado para enviar a encomenda. Para tentar suprir esses problemas, todas as
peças produzidas atualmente têm uma etiqueta com o nome da bordadeira ou do
artesão, em que comunidade foi feita a peça e/ou seu contato, a fim de facilitar
sua rastreabilidade para outras indústrias interessadas (MOREIRA, 2011).
Percebe-se que Ronaldo Fraga consegue embutir o conceito de
sustentabilidade em seus produtos, valorizando questões culturais por meio do
resgate de técnicas artesanais e transmissão da identidade brasileira em seus
produtos, assim como a valorização social e econômica, por conseguir gerar
renda a esses grupos de artesãos e sua inserção no mercado industrial.

n Considerações finais
Este artigo objetivou tratar de práticas de cooperação existentes entre
agentes produtivos e organizações no campo da moda. Esta análise, apoiada
nos conceitos-chave de Bourdieu (habitus e campo), foi realizada com base em
duas experiências brasileiras: Coopa-Roca e Ronaldo Fraga.
Em primeira instância se analisaram os campos em que tais marcas estão
inseridas: o da moda e o do artesanato. Evidenciou-se que ambos os campos
estão saturados, pela massificação de gostos e estilos, fruto do habitus instituído
socialmente, e carecem de investimentos em possibilidades sustentáveis para
desenvolver artefatos que identifiquem a cultura do grupo produtor.
Marcas como Coopa-Roca e Ronaldo Fraga, avaliadas neste artigo,
representam exemplos a serem analisados e, em parte, replicados, visto que
atribuem valor sustentável ao produto que comercializam e evidenciam a
identidade cultural dos agentes produtores. Esses dois exemplos destacam que
a responsabilidade sociocultural e ambiental, além de necessária, se configura
em tendência em expansão.
Por fim, destaca-se a relevância de práticas cooperativas entre o campo
da moda e o do artesanato, pois podem congregar, em suas produções, a
valorização cultural, ambiental e social e evidenciar que sem conscientização
e sem mudança de hábitos, não somente no setor têxtil, mas em diferentes
áreas, o futuro se torna insustentável.

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1
Perspectivas acadêmicas para o
ensino do design de moda
Academic perspectives for teaching fashion design
KORNER, Edson1

Resumo: Para a profissionalização do designer de moda é fundamental


acompanhar o contexto social e econômico em que os consumidores estão
imersos. Com a implementação de cursos de Design de nível superior,
o desafio para o ensino é formar um profissional com as competências
demandadas pelo mundo do trabalho, desenvolvendo nesse aluno uma
forma de pensar e atuar condizente com o cenário atual. Portanto, interessa
a este artigo investigar os fatores que impulsionam o ensino do design de
moda na atualidade e, com base nisso, obter uma nova perspectiva quanto
à formação acadêmica do futuro profissional. Trata-se de uma pesquisa
de caráter bibliográfico, realizada nas principais publicações na área de
estudo.
Palavras-chave: design de moda; educação; profissionalização.

Abstract: For the professionalization of the fashion designer it is essential


to monitor the social and economic context in which consumers are
emerged. With the implementation of the top-level design course, the
challenge for education is to train professionals with the skills demanded
by the labor market, developing this student a way of thinking and acting
in keeping with the current scenario. So in the interest of this article to
investigate the factors that drive teaching fashion design at the present
time and , from there , get a new perspective on the academic background
of this professional future.
Keywords: fashion design; education; professionalization.

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Mestrando no Programa de Mestrado Profissional em Design pela Universidade da Região de
Joinville (Univille). E-mail: edson.korner@pr.senai.br.
KORNER, Edson

n Introdução
Moda, design e ensino: compreende-se aqui um tripé para o
desenvolvimento da indústria do vestuário. Segundo Dulci (2013), a moda, como
uma manifestação cultural cujo início no Ocidente ocorreu no século XIV, é
um fenômeno social que expressa valores políticos, morais, culturais – por
meio de usos, hábitos e costumes – e encontra no vestuário um conjunto de
elementos que a compõem. Transformou-se em um sistema mais complexo no
século XIX, e sua representação pode ser vista na arquitetura, no mobiliário, nos
adereços decorativos, na música, na dança, nas artes plásticas, na linguagem,
no cinema, na fotografia, nas religiões, nas ideologias, na literatura, no esporte,
no turismo, nas técnicas etc. Tornou-se, então, um dos principais campos de
estudo para a compreensão de mecanismos modernos de expressão, no plano
simbólico. Envolve um conjunto de categorias e práticas que a definem, como
também aos sujeitos que da moda fazem uso.
A moda liga-se ao design, que tem na origem imediata da palavra inglesa
o substantivo que se refere tanto à ideia de plano, desígnio, intenção, quanto
a configuração, arranjo, estrutura. A origem mais remota da palavra está no
latim designare, verbo que abrange ambos os sentidos, o de designar e o de
desenhar (DENIS, 2000, p. 16). Trata-se também de uma atividade projetual
que envolve etapas, processos e ferramentas para o seu saber fazer, resultando
em uma produção industrial. Parte de uma ideia, um projeto ou um plano para
a solução de um problema determinado. Dessa forma, o design consistiria então
na corporificação de uma ideia para, com a ajuda dos meios correspondentes,
permitir a sua transmissão aos outros (LÖBACH, 2001, p. 6).
Entender que “o design industrial contribui para melhorar a nossa
cultura material, em termos funcionais e estéticos” (BONSIEPE, 2012,
p. 84), permite fazer uso da tecnologia ou sistema de conhecimento, processos
e materiais de forma racional e econômica, satisfazendo as necessidades
materiais e psicológicas dos usuários. Bonsiepe (1984) diz que as características
estruturais, estético-formais e funcionais fazem parte de um conjunto de
informações que devem ser estudadas, gerando constante reflexão e adaptação
dessas características ao contexto social, econômico e político em que o designer
atua.
Ao levar em consideração moda e design, soma-se a esses o ensino, como
uma oportunidade de conciliar teoria e prática no processo de formação do
designer. O ato de ensinar é tão importante para as questões abordadas quanto
a moda e o design. Segundo o Dicionário Aurélio (FERREIRA, 2010), define-se
ensino como “transmissão de conhecimentos, informações ou esclarecimentos
úteis ou indispensáveis à educação ou a um fim determinado, instrução”.
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Perspectivas acadêmicas para o ensino do design de moda

A compreensão do que seja ensinar é um elemento fundamental


nesse processo. O verbo ensinar, do latim insignare, significa
marcar com um sinal, que deveria ser de vida, busca e despertar
para o conhecimento. Na realidade da sala de aula, pode ocorrer a
compreensão, ou não, do conteúdo pretendido, a adesão, ou não,
a formas de pensamento mais evoluídas, a mobilização, ou não,
para outras ações de estudo e de aprendizagem (ANASTASIOU,
2003, p. 2).

De forma conjunta, moda, design e ensino tornam-se os elos para a


atuação do designer de moda. Assim, este artigo objetiva ressaltar fatores que
devem ser considerados atuantes e que impactam as demandas do mercado de
trabalho. Para isso, investigar o contexto social em que o designer está inserido,
a atuação desse profissional na área da moda e sua formação por meio da
metodologia por competências é o caminho necessário para gerar perspectivas
para sua formação. Com um conteúdo que faz uso da pesquisa exploratória,
por meio de levantamento bibliográfico, pretende-se chegar, na conclusão deste
artigo, aos fatores que devem ser analisados com mais profundidade, dentro
dos seus âmbitos, e discutidos para potencializar a formação acadêmica do
designer de moda.

n A moda como campo de atuação para o designer


Para a moda, desde o seu surgimento, o jogo das fantasias estéticas
(LIPOVETSKY, 1989) encontrou naquele que faz – e naquele que a consome
– os eixos fundamentais para sua existência. Desde seu aparecimento, o artesão
desconhecido, o alfaiate e a costureira, o grande costureiro, estilistas, grifes e
diretores criativos têm a missão de transformar desejos e subjetividades em
vestuário. Para todos, em diferentes períodos históricos, as titulações estão
cercadas de métodos e técnicas.
No momento em que a indústria da moda deu início a sua expansão,
no século XIX, foi necessária uma organização das pequenas empresas que
se destinavam à confecção de uniformes militares e roupas para trabalhadores
(GRUMBACH, 2009). A necessidade de um encarregado para definir questões
maiores, que nesse momento não estavam ligadas à originalidade, devia-se à
importância para estabelecer um fluxo de produção.
Entre o século XIX e o XX, a moda passou por inúmeras mudanças,
adaptando-se a uma demanda de consumo. Assim, mesmo em meio a restrições
do período entre guerras, encontrou espaço para a atuação de alguém que iria
planejar e determinar as etapas de produção, assim como alinhar gostos e impor
uma estética para as décadas.
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KORNER, Edson

A ampliação das redes de comunicação de modo antes inimaginável


faz o “grande costureiro” expandir seu raio de ação, tanto pelo
valor adquirido pelas marcas, quanto pelo crescimento do prêt-à-
porter. Esse movimento, de certo modo, transformou criadores em
designers ou, ainda, possibilitou a ascensão destes últimos, que já
trabalhavam nos processos produtivos para as massas. Tornou-
se necessário o desenvolvimento de competências correlatas ao
que poderia ser chamado desenvolvimento do “gênio”, “dom” ou
“talento” inato (SOUZA; NEIRA; BASTIAN, 2010, p. 4).

A mudança é notada a partir do caminho histórico da formação da moda


em todo o mundo.

As características originais da primeira escola, a École Supérieure


des Arts et Techniques de La Mod (ESMOD), idealizada pelo
alfaiate francês Alexis Lavigne em 1841, foram sendo revistas a
partir de uma nova visão de educação – atualmente compreendida
como elemento de inserção social – e dos desafios impostos pelas
contínuas transformações das condições de atuação do campo.
Novos modos de circulação e consumo da moda exigiram novos
modos de criação (SOUZA; NEIRA; BASTIAN, 2010, p. 6).

Ao passar do período das roupas feitas artesanalmente e sob medida da


alta costura ao prêt-à-porter, ocorreram diversas transformações em termos de
técnicas produtivas, tecnologias, matérias-primas, o que possibilitou ampliar o
leque de produtos para o uso diário. A moda efetivamente se transformou em
uma indústria de bens de consumo capaz de gerar riqueza.
Seguindo décadas de desenvolvimento, hoje em dia a cadeia têxtil mundial
é considerada uma das maiores áreas industriais do planeta; movimenta mais de
um trilhão de dólares só em vestuário e gera mais de 26,5 milhões de empregos
diretos e indiretos. O Brasil é o quinto maior produtor têxtil do mundo, o quarto
maior produtor de vestuário, com mais de 32 mil empresas do ramo e uma
produção anual de mais de 10 bilhões de peças por ano (ABIT, 2014).
Assim, a escola ou a “formação oficial” em moda assume um lugar
de destaque para o desenvolvimento profissional, tornando-se praticamente
obrigatória, pois o reconhecimento social passa pela diplomação. Por abranger
conhecimentos de diferentes áreas, tornou-se uma indústria cultural responsável
pela concepção, produção e comercialização de produtos adequados às mais
diversas culturas.
É um modelo criativo que, por intermédio de estilistas e designers, cria
muitos novos símbolos e produtos num curto espaço de tempo. Trata-se de um
sistema de gestão que administra e gerencia logisticamente desde: 1) o mercado
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Perspectivas acadêmicas para o ensino do design de moda

primário, quando acontece a produção das fibras que são transformadas em fios,
até se tornarem tecidos; 2) o mercado secundário, que transforma os têxteis
em itens de vestuário, têxteis lar e têxteis técnicos; 3) o mercado terciário, que
tem o objetivo de comprar os produtos para comercializá-los diretamente ao
consumidor final. É um sistema de comunicação que dissipa atributos e valores
dos produtos aos consumidores finais (NEVES; BRANCO, 2000, p. 40).
O design também está associado a métodos adequados que devem se
encaixar nos sistemas, por meio dos quais a indústria do vestuário se estabelece
para conseguir uma distribuição mais focada de seus produtos para o mercado-
alvo.
Atualmente a moda perpassa, de forma simultânea, por duas correntes:
1) a fast fashion, que visa atingir um público insaciável, informado, carente
por novidade. Tem como base o mercado de luxo e o mercado de massa e
oferece produtos com curto ciclo de vida. Faz uso de diversas qualidades de
matérias-primas e de processos produtivos e atrai uma gama muito grande de
consumidores; 2) a slow fashion, que tem um foco maior no design, na qualidade,
na durabilidade dos produtos, no ambiente e em um consumidor responsivo que
prima por peças atemporais e duráveis (REFOSCO; OENNING; NEVES,
2011), está mais atento a valores como sustentabilidade, simplicidade e por vezes
segue outros movimentos slow.
São essas correntes que sistematizam o mercado e o produto a ser
concebido para cada contexto, tendo em vista suas funções práticas, estéticas
e simbólicas, alinhadas às diferentes nuanças da cadeia produtiva da moda, que
complementam o saber e a prática do designer em formação. O ensino deve
estar alinhado com a velocidade dessas transformações.

n O ensino do design de moda


O design de moda, uma das modalidades de ensino do design, é recente no
Brasil e compreende ainda espaços de conhecimento que devem ser analisados
de acordo com o cenário atual, em âmbito econômico e industrial.
No Brasil os futuros estilistas não se dispunham a frequentar escolas no
exterior. “Os primeiros brasileiros que foram a Paris para frequentar cursos de
design de moda foram Rui Spohr (RS), em 1952, e José Gayegos (SP), em 1971”
(PIRES, 2002, p. 2). Conforme Pires aponta, antes da década de 1980, sem
cursos superiores de moda, era necessário viajar para outro continente para buscar
conhecimento sobre o assunto. No nosso país, muitos foram autodidatas e outros
trouxeram aperfeiçoamento após viagens ao exterior (PIRES, 2002, p. 1).
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KORNER, Edson

No momento em que grandes mudanças aconteciam na economia,


sinalizando a necessidade de medidas urgentes diante da crise, o setor têxtil e
de confecção decidiu criar os primeiros cursos técnicos no Brasil. Assim, na
década de 1980 iniciou-se no país a formalização da formação nessa área, com
o surgimento dos primeiros cursos técnicos para formar costureiros e modelistas
(DULCI, 2013, p. 1).

A partir de então, o Brasil passou a ter cursos na área de moda,


qualificando estudantes também no nível da graduação. Considera-
se que o primeiro curso criado no país foi o da Faculdade Santa
Marcelina, em 1987, mas somente em 2002 a moda passou a
ser considerada pelo Ministério da Educação (MEC) como um
conteúdo curricular específico do design (SOUZA; NEIRA;
BASTIAN, 2010, p. 2).

Com o ensino superior, emergiu o designer de moda, um profissional que cria


e é capaz de reger o complexo mecanismo da indústria da moda. Capitais como
São Paulo e Rio de Janeiro inauguraram seus primeiros cursos profissionalizantes
no país na década de 80. De acordo com Pires (2002), a ideia de formar um
profissional bem informado, pronto a qualificar a produção brasileira, é recente,
bem como o ensino de moda em nível superior no Brasil.
Na década de 1990, na iniciativa privada, os cursos superiores foram
criados para atender à crescente urbanização, industrialização e às demandas
do setor. O Brasil tardou em estruturar cursos superiores nessa área. Sem
profissionais preparados, a função de designer de moda era assumida por leigos
e autodidatas que aprendiam com o exercício da profissão. No século XXI, a
formação em moda oferecida pela maioria das instituições brasileiras de ensino
superior passou a ser norteada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso
de Graduação em Design,

consolidadas na Resolução CNE/CES n.º 05, de 8 de março de


2004. Esse documento influenciou diretamente a conformação
dos projetos pedagógicos da área, levando ainda a um processo
de ajuste dos cursos criados anteriormente, de modo a manterem
o direito de funcionar e conquistarem reconhecimento social
(SOUZA; NEIRA; BASTIAN, 2010, p. 2).

A partir de 2004, ocorreu a ampliação dos cursos superiores de moda,


tendo como um dos fatores o aquecimento da economia do período, que
oportunizou a instalação de novas indústrias de fiação, de têxteis e de confecção
de vestuário, a posterior política de abertura de mercado e o surgimento de
muitos cursos de design de moda, sobretudo nos países do hemisfério norte.
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Perspectivas acadêmicas para o ensino do design de moda

Essa situação gerou um impacto no cenário em que os cursos profissionalizantes


estavam inseridos. No que diz respeito ao Senai/Curitiba, houve uma maior
demanda da indústria na busca por profissionalização do setor, por meio do
aumento das capacidades e habilidades dos estudantes. Coube à instituição
rever o perfil do profissional em formação e a metodologia de ensino proposta
para tanto. As transformações que se colocaram naquele cenário, no período
de 2004, que dizem respeito ao aumento da capacidade produtiva da indústria
têxtil e ao ensino atualizado com tais demandas, impactaram a forma como
o Senai/Curitiba conduziu os seus processos de aprendizagem, procurando
aproximar o ensino de design de moda e a indústria.
Embora a formação do designer de moda seja recente no Brasil,
constantemente para o seu progresso ela deve ser validada com base no diálogo
entre indústria e instituição de ensino, para que exista assim um aperfeiçoamento
constante que permita atualizar os conhecimentos que serão aplicados nas
indústrias de moda. Bonsiepe (2011, p. 179) salienta que o design levou muito
tempo para progredir até o campo reflexivo, e sua teoria é importante nas
unidades curriculares, permitindo discussões e pontos de vista que se somam
a tais debates. O grande desafio na era da informação é utilizar corretamente
a informação intrínseca e, como consequência, facilitar a absorção desta. No
momento da profissionalização do designer, é fundamental convergir a história
do design, suas reflexões, metodologias e ferramentas disponíveis, vindas de
diferentes fontes e autores, de forma que sua aplicação reflita o sistema da
moda para o qual se está produzindo.
Empregam-se no ensino metodologias que atendem aos sistemas de moda
já concretizados, como o pronto para vestir, e, além desses, ainda coexistem as
discussões periféricas quando o formato de negócio alia práticas artesanais e
produção em escala exclusiva. O ensino do design de moda deve ser abrangente
para que seja eficaz. Nesse sentido, este estudo, ao identificar metodologias
existentes e as práticas pedagógicas atuais propostas pelos professores para a
atividade projetual, vem contribuir para a formação do designer, que por sua vez
será orientado por um método estruturado que lhe permita ser flexível diante
das necessidades da indústria.
Para tanto, o processo de aprendizagem é considerado no aumento da
performance do estudante. A presença do professor em sala de aula deve trazer
à tona temas de discussão sobre o sistema da moda, bem como propor a
aplicação de metodologias para o desenvolvimento prático de produtos. Esse
diálogo trazido para a sala de aula é fundamental para que se proponha, por meio
dele, diferentes práticas projetuais, variantes do contexto atual no qual o sistema
da moda está inserido. Ao propor um método estruturado para este estudo,
que se apoia nas práticas pedagógicas dos professores da disciplina e de autores
selecionados, é possível levantar diferentes problemáticas em sala de aula, que
serão resolvidas por meio das ferramentas disponíveis, tornando o aprendizado
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KORNER, Edson

mais dinâmico e ao mesmo tempo aberto, a fim de que a interdisciplinaridade


atue para obter maior complexidade durante o desenvolvimento das competências
do estudante.

n A formação do designer de moda


As transformações sociais e as inovações em todas as áreas levam o
ambiente educacional a reestruturar o modo de construir o processo de ensino-
aprendizagem. Para tanto, a sua formação deve estar pautada no plano de
curso, de forma que evidencie suas características do perfil profissional para o
mercado de trabalho.
Segundo Pedro e Rodrigues (2014), a evolução do mercado de trabalho
gera nas pessoas uma preocupação com o futuro, criando a necessidade de
manter-se atualizado. As empresas e os profissionais com mais habilidades e
conhecimentos podem ter mais possibilidade de permanecer no mercado.
De acordo com Dulci (2013), os cursos superiores de design de moda vêm
sendo criados no Brasil há aproximadamente 25 anos para formar “designers
de moda” ou “estilistas”, em uma preparação mais ampla do que o ofício que
origina essa profissão: o de costureiro. Tais cursos adquiriram importância e
acabaram colocando o Brasil entre os países com maior número de cursos de
design de moda do mundo.
A jornalista Astrid Façanha realizou uma pesquisa em 2011 sobre o
número de cursos superiores de moda no Brasil, pela qual se concluiu que
existem em funcionamento no país 174 cursos de formação superior na área de
moda: 75 bacharelados, 92 tecnológicos, 5 sequenciais e 2 licenciaturas, e do
total 18% são públicos e 88% privados. Levando em consideração esses dados,
o estado de Santa Catarina, com seus 13 cursos, representa 17,3% do total de
cursos de moda de grau de bacharelado no Brasil (LIMA; MORAES, 2013).
O designer foi e é considerado um profissional que acresce às organizações
valores monetários e também capaz de atuar como articulador perante a economia
de consumo. Além disso, desempenha um papel integrador na comunidade e
possibilita às organizações que alcancem seus objetivos estratégicos e sociais
(FUAD-LUKE, 2004).

Intensas transformações sociais e inovações tecnológicas atuais


em todas as áreas levam a uma reestruturação na forma de
construir o processo ensino-aprendizagem, tornando-se frequente
a busca por profissionais cada vez mais qualificados que, além do
conhecimento específico da sua área, tenha capacidade crítica,
autonomia, saiba trabalhar em equipe e resolver problemas
(PEDRO; RODRIGUES, 2014, p. 2).
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11
Perspectivas acadêmicas para o ensino do design de moda

O desenvolvimento de competências e habilidades que abrangem a


inovação, o desenvolvimento de produtos, a visão de oportunidades
comerciais e sua interface na produção, o entendimento da
moda como negócio e a flexibilidade de atuação em cenários
competitivos. É dessa forma que o SENAI PR contribui para
as mudanças estruturais necessárias ao setor e o consequente
aumento de sua competitividade em benefício da economia do
país (SENAI, 2014, p. 7).

Tais questões são mais profundas, uma vez que passam não somente
pela moda, pelo design e pela educação, como também adentram no que
se espera desse profissional que vai para uma instituição de ensino superior.
Diante dos aspectos mencionados, que dizem respeito à observação constante
e readequação do saber fazer às exigências do mercado, é fundamental que se
atue no aprendizado de forma multidisciplinar e integrada ao perfil do egresso,
“fortalecido por grande curiosidade em relação aos diferentes aspectos culturais
da sociedade e que será estimulado durante o curso como forma de ampliar a
visão de moda” (SENAI, 2014, p. 7).
Para Mussak (apud OLIVEIRA et al., 2006, p. 16), algumas características
são relevantes para o perfil do profissional, as quais também são recomendadas
pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco). Elas estão listadas no quadro a seguir.

Quadro 1 – Características relevantes para o perfil do profissional


a) Flexibilidade: é a capacidade de agir de acordo com as situações, levando-se em
conta as frequentes mudanças.
b) Criatividade: considerada como diferencial, visto que está totalmente relacionada
a ações originais e inovadoras.
c) Informação: é imprescindível para a evolução e o desenvolvimento humano.
d) Comunicação: é a habilidade necessária para o inter-relacionamento humano,
seja com clientes ou pessoas pertencentes ao grupo de trabalho.
e) Responsabilidade: é um dos fatores mais cobrados para que os cargos continuem
existindo.
f) Empreendedorismo: o mercado exige ousadia, criatividade e inovação como
características intrínsecas ao empreendedor.
g) Sociabilização: é uma característica que envolve aspectos de compreensão,
respeito e interatividade cultural para agir globalmente.
h) Tecnologia: competência organizacional e pessoal que demonstra aceitação para
conviver com as novas tecnologias para aplicá-las em suas ações diárias.
Fonte: Mussak (apud OLIVEIRA et al., 2006, p. 16)
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KORNER, Edson

A profissionalização do designer de moda passa a ser uma exigência do


setor de moda e uma oportunidade para os cursos formadores dessa nova
carreira, ao preparar um profissional para atuar em diversas frentes do mercado
de vestuário a fim de atender a demandas sociais e questões no campo cultural,
político e tecnológico.

n A metodologia por competências na formação do designer


A formação do profissional da área de moda confere aos designers e
professores a responsabilidade de buscar metodologias próprias para a formação
dos estudantes. Flori e Tourinho (2010) enfatizam: “A docência necessita ser
renovada constantemente, e a moda, como campo transdisciplinar, instiga e
desafia a busca por outras maneiras de pensar e interpretar as formas como
ensinamos/aprendemos e como desejamos que outros aprendam/ensinem”.
Relacionar a formação profissional com a metodologia por competências
traz à tona um conjunto de capacidades e habilidades que fazem parte do perfil
profissional e por sua vez devem ser estimuladas e trabalhadas em sala de aula.
Pensar em educação e competência profissional, na atualidade, requer
um olhar mais atento às questões pelas quais passaram, e ainda estão
passando, os cursos superiores de design de moda no Brasil (SENAI, 2014).
Essa contextualização se faz necessária, pois não há como não reconhecer
que a moda, como uma das interfaces do design de produto de vestuário, da
indústria têxtil e de confecção, é um dos mais importantes setores da economia
brasileira, por sua relevância econômica, política e social para a economia
nacional. Essa nova realidade está transformando as escolas, pois o ensino
com vistas à profissionalização tem como desafio formar um profissional com
as competências demandadas pelo mundo do trabalho, desenvolvendo no aluno
um novo pensar, com o objetivo de adequar-se às exigências atuais.
Segundo Machado (2002), o desenvolvimento das competências pessoais
está hoje no centro das atenções. A palavra competente aparece no discurso
de todos os processos de seleção em empresas, escolas, processos seletivos
para atividades de diversificados fins, buscando no indivíduo a capacidade de
adaptação e assimilação das transformações ocorridas em nosso tempo. A
ideia de competência aparece no discurso da empresa como a capacidade de
transformação de uma tecnologia conhecida em um produto suficientemente
atraente para o consumidor.

No contexto educacional, a noção de competência é muito mais


abrangente, mantendo importantes vínculos com as disciplinas.
Os currículos dos cursos são constituídos por disciplinas e todas
podem servir de meio para o desenvolvimento de uma determinada
competência (PEDRO; RODRIGUES, 2014, p. 6).
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Perspectivas acadêmicas para o ensino do design de moda

As competências representam potenciais desenvolvidos sempre em


contextos de relações disciplinares em determinado âmbito de atuação. As
formas de realização das competências foram chamadas de habilidade; um
feixe de habilidades caracteriza a competência, e as disciplinas são meios para
desenvolver as habilidades. Para Machado (2002), uma competência está
sempre associada a uma mobilização de saberes, a capacidade de recorrer aos
conhecimentos para a realização de uma atividade.

As competências constituem padrões de articulação do


conhecimento a serviço da inteligência, todavia a escola organiza-
se basicamente em termos de conhecimentos, apresentado sob a
forma de conteúdos disciplinares. Porém, conhecer é conhecer o
significado, e o significado é sempre construído pelas pessoas. Na
escola os currículos constituem um mapeamento do conhecimento
considerado relevante para ser ensinado aos alunos, visando torná-
los pessoas competentes (PEDRO; RODRIGUES, 2014, p. 3).

Segundo Machado (2002), não existe uma competência sem a referência


a um contexto no qual ela se materializa. As competências representam
potenciais desenvolvidos sempre em contextos de relações disciplinares
significativas, prefigurando ações a serem desenvolvidas em determinado âmbito
de atuação.

Dentro desse novo contexto, que exige uma formação profissional


com base em diferentes competências na área da moda, faz-
se necessário construir práticas pedagógicas que considerem as
necessidades dos alunos, assim como todas as suas possibilidades
de aprendizagem. Portanto, devem-se criar condições e dar-lhes
autonomia suficiente para que aprendam, não só umas com
as outras, mas também com seus próprios erros, sem medos,
preconceitos ou discriminações (PEDRO; RODRIGUES, 2014,
p. 13).

Dessa forma, a escola deve prover as pessoas de competências básicas,


tais como: capacidade de expressão, compreensão, interpretação, capacidade
de tomar decisões, de trabalhar em equipe e, sobretudo, de resolver problemas.
Essas competências não se desenvolvem só com conteúdos e equipamentos.
Atualmente uma formação profissional na área de moda deve focar a atenção
na formação e nas capacidades pessoais que transcendem os temas estudados,
que sobrevivem às transformações cada vez mais rápidas nos cenários dos
equipamentos e da produção material.
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KORNER, Edson

n O Senai na formação superior do designer de moda


O Senai/Curitiba posiciona-se como uma instituição de ensino superior
que contribui para as mudanças estruturais necessárias ao setor e para o
consequente aumento de sua competitividade em benefício da economia do
país (SENAI, 2014, p. 7).
A competência é a soma da inteligência ao conhecimento adquirido, de
forma a agir com eficiência para as soluções de problemas ou mesmo para novas
ações (ZANON; NARDELLI; FRASON, 2005, p. 49). A metodologia por
competências utilizada pelo Senai “entende que competência é a mobilização de
conhecimentos, habilidades e atitudes profissionais necessários ao desempenho de
atividades ou funções típicas, segundo os padrões de qualidade e produtividade
requeridos pela natureza do trabalho” (ZANON; NARDELLI; FRASON,
2005, p. 51).
O profissional formado pelo Senai estará em constante aprendizado, visto
que um dos pilares da gestão por competências é “aprender a aprender”, ou
seja, ele vai desenvolver durante o curso as habilidades necessárias ao exercício
profissional (ZANON; NARDELLI; FRASON, 2005).
Para Zanon, Nardelli e Frason (2005), a base da formação profissional
por competências do Senai inclui determinados itens, como se vê no quadro
a seguir:

Quadro 2 – Itens para a base de formação por competências


a) Estruturação e funcionamento de comitês técnicos setoriais: agrega-se à equipe
interna representantes de empresas, de sindicatos, do meio educacional, para
realmente considerar o foco nos resultados, a demanda e as tendências futuras
do mercado.
b) Elaboração de perfis profissionais baseados em competências: as definições
dos perfis profissionais de conclusão devem ser condizentes com as competências
demandadas no mercado de trabalho ponderando o contexto, a flexibilidade e a
interdisciplinaridade.
c) Elaboração do desenho curricular baseado em competências: formado por
problemas, projetos, tarefas complexas e desafios com o objetivo de encorajar
os estudantes a unir conhecimentos, habilidades e atitudes para desenvolver suas
competências.
d) Avaliação de competências: o orientador deve saber o que quer avaliar, em que
momento, deve especificar qual é o objeto da avaliação, por meio do instrumento
adequado e com enunciado claro. A avaliação pode ser formativa, é diagnóstica
e contínua, auxilia no planejamento das ações pedagógicas, com avaliações
constantes, que podem ser modificadas conforme o progresso ou dificuldades
dos alunos; ou somativa que reflete resultados objetivos no final de um bimestre
ou semestre.
Fonte: Zanon, Nardelli e Frason (2005, p. 51)
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Perspectivas acadêmicas para o ensino do design de moda

Assim, o docente atuará como orientador e promotor das competências,


propondo situações didáticas mas semelhantes ao mercado de trabalho, de
forma que os conhecimentos adquiridos nessas simulações sejam realmente
significativos para o estudante.
De acordo com o projeto pedagógico do curso superior de Tecnologia
em Design de Moda, ambiciona-se fomentar uma nova geração de designers
de moda que venham a atuar de forma inovadora no segmento de moda e que
perpetuem os conceitos e atitudes voltados para o aumento da competitividade
das empresas.
Os objetivos são: promover uma formação diferenciada em design de
moda, capacitando profissionais para atuar em ambientes complexos na busca
da competitividade para a indústria da moda; habilitar profissionais para que
estejam aptos a enfrentar quaisquer desafios e a propor soluções no que tange
ao produto de moda em sua interface com o processo produtivo, o mercado,
a sociedade e o meio ambiente; capacitar para o desenvolvimento de projetos
de produto que conciliem a inovação com sua viabilidade técnica, produtiva e
comercial (SENAI, 2014).
A metodologia adotada no curso superior de Tecnologia em Design de
Moda segue os moldes do Departamento Nacional do Senai, a fim de oferecer
aos Departamentos Regionais do Senai procedimentos para avaliar a qualidade
dos cursos ofertados, com o intuito de analisar “a suficiência, a consistência, a
efetividade e a pontualidade nas providências para o início e desenvolvimento
de um curso, com o dinamismo e o comprometimento nas ações durante a
realização dele” (SENAI, 2014).
Em consonância com o PPC e com a natureza dos conteúdos abordados
nas disciplinas, as avaliações podem compreender alguns aspectos, conforme
exposto no quadro 3:

Quadro 3 – Avaliações no Curso Superior em Design de Moda Senai Curitiba


a) Trabalhos de pesquisa individual ou coletiva.
b) Provas escritas.
c) Entrevistas e arguições.
d) Resoluções de exercícios.
e) Resoluções de situações problema, envolvendo conteúdos interdisciplinares.
f) Participação em experimentos ou projetos.
g) Relatórios referentes a trabalhos ou visitas técnicas.
h) Participação em seminários, debates ou similares.
i) Trabalhos práticos.
j) Defesas de projetos.
k) Outras formas que atendam às peculiaridades didático-pedagógicas dos
conteúdos desenvolvidos.
Fonte: Senai (2014)
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KORNER, Edson

Para uma melhor articulação dos conteúdos, utiliza-se na metodologia do


Senai, especificamente para o Curso Superior em Design de Moda, a divisão
por eixos de conhecimento imprescindíveis para o desenvolvimento dessas
competências e habilidades, as quais serão trabalhadas nas disciplinas por meio
de práticas pedagógicas interdisciplinares com simulações de situações reais de
trabalho, gerando uma visão abrangente e inovadora da prática profissional.

Quadro 4 – Eixos e unidades curriculares do Curso Superior de Design de Moda


Senai Curitiba
1. Técnicas de representação: eixo dedicado ao desenvolvimento das competências e
habilidades relacionadas às diversas formas de representação da ideia de um produto
ou coleções. Composto pelas disciplinas de: Desenho de Moda I, II e III.
2. Mercado e Negócio: nesse eixo são desenvolvidas as competências e habilidades
vinculadas à realidade e organização das empresas, suas interfaces com o mercado
e com o mundo do trabalho. Composto pelas disciplinas de: Gestão Empresarial I
e II e Marketing de Moda I, II e III.
3. História e Sociedade: por meio do estudo da sociedade e da evolução
histórica, procura-se construir um repertório de conhecimentos que possibilitam o
desenvolvimento da capacidade de análise e crítica e a compreensão da evolução da
sociedade, suas necessidades e formas de expressão. Essa capacidade é fundamental
para o desenvolvimento do processo criativo e busca de soluções inovadoras.
Composto pelas disciplinas de: História da Arte I e II e História da Indumentária
I, II e III.
4. Desenvolvimento de Produto: nesse eixo são desenvolvidas competências e
habilidades de caráter técnico, prático e metodológico relacionadas à concepção
e ao desenvolvimento de produtos e coleções para a indústria. Composto pelas
disciplinas de: Fundamentos do Design; Projeto de Coleção I, II, III, IV, V e VI;
Modelagem Industrial Plana I, II, III, IV e V; Prototipagem e Análise do Produto I
e II; Modelagem Tridimensional; Modelagem Informatizada; Ergonomia Aplicada.
5. Produção e Tecnologia: Vertente voltada ao conhecimento e análise das interfaces
da produção e da tecnologia necessárias para a produção de produtos destinados
ao mercado de moda, sempre de forma eficaz e condizente com princípios éticos e
sustentáveis. Composto pelas disciplinas de: Costura Industrial I, II e III; Materiais
e Tecnologia Têxtil I, II e III; Processo Produtivo da Confecção I, II e III.
6. Análise da Imagem: focado no desenvolvimento da capacidade de análise e
percepção da imagem, seja ela real ou virtual, como forma de decodificação da
realidade social e também de interação de uma marca com seu consumidor final.
Composto pelas disciplinas de: Análise do Contemporâneo I e II; Produção de
Moda.
Continua...
5
12
Perspectivas acadêmicas para o ensino do design de moda

Continuação do quadro 4

7. Inovação e Criatividade: eixo de conhecimento e desenvolvimento de competências


vinculadas à pesquisa, observação e criação de soluções e produtos inovadores.
Composto pelas disciplinas de: Inovação e Criatividade I e II.
8. Práticas Acadêmicas: Metodologia Científica.
Fonte: Senai (2014)

Com base nesses eixos uma intensa atividade multidisciplinar é realizada,


para que a cada processo exista uma forte conexão entre a indústria e a formação
do designer de moda. Dessa forma, priorizam-se sempre a integração das áreas
da cadeia produtiva, sua atuação no livre criar de produtos, a disseminação e
o aprimoramento de técnicas, a ética, a sensibilidade às questões de bem-estar
do usuário e a responsabilidade social.

n A importância do contexto econômico e social em que o designer


está inserido

Ao considerar a moda, o design e o ensino e buscar como resultado dessa


soma um designer atuante, preparado para enfrentar as questões do seu tempo,
devemos sedimentar sua base, ou seja, o contexto em que esse profissional
será formado.
Tanto o design como a moda e sua indústria do vestuário se conectam a
características diversas de indivíduos, que ao serem alinhados formam grupos de
consumo. Um determinado grupo de consumo, segmentado com as ferramentas
do marketing, está pronto para estabelecer uma troca simbólica por meio daquilo
que consome.
Para Bourdieu (2004), perfis e realidades sociais muitas vezes passam
despercebidos ou, quando percebidos, nunca aparecem como realmente o são.
Essas nuanças, quando não tratadas e identificadas, levam o trabalho do designer
para outros rumos. Da ideia ao desenvolvimento do projeto, os movimentos da
sociedade, a sua economia e as questões sociais ocorrem em uma velocidade que
atualmente delimita mais o ciclo de vida dos produtos. Na moda, com rapidez
os sistemas se desdobram. Temos como exemplo o fast fashion e o slow fashion,
que exigem novas competências e habilidades do designer de acompanhar e
entender o desenvolvimento do mercado de bens simbólicos paralelamente a
um processo de diferenciação dos públicos (BOURDIEU, 1974, p. 102).
Ressalta-se que o papel do designer na sociedade também faz parte
de todo o contexto para o qual ele produz. Assim, também é motivo de
questionamento a sua responsabilidade na produção de artefatos que incentivem
12
6
KORNER, Edson

a cultura material. Esse é um ponto tocante na atualidade, em que a formação


acadêmica do futuro profissional deve ser flexível com os problemas econômicos,
sociais e ambientais.
O desejo, como um valor subjetivo que nasce no final da concepção
do projeto, faz parte de toda a história do design, suas escolas, movimentos
e evolução nos séculos XX e XXI. Para Denis (1998), o design constituiu-
se profissionalmente com a primeira Revolução Industrial. A sistematização
das tarefas separou o trabalho manual e o trabalho intelectual em algumas
indústrias.
Conforme ressalta o historiador Forty (2007), o design surge como
essencial na criação da riqueza industrial, tendo sua história atrelada ao
capitalismo. Este fez a indústria da moda avançar, e o designer pode atuar
nela de diferentes formas: sendo empreendedor e gestor de sua própria marca,
trabalhando para uma empresa e sendo brifado por ela. O designer também
pode atuar em sistemas diferentes, como o slow fashion ou o fast fashion, e
também trazer para o seu trabalho aspectos artesanais, exclusivos, ter uma
visão global ou local do alcance dos seus produtos. O capitalismo e a evolução
da moda apontam várias possibilidades, e ao definir qual o melhor caminho
o designer deve estar preparado para desenvolver produtos nessa direção; ao
ensino cabe especificar quais habilidades e competências são necessárias para
o seu desenvolvimento.
Portanto, trata-se de um bem que será produzido e que requer o ato de
saber pensar para saber projetar; consoante ao momento atual, inicia-se em sala
de aula. O designer vive sob o signo da sociedade da mudança, o que exige dele,
constantemente, revisar sua atuação. Quando se traz junto o ensino, é sobre
essa sociedade da mudança que se devem propor questões projetuais em sala
de aula. Assim, corrobora-se a afirmação de Forty (2007) de que a história do
design é também a história das sociedades, e explicações sobre as mudanças
devem apoiar-se na compreensão de como o design afeta os processos das
economias modernas, sendo também afetado por eles.

n Conclusão
Tanto para a moda e o design como para o designer em formação no
ambiente acadêmico, confrontar o que se aprende para readequar novos
aprendizados é o ponto de partida para gerar reflexões. Estas são vistas neste
artigo como perspectivas para a formação acadêmica do designer, o que impacta
a médio prazo a adoção de novas metodologias, na constante verificação de
pontos positivos e negativos, pois são os resultados que melhor validam a ação
7
12
Perspectivas acadêmicas para o ensino do design de moda

de professores e alunos em sala, assim como surgirão após sua formação, nas
relações entre designer, objeto e consumidor, outros resultados que por sua vez
também serão monitorados.
Considerando o que foi abordado neste artigo, extraíram-se fatores que
merecem futuramente, cada um na sua individualidade, um estudo aprofundado,
para que seus dados, análises e conclusões efetivem a necessidade de adequação
do design e da moda e para que esta se faça por intermédio de pesquisa de
campo, trazendo resultados. No quadro 5, dividem-se tais fatores em: contexto
social e econômico, moda, design e ensino.

Quadro 5 – Fatores a considerar na formação acadêmica do designer de moda


- As diferentes realidades sociais;
- O desenvolvimento do mercado e de seus bens
simbólicos;
No contexto social
e econômico, - O alcance da produção e as inclinações regionais/local
considerar: e global;
- O design como negócio, capital, que se ajuste às questões
sociais e ambientais.
- A construção de bens simbólicos dentro dos diferentes
sistemas da moda ( fast fashion, slow fashion), adequados
para conseguir uma distribuição mais focada de seus
produtos para o mercado-alvo;
Na moda,
considerar: - A moda como uma atividade projetual que envolve
etapas, processos e ferramentas, devendo-se recorrer a
metodologias de design de produto existentes que resultem
em uma produção industrial.
- A identificação de tecnologias e know-how, processos e
materiais pertinentes ao contexto social e econômico do
momento em que se dará a produção;
- A adequação da teoria projetual com a prática de
No design e ensino, desenvolvimento de produtos associando a moda a
considerar: métodos adequados que devem se encaixar nos seus
sistemas da moda;
- O desenvolvimento das competências individuais como
diferenciador na formação do designer de moda. As
competências podem ser transitórias e múltiplas e são
detectadas por meio do contexto atual da sociedade.
Fonte: Primária (2015)
12
8
KORNER, Edson

Quando moda, design e ensino são tratados como um tripé, sua ação
conjunta desenvolve a indústria do vestuário, e a profissionalização do designer
de moda nos cursos superiores é o ponto inicial para atender às demandas da
atualidade. Sabe-se que são vários os aspectos que envolvem tal formação; este
artigo parte de um levantamento inicial sintetizado no quadro 5, o qual apresenta
fatores para melhorar a prática do design de moda. Cabe a agentes do setor
educativo e de profissionalização preparar o designer como articulador desses
fatores, e a metodologia por competências constitui um meio para promover
tais conhecimentos.
O design e seus aspectos norteadores são fundamentais para o
desenvolvimento de um pensar e produzir na indústria da moda que se afinem
com os desejos da sociedade. Ao solucionar um problema por meio do design,
é fundamental justificar a adoção e a adequação de métodos e ações que
caracterizam cada etapa proveniente dessa escolha.
Os fatores gerados constroem perspectivas que permitem ainda maior
aprofundamento. Cada fator citado favorece a readequação de metodologias
do design para o design de moda, já que sociedade, ensino e consumo não são
estáticos e cada vez mais se tornam multidisciplinares. As perspectivas recaem
sobre a metodologia de ensino das disciplinas que têm como princípio ensinar
métodos para a criação do vestuário, e nesse sentido a disciplina Projeto de
Moda é a que oportuniza uma vivência maior ao estudante, por abraçar desde
a ideia até o produto final.

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Perspectivas acadêmicas para o ensino do design de moda

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13
2
Capítulo 3

Design Gráfico,
Comunicação e
Sociedade
A importância do design na
evolução da internet
The importance of design in the evolution of internet

LANDMANN, Daniel Rodrigo1


AGUIAR, Victor2

Resumo: A internet já está instituída e faz parte da rotina da humanidade.


Ela está em todos os lugares e em todos os dispositivos eletrônicos, e os
seus desdobramentos para fins comerciais evoluem a cada dia. Com base
em tal perspectiva, este artigo propõe uma análise da evolução da internet,
desde a concepção da rede até o momento atual, assim como dos motivos
e das tecnologias pelos quais o capitalismo a difundiu, principalmente
utilizando o design como ferramenta impulsionadora.
Palavras-chave: internet; websites; web designer.

Abstract: The internet is already established, and is part of the routine


of humanity. It is everywhere and in all electronic devices, and their
consequences for commercial purposes evolve every day. From this
perspective, this article proposes an analysis of the evolution of the internet,

1
Mestrando no Programa de Mestrado Profissional em Design pela Universidade da Região de
Joinville (Univille), especialista em Administração da Comunicação pela Sustentare Escola de
Negócios/Faculdades SPEI, bacharel em Design com habilitação em Programação Visual pela
Univille. E-mail: atendimento@holistic.com.br.
2
Doutor em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-
SP), mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),
especialista em Marketing pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e graduado
em Administração de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Professor do quadro permanente da graduação e do Mestrado Profissional em Design da Univille.
E-mail: contato@ograndevendedor.com.
A importância do design na evolução da internet

from network design to the present time, in addition to the reasons and
technologies by which capitalism spread it, especially using design as a
driving tool.
Keywords: internet; websites; web designer.

n Análise de cenário
A evolução e a mudança fazem parte da vida, seja para uma pessoa
isoladamente ou para a sociedade como um todo. Corroborando a ideia de
Ferreira (2015), toda evolução sempre é fomentada por conflitos. Quando há
conflitos de ideias, há possibilidade de elas evoluírem, tanto para o bem quanto
para o mal, e cabe ao ser humano saber discernir. No campo da tecnologia não
é diferente. As evoluções tecnológicas também são fomentadas por conflitos.
Partindo desse princípio, pode-se fazer uma análise econômica e social da
internet, a grande rede que cerca os objetos e as pessoas. De acordo com Arruda
(2011), a internet surgiu nos Estados Unidos em meio à Guerra Fria, durante
a década de 1960, na qual americanos e soviéticos (atualmente os russos)
disputavam entre si o poder econômico, político e armamentista do planeta.
A União Soviética buscava expandir e implantar o socialismo em outros países,
enquanto os Estados Unidos defendiam a expansão do sistema capitalista. Essa
guerra não teve confrontos diretos, mas havia certas iminências de ataques.
E, para evitar que as informações mais valiosas contidas em computadores
fossem destruídas com possíveis ataques ou bombardeios, o Departamento de
Defesa americano criou uma rede de comunicação entre esses computadores,
colocando-os em pontos estratégicos, como por exemplo centros de pesquisa.
O intuito era descentralizar as informações, de forma que não fossem destruídas
se estivessem localizadas em um único servidor ou computador.
Mendes (2015) comenta que, nesse contexto, uma das subdivisões do
Departamento de Defesa, a Advanced Research Projects Agency (Arpa), criou
uma rede chamada Arpanet, ligada por um backbone (uma “espinha dorsal”,
ou seja, uma estrutura de rede capaz de manipular grandes volumes de
informações), que passava embaixo da terra, o que dificultava a sua destruição
em caso de ataques. Durante o período da Guerra Fria, o acesso à Arpanet
era restrito a militares, pois estes temiam o mau uso de tal tecnologia por civis
ou países socialistas.
Quando a tensão da Guerra Fria diminuiu e não havia mais ameaça de
ataque, o governo dos Estados Unidos investiu no desenvolvimento da Arpanet
e permitiu que pesquisadores acadêmicos na área de defesa também tivessem
acesso a ela. O aumento do fluxo de acessos gerou dificuldades para administrar
13
6
LANDMANN, Daniel Rodrigo | AGUIAR, Victor

todo o sistema, em virtude do grande e crescente número de localidades


universitárias contidas nela. A solução encontrada foi dividir o sistema em dois
grupos, a Milnet, para militares, e a nova Arpanet, para pesquisadores, a fim
de aliviar o fluxo de informações.
Abrindo a rede para universidades, alunos e jovens de contracultura,
ideologicamente engajados em uma utopia de difusão da informação, começaram
a acessar e desenvolver a intercomunicação.
Segundo uma pesquisa do Centro Internacional de Semiótica &
Comunicação (CISECO, 2013), na década de 1970 surgiu um impasse em
relação à rede. Com a crise do petróleo, o mundo todo, os Estados Unidos
particularmente, estava com a economia desestabilizada, pois a humanidade
tinha descoberto recentemente que o petróleo é um recurso natural não
renovável. Nesse período começaram a surgir também as primeiras questões
sobre sustentabilidade. Para financiar o setor de computação, a ordem nos
Estados Unidos era de que os investimentos deveriam contribuir para a
recuperação produtiva do país. Por conta desse cenário, surgiu a necessidade,
e ao mesmo tempo a oportunidade, de transformar a rede de comunicação
em uma atividade econômica importante por si mesma, para fins de ganhos
comerciais.
Para difundir a internet comercialmente, foi criado o mito de um novo
mundo a ser explorado, um novo mercado com infinitas possibilidades. Nesse
sentido, Forty (2007, p. 15) afirma que, “[...] em todas as sociedades, as
contradições perturbadoras que surgem entre as crenças das pessoas e suas
experiências cotidianas são resolvidas pela invenção de mitos”. Ou seja, o meio
já estava produzido, e o mercado para ele seria inventado. A internet seria
entendida especificamente como um conjunto de tecnologias com chance
de progredir para uma nova maneira de criar riquezas. A partir disso, estava
instituída uma nova forma de atividade econômica.
As primeiras formas para gerar lucro em meio ao ambiente web foram os
fornecedores de acesso à rede, mais conhecidos como provedores. A tecnologia
que estava surpreendendo o mundo era somente movimentada por interesses
econômicos, reforçando a afirmação de Forty (2007, p. 19) de que “[...] o que é
tido como progresso nas sociedades modernas é, na verdade, sinônimo, em larga
amplitude, de uma série de medidas provocadas pelo capital industrial”. Além dos
acessos, os provedores também forneciam serviços como o e-mail. A troca de
mensagens eletrônicas foi um dos fatores mais importantes no início para gerar
público. No Brasil, segundo Bunduky (2015), a internet chegou por volta de
1995, por intermédio de alguns estudantes brasileiros que voltaram dos Estados
Unidos e tentaram estabelecer em território nacional conexões com o território
americano. A empresa estatal brasileira Embratel, detentora das concessões de
transmissão de dados no Brasil, observou nessas ações uma grande oportunidade
de negócios com a distribuição de acessos em território nacional.
7
13
A importância do design na evolução da internet

Segundo Maia (2013), no fim dos anos 1980 Tim Berners-Lee, um


físico e cientista da computação britânico, criou uma forma mais elaborada de
facilitar o compartilhamento de informações na rede, por meio de hipertextos.
Eles consistiam basicamente em páginas que continham ligações marcadas
(que foram batizadas de links) entre as páginas para outros conteúdos. Tim
Berners-Lee comparou a sua criação com uma teia, web no idioma inglês. A
partir disso publicou a proposta da world wide web. A internet estava pronta
para virar um fenômeno mundial.

n O advento do web design


Nos anos 1990 a internet já existia, mas não havia conteúdo comercial.
Para atrair o público e fazê-lo começar a acessar a rede, era necessário um
conteúdo que gerasse interesse das empresas e dos consumidores em geral.
As pessoas estavam em dúvida sobre como acessar as páginas ou encontrar o
conteúdo que desejavam, tal qual navegadores à deriva em um grande oceano.
Em 1995 a empresa Digital Equipment Corporation, observando esse paradoxo
e também oportunidades, lançou a primeira página eletrônica de busca de
conteúdo na internet: o Altavista. Basicamente, a ideia era criar um índice
com as páginas disponíveis, a exemplo de um livro, para facilitar a busca. A
figura 1 apresenta uma das primeiras interfaces do Altavista.

Figura 1 – Interface do Altavista

Fonte: Falling Leaves (2015)


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LANDMANN, Daniel Rodrigo | AGUIAR, Victor

As páginas eletrônicas encontradas continham somente textos


informativos, sem nenhuma diagramação e criatividade, o que tornava a leitura
pouco atrativa, como ilustrado na figura 2. Para organizar o conteúdo de cada
página, os textos foram revisados e separados em áreas específicas dentro
de uma mesma página eletrônica. Com base nessa ideia surgiu o conceito de
homepage, que futuramente evoluiu para website.

Figura 2 – Exemplo de uma antiga homepage

Fonte: Rick (2015)

O termo website veio da ideia de que o espaço ou terreno contratado por


uma empresa ou instituição dentro da rede, ou teia, como viria a ser chamada,
seria similar a um sítio, onde existem várias áreas (plantações, armazém, curral
etc.) e a página principal (a casa), também chamada de Inicial (home). No Brasil,
o termo é comumente chamado apenas de site.
9
13
A importância do design na evolução da internet

Os programadores de homepage já haviam começado a trabalhar com


ícones gráficos para definir cada área dentro das páginas de cada sítio, mas com
pouco conhecimento gráfico e fundamentação teórica. Nesse contexto surgiu
uma nova necessidade que geraria uma profissão: o web designer, o que se pode
definir como um misto de designer gráfico com programador de homepage. As
linguagens visuais na internet, para os designers, eram totalmente diferentes das
linguagens visuais com materiais impressos, principalmente pela utilização de um
novo suporte, ou seja, a tela do computador. Essas afirmações solidificam-se
com as teorias de Wolff (1982, p. 23), que explica: “[...] a atividade prática e
a criatividade estão em relação mútua de interdependência com as estruturas
sociais”. Ou seja, os designers teriam de se adaptar a essa nova linguagem, que a
cada dia tinha inúmeras novas tecnologias e recursos lançados. Algo considerado
moderno um tempo atrás era entendido como desatualizado imediatamente
após. A velocidade de transformação era muito rápida, e ainda é até hoje. O
designer gráfico que iria trabalhar com desenvolvimento de páginas eletrônicas
necessitava ter também conhecimentos da linguagem de programação web para
incorporar em suas criações, caso contrário elas não se encaixariam, e isso o
deixava em desvantagem em relação ao programador, que então teria todo o
controle do projeto. A guerra estava declarada: de um lado o designer gráfico
defendendo a criatividade e a emoção, e do outro o programador defendendo
a lógica e a razão.
Um grande problema para o web designer, logo no início da internet, era
a velocidade de acesso aos websites. Esse profissional não podia trabalhar suas
criações com muitas imagens em bitmap (mapa de bits – imagens formadas
por pixels, ou seja, pontos na tela) e layouts, pois sobrecarregavam as páginas
eletrônicas. Ou seja, quanto mais dados binários elas possuíam, mais tempo
levava para esses dados trafegarem na internet.
A conexão que o usuário final fazia com o provedor era muito lenta, em
comparação com o momento atual. Tal conexão era discada em conjunto com
uma linha telefônica, o que gerava mais instabilidade e lentidão, além de ter um
preço muito alto, pois para se conectar o custo era de uma ligação telefônica
(numa época em que cada minuto era muito caro). Quanto mais dados uma
página tinha, mais caro era para acessá-la. Nesse contexto, um comportamento
social da época era as pessoas acessarem a internet de madrugada, pois a
telefonia era mais barata nesse horário, gerando o embrião de um nicho de
mercado para sites de relacionamento, visto que havia pessoas passando as
noites inteiras e os fins de semana conectadas aos seus computadores.
Atualmente, com o avanço tecnológico na velocidade da transmissão de
dados, popularmente chamado de banda larga, em que a transmissão via linha
telefônica se divide em três canais virtuais – um para voz, um para download
14
0
LANDMANN, Daniel Rodrigo | AGUIAR, Victor

(dados que o usuário recebe) e um para upload (dados que o usuário envia) –,
o usuário não paga mais por tempo de acesso, e sim por uma assinatura para
usar a internet pelo tempo que desejar, sem ocupar a linha telefônica.
No início dos anos 2000 começaram a aparecer novas maneiras de criar e
desenvolver um website. A principal ferramenta para desenvolvimento de websites
era o programa Macromedia Flash, que anos depois (2005) foi comprado pela
empresa Adobe. O Flash é um programa de animação focada para web, com
possibilidade de inserção de botões e links. Pacievitch (2015) destaca que o Flash
originou-se de outro software de ilustração chamado Smartsketch, fabricado pela
empresa Futurewave, à qual os usuários do programa solicitavam a capacidade
de ele fazer animações nas próximas versões. Com o surgimento da internet, a
Futurewave viu um mercado promissor e desenvolveu a ideia de um programa
para realizar animações complexas, mas ao mesmo tempo leves, em virtude
do formato vetorial na sua linguagem (baseado em vetores matemáticos). Na
figura 3 observa-se um comparativo entre imagens vetoriais e bitmaps.

Figura 3 – Diferença entre imagem em vetor e bitmap

Fonte: Cosmos (2015)

Com todas essas ferramentas em mãos, o universo mercadológico da


internet começou a se expandir. Segundo Kenski (2002), “a rede intensificou
as relações entre fornecedores, distribuidores, produtores, administradores e
todos os integrantes da cadeia produtiva”. Até mesmo fora do mundo virtual, a
internet já estava diretamente relacionada ao aumento do número de vendas de
computadores. Após o surgimento da conexão sem fio, a internet deixou de ser
sinônimo de cabos e aumentou ainda mais as vendas de notebooks portáteis.
Ainda de acordo com Kenski (2002), a revolução da internet no mundo
corporativo elevou-se ao nível de surgirem negócios próprios na rede, conhecidos
como empresas “ponto com”, explorando a comercialização online de serviços
e produtos. Essa fase ficou conhecida como “bolha da internet”, em que
tais empresas eram mantidas por capital de risco, para gerar uma vantagem
competitiva que no futuro gerasse lucro. Os primeiros e-commerces (websites de
comércio eletrônico, lojas virtuais) surgiram com a ideia de que tudo poderia ser
1
14
A importância do design na evolução da internet

vendido pela internet. Esse foi, sem dúvida, um dos maiores erros para o fracasso
das empresas “ponto com” daquele período, pois, baseadas nesse conceito,
não sabiam ainda como atingir seu público-alvo e potenciais clientes. Surgiu a
oportunidade de criar o marketing digital para as empresas “ponto com” do novo
período. A figura 4 exemplifica um modelo de empresa “ponto com”.

Figura 4 – Exemplo de empresa “ponto com”

Fonte: Shoppers Shop (2010)

n O marketing digital
Com o marketing digital dominando a internet, a beleza gráfica e as
animações produzidas pelos web designers em linguagem Flash começaram a
perder sua relevância quando surgiu uma nova metodologia na web: o conteúdo
participativo, ou seja, a era da interação. Nesse contexto, nasceu o inbound
marketing, o qual Peçanha (2015) conceitua como “qualquer forma de marketing
que visa ganhar o interesse das pessoas”. Nesse sentido, o usuário recebe as
informações de forma natural, participativa. As pessoas interagem por e-mail
com as lojas ou em fóruns de discussão. Elas querem se comunicar com as
empresas e instituições, e a internet é um excelente facilitador de contato.
14
2
LANDMANN, Daniel Rodrigo | AGUIAR, Victor

Utilizando o conceito de comunicação via e-mail, as empresas “ponto com”


resolveram usá-la para divulgar novidades e promoções, criando o e-mkt (e-mail
marketing), como observado na figura 5.

Figura 5 – E-mkt da empresa Submarino

Fonte: Milled (2015)

Um grande avanço no marketing na era digital foi o aparecimento do


motor de busca Google. Esse website surgiu de um projeto de doutorado de duas
pessoas (Larry Page e Sergey Brin) na Universidade Stanford, na Califórnia. O
diferencial em relação aos outros motores de busca já existentes era determinar
a relevância de um website de acordo com as ligações que ele tinha com outros
websites e também com seu conteúdo propriamente dito, enquanto os outros
motores concorrentes se preocupavam exclusivamente com os números de
acesso para organizar a relevância dos resultados na busca. De acordo com
Periard (2007), pela magnitude na quantidade de informações que o Google
poderia processar, ele foi batizado de “googol”, um termo inventado pelo
3
14
A importância do design na evolução da internet

matemático Edward Kasner referente a um número imenso, mas não infinito


(dez elevado à centésima potência). Por um erro de grafia, ou para não dar
conflito com direitos autorais, acabou sendo conhecido como Google.
Além de desbancar a concorrência com a nova forma de indexação de
websites na busca eletrônica, o Google conseguiu chamar a atenção do grande
público com a criação de um serviço gratuito de e-mail, oferecendo um espaço
de mensagens muito maior para os usuários, em relação aos seus concorrentes
Yahoo, Hotmail etc. O crescimento do Google foi intenso, adquirindo várias
startups e transformando-as em vários serviços próprios gratuitos, como o Google
Earth (mapa de localização mundial via satélite) e o site de vídeos online YouTube.
A figura 6 apresenta uma ilustração da página eletrônica do Google.

Figura 6 – Website Google

Fonte: Technoblip (2015)

A internet revolucionou a forma de fazer publicidade. Além de ser um


importante item de divulgação de produtos e serviços, quanto mais um website
é visitado, maior o seu valor e consequentemente sua visibilidade para anúncios
de propaganda. Partindo desse conceito, de acordo com Levy (2012) foi
criada uma nova forma de negócios chamada Programa de Afiliados, em que
basicamente os donos de websites divulgam outros websites em suas páginas.
Essa ideia surgiu na área de websites de conteúdo adulto e foi solidificada pela
Amazon.com, uma das primeiras companhias a vender produtos via internet.
14
4
LANDMANN, Daniel Rodrigo | AGUIAR, Victor

Ainda de acordo com Levy (2012), quase cem por cento da receita do
Google vem de seus programas próprios de publicidade e afiliados. Um deles
é conhecido como Google AdWords, que permite aos anunciantes exibir seus
anúncios dentro da busca, sendo cobrado um valor por clique ou por visitação.
Outra maneira de fazer publicidade é pelo programa Google AdSense, que
possibilita a proprietários de websites expor esses mesmos anúncios em suas
páginas, recebendo um valor também por clique ou por visitação.
Com a popularização da internet, outro tipo de serviço de comunicação
e entretenimento ganhou força: as redes sociais, uma grande guinada para o
marketing digital. As redes sociais são estruturas compostas por pessoas ou
organizações, conectadas por um ou vários tipos de relações (suas ligações)
e que compartilham valores e objetivos em comum (fluxo de informação).
Elas criaram uma nova forma de relacionamento entre as empresas e os seus
clientes, pois são mais pessoais e interativas do que qualquer outra mídia, em
que o usuário recebe apenas informações de seu interesse, pode comentar
online e indicar produtos e serviços para outros usuários. Há vários segmentos
de redes sociais, como área profissional (Linkedin), entretenimento (Facebook)
e compartilhamento de vídeos (YouTube), como se observa na figura 7.

Figura 7 – Ícones de várias redes sociais

Fonte: Sucesso Certo (2015)

Por meio da internet, especialmente nas redes sociais, o comportamento


social das pessoas vem mudando, pois além de alcançarem qualquer conteúdo
e conhecimento de seu interesse têm autonomia para expressar suas ideias,
estendendo o convívio físico para o virtual. Qualquer pessoa pode produzir
informações e influenciar outras, porém cabe aos usuários apurar o que é real
ou falso.
5
14
A importância do design na evolução da internet

n Tendências futuras
Com a demanda da internet móvel e o acesso às tecnologias de comunicação
sem fio (wireless), a proliferação e a venda dos smartphones no mercado aumentaram
em níveis astronômicos. Projetados desde 1992 pela Apple, a tecnologia atingiu
as massas em 2007 com o iPhone, exemplificado na figura 8. De acordo com
Parizotto (2015), muito mais do que um simples celular, os aparelhos reúnem
exatamente aquilo que é exigido do profissional moderno: mobilidade, rapidez e
funcionalidade, desempenhando a função de um computador com avançados
recursos multimídias, desde transações bancárias, e-mails, redes sociais, games,
além de uma infinidade de aplicativos para o dia a dia.

Figura 8 – iPhone

Fonte: Apple (2015)

O surgimento dos vários dispositivos móveis para acesso a internet, como


os smartphones, tablets e smartTVs, criou um problema e ao mesmo tempo
uma oportunidade de negócios para os web designers e desenvolvedores de
web. Como o design de um website projetado para o computador tem sua
devida dimensão, ele não se adaptaria em diferentes formatos de tela. E, para
os usuários visualizarem as informações de maneira prática, adveio então uma
nova tendência para projetá-los: o design responsivo, ou seja, um segmento do
design que se adapta e responde a qualquer tipo de tela, em qualquer dispositivo
ou plataforma. Nesse sentido, confirma-se a ideia de Forty (2007, p. 16) de
que “todo produto, para ter êxito, deve incorporar as idéias que o tornarão
comercializável, e a tarefa específica do design é provocar a conjunção entre
essas idéias e os meios disponíveis de produção”.
A técnica do design responsivo não é nova. Antes da proliferação dos
acessos à internet via dispositivos mobile, as resoluções de tela dos computadores
14
6
LANDMANN, Daniel Rodrigo | AGUIAR, Victor

já tinham de ser consideradas na concepção de um website. De acordo com


Machado (2011), “resolução refere-se ao tamanho (largura X altura) em pixels de
um objeto gráfico”, ou seja, cada tela do computador tem uma resolução máxima,
e em alguns casos pode ser pequena, e o design precisa se encaixar nela.
O design responsivo, cujas funcionalidades são apresentadas na figura
9, possui muitas vantagens, como a identificação automática e o ajuste ao
dispositivo utilizado, e melhora o tempo de carregamento do website. Mas o
mais importante é que ele melhora a experiência de acesso ao usuário, o que
proporciona o retorno deste e o aumento da relevância dos websites nos motores
de busca.

Figura 9 – Design responsivo para vários dispositivos

Fonte: Altermann (2012)

Como as pessoas estão se adaptando e absorvendo a comunicação


móvel, comumente chamada de mobile, um grande universo que está se abrindo
para os designers atualmente é o que se pode chamar de internet das coisas,
ou internet of things, no idioma inglês. O conceito é basicamente conectar o
mundo real com o virtual, via web – por exemplo, a conectividade entre vários
tipos de objetos do dia a dia, sensíveis à internet, como eletrodomésticos ou
outros equipamentos eletrônicos (PORVIR, 2015). Esse tema já é discutido
desde a década de 1990, mas somente hoje em dia, com a tecnologia sensorial
e nanotecnologia, está se tornando realidade. Os dispositivos, equipados com
sensores que captam aspectos como temperatura, umidade e presença, enviam
tais informações para centrais que as utilizam de forma inteligente. Para o design,
a porta está aberta para o desenvolvimento de várias ideias de funcionalidade
e aplicabilidade.
7
14
A importância do design na evolução da internet

n Considerações finais
Resumidamente, em toda a história da internet, a mola propulsora para o
seu desenvolvimento e evolução foi o capitalismo ou a oportunidade de novos
negócios, mesmo porque seu surgimento foi inicializado em um determinado
período em que esse sistema econômico estava em conflito árduo com o sistema
econômico oposto, conhecido como socialismo. De certa forma, a busca por
riquezas e a competitividade são fatores que tornam o capitalismo um sistema
econômico capaz de proporcionar o avanço tecnológico.
A partir do momento em que a internet se tornou comercial, o grande
protagonista do seu desenvolvimento foi o designer, ou mais especificamente
o web designer, que remodelou e continua a remodelar as formas de fazer
comunicação online. A capacidade de se conectar com outros indivíduos via
todos os tipos de dispositivos é o que gera as grandes ideias e também as
tendências.
A conectividade mobile liberou um processo de desenvolvimento e
interação imenso em nossa sociedade, e o compartilhamento de conteúdo entre
os diversos públicos atrai cada vez mais o marketing digital, proporcionando
possibilidades infinitas e fazendo a informação chegar de maneira natural, e
não forçada. As oportunidades estão flutuando na rede.

n Agradecimentos
Agradecemos à empresa Holistic Propaganda e Internet, por gentilmente
ceder os conhecimentos e principalmente horas de serviço na busca de
informações.

n Referências
ALTERMANN, Dennis. Midiatismo 6 e o design responsivo. Midiatismo. 12
ago. 2012. Disponível em: <http://www.midiatismo.com.br/midiatismo-6-e-o-
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A importância do design na evolução da internet

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SUCESSO CERTO. 3 dicas para otimizar suas ações nas redes sociais.
Disponível em: <http://tenhasucessocerto.com/tag/redes-sociais/>. Acesso em:
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noticia/2014/08/internet-das-coisas-entenda-o-conceito-e-o-que-muda-com-
tecnologia.html>. Acesso em: 11 maio 2015. 15
1
Intervenções urbanas:
o cidadão como agente da cidade
Urban intervention: the citizen as the city’s agent

CREUZ, Morgana1
EVERLING, Marli T.2

Resumo: Este artigo é um recorte da pesquisa3 intitulada “O design


gráfico como facilitador da nova cultura de cuidado com a cidade”. Seu
objetivo é o estudo extraestético das intervenções urbanas no contexto
social das cidades. Para tal, empregaram-se a pesquisa bibliográfica por
meio de consultas em diversas bases de dados e o estudo de caso aplicado,
compreendendo a análise do cenário social de duas intervenções reais. Os
resultados obtidos fortalecerão os estudos sobre a influência dos campos
e a compreensão dos códigos e cenários, para idealização de projetos
híbridos nos campos artísticos e de design, bem como contribuirão para
contextualizar socialmente o campo da experimentação da cidade.
Palavras-chave: intervenções urbanas; cidades; design e cenários.

1
Graduada em Design com habilitação em Programação Visual, especialista em Comunicação
Integrada de Marketing e mestranda no Programa de Mestrado Profissional em Design pela
Universidade da Região de Joinville (Univille). Atua como docente nas disciplinas de Ilustração
Gráfica e Linguagem Visual no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). E-mail:
morganacreuz.mc@gmail.com.
2
Doutora em Design e Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-
Rio). Professora do departamento de Design da Univille. E-mail: marli.teresinha@univille.br.
3
Desenvolvida no projeto de pesquisa Urbe, vinculado ao Laboratório de Estudos em Design-
Cidade/LECid, do Mestrado Profissional em Design.
CREUZ, Morgana | EVERLING, Marli T.

Abstract: This article is an excerpt of the study4 entitled: “Graphic


design as a facilitator of the new culture of care with the city”. Its
objective is the extra-aesthetic study of the urban interventions in
the social context of cities. To do this, we used bibliographic research
through consultations in various databases and the study of applied case,
comprising the analysis of the social scenery of two real interventions.
The obtained results will strengthen the studies on the influence of the
fields and the understanding of codes and scenery, for the idealization
of hybrid projects in arts and design courses as well as contribute to
contextualize socially the field of trial of the city.
Keywords: urban interventions; cities; design and scenery.

n Introdução
A cidade como superfície de intervenções urbanas transcende os limites
apáticos encontrados nos centros urbanos. A escala de cinza antes comum nesse
cenário vem dando lugar à experimentação da cidade em um formato de arte
livre e distante da tradicionalidade. Com motivações distintas, as intervenções,
a arte e o design permitem aos cidadãos o protagonismo do espaço público,
assumindo o papel de agente5 transformador, lançando um novo olhar para os
centros urbanos.
Diretamente ligadas à nova cultura de cuidado com a cidade, as
intervenções urbanas vêm ganhando proporção e espaço ao transmitir um
paralelo reflexivo entre os valores materiais e imateriais, culminando no repasse
de conceitos da dimensão humana aos espaços públicos. Segundo Melendi (apud
MAZETTI, 2006), nos dias atuais “as intervenções são uma reação contra a
degradação do espaço público”.
Sabe-se que a sociedade atual demanda por estratégias de sobrevivência,
visto o caos generalizado em que se vive. Nesse contexto, verifica-se a inserção
de novos valores de consumo, em que a necessidade de diferenciação e a
identidade regional, aliadas às referências globais, culminam no resgate das
raízes e dos métodos do passado na representação de um novo estilo de vida
(STARLING; COSTA; PINNOW, 2015). A sociedade atual está levantando

4
Developed on Urbe Research Project, linked to the Laboratory of Study in Design-City/LECid, the
Professional Masters in Design.
5
Utilizou-se o verbete agente, visto que esse é um termo empregado por Bourdieu (2001) ao
destacar um indivíduo que é protagonista de um campo.
3
15
Intervenções urbanas: o cidadão como agente da cidade

uma nova bandeira e tomando o seu lugar como protagonista das cidades.
Novas abordagens como a coletividade, o compartilhamento e o consumo
consciente fazem parte desse discurso a favor da vida nas cidades. Nesse
sentido, considera-se que as intervenções urbanas atuam como vozes de uma
nova cultura que se apresenta.
Este artigo está estruturado em duas partes. Na primeira, apresenta-se
um contexto histórico, motivacional e de expressão das intervenções urbanas,
buscando um olhar extraestético do movimento. Já na segunda parte, analisam-
se dois casos reais para reflexão da influência dessas intervenções no contexto
social e no cotidiano das cidades. Inicia-se o estudo buscando a compreensão
sociológica do cenário cultural e social e das abordagens que fazem referência ao
movimento. Para tal, serão aprofundados os estudos com base em Wolff (1982),
Cipiniuk (2014), Bourdieu (2007; 2008), Becker (2009) e Forty (2007).

n O campo, os códigos e o gosto nas intervenções urbanas


No contexto da arte como produto social, sugerido por Wolff (1982),
o ambiente em que o artista, designer ou executor do projeto está inserido
culmina na construção de seu pensamento e dos seus ideais como cidadão.
Logo, reflete na materialização de seu trabalho artístico ou de design. A autora
destaca que as estruturas sociais e a ação de cada indivíduo, no que tange aos
campos artísticos e inovadores, surgem da ligação de diversos determinantes
e aspectos de sua cultura. Dessa forma, encaram-se as intervenções urbanas
como resultado motivacional de uma pessoa, ou grupo, não satisfeita com as
condições impostas. Tais intervenções, em coincidência com as abordagens de
Wolff (1982), Bourdieu (2008) e Cipiniuk (2014), não surgem de um dom da
natureza ou esfera sobrenatural, mas são reflexos do cenário em que estão
inseridos e das necessidades culturais.
Entende-se que a motivação de alguns indivíduos é inércia para outros. Tal
fato se deve à significação que cada indivíduo dá àquilo que presencia. Conforme
abordagem de Cipiniuk (2014), as pessoas veem as mesmas coisas, entretanto
enxergam aquilo que foram preparadas para interpretar. Nessa mesma linha,
Becker (2009) afirma que “não é fácil distinguir interpretações de fatos. Cada
fato, em seu contexto social, implica e convida a interpretações. As pessoas
passam facilmente e sem muita reflexão de uma coisa para a outra. Os mesmos
fatos darão lugar a muitas interpretações”. O entendimento acerca de obras de
arte, produtos do design e das próprias intervenções urbanas só alcança seu real
sentido caso o indivíduo que é por eles impactado seja dotado do código segundo
o qual eles são codificados (BOURDIEU, 2008, p. 10). Observa-se dessa forma
15
4
CREUZ, Morgana | EVERLING, Marli T.

o motivo por que inúmeras pessoas ignoram tal tipo de trabalho, muitas vezes
criticando-o. O fato é que “[...] o espectador desprovido do código específico
sente-se submerso, ‘afogado’, diante do que lhe parece ser um caos de sons e
ritmos, de cores e linhas, sem tom nem som” (BOURDIEU, 2008, p. 10).
Além da detenção dos códigos, Bourdieu (2008) categoriza o gosto como
fator de classificação daquilo que é considerado belo. O autor discorre sobre
inúmeros pontos que caracterizam o gosto dos indivíduos, sendo alguns deles a
educação, as origens sociais, os fatores culturais, entre outros. Esses aspectos
não estão diretamente ligados a questões estéticas, visto que a ciência do gosto
e do consumo cultural possui relações distintas de escolhas incontáveis.
Bourdieu (2007) trata também da noção dos campos. Ele afirma que
a sociedade é dividida em campos sociais, os quais são definidos por leis
fundamentadas socialmente e se diferem de outros campos, de acordo com
as leis que os orientam. Nos campos referentes à arte e ao design, observa-se
uma constante inquietação acerca da significação dos termos e da classificação
dos projetos. Autores como Wolff (1982) e Bourdieu (2008) abordam a distinção
desses campos evidenciando as teorias artísticas, enquanto Forty (2007) e
Cipiniuk (2014) discorrem do ponto de vista do design. Bourdieu (2007) afirma
que o limite de um campo é a fronteira em que seus efeitos deixam de ecoar.
Sabe-se que cada campo possui suas características e que é influenciado por
outros campos, contudo observa-se uma congruência entre eles, a começar
pelo fato de que as teorias contemporâneas que regem os estudos das áreas do
design se baseiam em teóricos das artes visuais, principalmente os que valorizam
aspectos das imagens (MORGENSTERN, 2011, p. 6). Belchior e Ribeiro (2014,
p. 8), em comum acordo com Morgenstern (2011), afirmam que “os dois campos
se misturam e se confundem, sendo, por vezes, impossível estabelecer uma
separação clara”. Compreendem-se as intervenções urbanas como reflexo desse
hibridismo de campos, visto que elas são elaboradas de acordo com conceitos
teóricos e características da arte, contando com metodologias e ferramentas
do design para sua execução. Na contemporaneidade campos híbridos estão
cada vez mais frequentes. Ressalta-se que essa macrotendência deriva das
abordagens coletivas e de colaboração que estão sendo discutidas e vivenciadas
pela sociedade.
As intervenções urbanas são expressões de uma sociedade, sejam elas
críticas, culturais, experienciais, inspiracionais... Nesse contexto, Becker (2009)
relata que toda e qualquer forma de representar a sociedade é pertinente,
seja por meio de um filme, de uma fotografia, de um mapa ou até mesmo de
um modelo matemático. Verifica-se que as intervenções urbanas são reflexos
consonantes aos estudos de Becker (2009). O autor afiança ainda que “somos
todos curiosos em relação à sociedade em que vivemos. Precisamos saber, na
5
15
Intervenções urbanas: o cidadão como agente da cidade

base mais rotineira e maneira mais comum, como nossa sociedade funciona”
(BECKER, 2009, p. 17). Os produtos gerados pela sociedade são nomeados
pelo autor como relatos de uma sociedade ou ainda como representações dela.
Ele reforça também que tais representações são desenvolvidas em diversos
meios e, por conseguinte, por diversas tribos. Dessa forma, a discussão coletiva
entre os envolvidos nas mais diversas formas de representações pode gerar
entendimentos diferenciados de um mesmo assunto. Esse compartilhamento
faz com que todos os grupos cresçam e principalmente fortaleçam o produto
da sociedade.
Compreender o contexto social, histórico e cultural em que as intervenções
urbanas estão inseridas se faz necessário, visto que estas são o foco do artigo.
O próximo tópico aborda características e o cenário nas diferentes esferas das
intervenções nas cidades.

n Intervenções urbanas: contexto histórico, social e cultural


Originadas do desejo tácito de expressar uma indignação, as intervenções
urbanas fazem parte do contexto da sociedade desde os anos 1960. Entretanto,
segundo Home (2004), vestígios desse movimento já eram observados no
dadaísmo e no surrealismo, em que se destacam as obras de Marcel Duchamp.
Essas práticas “propõem a extrapolar a experimentação estética numa união entre
arte e vida e se colocam de forma crítica na sociedade” (MAZETTI, 2006).
Diversos foram os protestos nos quais as intervenções estiveram inseridas:
movimentos a favor dos direitos iguais, contra a ditadura e guerras, tropicalismo,
entre outros (BEGUOCI, 2005). Salienta-se que a motivação preconizada por
esses movimentos era semelhante e visava à possibilidade de protagonismo dos
cidadãos perante a autoridade do poder público ou organizacional.
Observa-se, a partir dos anos 1970, uma nova motivação para as
intervenções: a degradação do espaço urbano, a qual tem sido a propulsora
da maioria das ações idealizadas até os dias atuais. Nesse cenário, Peixoto
(2002) reflete sobre a utilização das intervenções urbanas como mecanismo para
conscientizar as pessoas de que estas devem viver a cidade deixando de lado
o papel de espectador do que acontece nela. Com um olhar mais abrangente,
Oliveira (2006) explica que as intervenções nos centros urbanos se traduzem
como comunicações que pretendem perturbar ou alterar a ordem estabelecida,
afirmando a resistência diante das questões vivenciadas. Essas ações apresentam
o inconformismo dos jovens perante o consumismo, a política institucionalizada,
as questões ecológicas, além de confrontar a propriedade privada e os espaços
públicos.
15
6
CREUZ, Morgana | EVERLING, Marli T.

Beguoci (2005) discorre sobre quatro pontos que a seu ver são
fundamentais para a caracterização das intervenções. O primeiro abrange a
localização delas, ou seja, a superfície dessas ações, que é a rua; logo, trata-se de
uma arte livre e destinada à contemplação de todos. O segundo ponto refere-se
à motivação para o trabalho, seja ela de um grupo ou de um indivíduo. Destaca-
se a contribuição dos coletivos de arte nesse cenário, em que a colaboração entre
os participantes e o compartilhamento de ideais é característica unânime. Já o
terceiro aspecto envolve o objeto-alvo do protesto, seja este o poder público,
impactos provocados na cidade, instituições privadas, entre outros. E, por fim,
o quarto quesito está diretamente relacionado à linguagem utilizada, repleta de
bom humor, ironia e atrevimento.
Nesse contexto, é válido fazer uma abordagem das intervenções urbanas
ocorridas em períodos paralelos no mundo; tais práticas influenciaram as ações
no Brasil, culminando no estado da arte que se observa atualmente. Em um
primeiro momento se destaca a culture jamming, que em tradução livre significa
bagunça ou confusão da cultura, segundo Dery (apud MAZETTI, 2006). Esse
movimento surgiu nos Estados Unidos, nos anos 1980, e refletia práticas de
ativismo midiático. Meikle (apud MAZETTI, 2006) afirma que “ jammers usam
a mídia para chamar atenção para assuntos e problemas com aquela mesma
mídia”. Algumas das intervenções realizadas pelos adeptos ao movimento
eram baseadas na alteração de anúncios publicitários, disseminação de falsas
notícias e subversão das mensagens em mídia exterior e rádio. Já na França, por
volta dos anos 1950 e 60, destacou-se o grupo artístico-político Internacional
Situacionista, com um movimento em que as intervenções eram ilícitas e se
caracterizavam por atos de desobediência civil (MAZETTI, 2006). Debord
(1997) nomeou essa organização de Sociedade do Espetáculo, visto que nesse
momento “a lógica da mercadorização teria colonizado todos os âmbitos da
vida, reduzindo o homem ao papel de espectador, por meio da alienação, em
relação à produção, e da abstração generalizada” (MAZETTI, 2006, p. 6).
Essas ações tiveram grande impacto na época e, conforme observado, estão
diretamente ligadas a duelos com a mídia e a sociedade capitalista. Nos dias
atuais essas motivações perduram, entretanto, conforme já pontuado, o foco
dirige-se ao desgaste dos espaços urbanos.
Nota-se atualmente uma reconfiguração da cultura e dos valores, em
que as intervenções urbanas atuam como ferramenta de reflexão simbólica. De
acordo com Prado e Lamim-Guedes (2015), “o impacto de uma intervenção
artística no meio urbano pode ser eficiente para retirar o indivíduo de um
estado distraído e passivo, para um outro estado consciente e ativo”. Ainda
segundo os autores, esse fato faz com que o pensamento individual dos cidadãos
se converta em uma visão mais abrangente e coletiva. Ferraz, Scarpelini e
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Intervenções urbanas: o cidadão como agente da cidade

Abreu (2009) representam tal cenário por meio de uma analogia com os rios.
Estes mudam seus cursos e se reconfiguram, transformando a situação atual
em outra não projetada. Os autores encaram as intervenções urbanas como
formas alternativas de ocupação e recriação dos espaços urbanos por parte de
seus moradores, visto que o ato de habitar a cidade não está apenas ligado ao
morar, mas sim viver em sociedade nessa “grande obra de arte dinâmica que
é a cidade” (FERRAZ; SCARPELINI; ABREU, 2009).
Discutir a cidade como superfície das intervenções urbanas (a fim de
compreender o paradoxo em que estas estão inseridas, objetivando a interpretação
do cenário e de suas características) pode contribuir para a sensibilização e a
percepção de suas potencialidades, bem como para a apropriação do espaço
urbano. Dessa forma, o próximo tópico debaterá esse enredo.

n As cidades como cenário e superfície


O principal suporte do design gráfico é o papel, todavia, considerando
o contexto global e social em que este está inserido, nota-se uma tendência
de migração para outros tipos de suporte (FUENTES, 2006). A inclusão do
conceito participativo, ou seja, de cocriação, está a cada dia ganhando mais
adeptos, fato esse que contribui para com a dimensão humana que vem ao
encontro da nova cultura de cuidado com as cidades. Fuentes (2006, p. 121)
afirma que “o contexto de trabalho do designer é o mundo, tanto o ambiente
físico primário como a complexa trama formada pela cultura humana, sem
esquecer o determinante entorno emocional, pessoal e intransferível, de quem
desenha”. Atrelado a esse contexto, observa-se a utilização das cidades como
suporte em diferentes aspectos: o tradicional, como por exemplo na sinalização,
ou ainda a experimentação, em que se citam as intervenções urbanas.
Plano de fundo de inúmeros acontecimentos, atualmente as cidades
vivenciam um momento de transformação, ainda que tímido. Aos poucos se
observam ações para que os espaços públicos deixem de ser apenas locais
caóticos e de passagem e passem a se destacar como ambientes de experiências
sensoriais únicas para cada indivíduo. Afinal, se o século XIX foi o período
dos impérios e o XX o das nações, “este é o das cidades” (LEITE, 2012,
p. 4). Lynch (2011, p. 2) afirma: “A cidade não é apenas um objeto percebido
(e talvez desfrutado) por milhões de pessoas de classes sociais e características
extremamente diversas, mas também o produto de muitos construtores que,
por razões próprias, nunca deixam de modificar sua estrutura”. Leite (2012, p. 1)
destaca a importância dos indivíduos como agentes transformadores da cidade,
ao denotar que “os elementos móveis de uma cidade, em especial as pessoas e
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CREUZ, Morgana | EVERLING, Marli T.

suas atividades, são tão importantes quanto as partes físicas estacionárias. Não
somos meros observadores desse espetáculo, mas parte dele; compartilhamos
o mesmo palco com os outros participantes”.
A cidade como cenário permite aos seus agentes transformadores o
desenvolvimento projetual sem limites. A larga escala de grafitagens ou um
pequeno recorte que se aproveita de uma rachadura no muro mescla-se com
os improváveis parklets, bem como com as interferências em espaços públicos.
Destacam-se ainda os produtos culturais associados às artes gráficas, como
os “homens-sanduíche”, os stickers, cartazes de rua, entre outros (HOLLIS,
2000). Vê-se uma proposta aberta em que “a arte invade a vida”, não sendo mais
destinada a poucos frequentadores de museus e admiradores de obras de arte.
As intervenções urbanas integram o design participativo ao convidar os cidadãos
a viver as cidades de forma única, em que todos podem ser artistas, designers ou
meros participantes de uma nova forma de expressão. “Entendemos que o design
não se constitui como uma forma de cultura, mas como expressão cultural que
vem se mesclando aos nossos comportamentos e modos de ver o mundo. Hoje,
é difícil separar o design de nossas ações” (BELCHIOR; RIBEIRO, 2014, p. 16).
Verifica-se que o cidadão está tomando o seu papel de agente transformador
das cidades ao vislumbrar que “se, em linhas gerais, [a cidade] pode ser estável
por algum tempo, por outro lado está sempre se modificando nos detalhes”
(LYNCH, 2011, p. 2).
Benjamin (1989; 1993 apud OLIVEIRA, 2007, p. 65) diz que “a
modernidade trouxe uma cultura imagética impulsionada pela reprodutibilidade
técnica das imagens que alterou a paisagem urbana, o cotidiano e a sensibilidade
dos homens metropolitanos”. Conforme Oliveira (2007), as intervenções urbanas
transformam as ruas das cidades em labirintos de imagens, proporcionando aos
espaços públicos ambientes de leitura e interpretação imagética. A autora afirma
ainda que esse movimento conferiu às cidades uma característica peculiar, que
faz com que elas sejam lidas e compreendidas. De acordo com a influência das
tribos, novas formas e cenários são construídos, oportunizando a construção
de um “vocabulário de imagens” que, como as escrituras das cavernas, permite
a representação e a construção da história da sociedade.
A observação do espaço em que as intervenções urbanas estão inseridas
permite a interpretação e a análise do contexto das mensagens. Dessa forma,
o próximo tópico dedica-se a explorar os diferentes tipos de intervenção e sua
significação no espaço e no tempo.


Conceito originado em 2010 na cidade de São Francisco (EUA). Trata-se de pequenas praças
implementadas no espaço de uma ou duas vagas de carros nas cidades (SOTO, 2014).

De acordo com Oliveira (2007, p. 67), são adesivos de papel ou vinil, de produção caseira e
individual, que são espalhados pelas ruas como forma de manifestação artística anônima e sutil.
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Intervenções urbanas: o cidadão como agente da cidade

n Intervenções urbanas: observação do espaço


O espaço em que as intervenções estão inseridas é a cidade. Vislumbrando
sua amplitude e composição, denota-se que tal cenário possibilita manifestações
e interpretações que divergem conforme o observador desse espaço: “cada
cidadão tem vastas associações com alguma parte de sua cidade, e a imagem
de cada um está impregnada de lembranças e significados” (LYNCH, 2011,
p. 1). É fato que “cada indivíduo cria e assume sua própria imagem, mas parece
existir um consenso substancial entre membros do mesmo grupo” (LYNCH,
2011, p. 8). Nesse contexto, destaca-se um segundo observador da cidade:
o turista. Esse indivíduo não possui vícios de leitura e compreensão do seu
entorno. Assim, segundo o autor, ao analisar uma cidade esse indivíduo percebe
espaços comumente ignorados por seus moradores. Considera-se esse olhar
inocente, válido para as intervenções urbanas, visto que desdobra a possibilidade
de abordagem de um novo cenário para uma manifestação comum. Percebe-se
que a interpretação do espaço depende do indivíduo que o analisa. Da mesma
forma, a compreensão do indivíduo da real mensagem transmitida, por meio
de uma intervenção, só terá seu valor percebido caso o código ao qual esta foi
desenvolvida seja de seu domínio (BOURDIER, 2008).
Ressalta-se que o design de uma cidade é temporal, ou seja, está em
constante transformação, seja por meio de obras civis ou artísticas (LYNCH,
2011; LEITE, 2012). Essa variabilidade permite a criação e a recriação de
espaços para os cidadãos onde cada vez mais as intervenções urbanas
atuem como vozes, para que órgãos públicos observem as necessidades dos
indivíduos pertencentes à cidade. Nesse contexto, serão mostrados os principais
formatos de intervenções urbanas realizadas na contemporaneidade, a fim
de compreender a mensagem e interpretar sua aplicação no espaço. Em um
contexto geral, as intervenções urbanas são constituídas de aplicações simples,
mas que repercutem na maioria das vezes em um grande impacto visual, cultural
e social. Nessa conjuntura, analisam-se as caraterísticas dos grafites, dos stickers
e das instalações de espaços públicos. Entretanto, em um primeiro momento,
vale distinguir os termos pichação e grafitagem.
Desde o início da era cristã, a pichação era um formato de expressão
banalizada que visava retratar a indignação dos praticantes para com diversos
aspectos sociais vivenciados. “A ocupação do espaço urbano pela pichação
revela uma guerra que se intensificou nas últimas décadas nos grandes centros
urbanos, acompanhando a emergência juvenil no protagonismo cultural”
(OLIVEIRA, 2007, p. 69). A principal marca deixada pelas cidades, por meio
da pichação, são as iniciais dos grupos que a praticam. “Ao espalhar assinaturas
pela cidade, se transformam em personagens urbanos e dizem: ‘eu existo’, ‘eu
circulo pela cidade’, ‘esta cidade também é minha’” (OLIVEIRA, 2007, p. 69).
De certo modo, observa-se nos praticantes desse movimento o desejo descrito
por Bourdieu (2008) de ser o agente transformador da sociedade.
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A incompreensão da grafitagem de certo modo é caracterizada pela forma


desregrada com que a pichação se apresenta para a sociedade. Oliveira (2007,
p. 69) afirma que “o grafite tem em comum com a pichação a transgressão,
mas advém das artes plásticas e privilegia a imagem”. A autora destaca que
uma das características mais marcantes da grafitagem é a colaboratividade,
visto que, mesmo sendo trabalhos individuais, as artes recebem influência ou
auxílio de outros grafiteiros ou artistas.
Já os stickers, popularmente conhecidos como lambe-lambes, também são
meios de intervenção urbana em que o indivíduo tem a possibilidade de atuar como
protagonista da cidade: “Articulados às artes gráficas, os stickers são pequenos
pedaços de papéis ou plásticos adesivos produzidos artesanalmente e em número
suficiente para serem espalhados pela cidade, criando percursos, apropriações
territoriais e reconhecimento em bairros distintos” (OLIVEIRA, 2007, p. 70). Essas
intervenções são espalhadas por diferentes pontos da cidade, visto sua facilidade
de aplicação e tamanho. Percebe-se que a cada dia esse movimento ganha mais
adeptos, sendo a versatilidade uma de suas principais características.
Quanto às instalações em espaços públicos, elas surpreendem os cidadãos
que transitam por determinada localidade. Esse formato de manifestação
normalmente não é estático, visto que os indivíduos que por ela passam
interagem com a obra, fazendo com que sua significação mude constantemente.
Vale ressaltar o aspecto reflexivo que tal meio de expressão impõe: “os passantes
param, olham, tocam”; como o cotidiano das metrópoles costuma colocar
as pessoas num estado de apatia, invariavelmente as intervenções “causam
surpresa, fazendo com que as pessoas percebam que a cidade tem uma
dimensão humana” (SIL, 2013).
O espaço das intervenções urbanas proporciona inúmeras possibilidades
de aplicação e de interpretação. Dessa forma, na sequência será realizada uma
análise de dois casos reais, a fim de compreender os fatores extraestéticos
relacionados.

n Análise de casos
Os casos analisados neste artigo foram escolhidos com base no impacto
provocado na sociedade de que fazem parte. São intervenções urbanas realizadas
no Brasil que expõem problemas característicos das regiões nas quais foram
inseridas. Serão analisadas as intervenções “Que ônibus passa aqui? ”, do grupo
Shoot the Shit, de Porto Alegre (RS), e “A arte da espera”, idealizado pelo site
Reclame Aqui, em parceria com o grafiteiro Vermelho, em São Paulo (SP).
Dividiu-se a análise dos casos em dois atos. No primeiro, realiza-se uma
abordagem extraestética fundamentada no contexto e na forma de interação.
Dessa maneira, investiga-se a forma com que a mensagem é percebida,
construída, influenciada e transmitida. Em um segundo momento, aborda-se a
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Intervenções urbanas: o cidadão como agente da cidade

intervenção do ponto de vista da estética pura, ou seja, de natureza interna.


Os fundamentos de arte e design aplicados são observados com relação à
composição da imagem e à proposta, além da averiguação do impacto visual
despertado. Embora a análise tenha sido dividida em dois momentos, ressalta-se
“que as variáveis estéticas e extraestéticas são complementares e não opostas”
(MORGENSTERN, 2011, p. 48). Acredita-se que tais abordagens auxiliam na
construção do cenário e da mensagem das intervenções visando ao alcance
ainda que inconsciente dos cidadãos. Os critérios que fundamentam as análises
são baseados em autores como Beguoci (2005), Bourdieu (2008), Fraser e
Banks (2007), White (2006), Ambrose e Harris (2009) e Lynch (2011).
A primeira intervenção avaliada é “Que ônibus passa aqui?”. A ideia surgiu
em 2012, quando um grupo de amigos publicitários, Luciano Braga, Gabriel
Gomes e Giovani Groff, decidiu investir em soluções para problemas da cidade.
De acordo com os criadores do projeto (SHOOT THE SHIT, 2015), “[...] é
mais fácil cada pessoa cuidar do ponto de ônibus mais próximo de sua casa do
que a prefeitura cuidar de todos os pontos da cidade”. A proposta do grupo
foi dividir as responsabilidades, mostrando que, cada um fazendo a sua parte,
juntos os cidadãos podem melhorar o contexto da cidade em que vivem.
Verifica-se que a fragilidade do transporte público e as dificuldades de
mobilidade urbana são constantemente inspirações para protestos e intervenções.
Nesse contexto, as medidas para evitar os congestionamentos também são
tomadas, visando a um único formato: o alargamento e a criação de avenidas.
Entretanto pesquisas comprovam que os carros não levam a maioria das pessoas,
mas sim ocupam a maioria dos espaços. Conforme Penalosa (apud GARCIA, 2013),
“resolver o trânsito construindo mais avenidas é como apagar o fogo com gasolina”.
Observando tais elementos externos, constata-se que mesmo que indiretamente
eles influenciaram a intervenção analisada. A inconsistência dos investimentos
públicos na melhoria dos problemas da sociedade é uma constante e se repete
cotidianamente. Felizmente, os cidadãos estão assumindo seu papel como agentes
de transformação, criando artimanhas para facilitar o dia a dia dos indivíduos,
melhorando a mobilidade urbana e por conseguinte a vida nas cidades.
A proposta dessa instalação segue os quatro pontos destacados por
Beguoci (2005), descritos anteriormente. É uma instalação que acontece na
rua, faz parte de uma motivação individual ou coletiva e tem como alvo a
crítica pela falta de investimento na melhoria física e informacional dos pontos
de ônibus, seja por parte do poder público ou por empresas de transporte
coletivo, tendo como linguagem básica o bom humor. A instalação utiliza os
espaços públicos, especificamente os pontos de ônibus, para propagar sua
mensagem, que é divulgada por meio dos stickers. Esse formato de comunicação
estimula a colaboratividade, tendência da contemporaneidade, e resulta em
ganhos valiosos – por exemplo o tempo – para todos os usuários de transporte
coletivo. A proposta foi iniciada em Porto Alegre, entretanto hoje atinge cerca
de 30 cidades, até mesmo fora do Brasil. Esse fato é possível porque o Shoot
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the Shit disponibiliza gratuitamente em seus meios de relacionamento as artes


e as instruções para que mais pessoas e cidades participem do movimento.
Ressalta-se que o coletivo de arte estimula esses novos agentes transformadores
a registrar as ações em fotos e vídeos e compartilhar com o grupo suas
intervenções, com o objetivo de contagiar mais pessoas para fazer a diferença,
experienciando e melhorando a sua cidade.
Observando os conceitos de composição da imagem, percebe-se uma
preocupação funcional e estética tanto com os stickers quanto com todos os
outros materiais gráficos da ação, sejam eles digitais ou físicos. A paleta de
cores é composta por duas cores vibrantes (azul e rosa) e duas neutras (cinza
e branco), sendo aplicadas de forma chapada. Segundo Fraser e Banks (2007),
esse tipo de aplicação cromática auxilia na leitura, por conta do contraste
gerado, influenciando positivamente no impacto visual despertado. A tipografia
empregada é sem serifa, o que facilita a leitura e atribui uma estética arrojada
e informal aos materiais. White (2006) assegura que a escolha da fonte afeta o
caráter e a personalidade do material que está sendo desenvolvido. O formato
dos stickers é longilíneo e diferenciado, garantindo uma boa aplicação e destaque.
Ambrose e Harris (2009, p. 9) afirmam que “a seleção do formato depende de
considerações práticas como o público-alvo, a natureza das informações a serem
apresentadas e os custos envolvidos”. O material é o adesivo envernizado, durável
e fácil de aplicar. Observa-se que tais características contemplam os requisitos
de materiais desenvolvidos para ambientes externos, de grande circulação e
constantemente influenciados pelas ações climáticas. Consideram-se os stickers
dessa ação peças de sinalização, visto que eles auxiliam os indivíduos passantes
da cidade a se locomover de maneira mais efetiva. Lynch (2011) cita os conceitos
de bem-estar e equilíbrio ao vislumbrar o momento em que os cidadãos sabem
para onde estão indo ou de que maneira chegar a um destino. Entretanto, em
caso contrário, a frustração, a falta de segurança e o medo se fazem presentes.
“Portanto, uma imagem clara do entorno constitui uma base valiosa para o
desenvolvimento individual” (LYNCH, 2011, p. 5). Na figura 1, observa-se um
infográfico que apresenta as peças utilizadas na ação, os aspectos de composição
da imagem destacados anteriormente, a utilização e a aplicação dos stickers no
contexto urbano e a experiência despertada pela intervenção nos indivíduos
colaboradores e agentes transformadores do espaço urbano.
O impacto da intervenção “Que ônibus passa aqui” é vivenciado nos
campos social e visual, visto que ela se aplica tanto por seu contexto e mensagem
quanto pelos resultados obtidos nas diferentes cidades participantes. Além do
apoio dos cidadãos, o poder público de algumas cidades percebeu no projeto
iniciado por eles uma oportunidade de envolver a comunidade e melhorar algumas
fragilidades do transporte público. Ressalta-se que, quando o cidadão atua como
agente de transformação das cidades, os problemas destas diminuem ou deixam
de ser despercebidos. Dessa forma, acredita-se que tal intervenção cumpre seu
papel de mobilização social.
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Intervenções urbanas: o cidadão como agente da cidade

Figura 1 – “Que ônibus passa aqui?”

Fonte: Imagens disponíveis em: <http://shoottheshit.cc/que-onibus-passa-aqui/>; <https://


www.catarse.me/pt/projects/5731>; <http://imaginanacopa.com.br/historias/que-onibus-
passa-aqui/>. Acesso em: 11 jun. 2015

O segundo caso analisado é a intervenção “A arte da espera”, projeto


idealizado pelo site Reclame Aqui em parceria com o grafiteiro Vermelho. A
intervenção tem como propósito demonstrar, por meio da arte, o tempo que os
cidadãos gastam ao tentar cancelar serviços de telefonia, televisão por assinatura
e internet. A ação foi realizada durante o mês de maio de 2015 e resultou na
grafitagem de três muros na cidade de São Paulo.


Ressalta-se que a utilização das imagens tem fins de estudo. Elas foram retiradas da internet,
divulgadas pelo coletivo de arte que desenvolveu a ação em seu site próprio e em uma matéria
publicada.
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Há algum tempo se observa que algumas empresas desrespeitam os


cidadãos ao não cumprir resoluções do Código de Defesa do Consumidor. Essa
atitude causa revolta, descontentamento e insatisfação aos consumidores. É fato
que o imediatismo é uma característica da contemporaneidade, no entanto tal
aspecto não reflete na educação e nos direitos dos indivíduos. Sabe-se que em
parte o mau atendimento e a demora na resolução das solicitações não são culpa
dos atendentes dessas empresas e sim de uma sociedade capitalista que visa ao
lucro em detrimento dos direitos e deveres dos cidadãos. A crítica central dessa
análise não recai apenas nas empresas de telemarketing, como também em toda
classe empresarial que desrespeita o consumidor. Desde os anos 1960 os esforços
empreendidos para o processo de evolução das cidades têm como foco o avanço
como forma de aumentar os ganhos e estimular a régua da economia. Vale
ressaltar que os resultados positivos nessa régua estão desvinculados de uma
sociedade próspera e saudável. De acordo com a revista The Economist (2013
apud GARCIA, 2013), São Paulo é a cidade que mais cresce em competitividade
em âmbito mundial, contudo pesquisas realizadas pela Organização Mundial da
Saúde (OMS apud CASTRO, 2012) afirmam que a capital paulista possui o maior
número de casos de transtornos mentais do mundo. Garcia (2013) reflete sobre
essa questão dizendo que “[...] as réguas que medem a cidade estão velhas, não
[dando] conta da diversidade das pessoas”.
A intervenção “A arte da espera” diferencia-se da analisada anteriormente
em diversos fatores, a começar pela motivação. Esta é originada de uma empresa
privada, enquanto aquela surge do desejo dos cidadãos. Trata-se de um fator
interessante, visto que demonstra a preocupação de algumas empresas privadas
em colaborar com a nova cultura de cuidado e transformação da cidade. Verifica-
se que os quatro pontos destacados por Beguoci (2005) são atendidos, assim como
no caso de “Que ônibus passa aqui”. Os muros da cidade são a superfície da
ação, originada de uma motivação da iniciativa privada e que demonstra a falta
de respeito das empresas de serviços para com os cidadãos, ao buscarem seus
direitos de cancelamento de serviços por elas ofertados. A intervenção utiliza
uma linguagem arrojada e bem-humorada.
As imagens são compostas com base nas teorias artísticas e de design. Com
cores fortes e vibrantes, o grafite representa por meio de elementos simbólicos
os sentimentos despertados durante as tentativas de cancelamento dos serviços
anunciados. As frases “Esta arte foi feita tentando cancelar um serviço de...” e
“Seu tempo vale mais do que você imagina” despertam a reflexão do indivíduo
impactado pela intervenção. A caixa alta e sem serifa auxilia no impacto da
mensagem. A superfície utilizada é o muro em frente aos estabelecimentos para os
quais estavam sendo realizados os cancelamentos. Observa-se assim a utilização
da arte como forma de protesto. O infográfico apresentado na sequência (figura
2) demonstra o processo de criação e as artes finalizadas.
O impacto despertado nos cidadãos que circulam pelos locais é perceptível,
visto que a maioria para e analisa o que está sendo transmitido. Outro fator
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Intervenções urbanas: o cidadão como agente da cidade

que amplia o impacto da intervenção é a veiculação espontânea em diversas


mídias, despertando uma corrente direta contra o abuso das operadoras e uma
corrente indireta às empresas que desrespeitam os códigos que regem os direitos
dos cidadãos. Existem leis que regem os direitos dos cidadãos ao cancelamento
de serviços, entretanto estas muitas vezes são ignoradas e não são atendidas.
Cabe a cada agente transformador de sua cidade denunciar tais abusos, a fim
de viver em um ambiente agradável e justo.

Figura 2 – “A arte da espera”

Fonte: Imagens disponíveis em: <http://www.reclameaqui.com.br/noticias/noticias/grafiteiro-


faz-arte-em-muros-enquanto-tenta-cancelar-servico_1488/>. Acesso em: 11 jun. 2015


Ressalta-se que a utilização das imagens tem fins de estudo. Elas foram retiradas da internet,
divulgadas pela empresa criadora da ação.
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As intervenções analisadas refletem uma nova cultura em que o cidadão


deixa de ser observador e passa a ser agente transformador. Verifica-se um
engajamento cada vez maior de pessoas, instituições e até mesmo de iniciativas
públicas a favor dessa nova forma de ver, compreender e viver as cidades. De
acordo com Garcia (2013), é necessário despertar o quero, o tenho e o posso, a
fim de melhorar a qualidade de vida das cidades, ativando dessa forma os quatro
objetivos-chave apontados por Gehl (2013, p. 6): “[...] cidades com vitalidade,
segurança, sustentabilidade e saúde”. Felizmente, muitas transformações estão
acontecendo e fomentando tendências colaborativas, de empatia e mudança
de cultura.

n Considerações finais
Conforme explicitado pelos autores e pelas ações de intervenção urbana
analisadas, nota-se uma nova posição dos cidadãos no contexto das cidades: o
de agente transformador. A influência do contexto social nos campos híbridos da
arte e do design, como discutem Bourdieu (2008), Wolff (1982), Cipiniuk (2014) e
Becker (2009), é perceptível ao vislumbrar nas ações as temáticas debatidas, os
métodos adotados, os processos de desenvolvimento e os resultados obtidos.
A experimentação da cidade, como destacam Ferraz, Scarpelini e
Abreu (2009) e Prado e Lamim-Guedes (2015), remonta a uma tendência
que insere nos centros urbanos um indivíduo consciente e ativo, oportunizando
a experimentação da cidade por meio de sua vivência e conhecimentos e
transformando-a em um lugar melhor para viver. O cidadão deixa de ser um
mero passante para ser o meio condutor da mudança. Percebem-se diversas
contribuições nesse sentido que apontam para um cenário mais coletivo, ligado
à participação e à experiência dos envolvidos.
Os resultados das intervenções urbanas analisadas confirmam as teses
dos teóricos apresentados. No contexto atual da sociedade, a voz da cidade está
horizontalizada, ou seja, os cidadãos não satisfeitos criam artifícios para serem
ouvidos. Logo, todos os indivíduos podem ser os condutores da mudança. No
viés das instituições públicas, verifica-se a repercussão desse movimento, visto
que cada vez mais estas passam a colaborar com os cidadãos.
A metodologia escolhida permitiu o apontamento das convergências entre
teoria e prática, visto que por meio da abordagem teórica foram percebidos os
esforços de efetivação de tais trabalhos. Já com o estudo de caso, constataram-
se o reflexo das abordagens teóricas e as contribuições delas para a prática
de uma nova cultura. Conclui-se que a cidade, como superfície, permite uma
arte livre, sem rótulos, em que todos os cidadãos podem ser protagonistas da
intervenção e da própria cidade.
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Intervenções urbanas: o cidadão como agente da cidade

n Agradecimentos
Agradecemos ao Programa Institucional de Bolsas de Pós-graduação stricto
sensu (PIBPG) do Fundo de Apoio à Pesquisa (FAP) da Univille a oportunidade
concedida.

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1
17
O contexto social e econômico do
desenvolvimento das embalagens
de marcas próprias
The social and economic context of the packagings
own-brand products

BRUDZINSKI, Vanessa M.1


PRUNER, Fernando P.2

1
Graduada em Desenho Industrial com habilitação em Programação Visual pela Pontifícia
Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), pós-graduada em Gestão do Design pela
Universidade Tuiuti do Paraná, mestranda no Programa de Mestrado Profissional em Design
pela Universidade da Região de Joinville (Univille). Atua como docente na UniBrasil nos cursos
de Design, Publicidade e Propaganda, Relações Públicas. Tem experiência como consultora para
gestão de equipes criativas em escritórios de design, agências de publicidade e equipes de marketing.
Desenvolve estudos sobre produção gráfica, metodologia e desenvolvimento de embalagens.
E-mail: vanessamezzadri@gmail.com.
2
Graduado em Design de Produto pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), pós-graduado
com MBA em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) e mestre
em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Tem
experiência nas áreas de marketing, tecnologia, desenvolvimento de produto e desenho industrial.
Já residiu na Itália e nos Estados Unidos. Com 25 anos de atuação em produtos de linha branca,
foi responsável pelo desenvolvimento de design dos produtos das marcas Brastemp e Consul
no Brasil e da marca Whirlpool na América Central e do Sul (até 2016). Em todos esses anos,
desenvolveu sólida habilidade na gestão de grupos criativos, desde o processo de geração de ideias
até o lançamento no mercado, com grande foco em inovação, estratégia de negócios e criação de
valor de marca. Desde 2014 tem se dedicado também ao ensino, como professor nos cursos de
graduação e mestrado da Univille. E-mail: fernando_pruner@whirlpool.com.
BRUDZINSKI, Vanessa M. | PRUNER, Fernando P.

Resumo: Este texto apresenta-se como o estudo preliminar de uma


investigação do Mestrado Profissional em Design da Universidade
da Região de Joinville (Univille). Ele descreve o desenvolvimento de
embalagens das marcas próprias das redes supermercadistas, com foco
na rede Condor. Contempla a necessidade de analisar o design levando
em conta aspectos extraestéticos, ou seja, ressalta os cenários culturais e
sociais em meio aos quais esses produtos são comercializados. Com base
nos referenciais teóricos, aponta cenários relacionados às megatendências
para o desenvolvimento das embalagens.
Palavras-chave: design de embalagem; marca própria; rede varejista.

Abstract: This is a preliminary study of an investigation conducted during


a Professional Science Master's Course in Design from Joinville and Region
University (UNIVILLE). It describes the development of packagings for
supermarket chains own-brand products, focusing especially on the
Condor chain. It envisages the need of design analysis taking into account
extra esthetic aspects; for instance, the cultural and social scenarios in
which these products are commercialised. Based on theoretical references,
it points out the scenarios that are related to the megatendencies for the
development of packagings.
Keywords: packaging design; own-brand products; supermarket retailer.

n Introdução
Este artigo tem o objetivo de apresentar o contexto sócio-histórico em
que são desenvolvidas as embalagens de marcas próprias (MPs) das redes
supermercadistas, em específico a rede Condor. Os estudos e dados comerciais
descritos no texto foram desenvolvidos sob a base teórica de Adrian Forty
(2007), que aponta a necessidade de analisar o design levando em conta aspectos
extraestéticos, estimulando a observação do contexto cultural, histórico e
econômico, além de considerar cenários relacionados às megatendências para
o desenvolvimento das embalagens.

n Contextualização
Na gôndola do supermercado, em meio à diversidade de produtos,
o consumidor será seduzido por uma embalagem. Na primeira percepção,
embalagem e produto não se dissociam: ela “é o produto”. Como uma eficiente
3
17
O contexto social e econômico do desenvolvimento das embalagens de marcas próprias

ferramenta de marketing, a embalagem torna-se um fator decisivo no ponto de


venda. Ao assinar a autoria do produto, a marca assume papel identificador e
diferenciador nesse contexto.
Quando o produto é assinado pela marca própria  (MP), engloba os
conceitos de identidade de marca (personalidade da empresa que representa) e a
imagem (aquilo que é percebido pelo consumidor). Mas o que distingue uma MP
de outras marcas correntes é o fato de ela referir-se especificamente a produtos
ou marcas pertencentes a um varejista, atacadista, associações ou qualquer
outro distribuidor de bens de consumo, comercializados exclusivamente em
estabelecimento próprio.
Desde meados dos anos 1970, o Brasil já apresentava iniciativas de
comercialização de marcas próprias no setor varejista, com foco em produtos
genéricos em que a marca era suprimida e apenas apresentava o nome da
categoria, sem nenhuma diferenciação e preocupação com a qualidade. O único
diferencial era o preço.
Pouco a pouco o cenário das grandes redes de supermercados foi
mudando. Nos anos 1990, com a entrada das bandeiras do varejo mundial,
as MPs ganharam espaço e aumentaram-se os investimentos em qualidade,
entretanto o maior diferencial continuou a ser o preço.
Conforme Neide Montesano (in ABMAPRO, 2015), presidente
da Associação Brasileira de Marcas Próprias, o intercâmbio de ideias e a
importação de produtos de MP com padrões de qualidade internacionais, os
quais passaram a competir com as marcas tradicionais no mercado brasileiro,
foram fundamentais para a consolidação das MPs no país.
No início suas embalagens eram visualmente bastante inferiores; hoje elas
apresentam um visual mais cuidado, com fotografias bem produzidas e materiais
de melhor qualidade. O investimento cresceu, pois o negócio se tornou lucrativo
para as redes e para os fornecedores, já que, de um lado, há o aumento da
margem de venda do produto e, de outro, o corte no alto investimento em
comunicação, marketing e publicidade. Em uma análise superficial, “um ‘bom
desenho’ seria a chave que garantiria o aumento do consumo” (CIPINIUK,
2014, p. 44), porém as embalagens da categoria de marcas próprias vão além
da apresentação externa do conteúdo de seu invólucro. A marca da rede é o


Marca própria caracteriza-se por ser um produto vendido exclusivamente pela organização
varejista que detém o controle da marca. Ela pode levar o nome da empresa ou utilizar uma outra
marca não associada ao nome da organização (OLIVEIRA, 2009).

Entende-se por bandeira a marca apresentada para o consumidor final – estampa o letreiro do
supermercado, diferentemente da marca do grupo econômico, por exemplo.
17
4
BRUDZINSKI, Vanessa M. | PRUNER, Fernando P.

atestado de procedência daquele produto, ela presta esse serviço. O consumidor


final leva, da prateleira do supermercado até o armário da sua casa, a certeza
do bom produto. Ele não precisa validar a informação nos anúncios de TV ou
da revista; o supermercado de que ele é cliente lhe oferece tal benefício.
Segundo Neide Montesano (in ABMAPRO, 2015), para o consumidor
a marca própria é mais do que um produto, é igualmente um serviço, uma
vez que se podem adquirir produtos honestos com qualidade percebida, por
preços justos.
Diante dessa realidade, o design das embalagens é ao mesmo tempo
expressão da marca da rede e atributo do conteúdo do produto; agrega valor
e significados que antes esses produtos de MP não tinham. Ao promover as
MPs, as redes varejistas descobriram que o consumidor brasileiro, além de
exigente, valoriza embalagens bem cuidadas, por isso atualmente o investimento
em design se tornou indispensável para o sucesso das vendas.
A contribuição deste artigo está na apresentação das embalagens da
marca própria da rede Condor de supermercados, considerando aspectos
extraestéticos. Ou seja, ressaltam-se os cenários culturais, sociais e históricos
que hoje influenciam o comportamento dos consumidores na compra e na
identificação da marca.

n A função da embalagem
Observando a natureza, percebemos a necessidade de haver embalagens
e as inspirações humanas para seu desenvolvimento: a vagem para proteger o
feijão, a palha para envolver a espiga de milho e a casca para abrigar a noz.
Se os ovos ainda fossem recolhidos dos ninhos direto para o consumo,
ou então os grãos plantados no quintal de casa, talvez as embalagens não
tivessem a importância que têm atualmente no desenvolvimento comercial dos
produtos. Nas sociedades em que prevalecem as trocas de mercadorias (e não
sua comercialização), as embalagens exercem apenas funções básicas essenciais,
como conter, proteger e viabilizar o transporte dos produtos. No século XIX
as embalagens eram artefatos preciosos, dada a sua escassez, mas já presentes
no cotidiano das pessoas. Muitos escravos vendedores de leite transportavam
latões, alguns deles fechados com cadeados para que o leite não fosse misturado
com água durante a viagem (CAVALCANTI; CHAGAS, 2006).
5
17
O contexto social e econômico do desenvolvimento das embalagens de marcas próprias

Figura 1 – Vendedores de leite e de capim-de-angola. Aquarela de Jean-Baptiste


Debret, início do século XIX

Fonte: Cavalcanti e Chagas (2006)

As embalagens foram incorporando funções ao longo da sua história, e


sua linguagem visual foi ganhando elementos de representação. Inicialmente a
forma do recipiente lhe atribuía personalidade – atributo que permanece até
hoje, como no exemplo emblemático da garrafa de Coca-Cola. Com o avanço
do comércio mundial, por volta do século XV, os rótulos passaram a identificar
e discriminar os produtos. Assim, o “conter” juntou-se com o “identificar”.
Com o fim da Segunda Guerra, as embalagens tornaram-se os maiores
ícones da sociedade de consumo de massa. Fabio Mestriner (2001), importante
profissional do setor de embalagens, afirma que o desenvolvimento dos meios
de comunicação e da publicidade, o surgimento da televisão e a criação dos
supermercados estabeleceram os padrões visuais da embalagem tal qual a
conhecemos hoje.
Com a chegada dos supermercados, as embalagens precisavam explicar
ao consumidor o conteúdo dos produtos e suas características, estimular as
vendas convencendo o consumidor a levá-los. Não havia mais o balconista para
fazer isso (MESTRINER, 2001, p. 16).
Hoje a embalagem é um importante componente da vida moderna, em
função do desenvolvimento da indústria, do comércio, da tecnologia e da própria
sociedade. Além dos requisitos essenciais básicos, desempenham funções sociais
e econômicas de amplo aspecto, conforme descrito no quadro a seguir:
17
6
BRUDZINSKI, Vanessa M. | PRUNER, Fernando P.

Quadro 1 – Amplitude da embalagem


Funções primárias Conter, proteger, transportar
Componente do valor e do custo de produção
Econômicas
Matérias-primas
Sistemas de acondicionamento
Tecnológicas Novos materiais
Conservação de produtos
Chamar a atenção
Transmitir informações
Mercadológicas
Despertar desejo de compra
Vencer a barreira do preço
Construir a marca do produto
Conceituais Formar conceito sobre o fabricante
Agregar valor significativo ao produto
Principal oportunidade de comunicação do
Comunicação e marketing produto
Suporte de ações promocionais
Expressão da cultura e do estágio de
Sociocultural
desenvolvimento do país
Importante componente do lixo urbano
Meio ambiente
Reciclagem/Tendência mundial
Fonte: Mestriner (2001)

O objeto tangível dessas funções é o design que se apresenta para o


consumidor. Segundo Mestriner (2001), o design tem a responsabilidade de
transmitir tudo aquilo que o consumidor não vê, mas que representa um grande
esforço produtivo para colocar nas prateleiras o que a sociedade industrial
moderna consegue oferecer de melhor.

n Percepção de valor – da corporação para o produto


Adrian Forty, no livro Objeto de desejo (2007), traz a noção de que a
história do design deve ser compreendida sob a ótica social, ou seja, argumenta
acerca da necessária significação do design em nossa cultura e a dimensão de
sua influência em nossa vida e mente.
A análise da percepção de valor e a atitude dos consumidores nas redes
varejistas, na grande parte das publicações sobre o assunto, são tratadas pela
ótica do marketing. Nas raras vezes em que o design aborda o tema o faz com
base na psicologia. Dessa forma, cabe aqui o exercício de enxergar a “percepção
de valor” à maneira de Forty, entendendo o histórico, as questões econômicas
e o próprio desenvolvimento social de forma abrangente e relevante.
7
17
O contexto social e econômico do desenvolvimento das embalagens de marcas próprias

De todas as maneiras como o design pode influenciar nosso pensamento,


a única reconhecida amplamente foi seu uso para expressar a identidade das
organizações, tanto para o público interno como para o mundo exterior
(FORTY, 2007, p. 301).
A identificação dos mercados, especialmente das grandes redes, está no
design, na aplicação dos elementos da marca e da comunicação visual, desde
a arquitetura dos prédios, a identificação da sinalização interna e externa, o
desenho do uniforme dos funcionários, até a impressão da marca nas sacolas
de plástico biodegradável. O design, porém, assume relevância fora das esferas
puramente artísticas ou técnicas. A expansão territorial da empresa é marcada
pela edificação. O supermercado passa a fazer parte daquela comunidade e
muitas vezes altera o modo de vida daqueles que o rodeiam: empresa e poder
público fazem acordos e o meio se altera; vias públicas são remodeladas em
função do fluxo de carros e pessoas; há geração de emprego e renda, valorização
econômica e aumento da qualidade de vida. Junto com o empreendimento,
edifica-se a percepção valorosa da marca, e na expansão da empresa o design
novamente comunica a identidade coletiva.
Várias redes varejistas se estendem pelo mundo e precisam manter os
atributos da marca. A empresa francesa Carrefour, por exemplo, inaugurou
a primeira loja em 1959 e hoje está presente em mais de 30 países. Quando
chegou ao Brasil em 1975, enfrentou condições culturais muito diferentes das
de seu país de origem, contudo foi por meio do design que conseguiu comunicar
a sua identidade com a comunidade brasileira.
Nesses 40 anos, a rede multinacional expandiu os negócios com a
aquisição de vários mercados regionais, e mais uma vez o design fez parte da
relação com os novos funcionários e a comunidade. O conceito da marca da
empresa está presente desde a oferta de produtos e os serviços que presta até
os produtos de marca própria que oferece aos seus consumidores.
Diferentemente da condição estruturada no comércio internacional do
Carrefour, a rede paranaense Condor de supermercados iniciou suas atividades
em 1974 como um pequeno mercadinho de bairro, na cidade de Curitiba. O
crescimento foi lento, porém estruturado na administração familiar. Na década
de 1990 um fator de peso relacionado às mudanças econômicas da época foi
impulsionador para a rede: a estabilidade econômica alcançada com o Plano
Real (1994). Com isso, o consumidor teve o seu poder de compra aumentado,
contribuindo para mudanças no padrão de consumo. A região de Curitiba
passou por um acelerado crescimento econômico durante o período, atraindo
mais pessoas para a região e causando um aumento na demanda. Essa situação
favoreceu também as redes internacionais com a abertura de mercado.

A abertura econômica, iniciada no governo Fernando Collor


de Mello; a estabilização dos preços, advinda com o plano
Real foram os principais determinantes dessas alterações. Este
cenário favorável permitiu a expansão das redes supermercadistas
17
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BRUDZINSKI, Vanessa M. | PRUNER, Fernando P.

regionais. Por outro lado, o mesmo processo gerou uma disputa


pelas redes locais, da parte dos maiores grupos nacionais e
estrangeiros [...]. Todas estas mudanças exigiram uma nova
postura dos supermercados regionais, bem como, uma adaptação
dos novos concorrentes à cultura dos consumidores da cidade
(LIMA, 2015, p. 1).

Em 1998 a principal concorrente curitibana Mercadorama foi vendida


para o grupo português Sonae. Paralelamente o americano Walmart se fixou
com bandeira própria. Os principais movimentos dos novos entrantes mudaram
a cara do setor de supermercadista. Essas empresas trouxeram novos métodos
de organização, tanto no que se refere as suas políticas administrativas quanto
no nível de automação das lojas, entre outros aspectos.
Diante desse cenário, a rede Condor teve a oportunidade de conquistar
os clientes desconfiados da operação estrangeira, contudo precisou reformular
consideravelmente a aparência das lojas: informatizou-as e passou a adotar
práticas de gestão e marketing, até então pouco efetivas. O slogan “Orgulho
de ser paranaense” foi criado como estratégia para estabelecer um vínculo
mais íntimo com o cliente, reafirmando o sentimento de pertencimento e
nacionalidade. O próprio empresário, Joanir Zonta, declarou sua percepção
em relação à clientela: “O paranaense é bairrista. Ele tem um estilo só dele e
o Condor tem este estilo, é uma empresa paranaense, fala a língua do povo
paranaense, e isso foi o que mais ajudou a gente a ter conseguido conquistar
espaço” (in HUBNER, 2009, p. 234).
Os produtos de marca própria são inseridos nessa condição, pois uma nova
ordem de relacionamento foi estabelecida entre as empresas supermercadistas e
seus fornecedores. A briga por oferecer o preço baixo para o consumidor obriga
os fornecedores a cederem às exigências dos supermercadistas, afinal não estar
na gôndola de uma dessas grandes redes significa uma perda substancial de
mercado. Com isso, pequenos produtores perderam espaço gradativamente e
as grandes marcas assumiram a presença maciça nas gôndolas, pois a cobrança
de taxas extras (como taxas de aniversário, publicidade, privilégio na colocação
nas gôndolas) e a exigência de serviços extras como o chamado “enxoval” (o
primeiro lote de produtos enviados a uma nova loja gratuitamente) só poderiam
ser mantidas com quem tinha poder de barganha.
O fornecimento dos produtos de marcas próprias foi uma alternativa que
pequenos e médios produtores e supermercadistas encontraram para equilibrar
as parcerias comerciais. Os fabricantes elevam sua participação de mercado,
garantem um espaço adicional na gôndola e utilizam sua capacidade ociosa.
Os varejistas podem obter alguns benefícios com o lançamento de MP, como
o aumento da margem de lucro por meio de maior volume de vendas desses
produtos e a construção da imagem varejista, pois essa estratégia é importante
em termos de posicionamento (SILVA; MERLO; NAGANO, 2012).
9
17
O contexto social e econômico do desenvolvimento das embalagens de marcas próprias

O perfil da rede Condor de supermercados não é diferente do da


grande maioria das empresas familiares tradicionais, desde a apresentação dos
funcionários, com seus uniformes formais, até a decoração do ponto de venda
com escassos recursos de design. Assim a empresa se apresenta e conquista o
consumidor cativo e honra com o slogan que ficou marcado – “Sempre perto de
você” – nas 40 lojas espalhadas em 15 cidades do Paraná. O investimento na MP
Condor iniciou-se em 2006 como uma oportunidade comercial e, naturalmente,
seguindo o movimento das grandes redes nacionais e internacionais, como uma
estratégia de construção da identidade da marca e, sobretudo, da ampliação
da margem de lucro.
No início o design das embalagens era subjugado pelo poder de
identificação da marca da empresa. Sua simples aplicação carimbava os produtos
que, ao passar do tempo, foram perdendo potencial de venda. Em 2012, com a
ampliação comercial de 54 produtos para 300 novas unidades, a empresa subia
o patamar da marca própria, ampliando os pontos de contato da marca com
seu consumidor. Uma atenção especial foi dada ao design, que anteriormente
era feito sem critérios e agora era executado com o cuidado em transmitir uma
imagem de marca forte e a própria essência dos serviços prestados pela rede.

Figura 2 – Comparativo visual das embalagens antes e depois do alinhamento


gráfico

ANTES
Poucos produtos
em linha, e
desenvolvimento
visual executado
pelos fabricantes

DEPOIS
Crescimento
da linha de
produtos com
base no novo
planejamento
visual

Fonte: Primária
18
0
BRUDZINSKI, Vanessa M. | PRUNER, Fernando P.

Observa-se que, antes da implantação do novo planejamento visual da


linha, o design das embalagens era pouco considerado e trabalhado unitariamente.
Os produtos eram desenvolvidos pelos próprios fabricantes, e o critério de
identidade era somente a aplicação da marca, a qual nem sempre se mantinha
fiel às suas características formais.
Com a expectativa de crescimento substancial de itens comercializados
e a falta de alinhamento gráfico como uma família de produtos, a empresa
percebeu a importância de contratar especialistas para desenvolver a estratégia
de criação das embalagens.
Nota-se que o resultado após o planejamento visual e a criação de
identidade da linha transferiu às embalagens o conceito de unidade e nivelou o
discurso da marca da bandeira em todos os produtos. A intenção do design foi
reforçar a competitividade da linha perante a concorrência, garantindo a posição
de destaque ajustada ao crescimento e ao posicionamento do mercado.
O novo conceito gráfico facilita a identificação do produto nas gôndolas,
independentemente das categorias dos produtos, sendo o elemento diferenciador.
É um atestado explícito de que a empresa Condor garante a procedência do
produto ofertado. A embalagem condensa um grande número de informações
de maneira clara, organizada e padronizada. Os principais atributos são
visualizados pelo consumidor com facilidade e rapidez.

Figura 3 – Portfólio de produtos com a aplicação da nova identidade visual

Fonte: Primária

O alinhamento visual ofereceu o fortalecimento da exposição da marca


Condor. Com uma linha mais extensa de produtos, mostra-se ao consumidor
que a marca própria não é uma aposta da rede e sim uma opção forte e
1
18
O contexto social e econômico do desenvolvimento das embalagens de marcas próprias

interessante. Graficamente, o texto de marketing aplicado nas embalagens traduz


e reforça publicamente esse compromisso.

Figura 4 – Texto de marketing impresso no verso das embalagens


Versão completa Versão resumida
“O Condor traz para sua mesa o que “Os produtos Condor levam, com
existe de melhor em qualidade e variedade. qualidade, maior sabor e variedade
São produtos escolhidos com carinho, para sua mesa. Conheça a linha
pensados no bem-estar e qualidade de vida completa.”
da sua família. Aproveite para conhecer
a linha completa e leve ainda mais sabor
para dentro de sua casa.”

Fonte: Primária

A embalagem incorpora o posicionamento da corporação; a percepção de


valor do produto é revelada no texto de marketing aplicado nas embalagens, na
composição visual estruturada e no alinhamento gráfico da linha de produtos.
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BRUDZINSKI, Vanessa M. | PRUNER, Fernando P.

n O futuro das marcas próprias – tendências e oportunidades


O histórico das MPs no Brasil pode ajudar a compreender o cenário
atual – mudanças na economia que alteraram o comportamento de compra do
consumidor, características e evolução da apresentação das embalagens, entre
outros. Todavia diagnosticar tendências está em olhar para a frente, analisar os
fatos e exercitar as percepções. Algumas ferramentas são quantitativas, como
as pesquisas de campo realizadas pelos especialistas da Kantar Worldpanel em
parceria com a Associação Brasileira de Marcas Próprias (ABMAPRO), das
quais trataremos brevemente mais adiante; outras nos levam a perceber as
movimentações internacionais e a considerar se são condizentes com a realidade
social, cultural e histórica brasileira.
O desempenho e a trajetória dos produtos de MP no mundo são diferentes.
No Brasil há um comportamento peculiar que foge à regra, se comparado a
outros lugares, principalmente Estados Unidos e Europa. A morosidade dos
empresários em investir em posicionamento da marca e inovação dos produtos e
o desinteresse por parte do consumidor em experimentar a nova marca refletem
no baixo crescimento de vendas, representando 5% na categoria de produtos
de alto giro industrializados. Na Europa e nos Estados Unidos o setor está
consolidado, chegando a ter alta participação no mercado, por volta de 38%. A
Suíça é o país que lidera a participação de marcas próprias em todo o mundo,
chegando a 48% (ABMAPRO, 2015).
A Great Value, MP do Walmart, é a maior marca de alimentos nos
Estados Unidos. É inegável o quanto tais produtos evoluíram em termos de
qualidade, posicionamento, embalagem e inovação. Não é só preço. Até porque,
em alguns casos, a MP nem é a opção mais barata. E ela dá lucro.
No Reino Unido os produtos da Tesco chamam a atenção; a MP é a mais
requisitada entre os consumidores. A cultura do design está no posicionamento
da marca desde a criação dos produtos de MPs em 1950. Em 2006 a empresa
investiu alto no redesign das 37 mil embalagens e não demorou a ver os
resultados: o aumento em vendas de até 70% em MPs, totalizando 53 bilhões
em 2008 (WOLFFOLINS, 2015).
No Brasil o comportamento e o perfil do consumidor são bem diferentes.
Mesmo passando por uma evolução no que se refere a qualidade e inovação,
a área carece de desenvolvimento. Se as empresas envolvidas com MPs
aprenderem que a inovação, o rigor na qualidade e o capricho no design de
seus produtos são grandes tendências do setor, poderão impulsionar não só seus
negócios, mas a imagem percebida do consumidor quanto à própria identidade
corporativa. Para tanto, observar e agregar pontos fortes de exemplos que
aparecem no exterior, onde o conceito de MPs já percorre caminhos mais
inovadores, torna-se uma ótima fonte de inspiração.
3
18
O contexto social e econômico do desenvolvimento das embalagens de marcas próprias

Ainda considerados coadjuvantes nas prateleiras brasileiras, os


produtos de MP representam apenas 3% do faturamento dos grandes grupos
supermercadistas. De 2008 a 2014 as MPs passaram de R$ 1,8 bilhão para
R$ 2,8 bilhões, o que corresponde a um crescimento de 56% do setor.
A pesquisa realizada pela Kantar Worldpanel e a ABMAPRO constatou
que 29,4 milhões de lares consumiram produtos de MPs de supermercados
entre junho de 2013 e o mesmo mês de 2014. A quantidade equivale a 60%
do total de domicílios no Brasil (ABMAPRO, 2015).
O paradigma de que produtos de MP são inferiores em qualidade foi
quebrado, embora ainda exista uma resistência por parte do consumidor em
experimentar a nova marca. Esses artigos são considerados de boa qualidade
e entram na cesta de compras do consumidor. Na pesquisa, identificou-se que
84% dos que consomem esses produtos o consideram de boa qualidade.
Apesar de o resultado da pesquisa ser considerável, trata-se de um setor
de pouca representatividade. Até porque, se globalmente a média de consumo
de MP nas categorias de alto giro industrializadas é de 16% no mundo, e na
Suíça é de 46%, no Brasil não passa da casa dos 5%. Isso não quer dizer que
tal segmento esteja bem ou mal por aqui, mas sim que o mercado brasileiro
precisa entender melhor o consumidor, enxergar as oportunidades e ser mais
estratégico ao adentrar o mundo da MP.
O panorama histórico das MPs no Brasil é peculiar ao comportamento
de consumo. Podem-se observar o processo de reposicionamento das MPs, as
mudanças internas que as colocaram como fator estratégico, o impacto causado
pelo novo design de embalagem e a importância de uma comunicação alinhada
com a estratégia do negócio.

Quadro 2 – Linha do tempo da MP no Brasil

Década de 70 Década de 80 Década de 90 Década de 2000


Produtos exclusivos
Produtos Produtos de Similares aos que trazem
considerados combate contra as líderes, mas com benefícios (tangíveis
genéricos altas de preço preços menores ou intangíveis) com
personalidade própria
1.ª geração 2.ª geração 3.ª geração 4.ª geração
Fonte: Primária

Os varejistas, juntamente com os fabricantes, podem criar melhores


produtos, que respondam às expectativas e necessidades do consumidor, desde
que invistam em programas de MPs com recursos, espaços de prateleira, apoio
de merchandising e, principalmente, compromisso com a inovação, transmitidos
pelo design.
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BRUDZINSKI, Vanessa M. | PRUNER, Fernando P.

O estudo sobre marcas próprias, apresentado pela Nielsen à revista


SuperHiper (ABRAS, 2015), trouxe uma análise sobre cinco vetores de
crescimento no país que impulsionam as MPs: commodities, saudabilidade,
embalagens, praticidade e sofisticação. A pesquisa da Nielsen aponta ainda
que, além de buscar categorias de sucesso e pouco exploradas, para o
estabelecimento ter sucesso com MPs é preciso que ele desenvolva a marca
de seus produtos, inove sempre e principalmente comunique.

Quadro 3 – Apontamento de tendências e oportunidades para as MPs no Brasil


Produtos exclusivos que transfiram a percepção da atitude
empresarial:
- inovação e design;
- transparência na comunicação;
Tendências
- empresa cidadã;
- sustentabilidade;
- vida saudável;
- tecnologia.
Fonte: Primária

n Conclusão
É inegável a presença das embalagens na sociedade comercial em que
vivemos. As funções básicas de conter, proteger e transportar há muito tempo
foram suplantadas pela sedução da venda. A apresentação da embalagem
impulsiona a relação preço-qualidade, os valores intangíveis são representados
pelo design como diferenciadores das marcas.
Ao longo deste artigo, discorreu-se sobre fatores extraestéticos no
desenvolvimento das embalagens de marcas próprias das redes supermercadistas.
Analisaram-se as peculiaridades na aplicação do design sob os aspectos sociais,
históricos e culturais em que esses produtos estão inseridos, características
fundamentadas por Forty (2007).
Nota-se que as características sociais, culturais e econômicas próprias
dos países influenciaram o desenvolvimento das embalagens de MP no decorrer
da sua história. Para o supermercadista a MP não é apenas um produto a mais
para expor na prateleira, ela pode concretizar todo o conhecimento sobre o
consumidor e seus hábitos – bagagem que o varejista tem de sobra.
A rede Condor de supermercados, caso de estudo retratado no artigo,
percebeu o ganho no oferecimento de produtos de MPs ao seu público


A revista SuperHiper é o órgão oficial de divulgação da Abras.
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O contexto social e econômico do desenvolvimento das embalagens de marcas próprias

consumidor. Suas gôndolas apresentam embalagens que expressam os valores


da empresa e estabelecem uma relação de confiança. O que antes era apenas
a oferta de um produto de preço baixo hoje é um meio de relacionamento
entre empresa e consumidor.
O setor ainda tem pouca representatividade na economia em tal
categoria no Brasil, porém as oportunidades de crescimento e a atuação das
MPs internacionais formam cenários otimistas, e o design é fator indispensável
nessa estratégia.

n Referências
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abmapro.org.br/sobre/marca-propria/>. Acesso em: 22 out. 2015.

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estudo da Nielsen aponta oportunidades. Disponível em: <http://www.
abrasnet.com.br/economia-e-pesquisa/pesquisas-sazonais/marcas-proprias/>.
Acesso em: 13 jun. 2015.

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compreendido como produção social. São Paulo: Reflexão, 2014.

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supermercadista: o caso curitibano a partir da década de 90. Disponível
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Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
23112012000100004>. Acesso em: 13 jun. 2015.

SUPERMERCADO MODERNO. Marcas próprias alcançam 60% dos


lares do Brasil. Disponível em: <http://www.sm.com.br/detalhe/marcas-
proprias-alcancam-60perc-dos-lares-do-brasil>. Acesso em: 13 jun. 2015.

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7
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Tipologia utilizada: Cantoria MT Std e DIN

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