You are on page 1of 110

INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS

DE MORFOLOGIA DE LÍNGUA
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES
EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

REITOR: Prof. Dr. Mauro Luciano Baesso

VICE-REITOR: Prof. Dr. Julio César Damasceno

EDUEM - EDITORA DA DIRETORA DA EDUEM: Profa. Dra. Terezinha Oliveira


UNIV. ESTADUAL DE MARINGÁ EDITORA-CHEFE DA EDUEM: Profa. Dra. Gisella Maria Zanin

Av. Colombo, 5790 - Bloco 40

Campus Universitário CONSELHO EDITORIAL


87020-900 - Maringá - Paraná

Fone: (0xx44) 3011-4103


PRESIDENTE: Profa. Dra. Terezinha Oliveira
http://www.eduem.uem.br

eduem@uem.br EDITORES CIENTÍFICOS: Profa. Dra. Ana Lúcia Rodrigues

Profa. Dra. Angela Mara de Barros Lara

Profa. Dra. Analete Regina Schelbauer

Prof. Dr. Antonio Ozai da Silva

Profa. Dra. Cecília Edna Mareze da Costa

Prof. Dr. Eduardo Augusto Tomanik

Profa. Dra. Elaine Rodrigues

Profa. Dra. Larissa Michelle Lara

Prof. Dr. Luiz Roberto Evangelista

Profa. Dra. Luzia Marta Bellini

Prof. Me. Marcelo Soncini Rodrigues

Prof. Dr. Márcio Roberto do Prado

Prof. Dr. Mário Luiz Neves de Azevedo

Profa. Dra. Maria Cristina Gomes Machado

Prof. Dr. Oswaldo Curty da Motta Lima

Prof. Dr. Raymundo de Lima

Profa. Dra. Regina Lúcia Mesti

Prof. Dr. Reginaldo Benedito Dias

Prof. Dr. Sezinando Luiz Menezes

Profa. Dra. Valéria Soares de Assis

EQUIPE TÉCNICA

FLUXO EDITORIAL Edneire Franciscon Jacob

Marinalva Spolon Almeida

Mônica Tanamati Hundzinski

Vania Cristina Scomparin

PROJETO GRÁFICO E DESIGN Luciano Wilian da Silva

Marcos Kazuyoshi Sassaka

Marcos Roberto Andreussi


COPYRIGHT © 2016 EDUEM MARKETING Gerson Ribeiro de Andrade
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial,

por qualquer processo mecânico, eletrônico, reprográfico etc., sem a

autorização, por escrito, do autor. Todos os direitos reservados desta COMERCIALIZAÇÃO Paulo Bento da Silva
edição 2016 para a editora. Solange Marly Oshima
FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM LETRAS - EAD

Ana Cristina Jaeger Hintze


Maria Regina Pante

Introdução aos estudos


de morfologia de
língua portuguesa
Formação de palavras, usos e funções

15
Eduem
Maringá
2011
Coleção Formação de Professores em Letras - EAD

Apoio técnico: Rosane Gomes Carpanese


Normalização e catalogação: Ivani Baptista CRB - 9/331
Revisão Gramatical: Maria Regina Pante
Edição, Produção Editorial e Capa: Carlos Alexandre Venancio
Eliane Arruda

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Introdução aos estudos de morfologia de língua portuguesa: formação de


H666I palavras, usos e funções / Ana Cristina Jaeger Hintze, Maria Regina Pante. --
Maringá: Eduem, 2011.
110p; 21cm; (Coleção formação de professores em Letras EAD; v. 15).

ISBN 978-85-7628-338-6

1. Morfologia – Língua portuguesa. 2. Língua portuguesa – Formação de


palavras. 3. Língua portuguesa – Estudo e ensino. I. Pante, Maria Regina.

CDD 21.ed. 469.5

Copyright © 2011 para o autor


1º reimpressão 2016 - revisada
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo
mecânico, eletrônico, reprográfico etc., sem a autorização, por escrito, do autor. Todos os direitos
reservados desta edição 2011 para Eduem.

Eduem - Editora da Universidade Estadual de Maringá


Av. Colombo, 5790 - Bloco 40 - Campus Universitário
87020-900 - Maringá - Paraná
Fone: (0xx44) 3011-4103
http://www.eduem.uem.br / eduem@uem.br
S umário
Sobre as autoras
> 7
Apresentação da coleção > 9

Apresentação do livro > 11

CAPÍTULO 1
O que é Morfologia? > 13

CAPÍTULO 2
As unidades de análise da Morfologia
> 27

CAPÍTULO 3
Flexão x derivação
> 49

CAPÍTULO 4
A derivação > 63

CAPÍTULO 5
A composição e outros processos similares
> 81

CAPÍTULO 6
Outros processos
> 87

Atividades complementares > 97

Referências > 107

5
S obre as autoras

ANA CRISTINA JAEGER HINTZE


Professora do Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá

(UEM). Graduada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1982).

Mestre em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1994).

Doutora em Letras pela Universidade Estadual Paulista ‘Júlio de Mesquita

Filho’, campus de Araraquara - SP (2003).

MARIA REGINA PANTE


Professora do Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá

(UEM). Graduada em Letras pela Universidade Estadual Paulista ‘Júlio de

Mesquita Filho’, campus de Assis/SP (1988). Mestre em Letras pela Universidade

Estadual Paulista ‘Júlio de Mesquita Filho’, campus de Assis/SP (1994). Doutora

em Letras pela Universidade Estadual Paulista ‘Júlio de Mesquita Filho’, campus

de Assis/SP (2000).

7
A presentação da Coleção
Os 54 títulos que compõem a coleção Formação de Professores em Letras fazem
parte do material didático utilizado pelos alunos matriculados no Curso de Licenciatu-
ra em Letras, habilitação dupla, Português-Inglês, na Modalidade a Distância, da Uni-
versidade Estadual de Maringá (UEM). O curso está vinculado à Universidade Aberta
do Brasil (UAB) que, por seu turno, faz parte das ações da Diretoria de Educação a
Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior
(Capes).
A UEM, na condição de Instituição de Ensino Superior (IES) proponente do curso,
assumiu a responsabilidade da produção dos 54 livros, dentre os quais 51 títulos fica-
ram a cargo do Departamento de Letras (DLE), 2 do Departamento de Teoria e Prática
da Educação (DTP) e 1 do Departamento de Fundamentos da Educação (DFE). O pro-
cesso de elaboração da coleção teve início no ano de 2009, e sua conclusão, seguindo
o cronograma de recursos e os trâmites gerais do Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação (FNDE), está prevista até 2013. É importante ressaltar que, visando a
atender às necessidades e à demanda dos alunos ingressantes no Curso de Graduação
em Letras-Português/Inglês a Distância, da UEM, no âmbito da UAB, nos diferentes
polos, serão impressos 338 exemplares de cada livro.
A coleção, não obstante a necessária organicidade que aproxima e estabelece a
comunicação entre diferentes áreas, busca contemplar especificidades que tornam o
curso de Letras uma interessante frente de estudos e profissional. Desse modo, as
três principais instâncias que compõem o curso de Letras na modalidade a distância
(Língua Portuguesa, Teoria da Literatura e Literaturas de Língua Portuguesa e
Língua Inglesa e Literaturas Correspondentes) são contempladas com livros que
são organizados tendo em vista a construção do saber de cada área. Semelhante cons-
trução não apenas trabalha conteúdos necessários de modo rigoroso tal como seria
de esperar de um curso universitário, como também atua decisivamente no sentido de
proporcionar ao aluno da Educação a Distância a autonomia e a posse do discurso de
modo a realizar uma caminhada plenamente satisfatória tanto em sua jornada acadê-
mica quanto em sua vida profissional posterior. Isso só é possível graças à competência
e ao comprometimento dos organizadores e autores dos livros desta coleção, em sua
maior parte ligados aos departamentos da Universidade Estadual de Maringá envol-
vidos neste curso, além de convidados que enriqueceram a produção dos livros com
sua contribuição. A excelência e a destacada contribuição científica e acadêmica desses

9
INTRODUÇÃO autores e organizadores são outros elementos que garantem a seriedade do material
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA e reforça a oportunidade que se abre ao aluno da Educação a Distância. Além disso, o
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE material produzido poderá ser utilizado por outras instituições ligadas à Universidade
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES Aberta do Brasil, abrindo uma perspectiva nacional para os livros do curso de Letras
a Distância.
Além do trabalho desses profissionais, essa coleção não seria possível sem a con-
tribuição da Reitoria da UEM e de suas Pró-Reitorias, do Centro de Ciências Humanas,
Letras e Artes da UEM e seus respectivos representantes e departamentos, da Diretoria
de Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do
Ensino Superior (Capes) e do Ministério da Educação (MEC). Todas essas esferas, de
acordo com suas atribuições, foram de suma importância em todas as etapas do traba-
lho. Diante disso, é imperativo expressar, aqui, nosso muito obrigada.
Por último, mas não menos importante, registramos nosso agradecimento especial
à equipe do NEAD-UEM: Pró-Reitoria de Ensino, Coordenação Pedagógica e equipe
técnica, pela dedicação e empenho, sem os quais essa empreitada teria sido muito
mais difícil, se não impossível.

Rosângela Aparecida Alves Basso
Organizadora da coleção

10
A presentação do livro
O estudo lexical vem crescendo em importância na contemporaneidade, tendo-se
em vista a expansão e a criação de novas áreas do saber e os movimentos históricos
transformadores ‘naturais’ da língua. De mero apêndice nas gramáticas tradicionais,
passou o léxico a figurar como nível de análise de extrema importância tanto para a
compreensão do funcionamento do sistema linguístico, quer sincrônica, quer diacro-
nicamente, quanto para a compreensão do processo de produção cultural.
O léxico é, provavelmente, o espólio mais duradouro do saber humano, por meio
do qual significante e significado se enfrentam e dialogam para a materialização ele-
mentar da ideia.
É, afinal, por meio do léxico que se constrói o nexo; não é à toa que sobre si se
ergue a Sintaxe.
Este livro conjuga os estudos de Morfologia sob diferentes perspectivas: histórica,
estrutural, gerativa e funcional, buscando o campo da Morfologia como uma disciplina
integrada aos estudos de Sintaxe e Semântica, sem estabelecer fronteiras rígidas entre
eles.
Aos modelos de análise apresentados, acrescentamos fatores pragmáticos, ou seja,
de uso, tendo em vista a dinamicidade da língua e sua organização.
De acordo com cada momento histórico, político, cultural e social, encontramos
modelos diferentes de análise. Assim é que, muitas vezes, podemos não compreender
determinadas formações porque não acompanhamos as escolhas sociopolíticas e cul-
turais da época em questão. É o caso da sigla OTN (Obrigações do Tesouro Nacional),
muito empregada na década de 90 do século XX, e que hoje já não existe mais. Dessa
sigla, formou-se o verbo otenizar, ou seja, transformar em OTNs. Trata-se de expres-
sões que, hoje, não são compreendidas por muitos dos falantes de língua portuguesa.
Há, portanto, escolhas de formas preferenciais, as quais se traduzem em escolhas
ou tendências de tipos de formações com alta ou baixa produtividade em dada época.
Esses aspectos da Morfologia fazem que seu objeto de estudo seja complexo e
instável; isso justifica o fato de que os estudos morfológicos estejam sempre por fazer;
uma tarefa inacabada.
Este livro se subdivide em seis capítulos. No primeiro, definimos o que é Morfo-
logia e apresentamos um panorama geral do tratamento da disciplina sob diferentes
perspectivas.

11
INTRODUÇÃO No segundo capítulo, apresentamos, sob o ponto de vista estrutural, os conceitos
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA de palavra, de vocábulo e de lexema, bem como as subdivisões dos diversos tipos de
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE morfemas.
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES No terceiro capítulo, aprofundamos as questões referentes aos processos de flexão
e de derivação e suas implicações para os estudos da descrição linguística. Nele também
se encontra um quadro geral sobre os diferentes processos de flexão em português.
No quarto capítulo, apresentamos os dois principais processos de formação de pa-
lavras em português: derivação e composição e suas subdivisões. Também evidencia-
mos alguns problemas dessa dicotomia, considerando que as palavras, muitas vezes,
não são formadas apenas por um processo, mas por mais de um. Esse enfoque se con-
trapõe aos estudos apresentados em diversos manuais didáticos, os quais se limitam
somente a apresentar e a identificar processos de formação de palavras.
No quinto capítulo, aprofundamos as questões relacionadas à formação de palavras
por composição e apresentamos outros processos, também produtivos na língua em uso,
tais como: palavra-valise, truncamento, redução vocabular, composição sintagmática etc.
No sexto e último capítulo, acrescentamos outros processos, não menos produti-
vos, que contribuem para a ampliação, a mobilidade e a riqueza do léxico: extensões
metonímicas e metafóricas, onomatopeias, neologismos semânticos e lexicais etc. O
objetivo desse capítulo foi o de unir os estudos da Morfologia aos estudos de Semân-
tica, apontando desvios de sentido de expressões cristalizadas e seu uso efetivo nos
diferentes discursos.
Ao final de cada unidade de estudo, encontram-se atividades voltadas para o con-
teúdo apresentado, cujo objetivo é fazer que o leitor retome esse conteúdo e apreen-
da, de forma resumida, os aspectos básicos do assunto tratado.
As atividades complementares, que se encontram no final deste livro, voltam-se
para a questão da Morfologia em relação ao texto/discurso. Trata-se, portanto, de uma
atividade que envolve leitura, produção e compreensão da Morfologia em um quadro
mais amplo, de modo a não ser tratado, como em muitos manuais didáticos: de forma
isolada e descontextualizada.
Finalmente, em relação às indicações bibliográficas, ressaltamos que se trata de
uma lista de sugestões de leitura e de consulta, ou seja, o leitor pode ampliar seu qua-
dro teórico com leituras complementares, que apresentam um maior aprofundamento
com outras visões sobre o assunto.

Ana Cristina Jaeger Hintze


Maria Regina Pante
Autoras

12
1 O que é Morfologia?

O QUE É MORFOLOGIA?
A Morfologia, do grego morphé (forma) e logos (estudo/tratado), é o campo da lin-
guística que estuda a palavra em suas diferentes formas. Embora essa definição pareça
simples, não é. Primeiramente o que é exatamente forma? De que maneira podemos
defini-la? A forma pode ser entendida como a reunião de sons que se combinam para
estabelecer unidades com significado. Mas como se realiza essa combinação? Quais
as regras para que essa combinação se efetive? A partir de quais elementos se proces-
sa(m) essa(s) combinação(ões) e quais são seus limites de extensão? Essas são algumas
das tarefas da Morfologia.
Esses e outros questionamentos vêm desde a Antiguidade e ainda hoje são temas
para diferentes perspectivas no estudo da Morfologia. Vejamos cada uma delas.

MORFOLOGIA HISTÓRICA
A gramática da língua portuguesa, assim como as outras línguas neolatinas, na tra-
dição ocidental, foi influenciada pelos estudos greco-latinos, os quais estavam associa-
dos aos conhecimentos filosóficos do mundo antigo. Na Grécia clássica, por exemplo,
o conhecimento da Morfologia era utilizado para análise lógica das proposições, ou
seja, a língua era considerada uma espécie de espelho do pensamento e, por isso, de-
veria ser clara. Nesse sentido, a palavra passa a ser o centro de análise. Na Índia, os es-
tudos do sânscrito (língua antiga) voltaram-se à pronúncia correta de textos religiosos,
para que os mantras (cantos de adoração e evocação aos deuses) fossem pronunciados
corretamente. Por isso foi dada ênfase aos estudos da fonética articulatória. Além dessa
preocupação com a fonética, houve, também, uma preocupação com a correspondên-
cia entre som e ortografia, ou seja, buscava-se uma precisão entre o som e a palavra e
sua formação.
Desses dois enfoques resultam duas perspectivas, uma, cujo ponto de partida é a
palavra já instituída, e outra, cujo ponto de partida são as unidades mínimas de signi-
ficado (morfemas) que compõem a palavra. Por exemplo: a forma verbal correr (verbo

13
INTRODUÇÃO instituído, cujo sentido etimológico é o de deslocar-se, em uma sequência de impulsos,
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA repousando o corpo ora sobre uma, ora sobre outra perna, e em um andamento em
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE geral mais veloz que a marcha) e as unidades mínimas que a compõem: corr- (radical),
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES -e- (vogal temática) e -r (forma verbal de infinitivo).
Esse conceito de palavra instituída está intimamente ligado aos estudos de Filologia,
voltados à origem certa de determinada palavra e ao seu uso nos escritores clássicos.

MORFOLOGIA ESTRUTURAL
Para os estruturalistas, a língua é um sistema de valores; a alteração de um elemento
provoca a alteração de outro. Para que eles chegassem a esse sistema, foi preciso isolar
os elementos mínimos e comutáveis (cambiáveis), os quais estavam em contraste. Daí,
criaram o conceito de morfema, unidade mínima de significado.
Detiveram-se, portanto, na palavra, mas a partir de unidades distintas, os morfemas,
que não são nem os fonemas (sons) nem as sílabas. Os morfemas são entendidos como
unidades mínimas de significado (morfemas lexicais - apresentam o sentido básico -
ou morfemas gramaticais - referem-se à estrutura interna da língua) que compõem a
palavra.
Os estruturalistas, desse modo, redefiniram o objeto de estudo da Morfologia. A
palavra é, para eles, um conceito vago e impreciso, por isso se dedicaram ao modo de
estruturação interno dela, introduzindo o conceito de morfema, unidade mínima com
significado lexical ou gramatical.
A distinção entre palavra e morfema considera a noção de grau de independência
semântica e formal: a palavra pode aparecer sozinha e o morfema não; ele não tem sig-
nificação autônoma, porque é uma forma presa. Por exemplo, o vocábulo casa é uma
palavra, pois apresenta independência semântica e formal: ‘A casa está pegando fogo’.
Por outro lado, se isolarmos os morfemas dessa palavra, teremos um morfema lexical,
cas-, que traz a ideia básica, a partir do qual podemos derivar outras palavras (caseiro,
casebre etc), e o morfema gramatical -a, vogal temática, morfema preso ao morfema
lexical. Temos, portanto, a distinção entre palavra e morfema.
Em princípio a distinção entre palavra e morfema é essa. É claro que temos situações
em que, devido às necessidades de expressão, morfemas presos podem ser empregados
como formas livres. É o caso do prefixo pré, em ‘pré e pós-operatório’; em ‘celular pré e
pós-pago’; do prefixo ex, em ‘Ela não conversou mais com seu ex depois do divórcio.’;
do sufixo -ismo, em ‘Os -ismos na Literatura são vários: Cubismo, Parnasianismo, Mo-
dernismo etc.’
Um dos métodos adotados para a depreensão de morfemas é a comutação, que
consiste na troca por oposição linguística. Por exemplo: as formas verbais cantássemos

14
e cantaremos, se comutadas, apresentarão morfemas modo-temporais distintos: O que é Morfologia?

sse (imperfeito do subjuntivo) e re (futuro do indicativo).

cant + á + sse + mos


cant + a + re + mos

Nesses exemplos, temos o morfema lexical cant-, que carreia o sentido básico
da forma verbal, e os morfemas gramaticais -a-, -sse-, -re- e -mos, que inserem essa
forma verbal em um contexto de verbo conjugado na primeira pessoa do plural do
pretérito imperfeito do subjuntivo e na primeira pessoa do futuro do presente do
indicativo. Esses morfemas gramaticais são considerados formas presas, ou seja,
formas que dependem de um morfema lexical e são desprovidos de significado
autônomo.
Um outro exemplo é a palavra mesa, que, comutada com seu plural mesas,
apresentará o morfema (S) para plural e zero (Ø) para singular:

mesa + Ø
mesa + s

Limitações do modelo estruturalista


A análise em unidades mínimas de significado (morfemas) também se mostra
limitada, visto que o conceito de morfema é diferente de língua para língua; o que é
morfema na língua portuguesa pode não ser na língua indígena, por exemplo. Não
há, portanto, um sistema universal de identificação de um morfema.
Um segundo limite dessa análise consiste no fato de que ela é estanque, limi-
tada, fechada ao próprio sistema linguístico; não é considerada, portanto, a dina-
micidade das línguas. Embora o falante não seja capaz de identificar que se trata
de morfema modo-temporal ou de morfema número plural - nos casos apontados
acima -, ainda assim ele é capaz de, intuitivamente, reconhecer que são elementos
distintos e que ele não pode empregá-los indistintamente para verbos e nomes.
Há, ainda, a possibilidade de que a palavra se confunda com o morfema, quando
ela não pode ser depreendida em unidades menores (morfemas), caso das palavras
monossílabas (flor, luz, mar etc) e de outras não monossílabas (azul, anil).
Finalmente, resta considerar que essa análise não prevê a formação de novas
palavras, mas apenas a depreensão dos morfemas no interior de uma palavra já
formada. Trata-se, portanto, de uma visão analítica.

15
INTRODUÇÃO MORFOLOGIA GERATIVISTA
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA Os gerativistas não se preocuparam em definir o morfema, nem em analisar for-
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE mas já existentes. Preocuparam-se com o modo de produção de novas formações e
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES com as regras de formação de novas palavras. Ignoraram, por exemplo, elementos
que já não se prestavam mais à formação de novas palavras. É o caso da palavra
casebre, cujos morfemas são cas- e -ebre. O sufixo -ebre não é mais produtivo na
língua portuguesa, ou seja, não ocorrem formações novas com esse sufixo, logo,
não se trata de objeto de estudo dos gerativistas.
A Morfologia, de acordo com o Gerativismo, é totalmente dependente da Fo-
nologia; a esta cabe não só definir o lugar em que o morfema deve ser inserido na
palavra, mas também ditar as regras de derivação.
Nesse contexto, entram os conceitos de alomorfia (de alo- outra e morfia - for-
ma) e de alografia (de alo - outra e grafia - escrita). A alomorfia consiste em uma
representação diferente na escrita para um mesmo morfema. Exemplo: o prefixo
IN- é empregado diante de todos os fonemas (inacabado, incapaz, indolor, inefi-
ciente, infeliz, ingrato, inigualável, injusto, inoperante, inquestionável, insolúvel,
intratável, inútil, inválido, inseguro etc) exceto diante dos fonemas P e B, em que se
emprega o alomorfe IM- (impune, imbatível etc) e diante dos fonemas L e M, em que
se emprega o alomorfe I- (ilegal, imoral etc). Convém ressaltar que, no caso do em-
prego de M diante de P e B, trata-se de formas diferentes na escrita, pois na fala isso
não ocorre. Por exemplo, a palavra imperceptível, que se escreve com M, mas isso
pouco importa, pois, mesmo que fosse escrita com N, teríamos a mesma nasalidade.
A alografia consiste em uma adaptação, na escrita, do som, ou seja, esse proces-
so não se enquadra nos casos de alomorfia, pois não há formas diferentes de um
mesmo morfema, como é o caso do prefixo acima mencionado. Trata-se, pois, de
uma adaptação na escrita para assegurar que o som da palavra base se mantenha na
palavra derivada. Dois exemplos: o adjetivo real, quando acrescido do prefixo I-,
apresenta a escrita irreal. Não se trata de um alormorfe IR- diante desse adjetivo,
pois o prefixo continua sendo o mesmo: I-, e sim de uma adaptação na escrita para
manter o som do R forte de real. Caso contrário, teremos um R fraco: *ireal.1 Outro
exemplo é o do verbo assegurar, formado do prefixo A- mais o adjetivo seguro mais
o sufixo -AR (a + seguro + ar). Temos, na escrita, uma adaptação (alografia) para
manter o som do S do adjetivo seguro, caso contrário teremos som de Z: *asegurar.

1 Observa-se, na fala popular, uma tendência a introduzir um som nasal diante de palavras
iniciadas por R e L: *inreal, *inritada, *inlegal, ou a introduzir um som nasal onde não o há:
*ingnorante, *indentidade, *intiqueta etc. Ou seja, nesses últimos três exemplos, o falante consi-
dera o I um prefixo e o nasaliza.

16
Um outro exemplo de alografia é o encontrado em rico/enriquecer, em que a base O que é Morfologia?

ric-, ao receber o sufixo -ecer, altera a escrita para qu-, para manter o som /k/ que se
encontra na base ric-: enriquecer.
Constata-se, portanto, que a alografia não se confunde com a alomorfia, pois não
resulta em formas diferentes de um mesmo morfema, e sim de uma adaptação, na escri-
ta, para a manutenção do som da palavra que recebe o prefixo e/ou o sufixo formador.
Comprova-se isso com o fato de que não há, em língua portuguesa, os prefixos IR- em
irreal e AS- em assegurar. Se houvesse, seriam casos de alomorfia, ou seja, seriam casos
de formas diferentes de um mesmo morfema.
Em relação às regras de formação de novas palavras, o Gerativismo avançou em
relação ao Estruturalismo, pois não só analisou as formações já existentes, mas também
considerou as regras de formação de novas palavras; considerou que o falante de uma
determinada língua é capaz de produzir a partir de sua capacidade criadora de reflexão
conforme suas necessidades.
No Estruturalismo, conforme já foi mencionado, a preocupação era a análise, a
separação e a classificação de morfemas; era uma operação de fora para dentro, de um
produto para os seus componentes. Na perspectiva gerativista, a preocupação recai
sobre a capacidade ou competência que um falante nativo revela sobre a formação
de novas palavras e sobre a capacidade de aceitar ou de rejeitar novas formações, de
comparar essas novas formações com as já existentes conforme as regras internaliza-
das, inatas.
Nesse contexto, o falante é competente para reconhecer se uma palavra pertence
ou não a sua língua e de que maneira foi formada, por exemplo, e as suas relações
com novas formações a partir de regras. Não se trata de regra padrão da gramática tra-
dicional, e sim de recursos recorrentes de aplicação para outros casos. Por exemplo: o
falante é capaz de reconhecer que a palavra normalizar pertence a sua língua e que é
formada do adjetivo normal acrescido do sufixo -izar. A partir desse reconhecimento,
ele pode formar novas palavras por meio desse sufixo acrescido sempre a bases adjeti-
vas: normal + izar, formal + izar, global + izar. No primeiro caso, o de reconhecer
a palavra e sua formação, estamos falando do processo de competência linguística e,
no segundo caso, estamos falando do processo de aplicação de regras de formação de
palavras.
Por outro lado, algumas formações, embora estejam previstas por regras recorren-
tes, são ‘bloqueadas’ pelo contexto e/ou pelo uso mais frequente do que outro. Por
exemplo: muitos substantivos são formados a partir de verbos e produzem nomes agen-
tivos (nomes de seres que praticam a ação verbal): de caçar, derivamos caçador e de
pescar, derivamos pescador.

17
INTRODUÇÃO Entretanto, do verbo chamar não temos o nome agentivo derivado chamador, ou
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA seja, há um bloqueio, embora a regra preveja essa formação. Outro exemplo é o de su-
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE fixo que apresenta mais de um significado conforme a base que o recebe. Por exemplo:
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES o sufixo -eiro/-eira pode significar agente (roqueiro, verdureiro), árvore ou arbusto
(abacateiro, pessegueiro), lugar ou recipiente (leiteira, saleiro), ideia de conjunto ou
coletivo (poeira, nevoeiro), gentílico/nacionalidade (mineiro, brasileiro), formador
de adjetivo (grosseiro, ordeiro), objeto (cinzeiro, chuveiro) etc.
Convém ressaltar que não basta que a palavra apresente a mesma forma; é pre-
ciso que essa forma possa ser destacada e que reste uma base significativa. Por
exemplo: em dinheiro, não há sufixo; trata-se de uma palavra primitiva, e não deri-
vada. O mesmo se pode afirmar de lebre, que apresenta a mesma forma de casebre,
mas não é derivada, e sim primitiva, e da palavra documento, que não apresenta o
sufixo -mento, embora possa parecer.
Há casos em que se pode derivar duas formas de uma mesma base, mas se pres-
tam a contextos específicos. Por exemplo: o substantivo caimento, de cair + mento
é empregado em referência à moda: ‘Este vestido não está com um bom caimento’.
Se quisermos nos referir a muitas pessoas caindo ao mesmo tempo, podemos usar a
forma caição, de cair + ção, cujo sentido é o de queda, mas com a diferença de que o
sufixo -ção confere maior dinamicidade à formação. Isto é, o substantivo queda é mais
abstrato do que o substantivo caição e é empregado em contextos mais específicos,
por exemplo: ‘A queda do dólar gerou crise no mercado financeiro.’
Esse bloqueio de formações tem a ver com o contexto e isso está ligado ao conheci-
mento inato do falante da língua, ou seja, ele saberá qual a forma mais apropriada para
o contexto, embora todas sejam legítimas do ponto de vista das regras de formação.
Uma dupla possibilidade de formação a partir de uma mesma base verbal (e às
vezes até tripla, no caso de reciclagem, reciclamento e reciclação) nem sempre
apresenta justificativa plausível. É o caso de internamento e internação e de coroa-
mento e coroação, em que não se visualizam diferenças semânticas. Por outro lado,
temos essa diferença no par medicamento e medicação, em que o primeiro significa
o remédio e o segundo, o ato de medicar: ‘Estou tomando o medicamento conforme
a medicação prescrita pelo médico’.
Concluindo, segundo Katamba (1993, p. 99),

o léxico não é uma lista passiva de palavras e de seus significados. Não é


simplesmente como um laboratório de anatomia, onde palavras já existen-
tes são dissecadas em morfemas constituintes e examinadas num micros-
cópio. Não, nessa teoria o léxico é muito mais do que isso. É também um
lugar cheio de vitalidade, em que as regras são usadas ativamente para criar
novas palavras.

18
Proposta da análise gerativista O que é Morfologia?

Com base no conhecimento do falante acerca do léxico de sua língua, ele pode
fazer uma série de generalizações a respeito desse léxico. Por exemplo: apagar, apa-
gador; gerar, gerador, comprar, comprador. Com base nesse modelo, o falante pode
formar novas palavras, tais como: faturar, (?) faturador; enxergar, (?) enxergador etc.
Essas relações podem ser formalizadas em regras morfológicas, por exemplo, das
bases verbais fatura e enxerga (dos verbos faturar e enxergar), derivam os nomes
faturador e enxergador, pelo acréscimo do sufixo -dor. Ou seja, qualquer base ver-
bal aceitaria teoricamente esse sufixo, mas sabemos que muitas vezes há restrições
de ordem fonética, morfológica, sintática e semântica que bloqueiam determinadas
formações. Por exemplo: da base verbal corre (do verbo correr), temos o substantivo
corredor; entretanto, embora isso possa ser aplicado à base verbal morre (do verbo
morrer), será pouco provável que isso se realize, pois há uma restrição semântica: uma
pessoa não morre várias vezes, ao passo que corredor pode significar aquele que corre
muito ou que tem o hábito de correr ou que é atleta.
Em relação às restrições fonética e morfológica, temos o par abduzir, abdução, em
que desaparece da base verbal o segmento ZI. Em outras palavras, essa base deveria
ser *abduzi, da qual deveria derivar o substantivo *abduzição. O mesmo ocorre com
o par conduzir, condução, que apresenta essas mesmas restrições.
Também há restrição morfológica e sintática em palavras terminadas em -ção, a par-
tir de base verbal: preparar, preparação. A essa formação não é possível acrescentar o
sufixo -eiro: *preparaçãoeiro. Isto é, um sufixo exclui o outro. A mesma restrição não
ocorre com os sufixos -ão e -zinho: de porta derivamos portão e de portão derivamos
portãozinho, em que há dois sufixos: -ão e -zinho.
Retomando os exemplos anteriormente mencionados (faturar, (?) faturador; enxer-
gar, (?) enxergador), o ponto de interrogação indica que a formação é possível segundo
as regras morfológicas da língua portuguesa. Embora essa regra permita que tais palavras
sejam criadas, a comunidade linguística pode não acatá-las; não há garantia de que essas
formações não possam surgir devido a necessidades comunicativas, mas, se houver algu-
ma outra palavra disponível na língua, provavelmente novas palavras não serão forma-
das, ou, se forem formadas, talvez não sejam aceitas. Uma palavra também pode surgir
em decorrência de letras de música, como é o caso da expressão popozuda, cujo sufixo
(-udo/-zudo), quando anexado a palavras que expressam partes do corpo, confere o valor
de grande: pernudo, cabeçudo. Esse sufixo atribui à pessoa a característica de uma gran-
de nádega. A formação advém do nome popó, empregado por Renato Aragão, no quadro
humorístico Os Trapalhões e, posteriormente, por um grupo de música funk. Nesse caso,
a formação popozuda é esporádica, pois acompanha a trajetória do grupo musical.

19
INTRODUÇÃO A proposta, portanto, de uma análise morfológica à luz da Morfologia Gerativa, ba-
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA seia-se em duas regras. A primeira é denominada Regra de Formação de Palavras (RFP),
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE ou seja, uma regra especifica um conjunto de palavras sobre o qual ela pode operar. A
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES qualquer membro desse conjunto atribuímos o nome de base dessa regra. Por exemplo:
a partir de bases substantivas, formamos outros substantivos por meio do sufixo -eiro:

abacate + eiro ⇒ abacateiro


tomate + eiro ⇒ tomateiro

A partir de bases adjetivas, formamos substantivos por meio do sufixo -ura:

gordo + ura ⇒ gordura


grosso + ura ⇒ grossura

A partir de substantivos, formamos adjetivos por meio do sufixo -al:

globo + al ⇒ global
norma + al ⇒ normal
forma + al ⇒ formal

A segunda regra é denominada Regra de Análise Estrutural (RAE), em que o falante


é capaz de analisar a estrutura de palavras já formadas e aplicá-la a outras palavras. Em
ambas as regras, parte-se de uma base livre ou presa à qual se anexam os afixos. Assim,
em normalização e em racionalização, temos:

forma + al ⇒ formal
formal + izar ⇒ formalizar
formalizar + ção ⇒ formalização

ration + al ⇒ rational (do latim ratio, rationis: razão) ⇒ racional (forma evoluída)
racional + izar ⇒ racionalizar
racionalizar + ção ⇒ racionalização

Nessas formações, portanto, as bases são forma (livre) e ration (presa), às quais são
anexados sufixos, um após o outro, ou seja, formalização não derivou diretamente da
base nominal forma, e sim do verbo formalizar e este se originou da base nominal forma.
O mesmo ocorre com racionalização, que se originou de racionalizar, e não de ration.

20
Esses modelos de análise consideram como base de formação os radicais mais as O que é Morfologia?

vogais temáticas, quando houver.


Por meio dessas RFPs, é possível identificar a produtividade ou não de determinados
sufixos, por exemplo. Podemos, também, responder a perguntas tais como: Esta palavra
pode existir? Esta palavra nunca existirá? Um exemplo de palavra que pode existir é o
caso de faturador, mencionado anteriormente. Uma palavra que nunca poderá existir,
segundo as RFPs, é *emboramente, pois o sufixo -mente só pode ser anexado a bases
adjetivas para formar advérbios:

feliz + mente ⇒ felizmente


alegre + mente ⇒ alegremente

Também podemos responder se uma palavra jamais poderá existir, considerando-se es-
sas regras. Um exemplo disso é a palavra *cruzdor, que nunca será formada, pois o sufixo
-dor só pode ser anexado a bases verbais: de cruz, podemos formar o verbo cruzar e, de-
pois disso, o substantivo cruzador, mas não diretamente da base verbal mais o sufixo -dor.
O conceito de RAE está ligado a relações de modelo de formação, a partir do qual o
falante analisa palavras já formadas. A partir dessas RAEs, o falante é capaz de identificar
quais sufixos são altamente produtivos, quais são mais ou menos produtivos e aqueles im-
produtivos, caso, por exemplo, da palavra momentâneo, que, embora o falante reconheça
que se forma de momento + âneo, isso não significa que ele poderá formar novas palavras
com esse sufixo, pois ele já está fossilizado. Para a Morfologia Gerativa, trata-se de casos
isolados que pouco interessam aos processos de formação de palavras.
Para o estudo da Morfologia é interessante que o falante seja capaz de reconhecer as
regularidades das regras e a improdutividade de algumas delas.

Limitações do modelo gerativista


A principal limitação do modelo gerativista consiste no fato de ele analisar isolada-
mente as formações das palavras, apesar de criticar o modelo estrutural de análise da
palavra por meio da depreensão de morfemas.
Um outro aspecto se refere ao inventário de formas disponíveis na língua em questão,
isto é, esse modelo ignora a possibilidade de que outros elementos possam integrar essa
lista de sufixos ou de prefixos. É o caso do elemento agro (do latim ager, agri = campo),
presente em palavras já institucionalizadas, por exemplo, agricultura, agricultor, agrí-
cola, agronomia, que no latim e no português era forma livre e passou a integrar novas
formações, em função de prefixo: agroboy, agrodólar, agronegócio e agrojada (de agro
+ cervejada, palavra utilizada na propaganda de uma festa da agronomia).

21
INTRODUÇÃO Esse modelo também não prevê a questão da expressividade da formação, isto é,
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA ignora os ganhos expressivos que estão subjacentes às novas formações. Compare as
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE construções seguintes: ‘Vamos à festa da cerveja na agronomia’ e ‘Vamos à agrojada’,
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES em que agrojada permite uma maior expressividade.
Um outro questionamento a esse modelo consiste na limitação de suas regras,
que não contemplam outros processos de formação, além dos processos mistos, que
incluem, simultaneamente, redução e truncamento, redução e derivação etc. Tam-
bém não contempla as formações sintagmáticas, que são imprevisíveis e estão no
âmbito da sintaxe e do discurso. Essas formações serão estudadas em capítulo a elas
referente.
Finalmente, resta comentar a questão que envolve aspectos sincrônicos (esta-
do de língua atualizado) e diacrônicos (estado de língua em uma dada extensão de
período).
Os critérios diacrônicos envolvem, entre outros, a origem das formas (etimologia)
e o conceito de raiz. Por exemplo, no português, temos as palavras pluviométrico e
chuva, ambas de mesma raiz, mas com radicais distintos. Do ponto vista histórico,
a palavra pluvia, em águas pluviais (da chuva) é formada de pluv- (chuva) + al
(formador de adjetivo). Ou seja, essa palavra tem, diacronicamente, a raiz pluv-. Seu
radical, entretanto, é outro: pluvial. Resumindo, pluvial deriva diretamente da raiz
pluv, ao passo que outras, de mesma raiz, originaram-se do radical chuv-, forma que
evoluiu, ao longo do tempo, da raiz pluv-. Desse radical, temos várias outras palavras,
por exemplo, chuveiro, chuvisco, chuvarada etc.
Outro exemplo: o verbo comer, cuja raiz é ed, do verbo latino edĕre. Do acrés-
cimo da preposição latina cum (com) a esse verbo, originou-se o verbo comedere
(comer com). Lentamente essa preposição passou a fazer parte desse verbo, trans-
formando-se no verbo comer. Pergunta: qual a raiz e o radical de comer? A raiz é ed,
ao passo que o radical é com-. A preposição, no estado de língua portuguesa atual, é
analisada como parte do radical. Para os estudos atuais, interessa o radical com-, do
qual derivam, por exemplo, comilão, comilança etc.
O Gerativismo não considera nem o termo raiz (empregado pelo modelo históri-
co), nem o termo radical (empregado pelo modelo estrutural) e adota o termo base,
que consiste no radical acrescido da vogal temática, quando houver. Por exemplo: a
base dos verbos será seu radical mais a vogal temática da conjugação:

cantar (base canta)


beber (base bebe)
dormir (base dormi)

22
Nesse contexto, a base pode ser livre ou presa. No primeiro caso, trata-se de uma O que é Morfologia?

palavra que pode ser empregada livremente em um dado contexto; no segundo


caso, trata-se de base que não pode ser empregada isoladamente. Por exemplo: com-
paremos os pares de verbos exportar/importar e excluir/incluir. No primeiro par,
identificamos os prefixos ex- e im-, cuja significação é, respectivamente, para fora e
para dentro, e a base porta (do verbo portar); no segundo par, embora possamos
identificar e isolar os mesmos prefixos ex- e in-, com os mesmos significados men-
cionados, a base verbal cluir (do verbo latino cludere), além de não ser uma forma
livre na língua portuguesa, também não é uma forma verbal reconhecida pelos fa-
lantes, embora eles consigam compreender o significado global desses dois verbos.
Para concluir, essa forma de análise resulta em diferentes critérios de análise
para um mesmo elemento. Isto é, esse modelo oscila entre a análise sincrônica e a
análise diacrônica, o que compromete os resultados, visto que os falantes já não têm
consciência de determinadas formações.

MORFOLOGIA NA NOMENCLATURA GRAMATICAL BRASILEIRA (NGB)


A Nomenclatura Gramatical Brasileira (doravante NGB) baseia-se em gramáticas
greco-latinas sem rever e adotar novas posições; transpõe das gramáticas dessas lín-
guas conceitos que nem sempre refletem os estágios da língua portuguesa atual.
No caso da Morfologia, as gramáticas, a partir da NGB (1959), adotam uma lista
de sufixos e de prefixos gregos e latinos, sem apontar regras para seu emprego e
sem sistematizá-las. Também oferece uma lista de radicais gregos e latinos com seus
respectivos significados, entretanto não se presta nem à descrição da língua nem ao
seu ensino.
Ademais, o professor de língua portuguesa, apesar de constatar deficiências no
ensino de Morfologia, vê-se obrigado a adotar livros didáticos que não estão preocu-
pados com a pesquisa linguística.
Para finalizar, as gramáticas consideram apenas a norma, as expressões crista-
lizadas e, por isso mesmo, consideradas corretas e dicionarizadas. Daí resulta que
novas formações são descartadas, consideradas incorretas e inaceitáveis, omitindo-
se a produtividade da língua.
Além disso, há uma concepção equivocada de que o que não está no dicionário
não é ‘correto’ e por isso não existe. Ora, o dicionário não segue a gramática nor-
mativa. Basta consultar a palavra peixe-boi, cujos plurais disponíveis são peixes-boi
e peixes-bois, quando, na verdade, o plural prescrito nas gramáticas é peixes-boi. O
dicionário também registra a forma verbal ponhar, como forma popular do verbo
por...

23
INTRODUÇÃO A MORFOLOGIA FUNCIONALISTA
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA O Funcionalismo é uma corrente da linguística que analisa a língua em uso; o
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE falante dispõe de elementos que estão no sistema linguístico e os escolhe conforme
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES suas necessidades expressivas. Assim, a Morfologia, do ponto de vista funcional, não
prevê um modelo formal preexistente, não se preocupa em analisar os elementos iso-
ladamente, e sim a formação propriamente dita em termos sintáticos, semânticos e
pragmáticos (situação de uso da língua).
Por exemplo, a formação de agrojada, mencionada anteriormente, que, em uma
dada situação de uso, apresenta maior expressividade.
Um modelo funcional de análise morfológica, portanto, tenta avaliar as diversas
motivações que levam o falante a empregar determinada formação. Nesse sentido, for-
mações novas por meio de truncamento, redução, palavra-valise, abreviação, acro-
nímia e composição sintagmática são altamente expressivas e revisitadas conforme o
contexto em que são empregadas. Essas formações serão retomadas e exemplificadas
em capítulos específicos.
Vale ressaltar que a gramática funcional volta-se para a análise do significado da forma-
ção em um contexto de uso real, motivo pelo qual não costuma enfocar unidades como
palavra e morfema de forma detalhada e isolada. Propõe o texto como unidade analítica,
fato que não impede que diferentes níveis estruturais sejam contemplados: fonético, fono-
lógico, morfológico, sintático e semântico.
Halliday (1982, p. 87) afirma que ‘a gramática é um mecanismo linguístico articulador
dos significados derivados das diversas funções da linguagem e o instrumento para inte-
grá-los em uma forma estrutural unificada.’ (grifo nosso).
Embora as escolhas do falante sejam mais ou menos previsíveis, é possível vinculá-las
ao contexto de produção linguística. É no processo de formação de palavras que a lingua-
gem pode apreender a maneira de o social se inter-relacionar com o linguístico: a função
da morfologia na sintaxe, a inter-relação das estruturas sintáticas e o valor que os elemen-
tos linguísticos desempenham na estrutura textual.
Um exemplo disso são as diversas expressões disponíveis na língua cuja seleção se
deve a fatores pragmáticos (qual nível de linguagem empregar; qual o registro mais ade-
quado) e a escolhas gramaticais, tais como as formas disponíveis na língua e aquelas mais
ou menos adequadas a determinadas situações.

NOSSA PROPOSTA DE ANÁLISE


Em vista de os modelos estrutural e gerativista apresentarem contribuições e li-
mitações, entendemos que não é possível adotar um único modelo de análise. A es-
ses modelos, acrescentamos fatores pragmáticos, de uso, visto que está em constante

24
mudança e qualquer processo tomado isoladamente leva a equívocos e desconsidera a O que é Morfologia?

dinamicidade da língua e sua organização.


Ainda assim, reconhecemos, como outros pesquisadores, a existência de proble-
mas remanescentes, que ainda não foram devidamente solucionados pelos próprios
estudos de Morfologia. Eis alguns deles: a questão de palavras compostas, de palavras-
valise, de truncamento, de mais de um processo de formação apresentado por uma
palavra, a formação dos particípios verbais, nomes de cores, as classes variáveis de
uma mesma palavra, a classificação dos numerais (se são adjetivos ou substantivos),
as diversas possibilidades de mudança de uma palavra de uma classe para outra, as
questões de polissemia e de homonímia apresentadas pelas palavras etc.
Alguns desses problemas serão abordados em capítulo a eles referentes; outros não
serão aqui abordados visto que estão na fronteira entre Morfologia e Sintaxe.
Os objetos de estudo do modelo que apresentamos inclui o morfema, a palavra e
o grupo de palavras (composição sintagmática), no nível de análise e na sua relação
textual e expressiva.
Concluímos que cada época elege seus modos de funcionamento linguístico, se-
lecionando formas preferenciais, as quais se traduzem em escolhas ou tendências de
tipos de formações com alta ou baixa produtividade. Isso não significa que formações
menos produtivas devam ser descartadas, pois podem, a qualquer momento, ser reto-
madas por uma necessidade comunicativa. É o caso de agro, anteriormente mencio-
nado, que foi retomado por fatores políticos e econômicos. Um outro exemplo é o
caso do elemento euro, moeda da Comunidade Econômica Europeia, que vem sendo
empregado em novas formações: eurocopa, euronegócio, eurocomércio etc.
Esses exemplos evidenciam que não podemos descuidar do aspecto diacrônico
que também integra o quadro de explicações para traçar a trajetória percorrida por
alguns elementos que estão disponíveis no sistema linguístico.

Proposta de Atividades

Nas atividades, procure apontar exemplos que não tenham sido mencionados no
capítulo.

1) O que é Morfologia?
2) Quais os objetivos básicos do estudo da Morfologia?
3) Quais os conceitos básicos da concepção de Morfologia para a teoria
a) histórica;

25
INTRODUÇÃO b) estrutural;
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA c) gerativa;
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE d) funcionalista.
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES 4) Quais os limites de análise morfológica da teoria
a) histórica;
b) estrutural;
c) gerativa;
d) funcionalista.
5) Aponte as diferenças entre alomorfia e alografia. Cite exemplos.
6) Em barraca/barraqueiro e em enfocar/enfoque, temos alomorfia ou alografia? Explique.
7) Observe os pares: morar/morador; paquerar/paquerador; caçar/caçador. A partir dos pares
acima, é possível que um falante de língua portuguesa forme, por exemplo, o substantivo
deixador, a partir do verbo deixar?
8) O sufixo -eiro/-eira apresenta os mesmos significados em
a) leiteiro, carcereiro, confeiteiro, banqueiro, vidraceiro, barraqueiro, sanfoneiro;
b) tomateiro, laranjeira;
c) berreiro;
d) açucareiro, chaveiro, leiteira;
e) pantaneiro, campineiro;
f ) verdadeiro, ligeiro.
9) Em cordeiro, é possível depreender um sufixo -eiro? Explique.
10) Em indolor, impossível e ilegal, temos alomorfia ou alografia? Explique.

Anotações

26
2 As unidades de análise
da Morfologia

PALAVRA
Do ponto de vista psicológico, a consciência sobre palavra é inata nos falantes de
uma língua falada ou escrita, ou seja, o falante, de forma intuitiva, é capaz de definir,
de algum modo, o que seja a palavra. Segundo Sapir (1971, p. 44),

Não pode haver prova mais convincente do que a seguinte: o índio, ingênuo
e completamente despercebido do conceito da palavra escrita, não tem apesar
disso dificuldade séria em ditar um texto a um investigador lingüístico, palavra
por palavra [...].

Embora se reconheça essa facilidade em identificar a palavra, a linguística encontra


diferentes perspectivas para definir essa entidade. Podemos entender palavra como
uma unidade na escrita, na fala (som) e na sintaxe (palavras combinadas com ou-
tras). Todas essas perspectivas não podem ser aplicadas automaticamente; não há uma
definição geral e universal para o conceito de palavra.

Como uma unidade na escrita


Na modalidade escrita da língua, as palavras se definem por sequências de letras
que representam sinais da língua e que ocorrem precedidas e seguidas de espaços em
branco ou pontuação. Por exemplo: O menino correu da chuva. Do ponto de vista da
escrita, temos cinco palavras isoladas por espaços em branco.
Da forma como apresentamos, parece fácil identificar a palavra, mas temos pro-
blemas, por exemplo, quando a unidade parece apresentar mais de uma palavra, mas
é contada apenas como uma. É o caso da unidade estrada de ferro, que, embora
apresente três palavras (há espaços em branco entre elas), é considerada apenas uma,
já que essa expressão representa uma unidade semântica única: significa ferrovia. En-
tramos aqui no complexo campo do hífen, que é empregado nas palavras compostas,

27
INTRODUÇÃO mas nem sempre, como é o caso do exemplo acima. Outros exemplos desse tipo de
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA formação: cesta básica, salário família, fome zero, condomínio fechado etc. Cada
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE uma delas é considerada uma palavra, e não duas, pois há uma integridade semântica
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES (de significado) entre elas. Se isolarmos cada uma delas em duas palavras, perderemos
o sentido básico da formação. Veremos mais detalhadamente esse processo de compo-
sição no capítulo a ele referente.
Essa proposta de definição não se presta a todas as línguas; pensemos no caso das
línguas japonesa e chinesa, nas quais temos símbolos, e não palavras, sob a perspectiva
que temos de sua definição.

Como unidade na fala (som)


Do ponto de vista da fala, a palavra é identificada por unidades formadas por fo-
nemas, sílabas e traços de entonação, grupos de força (sílabas tônicas, por exemplo).
Esse conteúdo não será tratado aqui, e sim na disciplina de Linguística.
O termo vocábulo é empregado na análise fonológica para identificar sílabas, fone-
mas e traços de entonação. Por exemplo, a frase da propaganda: O Celta te esperando,
que faz uma referência a uma outra frase: O céu tá te esperando. Outros exemplos são
aquelas frases que soam estranhas à língua: Setembro chove? Em que o ouvinte enten-
de: Ce tem brochove? Aqui o cê é redução de você. Outro exemplo: Já o vi, em que o
ouvinte pode confundir com Já ouvi.1

Como unidade na Sintaxe


A palavra não existe como unidade sintática mínima. Por quê? Porque a Sintaxe não
forma novas palavras; a sintaxe forma constituintes entre palavras, isto é, combinações
em frases. A estrutura interna da palavra foge ao interesse da sintaxe; ela pertence ao
campo da Morfologia. Por exemplo: não importa para a Sintaxe que refazer seja formado
por um prefixo re- anexado ao verbo fazer; daria no mesmo se estivéssemos diante da
forma fazer em relação a sua origem. Ou seja, importa para a Sintaxe o fato de se tratar de
um verbo, porque essa informação auxilia na questão da concordância entre o sujeito e o
predicado; na questão do emprego ou não da preposição antes do verbo (regência) etc.
Outro destaque é o fato de que, na Sintaxe, os constituintes em uma frase podem
ganhar mobilidade, ao passo que na Morfologia isso não é possível. Por exemplo, o verbo
refazer não pode apresentar o sufixo depois dele: *fazerre. Na sintaxe essa mobilidade
é possível:

1 Esse assunto inclui elementos e conceitos afetos à disciplina de Fonética e Fonologia, a cargo
da Linguística, e foge, portanto, ao objetivo do presente livro.

28
Eu refiz o trabalho aqui. As unidades de análise
da Morfologia
Aqui eu refiz o trabalho.
Aqui eu o trabalho refiz.
Eu aqui refiz o trabalho.
Eu refiz aqui o trabalho
O trabalho eu aqui refiz.2

Sob o ponto de vista morfológico, a palavra é uma expansão limitada, ao passo que
do ponto de vista sintático é teoricamente ilimitada. Por exemplo: a palavra amigo, do
ponto de vista morfológico, pode apresentar as seguintes formações: amigar, amigá-
vel. Do ponto de vista sintático, teríamos:

O amigo
O meu amigo
O meu grande amigo
O meu grande e melhor amigo
O meu grande e melhor amigo de São Paulo

Diante disso, o que nos interessa aqui é a palavra como unidade da Morfologia. Entre-
tanto, não podemos nos esquecer de que a formação de palavras está em interação com a
sintaxe, ou seja, ao formarmos uma nova palavra ou ao flexionarmos uma palavra no plu-
ral, por exemplo, estamos inserindo-a em um contexto maior que o da palavra isolada.
Ainda do ponto de vista morfológico, uma mesma palavra pode apresentar várias
formas diferentes, devido à flexão que pode sofrer. Por exemplo, o verbo cantar é uma
palavra que pode apresentar diferentes formas: cantou, cantaria, cantava, cantará etc.
Trata-se, portanto, de várias formas de uma mesma palavra, no caso, do verbo cantar.
Do ponto de vista sintático, qualquer uma dessas formas do verbo cantar seria
considerada uma palavra diferente se considerássemos cada uma delas no interior de
um enunciado:

Skank cantou a canção preferida do público.


Skank cantaria a canção preferida do público.
Skank cantava a canção preferida do público.
Skank cantará a canção preferida do público.

2 Embora essa construção seja menos frequente, ela é possível se quisermos dar ênfase ou aten-
ção à ideia de trabalho.

29
INTRODUÇÃO Assim constatamos que cada forma que temos para esse verbo é considerada uma
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA unidade que compõe o enunciado, portanto são palavras. Teríamos, então, todos os
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE enunciados acima estruturados com sete palavras.
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES Se tomarmos como exemplo um substantivo, no caso, cachorro, temos, do ponto
de vista morfológico, uma palavra e, se a flexionarmos, teremos uma outra forma dessa
palavra: cachorros. Se tomarmos o substantivo menino, teremos uma palavra (meni-
no) e suas diferentes formas (meninos, menina, meninas).
Como já ficou evidente, a definição para palavra é complexa e depende do enfo-
que: se morfológico ou se sintático.
A definição para palavra, portanto, é ambígua e essa ambiguidade se mantém mes-
mo no campo da Morfologia, pois ela pode ser sinônimo de lexema, de forma de
palavra e de palavra morfossintática ou gramatical. (MATTHEWS, 1972, 1974, 1981,
1991).

Lexema
Lexema é uma entidade abstrata do léxico, este entendido como o conjunto de
conhecimentos que o falante tem a respeito de sua língua. Há, por vezes, situações
experimentadas pela cultura e pelo indivíduo que não se ‘traduzem em uma única pala-
vra’. O falante passa por uma experiência, mas não consegue traduzi-la por meio de um
único lexema; ele precisa explicar essa experiência e utilizar palavras que se aproximem
dela, ou palavra emprestada de outra língua. Por exemplo: em português, não há uma
formalização específica para representar a experiência de um indivíduo que sente que já
passou por uma situação semelhante ou já viu uma cena antes. Um exemplo é a ausên-
cia de um verbo específico para designar o período que vai do meio-dia às dezoito horas
(o verbo entardecer remete ao cair do sol, e não ao período em questão). O falante,
portanto, tem a experiência, mas não tem a palavra para representar essa experiência.
Nesse sentido, por motivos didáticos, o lexema pode ser considerado uma unidade
abstrata. Nos dicionários, o lexema será empregado como forma de citação, ou seja,
não encontraremos as formas conjugadas de um verbo, e sim sua forma no infinitivo.
Por exemplo, o verbo amar representa todas as possibilidades de conjugação que po-
derão ser encontradas nos textos: amarei, amaria, amássemos, amando etc.
Em princípio, os lexemas pertencem a uma classe aberta, pois podem admitir no-
vos itens que apresentam significado de acordo com o mundo, com a necessidade de
expressão do indivíduo. Esses lexemas carregam o sentido básico de uma expressão e
servem de base para novas formações: triste, tristemente, tristeza, tristonho, entriste-
cer, entristecedor, entristecimento etc. Nessa série há um elemento comum: trist-; as
demais formações são novos lexemas derivados dessa base comum.

30
A essa altura poderíamos questionar se as palavras monossilábicas (que apresentam As unidades de análise
da Morfologia
apenas uma sílaba), tais como alguns tipos de pronomes (me, nos etc), preposições
(de, para, com etc) e conjunções (que, mas etc), são ou não lexemas, se carregam
ou não noções, a exemplo do verbo amar. A resposta para essa pergunta é complexa
porque envolve diferentes critérios.
Sob o ponto de vista fonológico, os pronomes átonos tendem a se apoiar em algum
verbo da estrutura sintática: Disse que não o viu. A evidência desse apoio do pronome
sobre o verbo é a de que podemos confundi-lo com a forma ouviu: Disse que não
ouviu.
No caso das preposições, elas também são consideradas lexemas: de, com etc, pois
trazem, de alguma forma, uma noção de relação: a preposição de estabelece várias
relações, dependendo do contexto: posse, origem etc: Ele veio de São Paulo (origem);
O livro é de Pedro (posse).
No caso das conjunções, assim como no das preposições, elas também expressam
alguma noção. A conjunção mas pode estabelecer relação de contrariedade, de con-
traste, de oposição etc: Ele estudou muito, mas foi mal na prova.
Essa diferença entre a forma verbal amar e essas outras formas (pronomes, pre-
posições, conjunções) fez que alguns autores propusessem a ideia de formas livres,
formas presas e formas dependentes. Entre as formas livres estão, grosso modo, os
substantivos, os adjetivos, os verbos e alguns advérbios (hoje, ontem, amanhã, cedo,
mesmo etc), pois trazem a noção de referência com o mundo virtual, físico, psíquico.
Entre as formas presas estão aquelas que trazem informações gramaticais de tempo,
modo, número e pessoa, aspecto, voz (nos verbos), gênero e número (nos nomes
substantivos, adjetivos e em alguns pronomes).3 Entre as formas dependentes, en-
contram-se as conjunções, as preposições e alguns advérbios (até, inclusive, então,
também etc) e pronomes átonos (o, a, lhe, me, se, nos, vos etc). As formas depen-
dentes também são denominadas, por alguns autores, instrumentos gramaticais ou
conectivos ou conectores.
Alguns autores consideram apenas as formas livres como lexemas; outros adotam a
divisão acima. Convém ressaltar que à Morfologia Estrutural interessam as formas livres
e presas (am + á + sse + mos; mes + a + s), ao passo que as formas dependentes
estão na fronteira entre a Morfologia e a Sintaxe (preposições e conjunções estabele-
cem relações entre termos em várias instâncias: mesa de madeira; mesa de Pedro; mesa
para jogar; gosta de fruta; morreu de fome; morreu com fome; Ou brinca ou estuda).

3 Essas noções serão mais bem delimitadas na próxima seção.

31
INTRODUÇÃO Para responder à questão proposta sobre se os pronomes, as preposições e as con-
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA junções são, de fato, lexemas, a resposta é sim e não. Sim, pois estão todas dicionari-
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE zadas e trazem noções, como já foi explicado anteriormente; não, se pensarmos que
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES não se prestam a novas formações, a exemplo de trist-, que pode servir de base para
outras palavras.
Isso não impede que algumas formas presas ou dependentes sejam empregadas,
por necessidades comunicativas, em algum momento como forma livre. É o caso de
-ismo, mencionado no primeiro capítulo; do prefixo ex-, em ‘Meu ex viajou ontem
para a Europa.’; de micro-, em Preciso comprar um micro novo, pois o meu já está
antiquado.’; de euzinha, em ‘Euzinha fiz o trabalho’, em que o sentido é de reforço
(Eu mesma fiz o trabalho); de aquelazinha, em ‘Aquelazinha lá roubou meu namora-
do.’, em que se constata nitidamente o tom pejorativo da expressão. Nesses exemplos,
temos os elementos -ismo, -ex e micro como formas presas que passam a funcionar
como formas livres; em euzinha e aquelazinha, temos pronomes, portanto, formas
livres que normalmente não servem de base para novas formações, sendo empregadas
com sufixos (derivação). Trata-se, portanto, de empregos esporádicos, expressivos,
enfáticos, pouco usuais, que de vez quando podem ocorrer dada a dinamicidade da
língua.
Para concluir a questão de definição de lexema, de palavra e de vocábulo, consi-
deradas sinônimas por muitos, por questões didáticas, diríamos que a palavra, flexio-
nada ou não, é a representação concreta do lexema.
Assim, o lexema amar tem as seguintes manifestações concretas (formas de um
mesmo lexema): amei, amou, amaria, amaste, amássemos, ama etc. Ou seja, as pala-
vras (ou formas de um mesmo lexema) são todas as possibilidades do lexema (lexema/
palavra amar) quando flexionado nos diversos tempos e modos, números e pessoas.
Por fim, o vocábulo, nos estudos linguísticos, situa-se entre as noções de sílaba e
de grupo de força (cf. os exemplos O Celta te esperando e O Celta te esperando). Para
Câmara Jr. (1970), palavra, no sentido tradicional, e vocábulo formal são tratados da
mesma forma.
Resta salientar que vocábulo formal e vocábulo fonológico nem sempre coincidem.
Por exemplo: Disse que não o viu e Disse que não ouviu, em que temos, na fala, a falta
de distinção entre o verbo ouvir e o pronome o diante do verbo viu: o viu / ouviu.
No terceiro capítulo trataremos com mais detalhes as questões referentes à flexão
e à derivação.
Passemos agora aos tipos de formas presas que interessam à Morfologia.

32
TIPOS DE MORFEMAS E SUAS FUNÇÕES BÁSICAS As unidades de análise
da Morfologia
Quanto ao significado
Os morfemas são divididos conforme o significado e o significante. Em relação
ao significado, que leva em consideração a função que o morfema desempenha no
conjunto do lexema ou da palavra, optamos, por questões didáticas, pelas expres-
sões morfemas lexicais e morfemas gramaticais. Outros autores preferem expressões
como semantema, lexema e raiz, para morfemas lexicais, e gramema e não-raiz, para
morfemas gramaticais.
Como já foi mencionado, a Morfologia Estrutural define morfemas como unidades
mínimas de significado. Divide-os em morfemas lexicais e em morfemas gramaticais,
ou seja, todos eles são unidades mínimas de significado, porém as informações pre-
sentes são diferentes.
Os morfemas lexicais remetem ao sentido básico da formação, a exemplo da forma
trist-; os demais morfemas são gramaticais e remetem à estrutura gramatical da língua
portuguesa. São os que estão entre parênteses abaixo:

• triste (-e) = vogal temática -e


• tristemente (-e) (-mente) = vogal temática -e + sufixo -mente
• tristeza (-e) (-ez) = vogal temática -e + sufixo -eza + vogal temática -A
• tristonho (-e) (-onh) = vogal temática -e + sufixo -onh + vogal temática -O
• entristecer (en-) (-e-) (-ecer) = prefixo en- + vogal temática -e + sufixo -ecer
• entristecedor (en-) (-e-) (-ecer) (-dor) = prefixo en- + vogal temática -e +
sufixo -ecer + sufixo -dor
• entristecimento (en-) (-e) (-ecer) (-ment(-O)) = prefixo en- + vogal temática
-e + sufixo -ecer + sufixo -ment + vogal temática -O

Convém ressaltar que esse exemplo reflete o estágio atual da língua portuguesa.
Se tomarmos um outro exemplo, como o de chuv- e pluv-, teremos a perspectiva
diacrônica da língua, conforme mencionado anteriormente. Cada um desses lexemas
se presta a formar novas palavras de forma independente, pois cada uma delas tem
seu radical independente, embora, historicamente, apresentem a mesma origem, e,
portanto, a mesma raiz. De chuv-, temos chuveiro, chuvisco, chuvinha, chuvarada,
chuvada, chuvão, chuveirada, chuveirão, chuvisca, chuvisco, chuvisqueiro, chuvoso
etc; de pluv-, temos pluvial, pluvioso, pluviômetro, pluviométrico, pluviógrafo, plu-
viometria etc. Todas essas palavras derivadas são novos lexemas que passam a incor-
porar o léxico da língua portuguesa.

33
INTRODUÇÃO A partir do exemplo dos lexemas derivados do radical trist-, passemos a discorrer
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA sobre cada um dos morfemas gramaticais em português.
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E O morfema lexical
FUNÇÕES
Quanto ao significado, o morfema lexical é aquele que traz o sentido básico da
formação. Nas gramáticas normativas ele também é denominado radical e, às vezes,
raiz. A ele são anexados os morfemas gramaticais que expressam gramaticalmente as
informações de modo-tempo, número-pessoa, voz e aspecto nos verbos, e de gênero
(masculino, feminino e neutro, este último persistente ainda em alguns casos no por-
tuguês) e número (singular e plural) nos nomes substantivos, adjetivos e em alguns
pronomes, além de indicar as vogais temáticas que se encontram nos verbos e nos
nomes adjetivos e substantivos e em alguns pronomes. Esses morfemas gramaticais
serão estudados mais adiante.
Convém ressaltar que muitos nomes expressam semanticamente a ideia de ação,
de processo, entretanto, essas noções não são expressas por morfemas gramaticais evi-
dentes, bem marcados. Por exemplo: os nomes assalto, voo, construção expressam,
em termos de significado, ideia de ação, de processo, mas continuam a ser nomes
substantivos, pois não apresentam morfemas gramaticais que os classifiquem entre os
verbos:

O assalto ao banco durou quatro horas e meia.


O voo dos pássaros foi observado pelos biólogos.
A construção da biblioteca municipal durou cinco meses.

Outros nomes substantivos como namoro, noivado e casamento remetem a uma


ideia de tempo (diferentes épocas pelas quais passa um relacionamento amoroso),
mas continuam sendo classificados como nomes substantivos, pois não apresentam
morfemas gramaticais que marquem esse tempo e modo:

O namoro entre João e Vera durou três anos.


O noivado entre Marcos e Teresa ocorreu em janeiro e durou até maio.
O casamento entre Sérgio e Susana durou apenas um verão.

Outros exemplos são as expressões fervendo e fervida, em:

Derrubou água fervendo no pé.


A água fervida faz bem à saúde, segundo os orientais.

34
que, embora apresentem os morfemas gramaticais de gerúndio (-ndo) e de particípio As unidades de análise
da Morfologia
(-do), respectivamente, pertencem à classe dos adjetivos.
Concluímos que o morfema lexical oferece a informação primária, ao passo que os
morfemas gramaticais nos indicam o tempo, o modo, o número, a pessoa, a voz e o as-
pecto dos verbos, o gênero e o número nos nomes substantivos, adjetivos e em alguns
pronomes, as vogais temáticas dos verbos e dos nomes e os afixos, que se dividem em
prefixos (antes do radical) e os sufixos (depois do radical). Veremos cada um deles
separadamente, utilizando o exemplo de trist-.

Os morfemas gramaticais
Os morfemas gramaticais são formas presas responsáveis pelas funções gramaticais
da palavra. A eles cabe a significação interna, isto é, modificam o sentido dos morfemas
lexicais. Situam-se na gramática e dividem-se em três grupos de acordo com a função
que exercem no interior do lexema: classificatórios, flexionais e derivacionais. Veja-
mos cada um desses grupos.

Morfemas classificatórios
Os morfemas classificatórios, conhecidos nas gramáticas por vogal temática, ser-
vem para classificar grupos de verbos (primeira, segunda e terceira conjugações) e
grupos de nomes (substantivos, adjetivos e alguns pronomes). No caso dos verbos,
temos as vogais temáticas:

A (primeira conjugação: cantAr)


E (segunda conjugação: bebEr)
I (terceira conjugação: dormIr)

No caso dos nomes, a vogal temática se presta a formar um tema (radical + vogal
temática) para que se possam inserir os morfemas flexionais: carr + o + s. Sem a vo-
gal temática, não é possível, na língua portuguesa, inserir a marca de número: *carrs.
Isso não significa que todos os nomes apresentem vogal temática. Em português, as
vogais temáticas nominais são A, E, O, átonas finais (sílaba fraca): casA, dentE, bolO.
Por serem átonas, geralmente, desaparecem quando anexamos um sufixo:

casA + inha ⇒ casinha


dentE + inho ⇒ dentinho
bolO + inho ⇒ bolinho

35
INTRODUÇÃO Essa regra não se aplica aos lexemas terminados em ditongos nasais ou não, pois
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA eles têm a vogal como centro da sílaba, e não como final da sílaba. Note-se nos exem-
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE plos abaixo que as vogais finais não são propriamente vogais, e sim semivogais que
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES acompanham as vogais antecedentes.4 Nesses casos, quando derivamos um outro lexe-
ma, essa semivogal persiste na nova formação:

boI + zinho ⇒ boizinho


paI + zinho ⇒ paizinho
mãE + zinha ⇒ mãezinha

Se o lexema terminar em vogal tônica, acentuada ou não, Á, É, I, Ó ou U, ele não
apresentará vogal temática e será denominado lexema atemático:

ParÁ + ense ⇒ paraense


cafÉ + inho ⇒ cafezinho
sacI + zinho ⇒ sacizinho
cipÓ + zinho ⇒ cipozinho
baÚ + zinho ⇒ bauzinho

Nessas formações, encontramos alomorfes dos sufixos, ou seja, sufixos com formas
diferentes, mas com o mesmo significado: o sufixo -inho, de valor diminutivo, apresen-
ta alomorfe -zinho quando é anexado após palavras atemáticas e palavras terminadas
por ditongo nasal ou não.
Em vista disso, para nós não existe em português o acréscimo de morfemas no
interior de uma palavra/lexema (infixo), ou seja, para nós não há vogal ou consoante
de ligação, como nos tentam passar as gramáticas normativas. Trata-se, na verdade, de
alomorfes do sufixo. Outros exemplos de alomorfes de sufixos:

café + teira (-teira é alomorfe de -eira, como em leiteira)


chá + leira (-leira alomorfe de -eira, como em leiteira)
mata + gal (-gal alomorfe de -al, como em palmital)

4 Esse assunto é afeto à Fonologia.

36
Morfemas flexionais As unidades de análise
da Morfologia
Os morfemas flexionais, também denominados desinências flexionais, alteram o mor-
fema lexical. No caso dos verbos, apontam o modo e o tempo, o número e a pessoa:

• am + á + SSE + MOS ⇒ 1a pessoa do plural do pretérito imperfeito do modo


subjuntivo
• am + a + RÍA + MOS ⇒ 1a pessoa do plural do futuro do pretérito do modo
indicativo

No caso dos nomes, temos os morfemas que apontam o gênero e/ou número:

• menino + A ⇒ menina (feminino singular)


• menina + S ⇒ meninas (feminino plural)
• menino + S ⇒ meninos (masculino plural)

Isso não significa que todo lexema terminado em -A está flexionado no feminino e
que todo lexema terminado em -O está no masculino. Por exemplo: os lexemas mesa
e carro não estão flexionados no gênero feminino e masculino, respectivamente, pois
não apresentam um par *meso – mesa; carro – *carra. Para que haja flexão, é ne-
cessário que haja, também, um par semanticamente oposto que mantenha o mesmo
referente, como em:

gato ⇒ gata
moço ⇒ moça
menino ⇒ menina

Essa falta de referência, que aponta não haver flexão, é encontrada nos pares abaixo:

jarro ⇒ jarra
saco ⇒ saca
testemunho ⇒ testemunha
caso ⇒ casa

Esses pares não são opostos semanticamente, pois não apresentam o mesmo referente,
embora se possa afirmar que jarra é um tipo de jarro, que saca é um tipo de saco, porém
maior (refere-se a tamanho), que testemunho é aquilo que a testemunha fala no tribunal,
por exemplo, e que caso não é o feminino de casa, e sim um relacionamento extraconjugal.

37
INTRODUÇÃO Morfemas derivacionais
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA Os morfemas derivacionais, também denominados afixos (prefixos e sufixos),
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE criam, em princípio, novas palavras na língua portuguesa. Dizemos em princípio por-
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES que, segundo o que foi abordado no primeiro capítulo, a língua portuguesa apresenta
regras de formação de palavras e restrições a algumas formações. São exemplos de
prefixos, a-, in-, sub-, des-, ex-, re-, e de sufixos, -mente, -mento, -ção, -ada, -aria, -eza,
-inha, -dor, -eiro, -ura, -ção:

A + céfalo ⇒ acéfalo (sem cérebro)


IN + feliz ⇒ infeliz (que não é feliz)
SUB + urbano ⇒ suburbano (que vive na periferia)
DES + fazer ⇒ desfazer (ação contrária de fazer)
EX + chefe ⇒ ex-chefe (que não é mais chefe)
RE + fazer ⇒ refazer (fazer de novo; repetição)
feliz + MENTE ⇒ felizmente (formador de advérbio)
casar + MENTO ⇒ casamento (formador de substantivo)
armar + ÇÃO ⇒ armação (formador de substantivo)
cotovelo + ADA ⇒ cotovelada (golpe com o cotovelo)
livro + ARIA ⇒ livraria (local onde se vende livro)
belo + EZA ⇒ beleza (formador de substantivo)
casa + INHA ⇒ casinha (formador de diminutivo)
caçar + DOR ⇒ caçador (formador de nome agentivo, daquele que pratica a ação verbal)
cova + EIRO ⇒ profissão (formador de agentivo; de profissão)
gordo + URA ⇒ gordura (formador de substantivo)

Resumindo os tipos de morfemas apresentados, podemos atribuir quatro funções


para eles:
1. atribuir a significação básica (morfemas lexicais: raiz/radical);
2. derivar novas palavras (morfemas derivacionais: prefixos e sufixos);
3. flexionar as palavras (morfemas flexionais: desinências nominais e verbais);
4. distribuir as palavras em categorias (morfemas classificatórios: vogais temáticas
nominais e verbais).

38
Exemplificando todas essas funções: As unidades de análise
da Morfologia

Vocábulo MD Rz/Rd MD VT MF
engarrafados en- garraf- -ad- -o- -s
reatados re- at- -ad- -o- -s
florzinha flor -zinh- -a
infelizes in- feliz -e -s

Em que MD é o morfema derivacional, Rz/Rd é a raiz/radical, VT é a vogal temática


e MF é o morfema flexional.

QUANTO AO SIGNIFICANTE
Quanto ao significante, que considera o suporte material fônico, os morfemas divi-
dem-se em seis tipos. Vejamos cada um deles.

Morfema aditivo
É o morfema representado pelo acréscimo de um segmento fônico no começo
(prefixo) e/ou no fim (sufixo e/ou desinências):

guri + ZADA ⇒ gurizada (raiz/radical + sufixo)


carro + S ⇒ carros (tema + desinência nominal de número, tema entendido como a
raiz/radical + a vogal temática)
andá + SSE + MOS ⇒ andássemos (tema + desinências verbais de modo-tempo e
de número-pessoa)
IN + feliz ⇒ infeliz (prefixo + raiz/radical)

Conforme já explicamos no item Morfemas classicatórios, não há infixos em por-


tuguês, não há morfemas no interior de uma palavra/lexema, e sim alomorfes de um
mesmo morfema.

Morfema subtrativo
Consiste na eliminação de um segmento fônico pertencente à palavra/lexema (raiz/
radical), na formação de alguns pares opositivos masculino/feminino:

mau ⇒ má
réu ⇒ ré
campeão ⇒ campeã

39
INTRODUÇÃO e na formas verbais na formação do imperativo, por exemplo:
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE vendes ⇒ vende (vós-tu)
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES cantais ⇒ cantai (vós-tu)
partis ⇒ parti (vós-tu)

Morfema alternativo
Caracteriza-se pela alternância de traços fônicos no interior da palavra/lexema para
estabelecer uma oposição de gênero. O par abaixo constitui o único exemplo de flexão
de gênero encontrado na língua portuguesa:

avô ⇒ avó

Portanto, para que haja oposição de gênero, é necessário que haja, também, uma
alternância fônica (abertura da vogal de ô para ó), caso contrário, essa oposição não
poderá ser realizada.
Nas formas verbais, também temos esse tipo de morfema, que é responsável pela
mudança de pessoa gramatical:

eu pude ⇒ ele/ela pôde


eu fiz ⇒ ele fez ⇒ ele faz

Morfema redundante ou submorfema


É um morfema semelhante ao anterior, porém é denominado suprassegmental
porque ele não é o principal responsável pela flexão de alguns pares de nomes, que
fica a cargo da desinência para esse fim:

ovo ⇒ ovos
tijolo ⇒ tijolos
sogro ⇒ sogra

Nos dois primeiros pares, o morfema responsável pela flexão é o morfema S, ao


passo que o morfema responsável pela flexão de gênero no último par é o morfema A.
Ou seja, a alternância vocálica (abertura da vogal), portanto, é redundante, repetitiva,
desnecessária, e serve apenas para reforçar esses processos flexionais. Isso significa
que poderíamos perfeitamente pronunciar um ovo, dois ovos (ô), um tijolo, dois tijo-
los (ô), sogro, sogra (ô), e teríamos as mesmas flexões.

40
Morfema suprassegmental As unidades de análise
da Morfologia
Consiste na oposição que se estabelece entre um par de palavras/lexemas por meio
da mudança da vogal tônica:

fábrica ⇒ fabrica
secretária ⇒ secretaria
médico ⇒ medico
fórmula ⇒ formula
pronúncia ⇒ pronuncia

Nos cinco primeiros exemplos, temos substantivos:

A fábrica de chocolate fechou.


A secretária participou da reunião.
O médico atendeu cinco pacientes hoje.
A fórmula do remédio para hepatite ficou pronta.
A pronúncia dessa palavra não está correta.

que, ao terem a sílaba tônica trocada de lugar, passam a ser verbos:

Ele fabrica chocolates.


Ela secretaria a reunião.
Eu medico o paciente todos os dias.
Ela formula testes de hepatite.
Ele pronuncia as palavras de forma correta.

Morfema reduplicativo
Define-se pela repetição de parte de uma palavra/lexema:

vô ⇒ vovô
pai ⇒ papai
mãe ⇒ mamãe
Zé ⇒ Zezé
beber ⇒ bebericar
saltar ⇒ saltitar
dormir ⇒ dormitar

41
INTRODUÇÃO Na língua portuguesa, esse processo de reduplicação de um morfema se presta a
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA fins estilísticos e/ou semânticos para indicar afeição, carinho, intimidade, no caso dos
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE quatro primeiros exemplos.
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES

Morfema de posição
Esse morfema está relacionado à sintaxe e resulta da troca de posição das palavras/
lexemas no interior da sentença ou de qualquer enunciado:

Amigo velho – velho amigo


Cachorro amigo – amigo cachorro
Boa empregada – empregada boa

O resultado pode ser a mudança de classe gramatical ou a mudança de significado/


estilo. Em amigo velho/velho amigo, temos uma variação estilística e as classes gra-
maticais permanecem as mesmas. Em cachorro amigo/amigo cachorro, temos uma
mudança de classe gramatical, pois ocorre uma inversão entre substantivo e adjetivo.
Em boa empregada/empregada boa, temos uma mudança de significado, pois em boa
empregada temos um elogio aos atributos da funcionária e uma ênfase ao seu traba-
lho, ao passo que em empregada boa temos um tom pejorativo.
Convém ressaltar que esse morfema, na verdade, extrapola o foco da estrutura
mórfica (da forma) e interessa aos estudos de Sintaxe, Semântica e Estilística. Entre-
tanto, preferimos apontá-lo entre os tipos de morfemas para seguir os manuais de
Morfologia.

Morfema cumulativo
O morfema cumulativo consiste na junção de dois significados em um mesmo mor-
fema, de tal maneira que não é possível especificar as duas noções nele contidas. Na
língua portuguesa, temos esse tipo de morfema apenas nos verbos conjugados:

a + má + sse + mos
cant + a + ría + m
dorm + i + re + is

Os morfemas -SSE-, -RÍA- e -RE- são cumulativos, pois expressam, ao mesmo tempo,
o modo e o tempo do verbo:
SSE: pretérito imperfeito (tempo) do subjuntivo (modo)
RÍA: futuro do pretérito (tempo) do indicativo (modo)
RE: futuro do presente (tempo) do indicativo (modo)
42
Os morfemas -MOS, -M, e -IS são cumulativos, pois expressam, ao mesmo tempo, o As unidades de análise
da Morfologia
número e a pessoa do verbo:

MOS: primeira pessoa do número plural (nós)


M: terceira pessoa do número plural (eles/elas)
IS: segunda pessoa do número plural (vós)

Como se pode constatar, esses morfemas são indivisíveis e expressam duas noções
em um único morfema, diferentemente dos morfemas flexionais dos nomes, que têm
uma noção para cada forma:

gato + a + s (morfema de gênero feminino e morfema de número plural)

Portanto, as noções de gênero e de número são expressas em morfemas únicos, o


que significa afirmar que não há um morfema cumulativo *-AS para expressar gênero
feminino e número plural simultaneamente, e sim um morfema único para a desinên-
cia de gênero e um outro morfema único para a desinência de número.

Morfema Ø
O morfema Ø, também denominado forma não-marcada, é o morfema que ex-
pressa uma significação apesar de estar ausente. Isso não significa, portanto, que o
morfema Ø é inexistente. Ao contrário, ele significa tanto quanto um morfema que se
visualiza no interior de uma palavra. Ele é detectado quando fazemos a comutação/
troca entre morfemas presentes e ausentes. Por exemplo, nos pares

mesa + Ø ⇒ mesa + S
carro + Ø ⇒ carro + S

a indicação de número singular se dá pela ausência de um morfema, ou seja, a oposi-


ção entre a presença do morfema -S de plural e o seu singular ocorre com o morfema
Ø. É o mesmo que dizer que as palavras mesa e carro estão no singular pela ausência
de -S. Essa ausência, portanto, é significativa, pois indica que a palavra se encontra no
singular.
Também temos morfema Ø na conjugação verbal:

cant + á + va + mos (primeira pessoa do plural)


cant + á + va + Ø (primeira ou terceira pessoa do singular)

43
INTRODUÇÃO beb + ê + sse + m (primeira pessoa do plural)
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA beb + ê + sse + Ø (primeira ou terceira pessoa do singular)
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES Nos exemplos acima, o morfema Ø indica primeira ou terceira pessoa do singular
em ambos as formas verbais e isso só é comprovado pela presença de outro morfema
naquela posição, no caso, os morfemas -MOS e -M.

Outros exemplos:

cant + a + re + i
cant + e + Ø + i

O exemplo acima ilustra a presença do morfema Ø para marcar o pretérito perfeito


do modo indicativo, ao passo que a presença do morfema -RE- indica futuro do presen-
te do modo indicativo. Ou seja, a oposição entre os morfemas -RE- e Ø indica tempos
e modos diferentes.
Resta-nos discorrer a respeito do morfema Ø na oposição entre masculino e femi-
nino na língua portuguesa. As gramáticas normativas generalizam a questão da flexão
de gênero, afirmando que o morfema -O indica o gênero masculino e que o morfema
-A indica o gênero feminino. Entretanto, essa simplificação gera uma lista de exceções
e não consegue explicar vários processos que não estão aí incluídos.
Para as gramáticas, a flexão para o feminino se dá com o acréscimo da desinência -A
à forma masculina, eliminando a desinência -O da palavra de origem:

moço – moça
menino – menina
gato – gata

Entretanto, nem todos os pares opositivos de masculino e feminino apresentam


essa estrutura. Casos como o de peru, guri, cantor e mestre não apresentam a desinên-
cia -O, embora, no feminino, a desinência -A esteja presente:

peru + Ø ⇒ peru + a
guri + Ø ⇒ guri + a
cantor + Ø ⇒ cantor + a
mestre + Ø ⇒ mestre + a

44
Nesses casos, a proposta é a de um morfema Ø para indicar o gênero masculino, As unidades de análise
da Morfologia
mantendo-se o morfema -A para o gênero feminino. Isso resolve a maioria dos pares opo-
sitivos na língua portuguesa e elimina uma série de exceções elencadas nas gramáticas.
Resta comentar que o morfema Ø não se classifica nem em morfema aditivo, pois
não apresenta corpo fônico evidente, tão pouco se classifica como morfema subtrativo,
pelo mesmo motivo.

Proposta de Atividades

Nas atividades, procure apontar exemplos que não tenham sido mencionados no
capítulo.

1) Como o falante de língua portuguesa reconhece uma palavra nas frases: Ah se todo branco
fosse assim. Ace todo branco fosse assim.
a) na escrita;
b) na fala;
c) na sintaxe.
2) Qual a definição de lexema?
3) Da lista a seguir, identifique as formas livres, as formas presas e as formas dependentes:
a) porta
b) mim
c) mas
d) que
e) feliz
f ) nós
g) nos
h) cantássemos
i) quando
j) giz
l) jardim
m) flores
n) mar
o) pedra
p) casar
q) mulher
r) homem
4) Cite exemplos de formas presas que, ocasionalmente, podem funcionar como formas
livres.
5) Qual a diferença entre morfema lexical e morfema gramatical?
6) Como se dividem os morfemas?

45
INTRODUÇÃO 7) Os morfemas classificatórios correspondem a _____________. Dê 2 exemplos.
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA 8) Os morfemas flexionais correspondem às desinências de ___________ e de
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE
___________. Dê 2 exemplos.
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES
9) Os morfemas derivacionais correspondem aos ___________ e aos ___________. Dê 2
exemplos.
10) No par avô/avó, o traço que distingue o gênero masculino do feminino é
_______________. Explique.
11) No par menino/meninos, o traço que distingue o número singular do número plural é o
_____________.
12) No par cantava/cantavam, aponte os morfemas que indicam o número e a pessoa.
13) Em corressem/corrêssemos, correríamos/correriam aponte os morfemas cumulativos. Ex-
plique as noções que eles indicam.
14) Nos pares porco/porcos e sogro/sogra, quais os morfemas que indicam número e gênero,
respectivamente?
15) Para manifestar a marca de gênero, algumas palavras em língua portuguesa não apresen-
tam o acréscimo de morfema. Trata-se de morfemas subtrativos. Dê três exemplos de pares
de morfemas subtrativos.
16) Dê três exemplos de morfema reduplicativo. Explique.
17) O que é morfema de posição? Dê dois exemplos e explique se ele diz respeito aos estudos
de Morfologia.
18) Explique se cabe ou não aos estudos morfológicos o caso do morfema suprassegmental.
19) Divida os morfemas das palavras abaixo em morfemas lexicais e morfemas gramaticais:
folha
chave
gata
meninas
caseiro
floreira
20) Classifique os morfemas gramaticais que você destacou acima de acordo com o significado
e o significante.

Anotações

46
As unidades de análise
da Morfologia

Anotações

47
INTRODUÇÃO
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA
PORTUGUESA Anotações
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES

48
3 Flexão x derivação

DISTINÇÃO ENTRE O PROCESSO FLEXIONAL E O PROCESSO


DERIVACIONAL
A flexão apresenta-se em português como o processo morfológico que articula de-
sinências ao nome e ao verbo para lhes indicar as categorias de gênero e número para
os nomes e de modo-tempo e de número-pessoa para os verbos.
São em número reduzido e, no caso dos nomes, só se encontram em adjetivos, em
substantivos e em alguns pronomes; no caso dos verbos, essas desinências se encon-
tram em todas as formas conjugadas.
Como já mencionamos no capítulo anterior, a flexão de alguns nomes adjetivos, de
alguns substantivos e de raros pronomes se dá pela desinência flexional -A:

bonito ⇒ bonita
falso ⇒ falsa
menino ⇒ menina
lobo ⇒ loba
aquele ⇒ aquela
ele ⇒ ela
esse ⇒ essa

A flexão de número estabelece um contraste entre forma singular e forma plural


decorrente do acréscimo da desinência flexional –S. Desse modo, o masculino e o sin-
gular têm como característica a ausência das marcas de feminino e de plural, indicadas
pelo morfema Ø:

bonito + Ø ⇒ bonito + S
bonito + Ø ⇒ bonito + A
falso + Ø ⇒ falso + S

49
INTRODUÇÃO menino + Ø ⇒ menino + S
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA menino + Ø ⇒ menino + A
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE lobo + Ø ⇒ lobo + S
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES lobo + Ø ⇒ lobo + A
aquele + Ø ⇒ aquele + S
aquele + Ø ⇒ aquele + A
ele + Ø ⇒ ele + S
ele + Ø ⇒ ele + A
esse + Ø ⇒ esse + S
esse + Ø ⇒ esse + A

A derivação, por sua vez, consiste na articulação entre afixos (prefixos e sufixos)
para a formação de novas palavras. Trata-se de um dos processos mais produtivos
na língua portuguesa, porque é responsável pela ampliação permanente de nosso
léxico.
Uma primeira distinção que se estabelece entre processo flexional e processo
derivacional é a de que as desinências flexionais se apresentam em número mais
restrito (não se criam novas desinências, pois elas estão previstas no sistema lin-
guístico de cada língua), ao passo que os afixos (prefixos e sufixos) se apresentam
em um quadro mais amplo e, de acordo com as necessidades comunicativas, é
possível reaproveitar itens já existentes na criação de novas palavras. Por exemplo,
os elementos euro-, originário de Europa, e agro-, forma livre na língua latina, cujo
significado era o de campo, já faziam parte do léxico da língua e, por necessidades
comunicativas, passaram a fazer parte de novas formações: Eurocopa, Eurotrem,
Eurodisney; agroboy, agronegócio, agrojada etc. Todos esses exemplos já foram
mencionados em capítulo anterior.
Por outro lado, não é possível readaptar desinências para marcar flexões de
gênero e de número para os nomes adjetivos e substantivos e para os pronomes e
de modo-tempo e de número-pessoa para os verbos.
Um outro diferencial entre os processos flexional e derivacional está na presen-
ça ou não da concordância. A flexão exige concordância ao passo que a derivação
não. Por exemplo, se dissermos menina e quisermos acrescentar um adjetivo, tere-
mos de flexioná-lo no feminino para concordar com o gênero de menina: menina
pequena. Nesse caso, temos a flexão. Se, entretanto, dissermos menininha, não é
obrigatório que tenhamos de dizer, também, pequeninina. A flexão ainda conti-
nua obrigatória, pois menininha é do gênero feminino e pequenininha também
o é; todavia o fato de empregarmos o sufixo diminutivo -inha em menininha não

50
nos obriga a utilizá-lo também em pequenininha. Podemos dizer tanto menininha Flexão x derivação

pequena como menininha pequenininha. Portanto, o processo flexional é obriga-


tório e o derivacional não.
Resumindo: o processo flexional não depende da vontade do falante, ao passo
que o processo derivacional sim. Ele pode derivar uma palavra de outra, caso quei-
ra, mas não pode deixar de flexionar para atender às exigências da concordância
verbal e nominal sob o ponto de vista da norma padrão vigente da língua portu-
guesa. O exemplo de menina pequena e de menininha pequenininha pode ser
aqui aplicado.
Por último, podemos apontar a regularidade no processo flexional e a não-re-
gularidade no processo derivacional. Os exemplos acima também podem se apli-
cados para essa diferença entre os dois processos: a concordância é regular no
processo flexional, mas não no derivacional. Se o substantivo casa é do gênero fe-
minino, todos os elementos a ele relacionados devem concordar com esse gênero;
entretanto, se esse substantivo apresenta um sufixo diminutivo, isso não significa
que os elementos a ele relacionados devem apresentam esse mesmo sufixo:

A lobA pequenA está amamentando.


A lobinhA pequenA está amamentando.

Em vista disso, podemos apontar a principal diferença entre esses dois processos: a
flexão não forma novas palavras; cabe à derivação essa função. Por exemplo: o substan-
tivo casa apresenta a forma flexionada no plural casas. Não se trata de palavra nova,
e sim de duas formas (singular e plural) de uma mesma palavra. Se, todavia, empre-
garmos um sufixo, por exemplo, -inha, teremos uma derivação e, consequentemente,
uma nova palavra, pois o radical se amplia:

casa + S = casas (duas formas de uma mesma palavra)


casa + INHA = casinha (duas palavras diferentes, cujos radicais são cas- e casinh-)

Isso não significa que o processo flexional exclua o processo derivacional. Reto-
mando os exemplos menina pequena e menininha pequena, temos:

menina pequena (flexão de gênero feminino e de número singular de ambos os


nomes)
menininha pequena (derivação em menininha e flexão de gênero e de número em
ambos os nomes)

51
INTRODUÇÃO Eis um quadro resumitivo das distinções apresentadas entre esses dois processos:
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA
FLEXÃO DERIVAÇÃO
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE 1. Quadro reduzido de formas 1. Quadro amplo de formas
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES 2. Concordância 2. Não-concordância

3. Regularidade 3. Não-regularidade

4. Obrigatoriedade 4. Não-obrigatoriedade

5. Não depende da vontade do falante 5. Depende da vontade do falante

6. Não forma novas palavras 6. Forma novas palavras

FLEXÃO DE NÚMERO DOS NOMES SUBSTANTIVOS


Em princípio, o processo flexional que indica número singular e plural consiste na
oposição entre um indivíduo e mais de um indivíduo. Essa flexão é marcada, via de
regra, pela desinência -S, em oposição ao morfema Ø. Existem, todavia, alguns casos
em que essa oposição não ocorre por meio de flexão. Exemplo: ônibus, lápis, pires,
os quais não apresentam desinência para marcar singular ou plural. Essa oposição se
dá em um contexto pela presença de outros elementos externos à palavra, tais como
artigos, pronomes, adjetivos e numerais. A esses elementos se dá o nome de morfe-
mas latentes:

o ônibus, os ônibus (artigo)


o lápis, os lápis (artigo)
o pires, os pires (artigo)

este ônibus, estes ônibus (pronome)


este lápis, estes lápis (pronome)
este pires, estes pires (pronome)

grande ônibus, grandes ônibus (adjetivo)


grande lápis, grandes lápis (adjetivo)
grande pires, grandes pires (adjetivo)

dois ônibus (numeral)


três lápis (numeral)
quatro pires (numeral)

Outro grupo de nomes substantivos que não apresenta oposição de número por
meio de processo flexional são os nomes coletivos, os quais apresentam uma forma no
singular, mas indicam um conjunto.

52
Embora a NGB não faça referência alguma à subclassificação dos coletivos, Rocha Flexão x derivação

Lima, em sua Gramática Normativa da Língua Portuguesa, afirma que ‘[...] os co-
letivos se subclassificam em: indeterminados (gerais e partitivos) e determinados
(numéricos e especiais)’. Segundo o autor, os indeterminados não fazem referência
à quantidade dos seres do conjunto; os determinados referem-se à quantidade ou
à qualidade dos seres. Desse modo, são gerais os coletivos indeterminados que ex-
pressam o todo, por exemplo, exército, cacho, e partitivos os que expressam uma
parte do todo, por exemplo, batalhão. Os numéricos, por sua vez, são os coletivos
determinados que se referem à quantidade, por exemplo, casal, dúzia, dezena,
milheiro; e os especiais, aqueles que se referem à qualidade dos seres do conjunto,
por exemplo, cardume, pomar (já se sabe que é um agrupamento de seres e um
conjunto de árvores frutíferas, respectivamente).
Eis alguns exemplos de coletivos conhecidos em português:

pinacoteca (conjunto de obras de quadro)


ramalhete (conjunto de flores)
bando (conjunto de malfeitores/aves)
século (conjunto de cem anos)

Há, porém, alguns coletivos que não são tão específicos, como é o caso de feixe,
que pode ser empregado em feixe de lenha ou em feixe de raios luminosos; fileira,
que pode ser empregado em fileira de pessoas ou em fileira de coisas; junta, que
pode ser empregado em junta de examinadores, em junta de médico, em junta de
bois etc.
Isso não significa que não se possa flexionar esses substantivos no plural; se
quisermos nos referir a mais de um coletivo, dizemos pinacotecas, ramalhetes e
bandos.
Há um outro grupo de substantivos que apresenta apenas uma única forma sem
distinção de número. É o caso de substantivos terminados em X: tórax: não há a
oposição o tórax, *os tórax, mas apenas o tórax.
Há o grupo de substantivos que só é empregado no plural (pluralia tantum) e
significa um conjunto de atividades. É o caso dos substantivos as exéquias (tudo o
que envolve funeral); as bodas (tudo que envolve um certo período de matrimô-
nio); as núpcias (tudo que envolve o pós-cerimônia de casamento) etc.
Há um outro grupo de substantivos que, no singular, significa algo, e, no plural,
não significa a mesma coisa. Por exemplo:

53
INTRODUÇÃO a féria (pagamento): O chefe deixará nossa féria no final do dia.
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA as férias (período de descanso): O chefe tirará férias no final do ano.
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE a costa (litoral): A costa do Brasil é banhada pelo Oceano Atlântico.
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES as costas (dorso): As minhas costas estão doloridas.

Retomamos aqui o caso dos plurais metafônicos redundantes já mencionados em


capítulo anterior. É o caso dos pares que apresentam oposição singular/plural por
meio de flexão e, também, de abertura de timbre da vogal:

ovo ⇒ ovos (ó)


novo ⇒ novos (ó)

Nos substantivos terminados em -ÃO, temos três possibilidades de flexão do plural:

1) acréscimo da desinência -S:


cristão + S ⇒ cristãos
mão + S ⇒ mãos

2) troca da vogal temática mais acréscimo da desinência -S:

capitãO + S ⇒ capitães
cãO + S ⇒ cães
pãO + S ⇒ pães

3) troca da vogal temática e da vogal do radical:

sermÃO + S ⇒ sermões
paixÃO + S ⇒ paixões

Nos substantivos terminados em -R, -S e -Z, temos acréscimo da vogal E além da desi-
nência -S:

mar + S ⇒ marES
mês + S ⇒ mesES
luz + S ⇒ luzES

54
Nos substantivos terminados em -AL, -EL, -OL, -UL, ocorre a queda do -L e acréscimo Flexão x derivação

de -I mais a desinência -S de plural:

carnavaL + S ⇒ carnavaIS
aneL + S ⇒ anéIS
anzoL + S ⇒ anzóIS
azuL + S ⇒ azuIS

Nos substantivos terminados em -IL, temos duas possibilidades:

1) quando terminados em -IL, cuja sílaba final é tônica, os substantivos perdem


esse -L e acrescenta-se a desinência -S:

caniL + S ⇒ caniS
barriL + S ⇒ barriS

2) quando terminados em -IL, cuja sílaba final é átona, os substantivos perdem esse
-L, recebem um -E antes do -I além da desinência de plural -S no final do processo de
flexão:

fóssil + S ⇒ fóssEIS

FLEXÃO DE GÊNERO DOS NOMES SUBSTANTIVOS


Como já foi mencionado na seção anterior, a flexão de gênero em português é, em
geral, realizada por meio da desinência -A, em oposição ao morfema Ø:

menino + Ø ⇒ menino + A
gato + Ø ⇒ gato + A
mestre + Ø ⇒ mestre + A
peru + Ø ⇒ peru + A
cantor + Ø ⇒ cantor + A
pequeno + Ø ⇒ pequeno + A

Com o acréscimo de -A, ocorre a elisão desse -A com a vogal final (quando houver).
É o que ocorre em:

menino + a ⇒ meninoa ⇒ menina

55
INTRODUÇÃO
AOS ESTUDOS DE
Convém também recordar que nem todo substantivo terminado em -A está no
MORFOLOGIA DE LÍNGUA gênero feminino por flexão; também se pode afirmar o contrário: nem toda palavra
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE terminada em -O é masculina: tribo. A vogal final, portanto, não indica gênero, mas
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES simplesmente inclui essas palavras dentro de determinada classe gramatical. Cabe
ao artigo e a outros elementos presentes no contexto a indicação do gênero:

A tribo foi dividida em dois grupos. (A indicação do gênero se faz, como se cons-
tata, pelo artigo A diante do substantivo tribo)
O telefonema foi feito às pressas. (A indicação do gênero se faz, como se consta-
ta, pelo artigo O diante do substantivo telefonema)

Conclui-se, pois, nesses casos, que as simples terminações -O ou -A não garantem


a indicação do gênero. Tanto é verdade que há palavras que não terminam em -O ou
em -A e são ora do gênero masculino, ora do gênero feminino:

dente ⇒ o dente
lápis ⇒ o lápis
urubu ⇒ o urubu
colibri ⇒ o colibri
gravidez ⇒ a gravidez

O gênero, portanto, nem sempre está vinculado à noção de sexo dos seres; ape-
nas aproximadamente um terço das palavras no português apresenta pares flexio-
nados do masculino para o feminino com o acréscimo da desinência -A. O gênero é
uma categoria gramatical herdada culturalmente (aprende-se que a palavra tal é do
gênero feminino, por exemplo); o sexo é um conceito biológico atribuído a pares de
seres. Ainda que nos refiramos a seres, a conceitos, a objetos, a sentimentos, a ideias
etc que não são sexuados, ainda assim eles possuem um gênero, que é marcado
pelo(s) elemento(s) que os precede(m) ou sucede(m):

A alma pura e branda vai para o céu após a morte.


O pensamento único de João era um só: ser feliz.
A mesa branca estava posta para o almoço.
A injustiça de uns é a justiça de outros.
O medo profundo paralisou o seu coração.

56
Uma outra observação a ser feita é a de que há pares de nomes que, embora Flexão x derivação

sejam sinônimos, pertencem a gêneros diferentes:

a ave / o pássaro
a criança / o menino

Há, ainda, palavras que, quando derivadas, mudam de gênero:

a casa ⇒ o casarão ⇒ o casario ⇒ o casebre


a mulher ⇒ o mulherão ⇒ o mulherio

OUTROS PROCESSOS DISPONÍVEIS EM PORTUGUÊS PARA INDICAR O


GÊNERO
Pares formados por derivação
Há alguns substantivos que formam o feminino por meio do processo de deriva-
ção sufixal, por exemplo,

galo + inha ⇒ galinha


duque + esa ⇒ duquesa
profeta + isa ⇒ profetisa

No primeiro exemplo, para que haja flexão de gênero por meio de desinência, é
necessário flexionar galo + A ⇒ *gala, fato que não ocorre. Convém ressaltar que a
palavra gala existe, mas não significa o feminino de galo; no segundo exemplo, não
temos o feminino formado por flexão a partir do acréscimo de -A: duque ⇒ *duca;
no terceiro exemplo, o substantivo masculino termina em -A (profeta), fato que já des-
carta uma flexão com acréscimo da desinência -A: profeta + A ⇒ *profetaa. Convém
ressaltar que atualmente também se emprega prefeta para ambos os sexos: o/a profeta.
Nesse caso, esse par se enquadra nos casos de comuns-de-dois.

Comuns-de-dois
Há pares de nomes em português que apresentam uma só forma para o masculino
e o feminino, ou seja, a distinção de gênero é realizada mediante o emprego de artigo,
adjetivo, pronome e/ou numeral:

o artista ⇒ a artista
o bom pianista ⇒ a boa pianista

57
INTRODUÇÃO este imigrante ⇒ esta imigrante
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA dois pacientes ⇒ duas pacientes
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES Há, em português, alguns substantivos masculinos ou femininos que, embora lem-
brem pares flexionados, não o são, visto que a mudança do gênero provoca, também,
a mudança de sentido:

O cabeça do grupo foi morto na noite passada.


A cabeça do garoto começou a doer de manhã.

O guia da excursão pediu demissão da agência.


A guia de impostos deve ser impressa via internet.

Embora esses casos estejam incluídos nos manuais de gramática dedicados à Mor-
fologia, o assunto deve ser tratado como questão semântica.

Sobrecomuns
Há um conjunto de nomes, os sobrecomuns, que indicam tanto o masculino quan-
to o feminino e nem mesmo o contexto pode definir isso, a não ser em situações tais
como:

A testemunha foi a peça chave no julgamento. (não se sabe o sexo da testemunha,


mas o gênero é feminino, pois está antecedido do artigo A)

Nesse caso, para determinar o sexo da testemunha, é necessário indicar isso em um


contexto mais amplo em que haja outros elementos para tal função:

Ontem assisti a um atropelamento na avenida principal da cidade. Os bombeiros


levaram a vítima para o hospital. Hoje li no jornal que o rapaz passa bem após a
cirurgia.

No exemplo acima, o substantivo vítima é do gênero feminino e pode se referir


tanto a um ser do sexo masculino quanto a um ser do sexo feminino. A expressão o
rapaz, no mesmo contexto, é responsável por definir o sexo da vítima.

Outros exemplos de sobrecomuns:

58
O cônjuge ficou transtornado com a separação. Flexão x derivação

O indivíduo não soube informar o ocorrido.


A criança ficou doente da noite para o dia.

Trata-se, portanto, de substantivos de um único gênero que se referem a seres de


ambos os sexos.

Epicenos
Os epicenos, a exemplo dos sobrecomuns, são nomes substantivos de gênero
único que se referem a ambos os sexos, no caso, a animais. Não há, portanto, di-
ferença alguma entre cônjuge e jacaré, pois ambos são do gênero masculino e se
referem aos dois sexos. A gramática, porém, decidiu por criar uma outra categoria
entre epicenos e sobrecomuns para distinguir seres racionais (humanos) de seres
animais (não-humanos).
No caso dos epicenos, as gramáticas sugerem que, para indicar o sexo do animal,
posponham-se as palavras macho ou fêmea diante do substantivo:

A cobra macho estava nervosa com o caçador.


A cobra fêmea estava nervosa com o caçador.
O jacaré macho estava nervoso com o caçador.
O jacaré fêmea estava nervoso com o caçador.

Constata-se que o emprego das expressões macho ou fêmea para indicar o sexo da
cobra e do jacaré são pouco funcionais, pois não alteram o gênero desses substantivos
que continuam a ser, respectivamente, feminino e masculino. Isso é comprovado pela
concordância que se dá entre nervosa e cobra e entre nervoso e jacaré.
Não há, portanto, diferença gramatical entre esses epicenos e os sobrecomuns,
visto que todos eles apresentam gênero único e podem se referir a seres de ambos os
sexos.

Heterônimos
Os heterônimos (de hetero = diferente e de ônimo = nome) são os pares de
substantivos que mudam de gênero por meio de outra palavra. Não se trata, portanto,
de um processo morfológico, e sim semântico e cultural. Convencionou-se relacionar,
por exemplo, mulher como feminino de homem, mas não há marca alguma que evi-
dencie esse par por processo morfológico. Os pares de heterônimos em português
podem também se referir a animais e a relações de parentesco familiar:

59
INTRODUÇÃO O boi e a vaca permaneceram no pasto durante todo o dia.
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA O genro e a nora visitaram os familiares no final de semana.
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES A questão do ‘grau’ nas gramáticas
As gramáticas normativas consideram o grau uma flexão para substantivos, adje-
tivos e advérbios. Entretanto essa categoria não se enquadra no processo de flexão,
visto que não há emprego de desinência nem é um processo obrigatório (veja quadro
descritivo das diferenças entre flexão e derivação neste capítulo).
Além disso, costuma-se associar a noção de grau à noção de grandeza, de extensão,
fato que nem sempre ocorre. Isso significa, por exemplo, que nem todas as palavras
que apresentam o sufixo -inha estão no grau diminutivo. Um exemplo disso é o subs-
tantivo galinha, que não é o diminutivo de galo, e sim seu feminino. Outro exemplo
é o de cestinha, que pode tanto significar cesta pequena, ou seja, diminutivo, quanto
aquele jogador de basquete que faz a maior pontuação em uma partida. Outro caso é
o de diminutivos e aumentativos que nem sempre expressam dimensões, mas afetivi-
dade e/ou carinho e desprezo e/ou ironia. Um exemplo disso é benzinho, que pode
ser empregado por uma mulher em referência a seu marido/namorado, mas que nem
sempre está associado ao tamanho dele, e sim ao carinho, ao afeto ou, até mesmo, ao
desprezo que ela sente por ele.
Há outros substantivos que, apesar de apresentar sufixos aumentativos, deixaram,
com o tempo, de manifestar esse grau. Por exemplo, papelão, cartão, portão, que não
são mais aumentativos de papel, carta e porta; do mesmo modo temos cartilha, que
não mais significa uma carta pequena, e sim um manual de um conteúdo qualquer.
Os graus aumentativo e diminutivo dos substantivos se dão por meio do acréscimo
de sufixos ao radical:

A barca virou durante a madrugada em alto-mar. (grau normal)


A barcaça virou durante a madrugada em alto-mar. (grau aumentativo)
A barquinha virou durante a madrugada em alto-mar. (grau diminutivo)

Não ocorre, portanto, o processo flexional, e sim o derivacional, responsável pela


formação de novas palavras.
No caso dos adjetivos, também pode haver grau aumentativo e diminutivo por
meio de derivação:

A menina ganhou uma casa pequena para brincar. (grau normal)


A menina ganhou uma casa pequenininha para brincar. (grau diminutivo)

60
A menina ganhou uma casa grande para brincar. (grau normal) Flexão x derivação

A menina ganhou uma casa grandona para brincar. (aumentativo)

Também pode ocorrer com o emprego de recursos sintáticos (fora da palavra, no


contexto) na construção dos graus comparativo e superlativo:

a) João é mais alto do que Pedro. (grau comparativo de superioridade)


b) João é tão alto quanto Pedro. (grau comparativo de igualdade)
c) João é menos alto do que Pedro. (grau comparativo de inferioridade)
d) João é muito alto. (grau superlativo absoluto analítico)
e) João é altíssimo. (grau superlativo absoluto sintético)
f ) João é o mais alto de todos. (grau superlativo relativo de superioridade)
g) João é o menos alto de todos. (grau superlativo relativo de inferioridade)

Em a, b, c, d, f, g, temos o adjetivo alto modificado sintaticamente por intensificadores
(mais, tão, menos, muito, o mais, o menos); em e, temos o emprego do sufixo -íssimo
(processo derivacional). Convém explicar que o grau superlativo relativo remete à compa-
ração entre um ser e sua classe para mais (superioridade) ou para menos (inferioridade).
No caso dos advérbios, temos, praticamente os mesmos recursos empregados nos
graus comparativos dos adjetivos:

João mora tão longe da escola quanto eu.


João mora mais longe da escola do que eu.
João mora menos longe da escola do que eu.
João mora muito longe da escola.
João mora longíssimo da escola.

Nesses exemplos, o advérbio longe é modificado sintaticamente por intensificado-


res, a exemplo dos adjetivos. Em todos esses casos, não temos flexão de grau, e sim
graus expressos de maneiras diversas, seja por recurso morfológico (derivação), seja
por recurso sintático, por meio de intensificadores.
Isso fica evidente quando as gramáticas mencionam o advérbio como classe invariá-
vel (que não apresenta flexão). Se o advérbio é invariável, como explicar construções
legítimas de uso: ele acordou cedo, ele acordou cedinho, ele acordou muito cedo.
Há, nesses exemplos, de fato flexão, ou emprego de sufixo e de recursos sintáticos?
Nesse caso, o advérbio continua sendo uma classe invariável, ou seja, continua a não
apresentar flexão, mas graus diversos por meio de outros recursos.

61
INTRODUÇÃO
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA
PORTUGUESA Proposta de Atividades
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES

Nas atividades, procure apontar exemplos que não tenham sido mencionados no
capítulo.

1) Aponte as diferenças básicas entre o processo flexional e o processo derivacional. Dê 3


exemplos.
2) Explique o que é morfema latente e dê três exemplos.
3) Aponte as diferenças entre a noção de plural que se encontra nos substantivos coletivos e
nos substantivos conhecidos por pluralia tantum. Dê dois exemplos.
4) Nos pares menino/menina, peru/perua, cantor/cantora, mestre/mestra, é possível afirmar
que há um morfema -o para o gênero masculino e um morfema -a para o gênero feminino?
Explique.
5) Explique se os pares o capital/a capital e o rádio/a rádio pertencem aos estudos morfoló-
gicos. Dê exemplos com essas expressões em contextos.
6) Aponte as diferenças entre os pares o jornalista/a jornalista, o homem/a mulher e o con-
de/a condessa.
7) Explique se há diferença entre substantivos sobrecomuns e substantivos epicenos. Dê um
exemplo de cada.
8) Explique se podemos afirmar que há flexão de grau na língua portuguesa.
9) Explique de que forma se dão os plurais de substantivos terminados em -ÃO. Dê dois exem-
plos de cada regra.
10) Explique de que forma se dão os plurais de substantivos/adjetivos terminados em -AL, -EL,
-IL, -OL e -UL. Dê dois exemplos de cada regra.

Anotações

62
4 A derivação

PROCESSOS GERAIS DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS EM PORTUGUÊS


Em português, há dois processos mais gerais de formação de palavras: a derivação
e a composição. Por derivação, entende-se a formação de novas palavras por meio da
junção de um afixo (prefixo/sufixo) a uma base, que pode ser verbal, substantiva ou
adjetiva e, em alguns casos, adverbial.
Em geral, a base de uma formação é uma forma livre, isto é, uma palavra/lexema
que pode ser a resposta em um enunciado, como ocorre com verbos, substantivos,
adjetivos, pronomes, numerais, advérbios etc. Por exemplo:

— Ele é livreiro ou taxista?


— Livreiro.

— Você prefere seu café doce ou sem açúcar?


— Doce.

— Aonde você foi?


— Lá.1

— Quantas camisas você comprou?


— Duas.

Há, entretanto, formações que ocorrem a partir de bases presas:


portar ⇒ portabilidade
em que ocorre o acréscimo do sufixo -dade ao adjetivo portável. Em português,

1 Os advérbios que são empregados para indicar lugar também são denominados pronomes
dêiticos.

63
INTRODUÇÃO todas as vezes que anexamos o sufixo -dade a bases verbais terminadas com o sufixo
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA -vel, temos a mudança deste sufixo -vel para -bil, sufixo latino. Há autores como Mon-
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE teiro (2002, p. 34) que preferem considerar o sufixo -bil- como alomorfe do sufixo
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES -vel. Nós, entretanto, preferimos considerar a história do português, ou seja, o sufixo
-bil- pertence à língua latina e era anexado a bases verbais.
O processo de composição compreende a junção de duas bases para a formação de
uma nova palavra; uma palavra é composta quando apresenta pelo menos duas bases,
quer livres, quer presas:

guarda-chuva (duas bases livres)


sociolinguística (uma base presa e uma base livre)

DIFERENÇAS ENTRE DERIVAÇÃO E COMPOSIÇÃO


A diferença fundamental entre esses dois processos está nas necessidades de ex-
pressão; a derivação tem um caráter fixo e não altera a sintaxe da estrutura frasal:

a) Eu fiz o trabalho ontem à noite.


b) Eu refiz o trabalho ontem à noite.

Temos, nos exemplos acima, duas formas verbais que se referem ao mesmo sujeito
(eu), ou seja, o fato de derivarmos um verbo de outro por meio de prefixo não altera
a estrutura da frase b.
Um outro aspecto da derivação é a necessidade de mudança de classe da palavra:

A Petrobras é uma empresa nacional.

Se quisermos dizer que a Petrobras se tornou nacional a partir de uma certa data,
devemos construir a seguinte estrutura:

A nacionalização da Petrobras ocorreu no governo de Getúlio Vargas.

Temos, nesse caso, a substantivação do adjetivo nacional por derivação sufixal e


por necessidade de adaptação sintática. Nessa derivação, podemos constatar que a
expressão nacionalização passa a ser um termo geral obtido mediante o sufixo -ção.
Em português, o emprego de alguns afixos (prefixos e/ou sufixos) permite essa
generalização em diferentes graus. Por exemplo, o sufixo -ada em:

64
feijoada, de feijão + ada A derivação

marmelada, de marmelo + ada


goiabada, de goiaba + ada
pessegada, de pêssego + ada

é mais específico, visto que se anexa a bases substantivas que se referem a alimentos e
significa ‘refeição/doce feito à base do alimento X’.
Em suma, entre os sufixos -ção e -ada há diferenças quanto à produtividade, à
generalização e à abstratização: o sufixo -ção é mais genérico, mais produtivo e mais
abstrato do que o sufixo -ada, pois pode ser anexado a muitos verbos formando no-
mes substantivos, ao passo que o sufixo -ada, quando empregado com substantivos
que significam alimento, apresentam um sentido específico de ‘refeição/doce feito à
base do alimento X’. Além disso, o sufixo -ada, quando anexado a bases verbais, pode
expressar aspecto breve ou passageiro. É o caso das expressões em -ada abaixo:

Eu darei uma olhada no seu projeto amanhã.


Maria deu uma limpada na casa antes de sair.
Vou dar uma descansada antes de voltar ao trabalho.

Nos exemplos acima, olhada, limpada e descansada expressam a brevidade das


ações. Se empregarmos esses verbos sem o sufixo, não teremos essa ação passageira:

Eu olharei seu projeto amanhã.


Maria limpou a casa antes de sair.
Vou descansar antes de voltar ao trabalho.

Na língua portuguesa, a derivação com esse sufixo apresenta estabilidade, função


sintática pré-determinada, ou seja, palavras terminadas em -ção nunca serão verbos,
por exemplo. Por outro lado, palavras terminadas em -al, como global, normal etc
nunca serão substantivos. Essa é uma das características da derivação.
O processo de composição, por sua vez, obedece às necessidades de combinações
particulares; trata-se de uma combinação por força da expressividade:

A polícia federal apreendeu cinquenta máquinas caça-níqueis.

O exemplo acima ilustra bem essa combinação, que transpõe da sintaxe para a mor-
fologia um termo que se refere a uma máquina que capta/caça moedas, ou seja, uma
máquina de jogos proibida no Brasil:
65
INTRODUÇÃO A polícia federal apreendeu cinquenta máquinas que caçam/captam moedas/níqueis.
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE O mesmo ocorre em
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES

A polícia federal apreendeu cerca de mil aparelhos de skygato no Rio de Janeiro.

em que temos a expressão skygato, que se refere a aparelhos de captação de sinal de TV


via satélite, porém sem que o usuário tenha de pagar mensalmente a uma empresa de TV
a cabo. Essa composição é formada pela palavra sky (céu), marca de TV por satélite, mais
a palavra gato, que é empregada em outras formações, tais como gatonet, TV cabo clan-
destina, gato de luz, cabo clandestino de luz etc. A expressão gato remete à esperteza, à
clandestinidade, características próprias do comportamento do animal.
Nessa composição, nota-se que a presença ou não do hífen não impede que essa
formação seja considerada composta.
O que caracteriza o processo de formação de palavras por composição é a sua estrutu-
ra. As bases que se juntam para formar uma nova palavra têm, cada uma separadamente,
seu papel definido. No caso de composição com dois substantivos, temos o segundo
especificando o primeiro:

peixe-espada
couve-flor

As palavras espada e flor especificam um tipo de peixe e um tipo de couve: o peixe


apresenta semelhança com uma espada, ao passo que a couve se assemelha a uma flor.
Em composições de substantivo com adjetivo, a ordem é indiferente, pois o adjetivo
sempre especificará o substantivo:

obra-prima
caixa-alta
livre-arbítrio
belas-artes

Nesses exemplos, se dissermos prima obra, alta caixa, arbítrio livre e artes belas, o
sentido permanecerá o mesmo.
Em formações com verbo mais substantivo, esse substantivo funcionará sintaticamen-
te como objeto/complemento do respectivo verbo:

saca-rolhas

66
porta-jóias A derivação

mata-mosquito
porta-lápis

Nesses exemplos, temos a transposição da sintaxe para a morfologia:

Comprei um objeto que saca rolhas. Comprei um saca-rolhas.


Ganhei um lindo objeto que porta jóias. Ganhei um porta-jóias.
Comprei um objeto que mata mosquitos. Comprei um mata-mosquitos.
Ganhei um objeto que porta-lápis colorido. Ganhei um porta-lápis.

Nessas formações, observamos que há um distanciamento entre o significado das


partes que formam a composição e o significado das partes isoladamente. Por exem-
plo, o porta-jóias, atualmente, não serve apenas para guardar jóias; ele serve para
guardar também outros objetos. O mesmo ocorre com guarda-roupas, que serve,
também, para sapatos, roupas de cama etc. Por esse motivo, não é à toa que as formas
compostas estão cada vez mais distantes do significado isolado de cada um dos seus
componentes.
Em composições com bases presas, temos mais especificidades do que em formações
com bases livres, isto é, em línguas de especialidade, tais como a medicina, a zootecnia,
a biologia, as formações com bases presas são mais frequentes e podem ser confundidas
com o processo de derivação. Por exemplo, em sociologia e em psicopatia, temos duas
palavras formadas por composição: sócio + logia e psico + patia. Entretanto, as gra-
máticas costumam considerar -logia e -patia como sufixos, ignorando a história dessas
formações.
Resumindo, quando temos formações com mais de uma base livre, fica evidente
que se trata de processo de composição, ao passo que, quando temos formações com
uma base presa, o processo de composição pode ser confundido com o processo de
derivação.

DERIVAÇÃO PREFIXAL
A derivação prefixal consiste na adição de um prefixo antes da base, acrescentan-
do-lhe uma nova significação. Como o próprio nome diz, prefixo significa pré-fixo, ou
seja, fixado/fixo antes de algo, no caso, da base. Essa posição antes da base permite
que o valor semântico do prefixo seja identificado com uma certa facilidade. Também é
possível identificar uma regularidade no emprego de prefixos diante de determinadas
bases. Assim, é mais frequente o acréscimo de prefixo antes de bases verbais e de bases
adjetivas.
67
INTRODUÇÃO Desse modo, o prefixo define-se como
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE a) uma sequência fônica que se repete, pelo fato de não ser uma base;
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES b) um elemento que se coloca à esquerda de uma base;
c) um elemento que forma novas palavras;
d) uma forma presa;
e) um elemento que não altera a classe gramatical da base.

Eis alguns exemplos para as características acima mencionadas:

fazer ⇒ refazer
ler ⇒ reler
eleger ⇒ reeleger

amor ⇒ desamor
afeto ⇒ desafeto

Nesses grupos de formações, temos os prefixos re- e des-, os quais são: sequências
fônicas que se repetem, ou seja, são recorrentes; elementos que estão colocados à
esquerda das bases fazer, ler, eleger, amor e afeto; são elementos presos (não fun-
cionam livremente na língua) formadores de novas palavras; e são elementos que não
alteram a classe gramatical das bases que continuam a ser verbos, no caso do primeiro
grupo, e de nomes substantivos, no caso do segundo grupo.
No caso do prefixo re-, temos o valor de repetição: reler, refazer e reeleger signifi-
cam, respectivamente, ‘ler, fazer e eleger novamente ou de novo’. Em desamor e em
desafeto, temos o prefixo des-, com o valor de ‘falta de, ausência’: desamor e desafeto
significam, respectivamente, ‘falta de amor’, ‘falta de afeto’.

Derivação prefixal ou composição?


Uma questão que surge quando nos referimos a formações por prefixação é sa-
ber se estamos diante de um prefixo ou diante de um elemento de composição. É
o caso, por exemplo, de elementos tais como: ante, com, contra, entre e sobre e
outras preposições. Afinal, trata-se de prefixos ou de bases livres?
Os autores não são unânimes e adotam posturas diversas. Há aqueles que de-
fendem que se trata de prefixos, simplesmente porque se encontram à esquerda de
uma base. Há outros que defendem a ideia de que se trata de formas dependentes,

68
visto que podem ser empregadas em outros contextos, que não aquele diante de A derivação

uma base. Por exemplo:

Ele fraturou o antebraço. O homem estava ante a porta.


Eles conviveram por muitos anos. Ele estava com febre ontem.
O pedreiro avisou que o contrapiso estava pronto. Ele lutou contra o mal.
Eles se entreolharam fixamente. Ele estava entre a cruz e a espada.
O caminhão está sobrecarregado. O livro está sobre a mesa.

Para Câmara Jr. (1970), trata-se de formas dependentes, ou seja, aquelas que não
são nem presas, nem livres. Entretanto, o fato de qualquer uma delas poder funcio-
nar como palavra da língua, faz que classifiquemos os elementos acima como bases
livres. As palavras dos exemplos anteriores, portanto, são formadas por composição,
e não por derivação.
Nossa postura se justifica pelos aspectos funcionais desses elementos, que,
historicamente, eram formas presas (preposições presas às formas verbais latinas,
por exemplo, a preposição com do verbo comedere, citado no primeiro capítulo),
que, posteriormente, passaram a funcionar como formas livres na língua portu-
guesa. Essa oscilação gerou essa instabilidade no emprego desses elementos na
língua portuguesa.
Essas preposições mantiveram seu significado independentemente de serem,
hoje, formas presas ou dependentes:

Eles comemoraram a vitória com os amigos.


Eles conviveram com o inimigo por dez anos.

Nos exemplos acima, a preposição com se repete antes do verbo e depois dele,
fato que prova que esse elemento funciona como forma livre e participa da for-
mação por composição dos verbos comemorar e conviver. Comemorar significa
memorar com (relembrar), ou seja, ‘trazer à memória alguém ou alguma coisa’;
conviver significa ‘viver junto/com’. Ao empregarmos a preposição com depois dos
verbos, estamos repetindo o sentido da preposição, que já se encontra junto às
formas verbais.

DERIVAÇÃO SUFIXAL
A derivação sufixal consiste na adição de um sufixo após a base, acrescentando-lhe
uma nova significação ou mudando-lhe a classe gramatical. Como o próprio nome

69
INTRODUÇÃO diz, sufixo significa subfixo, ou seja, fixado/fixo abaixo de algo, no caso, da base. Essa
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA posição (após) a base muitas vezes dificulta a identificação do valor semântico do su-
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE fixo. Assim como ocorre na derivação prefixal, também é possível identificar uma re-
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES gularidade no emprego de sufixos diante de determinadas bases. Desse modo, temos
diversas regras de formação de palavras com sufixos, as quais são muito produtivas,
enquanto outras são pouco produtivas.
Desse modo, o prefixo define-se como

a) uma sequência fônica que se repete, pelo fato de não ser uma base;
b) um elemento que se coloca à direita de uma base;
c) um elemento que forma novas palavras;
d) uma forma presa;
e) um elemento que às vezes altera a classe gramatical da base.

Eis alguns exemplos para as características acima mencionadas:

casar + mento ⇒ casamento


reger + mento ⇒ regimento

armar + dor ⇒ armador


caçar + dor ⇒ caçador

gordo + ura ⇒ gordura


amargo + ura ⇒ amargura

triste + eza ⇒ tristeza


bravo + eza ⇒ braveza

casa + eiro ⇒ caseiro


cinza + eiro ⇒ cinzeiro

abacate + eiro ⇒ abacateiro


pêssego + eiro ⇒ pessegueiro

Nesses grupos de formações, temos os sufixos -mento, -dor, -ura, -eza, -eiro, os quais
são: sequências fônicas que se repetem, ou seja, são recorrentes; são elementos coloca-
dos à direita das bases casar, reger, armar, caçar, gordo, amargo, triste, bravo, casa,

70
cinza, abacate e pêssego; são elementos presos (não funcionam livremente na língua) A derivação

formadores de novas palavras; e são elementos que às vezes alteram a classe gramatical
das bases: nos quatro primeiros pares, ocorre mudança da classe gramatical das bases,
que passam, respectivamente, de verbo para substantivo, de verbo para substantivo, de
adjetivo para substantivo, de adjetivo para substantivo. Nos dois últimos pares, não ocor-
re essa mudança, pois são bases substantivas que formam novos substantivos.
Quanto à significação, nota-se que nem sempre é possível identificar o significado
do sufixo, principalmente nos casos em que ocorre mudança de classe gramatical. Nos
casos em que não ocorre essa mudança, o sentido do sufixo é mais evidente: caseiro
é aquele que cuida de uma casa, chácara, fazenda; cinzeiro é o recipiente em que se
colocam as cinzas; abacateiro e pessegueiro são árvores que dão abacate e pêssego.
O sufixo -eiro, nos exemplos acima, é um caso claro de que o sufixo por si só não
tem significado: é preciso observar o seu sentido conforme o significado da base. Des-
se modo, não é o sufixo -eiro que cuida da casa, e sim a formação inteira, a base mais
o sufixo; não é o sufixo -eiro que dá o abacate, e sim a formação inteira, a base mais o
sufixo, e assim por diante.
Cabe observar que alguns sufixos exprimem ideia de aspecto verbal e dimensão/
tamanho. É o caso dos sufixos -ejar, -itar, -isco, -iscar etc. Os exemplos abaixo eviden-
ciam essas diferenças semânticas entre as bases e as formações delas derivadas:

O avião voa a mais de 10.000m de altura.


A borboleta voeja vagarosamente.
João dormiu durante duas horas.
João dormitou após o almoço.
A atleta saltou 4,80m de altura
A menina saltitou de alegria.
A chuva foi intensa durante toda a madrugada.
O chuvisco persistiu por duas horas.
O menino atirou uma pedra na vidraça.
O carro escorregou no pedrisco.
A menina mordeu a maçã.
João mordiscou a melancia.
A criança lambeu o sorvete.
A menina lambiscou a comida.

Os verbos voejar, dormitar, saltitar, mordiscar e lambiscar indicam uma ação/


processo que se repete continuamente (mais vezes em um espaço de tempo); os

71
INTRODUÇÃO substantivos chuvisco e pedrisco remetem a tamanho/dimensão do produto/objeto
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA especificado.
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES
A QUESTÃO DA DERIVAÇÃO PREFIXAL E SUFIXAL
As gramáticas costumam elencar, entre os tipos de formação por derivação, a de-
rivação prefixal e sufixal. É preciso, todavia, salientar que esse processo não ocorre
simultaneamente, ou seja, ao mesmo tempo, a exemplo da derivação parassintética,
que veremos mais adiante. O exemplo abaixo ilustra bem essa questão:

a) O aluno ficou feliz com a notícia de sua bolsa de estudos.


b) Pedro ficou infeliz desde que sua noiva partiu.
c) Felizmente ele foi embora mais cedo.
d) Infelizmente, o professor decidiu concluir a aula mais cedo.

Em a, temos o adjetivo feliz, do qual deriva o adjetivo infeliz, empregado em b.


Em c, temos o advérbio felizmente, que é derivado do adjetivo feliz. Por último, temos
em d o advérbio infelizmente, que pode tanto ser derivado de infeliz quanto de feliz-
mente. Ou seja,

a) feliz
b) in + feliz (derivação prefixal)
c) feliz + mente (derivação sufixal)
d) infeliz + mente (derivação sufixal) ou in + felizmente (derivação prefixal)

Constata-se, portanto, que, ou a derivação é prefixal, ou é sufixal, e não prefixal


e sufixal, de forma simultânea. São processos que ocorrem um após o outro, e não
todos de uma só vez. Para melhor esclarecer essa questão, apresentamos um outro
exemplo, formado de maneira mais complexa. O substantivo normalização apresenta
as seguintes etapas de formação:

normalização
normalizar + ção (base verbal + sufixo)
normal + izar (base adjetiva + sufixo)
norma + al (base substantivo + sufixo)

Devemos analisar essas formações da seguinte forma: o substantivo normalização


é formado por derivação sufixal; o verbo normalizar é formado por derivação sufixal

72
e o adjetivo normal também é formado por derivação sufixal. Assim, não podemos A derivação

dizer que do substantivo norma derivamos diretamente o substantivo normalização,


e sim que do substantivo norma derivamos o adjetivo normal; que do adjetivo normal
derivamos o verbo normalizar e que do verbo normalizar derivamos o substantivo
normalização. Caso contrário, teríamos de afirmar que existe em português o sufixo
*-alização, o qual teria sido anexado ao substantivo norma: norma + *alização.

DERIVAÇÃO PARASSINTÉTICA
A derivação parassintética ou circunfixação consiste na adição simultânea de um
prefixo e de um sufixo a uma base verbal, adjetiva ou substantiva. Trata-se, portanto,
de processo distinto dos anteriormente mencionados. Essa simultaneidade fica eviden-
te quando analisamos o processo:

O amanhecer no campo é lindo.


O entardecer no campo é lindo.
O anoitecer no campo é lindo.
Os cachorros assustaram os assaltantes.
Os assaltantes apavoraram os clientes do banco.

Os verbos amanhecer, entardecer, anoitecer, assustar e apavorar são formados


por parassíntese a partir de bases substantivas abstratas, fato que não nos permite
identificar claramente o valor do prefixo e do sufixo isoladamente. Desse modo, o
sentido dos verbos é identificado pelo conjunto da formação, e não pelos afixos pre-
sentes nessas formações. Às bases substantivas manhã, tarde, noite, susto e pavor são
anexados os prefixos a- e en- e os sufixos -ecer e -ar:

a + manhã + ecer
en + tarde + ecer
a + noite + ecer
a + susto + ar
a + pavor + ar

Se excluirmos um dos afixos, não restará uma palavra da língua portuguesa: *ma-
nhecer, *tardecer, *noitecer, *sustar e *pavorar não são palavras possíveis, assim
como os nomes substantivos *amanhã, *entarde, *anoite, *assusto e *apavor.
Note-se que amanhã existe em português, mas não é a base dessa formação: a base
dessa formação é o substantivo manhã, e não o advérbio amanhã. Isso se comprova

73
INTRODUÇÃO pelo significado do verbo amanhecer, cujo sentido é o de ‘chegar ao período da ma-
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA nhã de um dia’, e não o sentido de ‘chegar o dia de amanhã’.
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE Desse modo, não podemos analisar essas formações afirmando que às formas ver-
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES bais *manhecer, *tardecer, *noitecer, *sustar e *pavorar foram anexados prefixos,
pois esses verbos não existem, assim como não podemos afirmar que às bases substan-
tivas *amanhã, *entarde, *anoite, *assusto e *apavor foram anexados sufixos, pois
esses substantivos não existem.
Também há formações de verbos a partir de bases adjetivas, cujo sentido é o de
‘tornar-se’:

O ator engordou cinco quilos para representar a personagem.


O menino entristeceu quando o pai faleceu.
A moça envelheceu vinte anos com a notícia.

Constata-se que os sentidos dos verbos são: ‘tornar-se gordo’, ‘tornar-se triste’ e
‘tornar-se velho’ e que o significado do prefixo é, novamente, obscuro, visto que as
bases dessas formações são abstratas.
Da mesma forma ocorre com verbos formados com os prefixos (d)es-, cujo valor
não é claro, ainda que as bases substantivas dessas formações sejam concretas:

O papel esfarelou até virar pó.


O caminhão esburacou a rodovia principal.
A menina despedaçou todas as flores do jardim.

Esses verbos apresentam os sentidos de ‘tornar em farelos’, ‘tornar cheia de bura-


cos’ e ‘tornar em pedaços’.
Outros verbos formados por parassíntese com bases substantivas concretas têm o
valor semântico dos prefixos identificado de forma mais clara:

Os passageiros embarcaram ontem à noite.


O trânsito engarrafou depois da Serra do Mar.
O juiz engavetou os processos contra os réus.
O funcionário encaixotou os documentos.

Os verbos embarcar, engarrafar, engavetar e encaixotar são formados por paras-


síntese a partir de bases substantivas concretas, o que permite identificar o prefixo en-/
em- com o sentido de ‘para dentro/dentro’: embarcar significa ‘entrar no barco/avião/

74
trem/iate’ etc (vê-se que o sentido desse verbo é estendido a todos os meios de trans- A derivação

porte); engarrafar significa ‘colocar dentro de garrafas’; engavetar significa ‘colocar


dentro de gavetas’; encaixotar significa ‘colocar dentro de caixote’:

em + barco + ar
en + garrafa + ar
en + gaveta + ar
en + caixote + ar

Também é possível que, a partir de um verbo formado por parassíntese, possamos


formar um nome substantivo por derivação sufixal:

A embarcação afundou a cinco metros da margem do rio.


O engarrafamento do trânsito chegou a 120 quilômetros em São Paulo.

Os substantivos embarcação e engarrafamento são formados da seguinte maneira:

em + barco + ar (derivação parassintética)



embarcar + ção (derivação sufixal)

em + garrafa + ar (derivação parassintética)



engarrafar + mento (derivação sufixal)

Temos, portanto, dois processos distintos, que ocorreram um após o outro. Primei-
ramente foram formados os verbos embarcar e engarrafar por parassíntese; em segui-
da, com esses verbos já formados, foram anexados os sufixos -ção e -mento, resultando
em dois substantivos formados por derivação sufixal.
Em resumo, no processo parassintético, constata-se que

a) a base é sempre nominal (substantiva ou adjetiva);


b) a base substantiva se presta muito mais às formações parassintéticas que a base
adjetiva;
c) o produto da formação parassintética é geralmente um verbo ou um adjetivo/
substantivo (desalmado, descamisado, achocolatado).

75
INTRODUÇÃO DERIVAÇÃO REGRESSIVA
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA A derivação regressiva consiste não no acréscimo de um afixo a uma base, e sim na
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE retirada de parte dessa base, como se nela houvesse um sufixo:
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES

A presença dos artistas na praia provocou o maior agito na multidão.

O substantivo agito é derivado regressivo (ou deverbal) do verbo agitar. O falante,


pensando que agitar é formado de agito + ar, retira esse -ar e forma o substantivo
agito. Entretanto, não há sufixo em agitar, e agito é formado desse verbo por regressão.
Existe, todavia, uma grande dificuldade na identificação desse processo, visto que o
falante não tem conhecimento da história da língua para identificar quem veio primeiro:
o nome substantivo agito ou o verbo agitar.
Em alguns casos, embora pareça derivação regressiva, não o é. São os casos em que o
verbo tem como base de formação um substantivo concreto:

O barco ancorou próximo à praia.

Nesse caso, o sentido do verbo ancorar é o de ‘lançar uma âncora’, isto é, é preciso
primeiramente ter o objeto âncora para depois ter o ‘ato de jogar a âncora’. Temos, aqui,
um caso claro de derivação sufixal: âncora + ar. Não se trata, portanto, de um produto
formado por derivação regressiva, e sim por derivação sufixal.
Em vista dessa dificuldade em identificar se a derivação é regressiva ou sufixal, fica a
sugestão: quando se tratar de nome abstrato, denotador de ação, teremos substantivos
derivados de verbos por derivação regressiva; quando a base do verbo remeter a algo
concreto, teremos derivação sufixal:

A criança ficou de castigo por duas horas. (substantivo castigo formado por derivação
regressiva)
A mãe vai castigar a criança. (verbo castigar primitivo)

O marinheiro lançou a âncora ao mar. (substantivo âncora primitivo)


O barco vai ancorar amanhã à tarde. (verbo ancorar formado por derivação sufixal)

Esse método proposto de identificação de nomes deverbais/regressivos não é se es-


tende à totalidade dos casos existentes na língua portuguesa. Por exemplo: embora o
substantivo saque seja abstrato e regressivo do verbo sacar, pois remete à ‘ação de sacar’,
ainda assim temos dificuldade para identificar a questão abstrato/concreto, pois o termo
saque, atualmente, está muito vinculado ao ‘saque de dinheiro em bancos’.
76
O mesmo podemos afirmar do par compra/comprar. Embora o substantivo compra A derivação

seja um substantivo abstrato derivado do verbo comprar, atualmente está vinculado aos
produtos que se adquire em supermercados, logo, está vinculado a algo concreto:

A minha compra ficou maior do que eu esperava.

Há, portanto, que se verificar em que contexto essas palavras estão inseridas para que
se possa determinar se elas estão sendo empregadas concreta ou abstratamente:

Ele está fazendo jogo comigo. (abstrato)


Comprei um jogo de dominó. (concreto)

Outros exemplos de pares de substantivos/verbos que oferecem dúvidas quanto à


formação: atacar/ataque, debater/debate, rebocar/reboque, fugir/fuga etc.
É importante salientar que uma forma verbal conjugada não deve ser confundida com
substantivo formado por derivação regressiva:

O meu vizinho caça javali nos finais de semana. (verbo conjugado)


A caça à baleia está proibida na Europa. (substantivo regressivo/deverbal)

DERIVAÇÃO IMPRÓPRIA
A derivação imprópria ou translação/conversão consiste no emprego de uma palavra
de uma determinada classe gramatical em outra classe gramatical:

João é um homem forte. (adjetivo que modifica o substantivo homem)


Na luta livre, geralmente o forte sempre vence o fraco. (substantivo que funciona
como sujeito)
O homem entrou na delegacia pisando forte. (advérbio que modifica o verbo pisar)

Como se pode constatar, não se trata de um processo morfológico, e sim semântico


e sintático (funcional), visto que não há emprego de afixos (prefixos/sufixos); não há
formação de nova palavra por derivação, e sim de uma mesma palavra empregada com
funções diferentes.
Essa denominação ‘derivação imprópria’ é, portanto, inadequada, pois supõe que
uma palavra deve sempre estar vinculada a uma única classe gramatical, fato que não
ocorre, pela própria dinamicidade da língua. Esse processo deve, em suma, ser objeto
dos estudos sintáticos e semânticos.

77
INTRODUÇÃO
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA
PORTUGUESA Proposta de Atividades
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES

Nas atividades, procure apontar exemplos que não tenham sido mencionados nos
capítulo.
1) Diferencie o processo de composição do processo de derivação na formação de
palavras em português. Dê dois exemplos de cada um deles.
2) Aponte as características da derivação prefixal. Dê um exemplo.
3) Aponte as características da derivação sufixal. Dê um exemplo.
4) Considerando as palavras relacionadas abaixo, explique se houve processo de deri-
vação, de composição ou não ocorreu processo algum.
• contramão
• desfazer
• despedaçar
• entreaberta
• paralelo
• para-raio
• reler
• sobreloja
5) Explique as diferenças morfológicas e semânticas dos pares abaixo:
escrever-escrevinhar
ferver-fervilhar
6) Com base na explicação dada neste capítulo para o caso do advérbio infelizmente,
explique que tipo(s) de formação(ões) ocorre(m) na palavra insensatez.
7) As palavras abaixo apresentam mais de um processo de formação de palavras. Iden-
tifique quais são esses processos. Explique.
• inutilizar
• desnivelar
• esfarelamento
• desenvolvimento
8) Explique quantos e quais processos de formação de palavras ocorreram no subs-
tantivo globalização.
9) Identifique, se possível, os significados dos prefixos nas formações parassintéticas
abaixo:

78
• acalmar A derivação

• adiar
• agigantar
• apodrecer
• desabar
• encaixar
• enfileirar
• enterrar
• esclarecer
10) Explique o porquê de os prefixos não terem um sentido evidente nas formações
da questão 9 acima.
11) Explique o processo de derivação regressiva. Cite dois exemplos.
12) O que é derivação imprópria? Qual o problema desse conceito?

Anotações

79
INTRODUÇÃO
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA
PORTUGUESA Anotações
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES

80
5 A composição e outros
processos similares

COMPOSIÇÃO POR JUSTAPOSIÇÃO


A composição (cf. mais informações no capítulo 4) por justaposição consiste na
junção de mais de uma base, livre ou presa, sem que ocorra perda de parte dessas
bases:

Comprei um guarda-roupa novo ontem. (base verbal guarda + roupa)


O girassol é um tipo de flor. (base verbal gira + sol)
O carro bateu ao passar pelo quebra-molas. (base verbal quebra + molas)

Há algumas composições que se formam de maneira diferente daquela dos exem-


plos acima. Trata-se de uma composição com vários elementos formando um novo
conceito. É o caso de

A comigo-ninguém-pode é uma espécie de planta venenosa.


João é Maria-vai-com-as-outras.

Nesses exemplos, temos um significado que não é depreendido das partes do


composto, e sim do todo. Desse modo, comigo-ninguém-pode é uma expressão para
definir uma planta venenosa; quem a come pode passar mal ou até morrer; a ex-
pressão Maria-vai-com-as-outras remete a pessoas que são influenciáveis por outras;
elas não têm opinião própria e costumam seguir a opinião alheia. Alguns autores,
tais como Henriques (2007, p. 113), preferem definir esse tipo de formação como
supercomposição.

81
INTRODUÇÃO COMPOSIÇÃO POR AGLUTINAÇÃO
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA A composição por aglutinação consiste na junção de mais de uma base, livre ou
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE presa, com perda de parte dessas bases:
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES

O rapaz morreu de tanto beber aguardente. (água + ardente)


O planalto central tem muitos pássaros. (plano + alto)

O substantivo aguardente é formado pela fusão de duas bases (água e ardente),


em que a vogal temática final -a de água se funde com a vogal que inicia a base arden-
te. Essa fusão é denominada de crase, a fusão de duas vogais idênticas. O substantivo
planalto apresenta a perda da vogal temática -o, de plano, quando se junta à vogal -a
que inicia a base substantiva alto. Esse processo é denominado elisão, perda de uma
vogal quando se encontra com outra vogal diferente.
Esse processo não é frequente na fase atual da língua portuguesa, e os exemplos
encontrados nas gramáticas são palavras compostas clássicas, cujos processos de for-
mação o falante do português atual pode não conseguir identificar.
É o caso de formações compostas, tais como: vinagre, petróleo, fidalgo, as quais
são formadas de vinus (do latim vinho) + acre (do latim azedo); petra (do latim petra
= pedra) + óleo, e de filho de algo (título de nobreza ou nome atribuído antigamente
a pessoa influente).
O que ocorre com frequência hoje é a formação de palavras-valise, de palavras por
truncamento e de palavras por redução vocabular, as quais abordaremos nos itens
seguintes.

PALAVRA-VALISE
A palavra-valise ou palavra centauro é o processo de formação que consiste na
junção de duas ou mais bases com perda de parte de uma delas quando ocorre coinci-
dência fonética das partes dessas bases.

Abra uma conta no Bradescompleto.


Venha para o seguro Hospitaú.

Em Bradescompleto, temos Bradesco + completo, em que ocorre a junção do


final da palavra Bradesco com o início da palavra completo, por serem parecidas fo-
neticamente; em Hospitaú, temos Hospital + Itaú, em que ocorre a junção da parte
final da palavra Hospital com a palavra Itaú, ocorrendo coincidência fônica entre a
pronúncia dos fonemas /l/ e /u/.

82
Trata-se de uma formação mais elaborada no sentido de que é preciso haver uma A composição e outros
processos similares
coincidência fônica (do som) de partes das bases para que ocorra o processo.

TRUNCAMENTO
É o processo de formação de palavras que ocorre por meio da fragmentação de
bases com perda de parte de uma delas, não havendo, como na palavra-valise, a neces-
sidade de coincidência fônica entre parte das bases que se prestam à formação:

O atletiba ocorrerá no final de semana. (jogo entre o time do Atlético Paranaense


e o time do Coritiba)
Houve tumulto durante o grenal. (jogo entre o time do Grêmio Portoalegrense e o
time do Internacional de Porto Alegre)
Ocorrerá oficina de dedoches em São Paulo no final de semana. (oficina de fanto-
ches encaixados nos dedos)

Nessas formações ocorre perda/truncamento de parte(s) das bases empregadas nas


formações: Atlético + Coritiba; Grêmio + Internacional; dedo + fantoche.
Observa-se que não há rigor nessas formações, não há uma regra, uma previsão
para a forma como ocorrerá essa fragmentação: em atletiba e em grenal, temos o iní-
cio das primeiras bases unido ao final das segundas bases, ao passo que, em dedoche,
temos a palavra dedo inteira mais o final da palavra fantoche.

REDUÇÃO VOCABULAR
A redução vocabular é o processo que consiste na redução de uma única base, re-
dução essa que não se confunde com a palavra-valise, que requer coincidência fônica
entre partes das bases, nem com o truncamento, que não requer essa coincidência
fônica. Trata-se de uma base que perde parte de seu corpo fônico por necessidades
comunicativas e pragmáticas (de uso).
Sem que haja regularidade nesse processo, pode ocorrer a redução do sufixo que
se encontra nessa base, da base (livre ou presa) inteira, ou de parte da base livre ou
presa, de forma aleatória:

O meu vizinho portuga abriu uma nova panificadora no bairro. (redução do sufixo
-es da base português)
O meu micro quebrou e terei de comprar um novo. (redução da base inteira da
palavra microcomputador)
O Maraca ficará fechado para reforma para a Copa de 2014 no Brasil. (redução de
parte da base Maracanã)

83
INTRODUÇÃO O refri que comprei estava quente. (redução de parte da base refrigerante)
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA A profe resolveu me reprovar porque não realizei o exame final. (redução de parte
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE da base professora)
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES

Constata-se que esse processo reflete muitas vezes o grau de informalidade entre os
falantes. Também há um certo grau de especificidade em relação a algumas formações.
Por exemplo:

Fui ao Cine Plaza ontem.


O cinema estava lotado.

A redução vocabular de cinematógrafo para cinema e cine apresenta referências


mais específicas: cinema é empregado em referência ao local ou ao edifício em que
este se encontra, ao passo que cine é empregado como nome próprio em referência à
sala de projeção mais específica.
É importante não confundir redução vocabular com derivação regressiva. Nesta úl-
tima, temos apenas a retirada da marca de infinitivo do verbo e mudança de classe para
nome substantivo ou adjetivo (agitar ⇒ agito; caçar ⇒ caça), de forma mais previ-
sível, enquanto na redução vocabular ocorre a redução, de várias maneiras, de sufixo,
de base inteira ou de parte da base (portuga, profe) de forma aleatória e imprevisível.

COMPOSIÇÃO SINTAGMÁTICA
É o processo que consiste na integração de um segmento frasal em uma íntima
relação sintática, morfológica e semântica:

Comprei um apartamento em um condomínio fechado. (condomínio que é


fechado)
A construtora está vendendo um quatro dormitórios por ninharia. (apartamento
que contém quatro dormitórios, parte principal do imóvel)
Hospedei-me em um cinco estrelas em Salvador. (hotel de luxo que é classificado
com cinco estrelas, nota máxima)
A empresa de telefonia celular está oferecendo portabilidade numérica. (possibili-
dade de troca de empresa de telefonia mantendo o mesmo número particular)

Um teste para verificar se essas composições sintagmáticas se encontram em vias


de cristalização é o fato de não podermos inserir elementos entre as partes que com-
põem essas formações. Por exemplo, em condomínio fechado, não podemos inserir o
advérbio muito: condomínio muito fechado, pois perderíamos o sentido da formação.

84
Outro teste é a impossibilidade de inversão dos constituintes dessas composições: A composição e outros
processos similares
condomínio fechado não pode ser invertido para fechado condomínio. Esses testes
comprovam que as formações acima estão se tornando cada vez mais fixas e, portanto,
tornando-se compostas.
A diferença entre os exemplos acima e aqueles constantes do capítulo 4 é que os
formados por composição sintagmática ainda não estão institucionalizados, isto é, ain-
da não são considerados formações constantes do léxico de grande parte dos falantes
de língua portuguesa. Os demais já atingiram o grau de compostos institucionalizados,
ou seja, os falantes já reconhecem aquelas formações como compostas.

Proposta de Atividades

Nas atividades, procure apontar exemplos que não tenham sido mencionados no
capítulo.
1) Explique o processo de composição por justaposição. Dê dois exemplos.
2) Explique o processo de composição por aglutinação. Dê dois exemplos.
3) Explique as características das formações das palavras-valise. Dê dois exemplos.
4) Explique o processo de formação de palavras por truncamento. Dê dois exemplos e dife-
rencie esse processo daquele que ocorre com as palavras-valise.
5) Explique em que consiste o processo de redução vocabular. Dê dois exemplos.
6) Em que consiste o processo de formação de palavras formado por composição sintagmática?
Dê dois exemplos.

Anotações

85
INTRODUÇÃO
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA
PORTUGUESA Anotações
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES

86
6 Outros processos

AS EXTENSÕES METAFÓRICAS
As extensões metafóricas consistem no emprego de palavras ou de expressões em
seu sentido figurado, ou seja, a partir de uma comparação, de uma similaridade. Por
exemplo, a comparação entre A vida atribulada e a competição esportiva leva à cons-
trução de A vida é um jogo, o jogo é dinâmico tanto quanto a vida atribulada.
Essa extensão metafórica acima com a expressão jogo pode ser encontrada em vá-
rias outras situações:

Abrir o jogo = falar com toda a franqueza; no jogo de cartas, mostrar as cartas
significa não enganar; em abrir o jogo em sentido metafórico significa não enganar,
ser sincero, franco.

Esconder o jogo = ocultar as verdadeiras intenções de um comportamento, de


uma atitude; no jogo de cartas, significa não mostrar as cartas que o jogador tem; em
sentido figurado, esconder o jogo significa dissimular, não dizer a verdade, falsear.

Fazer o jogo de = colaborar com o(s) objetivo(s) de alguém, atuando com dissi-
mulação ou sem consciência do que faz; no jogo de cartas significa adotar as mesmas
estratégias de outro jogador; em sentido figurado, significa o mesmo procedimento
em dada situação.

Ter jogo de cintura = ter muito jeito, muita habilidade, para sair de situações
difíceis; em um jogo qualquer, significa ter habilidade, conseguir a melhor estratégia,
saber sair de situações difíceis; em sentido figurado, é saber sobre a situação e como
sair dela em momentos difíceis.

Fazer jogo limpo = fazer jogo leal, que respeita as regras; em um jogo qualquer,

87
INTRODUÇÃO não ser desonesto, não jogar sujo; em sentido figurado significa o mesmo procedimen-
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA to: ser honesto, não enganar.
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES Um outro exemplo de extensão metafórica está na analogia (comparação) entre a
transação comercial em vários níveis: relações comerciais são comparadas a relações
entre membros de uma mesma família ou entre membros de uma sociedade:

Negócio da China = negócio muito lucrativo; o negócio passa a ter a mesma di-
mensão do país China, que é grande em extensão e em população. Fazer um negócio
da China significa, portanto, fazer um grande negócio.

Negócio de compadres = aquele em que intervém o favor em vez da justiça, isto


é, fazer um negócio entre pessoas próximas, sem que haja formalidades, o que leva à
ideia de favorecimento, de clandestinidade.

Negócio de pai para filho = negócio de pequeno lucro, ou de nenhum, ou, até,
em que há prejuízo, é um negócio que normalmente não prevê lucro, pois é realizado
entre pessoas próximas, de mesma família. É entendido como um negócio sem forma-
lidades, com favorecimento a alguém.

AS EXTENSÕES METONÍMICAS
As extensões metonímicas consistem no emprego de palavras ou de expressões
também em seu sentido figurado, a partir de uma extensão em que uma parte vale
pelo todo. Por exemplo, a expressão olho, empregada em Olho por olho, não significa
exatamente o olho, e sim parte do corpo humano que também inclui sentimento.
Desse modo, o sentido dessa expressão é ‘desforra igual à ofensa’. Ou seja, a ideia con-
creta de olho, em princípio órgão responsável pela visão, passa a ter sentido figurado,
abstrato e remete à visão de tudo; a visão concreta se estende à visão abstrata. Desse
modo, temos algumas extensões de significado:

Olho clínico = tendência para acertar no diagnóstico das moléstias; capacidade de


percepção pronta de uma situação; a extensão do sentido da visão (do órgão do corpo
humano) passa para a percepção dos fatos.

Olho gordo = inveja, cobiça em sentido figurado, significa ter olho grande para
cobiçar coisas alheias.

88
A olho nu = apenas com a vista, sem auxílio de qualquer instrumento, a olho de- Outros processos

sarmado, a simples vista, à vista desarmada.

Custar os olhos da cara = de preço elevadíssimo; os olhos valem muito, são pre-
ciosos, por isso custar os olhos da cara significa custar muito, ter alto valor.

De encher o olho = de causar admiração, contentamento, agrado; em sentido figu-


rado, significa algo magnífico, maravilhoso.

De olho em alguém ou algo = em vista, no desejo, no pensamento; em sentido


figurado, significa observar alguém ou algo.

De olhos fechados = com absoluta confiança; cegamente; em sentido figurado,


significa fazer algo sem olhar, apenas na confiança.

Passar os olhos por = ler de relance; examinar rapidamente; em sentido figurado,


significa ver algo de maneira rápida, sem comprometimento ou sem muita atenção,
sem observar os detalhes.

Pregar olhos = dormir, isto é, fechar os olhos e dormir.

Ter o olho maior que a barriga = ser muito guloso; em sentido figurado, significa
ambição.

Resta observar que essas estruturas são recortes culturais; elas passam pela avaliação
de uma comunidade linguística, pela valoração de imagens. A falta de conhecimento de
uma dada cultura dificulta o entendimento dessas expressões, pois não permite que se
entenda essas metáforas e metonímias criadas a partir das associações que se faz entre elas.
Além dos exemplos mencionados, temos também o emprego do nome de marca regis-
trada pelo produto. Assim, qualquer esponja de lavar louça é denominada Bombril; qual-
quer lâmina de barbear é denominada Gilette; qualquer absorvente higiênico é denomi-
nado Modess; qualquer chinelo de borracha é denominado de Havaianas; qualquer leite
condensado é denominado Leite Moça; qualquer leite em pó é denominado Leite Ninho.

ONOMATOPEIAS
A onomatopeia consiste na imitação de sons ou de ruídos produzidos no mun-
do exterior. Trata-se de um processo curioso de formação, porque parte de dados
extralinguísticos, de dados fora da língua relacionados à cultura do povo dessa

89
INTRODUÇÃO língua, à reprodução sonora fonética-fonológica adaptada aos recursos disponíveis
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA na língua em questão.
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE Desse modo, para os falantes de língua portuguesa, a reprodução do som emi-
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES tido pelo latido de um cachorro é au-au, ao passo que em outras línguas esse som
é reproduzido de outras formas.
Na língua portuguesa, temos vários exemplos relacionados aos sons emitidos
por animais, por exemplo: miau-miau, piu-piu, coach-coach. Daí derivam os ver-
bos miar, piar e coaxar.
Também há verbos relacionados a fenômenos e a objetos: farfalhar das folhas
ou das asas das borboletas, por exemplo, é a reprodução do som das asas ou das
folhas; ziguezague é a reprodução de um objeto ou de automóvel em movimentos
de linha quebrada ou sinuosa, que forma ângulos salientes e reentrantes alterna-
dos. Desse nome onomatopaico se derivou o verbo ziguezaguear.
Outros exemplos são tiquetaque, som emitido pelo relógio, cuco, som emitido
pelo relógio cuco, e pingue-pongue, jogo com pequenas raquetes e bolas, frufru,
rumor de folhas etc. Trata-se de formações que, muitas vezes, repetem parte do ra-
dical, fato que é imprevisível e condicionado à disponibilidade de recursos linguís-
ticos de cada língua. Exemplos disso são onomatopeias originadas de sons emitidos
por instrumentos de percussão: reco-reco, zabumba, bumba etc.
Os morfemas reduplicativos abordados no capítulo 2 também podem ser men-
cionados aqui, visto que se trata de nomes formados a partir da reduplicação de
parte do radical da palavra:

Viviane ⇒ Vivi
Antônio ⇒ Totó
José ⇒ Zezé

ESTRANGEIRISMOS
Em decorrência do contato entre diferentes línguas, é comum que haja uma troca
de palavras ou de expressões entre diferentes culturas e línguas. Desse contato surgem
os estrangeirismos, os empréstimos de palavras, de frases ou de construções de outras
línguas. Às vezes, esses estrangeirismos podem ser incorporados à língua, passando a
assumir as flexões próprias da língua em questão.
O reconhecimento de um estrangeirismo, se dá em decorrência da sequência foné-
tica ou fonológica estranha ao sistema fonológico da língua em questão. Desse modo,
temos estrangeirismos nas palavras delivery, outlet, best-seller, marketing, compact
disc (CD), leasing, shopping, off, x-burguer, x-salada (e outras palavras com X, que é
a adaptação na fala e na escrita da palavra inglesa cheese = queijo).

90
Algumas dessas palavras já estão tão incorporadas à língua portuguesa que sua Outros processos

grafia já foi adaptada ao sistema da língua. É o caso de

abajur ⇒ do francês abat-jour


bife ⇒ do inglês beef
chalé ⇒ do francês chalet
chefe ⇒ do francês chef
clube ⇒ do inglês club
futebol ⇒ do inglês football
shampu ⇒ do inglês shampoo
sutiã ⇒ do francês soutien
uísque ⇒ do inglês wisky
vôlei ⇒ do inglês volley

Duas questões devem ser levantadas aqui. A primeira delas é que a conside-
ração sobre os empréstimos leva em conta a sincronia: como identificar que se
trata de um empréstimo? Algumas palavras já foram incorporadas à língua e sofrem
adaptações; outras ainda se encontram inadaptadas devido ao status de seu uso:
por exemplo, entre delivery e entrega em domicílio, ainda há um status em uti-
lizar a expressão em inglês. A segunda consideração é que, sob o ponto de vista
diacrônico, a gramática histórica considera qualquer contribuição estrangeira um
empréstimo, fato que dificulta a distinção entre empréstimo e estrangeirismo. Pala-
vras como bife e chefe, que já foram incorporadas à língua portuguesa, assim como
outras acima mencionadas, continuam, para a gramática histórica, sendo estrangei-
rismos, e não empréstimos.

HIBRIDISMO
Hibridismo é a formação que leva em consideração elementos retirados de lín-
guas diferentes. A dificuldade na identificação dessas formações reside no fato de
que o falante muitas vezes já não distingue os elementos formadores e muito me-
nos a sua origem:

automóvel ⇒ auto (grego) + móvel (latim)


burocracia ⇒ buro (francês) + cracia (grego)
mineralogia ⇒ minera (latim) + logia (grego)

Novas formações como agroboy e gamemaníaco são híbridas e compostas:

91
INTRODUÇÃO agroboy ⇒ agro (latim) + boy (inglês)
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA gamemaníaco ⇒ game (inglês) + maníaco (latim)
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES
SIGLA
A sigla é a formação que considera as letras iniciais de um sintagma formando
normalmente nomes de instituições ou de partidos políticos.

PT ⇒ Partido dos Trabalhadores


UFMG ⇒ Universidade Federal de Minas Gerais
USP ⇒ Universidade de São Paulo

A partir das siglas já formadas, podemos derivar palavras ou constituí-las:

PT ⇒ petista

Ou seja, Partido dos Trabalhadores é um sintagma que dá origem à sigla PT,


que, por sua vez, serve de base para uma palavra nova formada por derivação: PT
+ ista.
As siglas podem dar origem a itens lexicais, por exemplo:

TV ⇒ tevê
LP ⇒ elepê

Esses exemplos evidenciam que pode ocorrer mais de um processo em uma


palavra. Assim, em televisão temos os seguintes processos:

televisão = tele (grego) + visão (latim) ⇒ hibridismo


tv ⇒ sigla
tevê ⇒ formação de item lexical

SIGLAS COM OUTROS CRITÉRIOS


Há formações que apresentam critérios os mais variados possíveis. Podem apresen-
tar as sílabas iniciais das palavras ou partes de sílabas ou, além de partes de sílabas,
palavras inteiras. Não há, portanto, rigor nessas formações:

Embrafilmes ⇒ Empresa Brasileira de Filmes


Unesp ⇒ Universidade Estadual Paulista

92
Unip ⇒ Universidade Paulista Outros processos

Na atualidade, a sigla pode ter a propriedade de camuflar, de esconder informações


que são expressas nas palavras que formam o sintagma que é abreviado. Assim, ao
pronunciar ou ao escrever uma sigla, o falante que a desconhece não tem a informação
toda, mas apenas parte dela. É o caso de siglas referentes a dados da economia, a juros,
a direitos do trabalhador, do contribuinte, do cidadão enfim.

ABREVIATURA
A abreviatura não deve ser confundida com a sigla, pois ela não constitui uma
nova palavra da língua, não tem existência na linguagem oral. Ela pode ser esporá-
dica (acidental) ou institucionalizada. No caso das institucionalizadas, temos, por
exemplo,

a) os nomes de Estados brasileiros: PR ⇒ Paraná; SP ⇒ São Paulo;


b) os pronomes de tratamento: Vossa Mercê ⇒ você; Vossa Excelência ⇒ V. Ex.ª;
d) de profissões: Professor ⇒ Prof.º;
e) de títulos: doutor ⇒ Dr.

As formações esporádicas servem como recurso para facilitar o processo de escrita:

abreviatura ⇒ abrev.
com ⇒ c/
para ⇒ p/
também ⇒ tb.

Esse processo está intimamente ligado ao processo de sigla e se refere a nomes de


instituições públicas e privadas, valorizando-as; está associado a questões linguísticas,
tais como a pressa, a rapidez em passar uma informação por escrito, no caso das abre-
viaturas largamente utilizadas na internet; e está ligado à saliência fônica, ou seja, é
mais fácil memorizar uma abreviatura do que a palavra inteira.
Um dos fatores relevantes para a produtividade desse processo é os meios de co-
municação diários impressos e virtuais, os quais tentam deixar a linguagem mais dinâ-
mica, chamativa e instantânea.

93
INTRODUÇÃO NEOLOGISMO
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA Neologismo lexical
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE Os neologismos são formações que se referem à constituição de novas palavras,
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES isto é, não dicionarizadas ou recém-dicionarizadas. Normalmente, elas surgem por
necessidades de expressão, por necessidade de nomear novos instrumentos, teorias,
ideias, processos etc.
Essas formações surgem a partir de critérios muito variados; muitas vezes, o fato de
termos uma ‘nova palavra’ não significa que estamos diante de uma invenção.
Trata-se, na maioria das vezes, do aproveitamento de novas palavras por meio de
processos de palavras já existentes. Nesse caso, estamos falando de neologismo le-
xical. Exemplo: a expressão paitrocínio é um neologismo formado pelo processo
de aproximação fonética entre partes das palavras que compõem o novo vocábulo
(palavra-valise):

pai + patrocínio ⇒ patrocínio (com aproximação de pai + pa)

Outros exemplos são programa de humilhagem e jaeroporto, empregados no pro-


grama humorístico Casseta e Planeta em referência ao caos nos aeroportos brasileiros:
os passageiros sofrem humilhação e o aeroporto já era. O programa de milhagem é
um programa oferecido aos usuários de alguns cartões de crédito com possibilidade
de troca de pontos por passagens aéreas conforme os gastos mensais. Ambas as forma-
ções são por palavra-valise: humilhar + milhagem e já + aeroporto

Neologismo semântico
É a incorporação de novos significados a formações já existentes, por meio das já
mencionadas metáforas e metonímias. Por exemplo, a expressão desanuviar, que foi
empregada por Fernando Collor de Melo em referência a uma situação que se encon-
trava pesada.
A expressão empregada por ele foi ‘Vamos desanuviar os ânimos.’ Ou seja, ele em-
pregou um verbo cujo sentido é o de ‘Dissipar as nuvens de; limpar de nuvens.’, com
um novo sentido, o de ‘serenar, tranquilizar’: Vamos tranquilizar os ânimos.
Não se trata, portanto, de um processo de formação de uma nova palavra, e sim do
acréscimo de um sentido novo a uma palavra já existente.
A diferença básica entre neologismo lexical e neologismo semântico é o fato de que
no primeiro temos novas palavras, ou seja, novos radicais e novas entradas de verbetes
no dicionário, ao passo que no neologismo semântico temos novas extensões de sen-
tido para palavras já existentes, e não novas palavras.

94
Um aspecto a ser mencionado na formação dos neologismos, quer lexical, quer Outros processos

semântico, é o fato de que não há relação necessária entre o uso padrão ou não-padrão
da língua por parte do falante e uma nova formação. Por exemplo, a palavra xiita, em
referência a indivíduo da seita dos xiitas, formada no séc. VII por muçulmanos parti-
dários de Ali, estendeu-se a todo e qualquer indivíduo que tenha uma atitude radical,
extremista. Isso significa que o falante não precisa ter conhecimento do significado
inicial da palavra para usá-la em outros contextos.

Proposta de Atividade

Nas atividades, procure apontar exemplos que não tenham sido mencionados no
capítulo.

1) Diferencie a extensão metafórica da extensão metonímica.


2) Em que consiste o processo de formação de palavras denominada onomatopeia? Dê um
exemplo diferente daqueles citados neste livro.
3) Defina o que são estrangeirismos e dê dois exemplos.
4) Defina o que são hibridismos e dê dois exemplos.
5) Aponte as diferenças e/ou semelhanças entre estrangeirismos e hibridismos.
6) Defina o processo denominado sigla e dê dois exemplos.
7) Defina o processo denominado abreviatura e dê dois exemplos.
8) Aponte as diferenças e/ou semelhanças entre siglas e abreviaturas.
9) Defina o que é neologismo lexical.
10) Defina o que é neologismo semântico.

Anotações

95
INTRODUÇÃO
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA
PORTUGUESA Anotações
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES

96
A tividades complementares
TEXTO 1

Heloisa pede CPI do ‘propinódromo’ no Senado

A presidente nacional do Psol e ex-senadora Heloisa Helena (AL) afirmou na ma-


nhã desta quinta-feira que seria fundamental a instalação de uma CPI para investigar o
que chamou de ‘propinódromo’ no Senado. Segundo ela, a abertura de uma comissão
parlamentar de inquérito facilitaria a investigação dos suspeitos de corrupção, com a
quebra de sigilos bancário, fiscal e telefônico.
Heloisa também não descartou a possibilidade de pedir uma investigação contra o
senador Gim Argello (PTB-DF), suplente do ex-senador Joaquim Roriz (PMDB-DF). Ele
é acusado de irregularidades, entre elas, grilagem e recebimento de propina. Há seis
processos contra ele.
‘Nós não podemos dizer antecipadamente o que iremos fazer, mas é nossa obriga-
ção identificar todos os indícios e, quando há indícios relevantes de crimes contra a ad-
ministração pública, temos a obrigação de fazê-lo (entrar com representação) também’,
disse Heloisa à rádio CBN.
‘Alguém que consegue chegar a um cargo público e acaba virando um ladrão de
terno e gravata [...] isso a gente não pode aceitar. Então, havendo indícios, vamos entrar
com representação’, completou a ex-senadora.
O suplente tem prazo de 60 dias, renováveis por mais 30, para assumir a vaga deixa-
da por Roriz, que renunciou na tarde de ontem, depois que a Mesa Diretora do Senado
acolheu a representação do Psol por quebra de decoro parlamentar contra o senador e
enviou o processo para o Conselho de Ética da Casa.
O processo contra Roriz foi solicitado depois que foram divulgadas escutas telefô-
nicas em que ele aparece negociando R$ 2,2 milhões com o ex-presidente do Banco de
Brasília, Tarcísio Franklin, preso na Operação Aquarela. O ex-senador também foi citado
em uma reportagem da revista Veja sobre uma suposta compra de juízes, feita por Roriz,
para obter uma decisão judicial favorável a ele no Tribunal Regional Eleitoral do Distrito
Federal (TRE-DF).

A atividade proposta para o texto 1 se refere às expressões destacadas. Procure, em


dicionários e em obras especializadas, os elementos presentes nessas formações, bem
como seu significado. Ao final da atividade 1, todas as expressões destacadas devem
ter sido mencionadas.

97
INTRODUÇÃO 1) Explique as formações originadas do processo de
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA
a) sigla;
PORTUGUESA b) abreviação;
FORMAÇÃO DE c) derivação sufixal;
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES d) derivação prefixal;
e) composição sintagmática;
f ) composição por justaposição;
2) Explique quais as possíveis motivações para o emprego da expressão propinódromo no
texto.
3) A partir da formação ocorrida em propinódromo, procure na mídia (jornais, revistas, te-
lejornais) outras formações com o elemento -dromo. Que outros sufixos em língua portu-
guesa significam ‘lugar’? É possível afirmar que no uso atual existem evidências de prefe-
rências por alguns sufixos que designam lugar?
4) Compare as formações que você encontrou com a formação de propinódromo. Em segui-
da, tente explicar o porquê de essas expressões serem cada vez mais frequentes em textos
das modalidades falada e escrita.

TEXTO 2

Silvio Berlusconi diz que não tem como manter Kaká no Milan

Kaká não se cansa de dizer que sua vontade é ficar no Milan. Mas, depois de acei-
tar negociar com o Manchester City em janeiro, o dono do clube, Silvio Berlusconi,
afirmou que não tem mais como manter o brasileiro no time por causa do alto salário.
Segundo o jornal ‘Corriere dello Sport’, o dirigente ainda deixou escapar que o destino
do ex-são-paulino será o futebol espanhol. Ou seja: Real Madrid.
O diário reproduziu declarações de Berlusconi à rádio ‘Radio Radio’ e usou a notí-
cia como manchete na edição desta terça. O cartola citou dois motivos para ‘ser obriga-
do’ a vender Kaká no meio do ano.
- O primeiro é o ‘petrodólar’. Desde que esse dinheiro entrou no futebol, os salá-
rios aumentaram muito e está difícil pagar. O segundo é que as taxas na Espanha afetam
menos nos salários – afirmou.

1) Explique quantas formações ocorrem na expressão ex-são-paulino.


2) Qual o processo de formação da palavra Kaká?
3) Em ‘O cartola citou dois motivos para ‘ser obrigado’ a vender Kaká no meio do ano.’, a
expressão o cartola é um exemplo de extensão metonímica? Por quê?
4) A expressão o cartola, em oposição à expressão a cartola, é um exemplo de qual processo?
(cf. os substantivos no capítulo 3)
5) Explique qual a relação existente entre a palavra petróleo e a expressão petrodólar.
6) A expressão petrodólar, nesse texto, pode ser considerada uma unidade monetária, tal
como o real, no Brasil, e o euro, nos países que fazem parte da Comunidade Econômica
Europeia? Explique.

98
TEXTO 3 Atividades
complementares

Os jogadores do Santos participaram de uma atividade diferente nesta quarta-feira,


no CT Rei Pelé. Eles trocaram os pés pelas mãos e se arriscaram num tipo diferente de
basquete. Divididos em dois times, eles tentavam acertar a bola em aros, suspensos por
jogadores. Molina foi o ‘homem-cesta’ do time laranja.

1) A expressão bola em aros pode ser considerada uma extensão metafórica ou uma extensão
metonímica de bola ao cesto ou de basquete? Explique.
2) Qual a significação da sigla CT? A qual composição sintagmática ela se refere? Essa sigla leva
em consideração o possível leitor desse gênero de texto?
3) A expressão sintagmática trocar os pés pelas mãos está empregada, no texto, em sentido
literal ou figurado? Explique e dê um exemplo dessa expressão com sentido oposto a esse
do texto.
4) A expressão time laranja está empregada, no texto, em sentido literal ou figurado? Explique
e dê um exemplo dessa expressão com sentido oposto a esse do texto.
5) Releia o capítulo 4 deste livro e, em seguida, explique a formação ocorrida em homem-ces-
ta. Qual o sentido a ele atribuído no texto? A análise das bases presentes em homem-cesta,
saca-rolhas e porta-joias nos permite afirmar que se trata de mesma formação?

TEXTO 4

Trem bala entre Rio e São Paulo


ficará pronto para Copa de 2014, diz Dilma

Governo vai criar empresa pública para receber tecnologia de trem bala. Modelo de
traçado foi apresentado durante balanço do PAC.
A ministra Dilma Roussef (Casa Civil) afirmou nesta quarta-feira (3) que o trem bala
ligando Campinas ao Rio de Janeiro ficará pronto para a Copa do Mundo de Futebol de
2014, que acontecerá no Brasil, pelo menos no trecho entre São Paulo e Rio de Janeiro.
Ela reafirmou que o governo não pretende gastar recursos em estádios e que o foco dos
investimentos públicos serão em mobilidade urbana nas cidades escolhidas para sediar o
evento, escolhidas no domingo passado (31/05).

1) Explique o processo de formação ocorrido em trem bala. Explique o sentido atribuído à


expressão bala nesse processo.
2) Qual o sentido atribuído ao prefixo re- em reafirmou? Dê outros dois exemplos de formações
prefixais com o sentido apresentado por esse prefixo.
3) A expressão mobilidade urbana pode ser considerada uma composição sintagmática? Por
quê. Quais os critérios para que essa formação ocorra?
4) Com base em móvel, mover, mobilidade, responda se a expressão mobilidade apresenta um
caso de alomorfia.

99
INTRODUÇÃO TEXTO 5
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE O Corinthians não ganhou o Brasileirão 2010 mas tomou conta do Twitter. Piadas com
PALAVRAS, USOS E o time chegaram a ocupar quatro posições no ranking de assuntos mais comentados na
FUNÇÕES
rede social no Brasil (Trending Topics) – incluindo a primeira posição, com a palavra-cha-
ve #centernada.
O blogueiro @byguedex divulgou imagem que transforma o atacante Ronaldo, o
presidente Andrés Sánchez e o vice de marketing, Luiz Paulo Rosenberg, nos Três Patetas:
Após a tristeza pela perda do título e o choro de Elias, que anunciou estar indo para o
futebol espanhol, muita gente trocou a ordem das letras no nome do Timão:
@jean_miranda: Em homenagem ao beicinho do Elias, Corinthians passará a ser cha-
mado de CHORinthians.
Já Flavio Saito, no perfil @ScoobyJP, fez referência ao quadro que já é tradição nas
noites de domingo do futebol brasileiro:@ScoobyJP CHOrinthians ja perdeu 3 campeo-
natos esse ano. Vai pedir musica no Fantastico?!?! #centernada
Até teoria da conspiração, que no final se confirmou infundada, foi combustível para
a piada mais reproduzida.

1) Destaque os empréstimos linguísticos e os estrangeirismos do texto 5.


2) A partir dos estrangeirismos retirados do texto 5, é possível derivar novas palavras em portu-
guês? Cite exemplos.
3) Explique quais processos estão presentes na expressão blogueiro.
4) Em blogueiro, há um caso de alomorfia ou de alografia? Explique.
5) Retire, entre as expressões destacadas, um caso de vocábulo fonológico evidente. Explique.
6) Explique o processo ocorrido na formação da expressão CHORinthians.
7) Em beicinho, qual o valor semântico atribuído ao sufixo -inho? Trata-se de grau diminutivo do
substantivo? Explique.

TEXTO 6

Curintia…. kkkkkkkkk,….e Libertadores, não mesmo, nem com o Gornaldo jogan-


do, pq? Pq eles pipocam, só título nacional, e o pior, o comentário acima do tal VARK, eita
sonho, o cara fala que a Libertadores estava em nivel fraco, kkkkkkkkkkk, fraco vai ta este
ano, Curintia jogando, garanto não passa da 1ª fase, huahuahuahauhauhua…. Dá-lhe
porco, abaixo a Gambazada!!!!

1) Qual a formação do verbo pipocar e qual o sentido atribuído a ele no texto? Explique se se
trata de um caso de neologismo semântico.
2) Aponte os exemplos de formações pelo processo de abreviatura. Explique.
3) Identifique o processo ocorrido na expressão Gornaldo e explique quais as motivações dessa
formação. É um caso de palavra-valise ou de truncamento? Por quê.
100
4) Destaque um exemplo de onomatopeia. Atividades
complementares
5) Pesquise seis times de futebol do Brasil e aponte os animais (mascotes) que os representam.
Há, no texto, exemplos dessas mascotes?
6) As extensões metafóricas podem ter efeito pejorativo ou não. Explique se isso ocorre com
gambazada e porco no texto.
7) Em gambazada, qual o sentido atribuído ao sufixo -zada? Esse sufixo é um exemplo de alo-
morfia ou de alografia? Aponte dois exemplos diferentes desse sufixo com o mesmo valor.

TEXTO 7

Jornal alemão brinca com os cabelos de ‘Afronaldo’, o Fenômeno.

Diário ‘Bild’, conhecido pelo humor apimentado, destaca novo visual que o Fenô-
meno tem mostrado durante as férias na Europa GLOBOESPORTE.COM Rio de Janeiro

Enquanto se recupera da cirurgia no joelho esquerdo, Ronaldo tira animadas férias na


Europa. Ele tem sido visto com freqüência nos principais jornais do continente, sempre ao
lado de amigos e da namorada, Bia Anthony. O curioso é que, além da barriga, Ronaldo tem
mostrado um visual diferente, com cabelos no estilo ‘black power’. A imagem é tão inusita-
da que o jornal alemão ‘Bild’ fez uma brincadeira, chamando o Fenômeno de ‘Afronaldo’.

1) Identifique o processo ocorrido na expressão Afronaldo e explique quais as motivações dessa


formação. É um caso de palavra-valise ou de truncamento? Por quê.
2) Identifique um estrangeirismo relacionado a cabelo. Cite mais dois exemplos diferentes de
estrangeirismos no mundo da moda na língua portuguesa.
3) Faça um levantamento de estrangeirismos que já foram incorporados ao vocabulário e adap-
tados ortograficamente à língua portuguesa, a exemplo de shampoo (xampu).

TEXTO 8

O presidente Paulo Odone também vê descritério nas análises do Tribunal.

1) Qual a formação ocorrida em descritério? Qual o sentido atribuído ao afixo que você destacou?
2) A partir da formação de descritério e do sentido apontado por você para o afixo, cite mais
cinco exemplos semelhantes.
3) Analise os exemplos da coluna da esquerda apontando o sentido do prefixo na coluna da
direita, como no exemplo dado.

101
INTRODUÇÃO
descrédito des = falta de crédito
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA desleal
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE desumano
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES desconforto

desalento

desfazer

desmotivado

desmontar

4) A partir do levantamento acima dos valores do prefixo des- e das bases às quais ele se anexa,
formule uma regra de aplicação desse prefixo.

TEXTO 9

‘Álcoolréxicos’ substituem refeições por bebidas e têm comunidade no Orkut.


Maioria dos seguidores é jovem e não quer engordar. Médicos de SP alertam para os
riscos de dependência química.

‘Eu sou ‘álcoolréxica’, mas vivo muito bem assim!!! (...) Pra que comer?? Vamos
beber e ficar legal!!’. O trecho desse depoimento que uma jovem deixou no Orkut em
março de 2007 resume um tipo de comportamento que tem preocupado os médicos.
Homens e mulheres, a maioria na faixa entre 18 e 25 anos, estão substituindo as refei-
ções por bebidas alcoólicas. Para a maioria, o objetivo é emagrecer. Os médicos alertam
para os riscos de dependência química.
O termo é recente e, em inglês, pode ser traduzido para drunkorexia. ‘Dez latas
de cerveja valem por um bifinho. Certeza’, diz outra jovem na mesma página da comu-
nidade do Orkut sobre o tema. Uma terceira amiga responde: ‘e depois de dez latas
de cerveja eu sempre quero um bifinho. [...] Vamos parar com essa mamata de ficar
comendo. Vamos voltar a beber!’. [...]
Hoje, sete meses após ter procurado a ajuda de um psiquiatra, Camila considera ter
superado o problema. Por orientação médica, parou de comer alimentos mais pesados,
como arroz e carne, e colocou no prato saladas e sanduíches feitos com peito de peru
e queijo branco. ‘Foi uma reeducação’. (...)
 Também psiquiatra do Proad, Marcelo Niel calculou que, em um ano e meio, aten-
deu dez pacientes com esse perfil. A maioria era de mulheres. [...] ‘O problema é a
perda de controle. Se você não se alimenta e só bebe pode virar um alcoólatra e isso traz
prejuízos mentais. A pessoa não se alimenta, não se hidrata’, acrescentou o psiquiatra. 

1) Explique a formação ocorrida em alcooréxico. Trata-se de palavra-valise ou de truncamento?


2) Analise os elementos mórficos da palavra alcoólatra e, em seguida, cite três novos exem-
plos com o elemento -latra.
3) De alcoólatra, temos alcoolatria. Defina o sentido de -latria nessa formação. Forme outras
palavras com esse elemento e aponte a sua definição.
102
4) Em ‘Dez latas de cerveja valem por um bifinho.’, temos uma referência a uma propagando de Atividades
complementares
yogurte. Qual a semelhança de sentido dessa expressão na propaganda e no texto?
5) O sufixo -inho, em bifinho, tem sentido de tamanho/dimensão? Explique.
6) Em ‘Foi uma reeducação’, qual o sentido atribuído ao prefixo re-? Explique e cite outros dois
exemplos desse prefixo com o mesmo sentido.

TEXTO 10

A ‘porcovelha’

Sim, ela faz ‘oinc-oinc’. Mas não é apenas seu rabo que é enrolado. Elizabeth possui
uma lã dourada cobrindo o corpo – o que pode fazer o observador menos atento pensar
que se trata de uma ovelha, e não de uma porquinha.
Elizabeth é uma bela representante da mangalitza, uma raça austríaca bem rara. Ela
fo i o centro das atenções em um leilão de animais em Lancashire, no Reino Unido, no
final de semana. [...]
O leiloeiro, Jonathan Turner, disse que trazer a mangalitza para o evento foi um belo
‘golpe’ de marketing.

1) Qual o processo de formação ocorrido em porcovelha? Explique.


2) Qual o processo de formação ocorrido em oinc-oinc?
3) A partir de oinc-oinc, é possível formar um verbo por neologismo?
4) Quais os processos envolvidos na flexão de plural do substantivo porcos? Explique.
5) Complete. A palavra mangalitza é uma referência a _______________.
6) Qual o sentido do sufixo -eiro, em leiloeiro? Cite mais dois exemplos de formações com o
mesmo valor semântico desse sufixo.

TEXTO 11

Quase reais…

Não, esse bicho não é resultado de nenhuma mutação genética, nem é transgênico.
Ele é fruto da criatividade dos participantes de um concurso de fotografias de animais
híbridos, manipuladas pelo computador. O resultado? Inúmeras criaturas bizarras, que
unem seres aparentemente muito distantes, como essa espécie de ‘jasapo’, mistura de
jacaré e sapo vista na imagem acima.
Os animais foram criados por meio do software livre Aviary (editor de imagens que
se assemelha ao conhecido Photoshop), e postados na galeria online da empresa, por
pessoas ao redor do mundo. ‘Fiquei surpreso com os trabalhos, todas as imagens parecem
muito reais’, diz Avi Muchnick, o executivo chefe da companhia de informática. ‘A maioria
dos participantes do concurso não é artista profissional, mas tem essa habilidade fantástica
de lidar com o design gráfico’, afirma.
103
INTRODUÇÃO 1) Qual o processo de formação da expressão jasapo? Explique.
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA 2) Forme outros neologismos unindo os nomes dos seguintes animais e, em seguida, aponte
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE
qual o processo ocorrido. Nas demais colunas, use a sua imaginação.
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES Base A Base B Formação neológica Processo ocorrido

leão tigre

zebra égua

cão cadela

gato cachorro

... ...

... ...

TEXTO 12

Campeão, Felipe manda recado a Fernando Carvalho: ‘Agora é Chororado’


Felipe provoca o Inter durante a comemoração do título da Copa do Brasil

Felipe é praticamente palavra oficial do Corinthians quando o assunto é polêmico.


E não foi diferente após a conquista da Copa do Brasil no empate com o Internacional,
quarta-feira, em Porto Alegre. O goleiro não engoliu o DVD criado pelo dirigente colorado
Fernando Carvalho, com a intenção de mostrar erros de arbitragem a favor do Timão:
- Eles já estavam chorando antes. Era Colorado, agora é Chororado – provocou o
goleiro. [...]
- Não temos de falar nada dos jogadores, mas esse diretor aí fez um monte de baba-
quices antes da partida, falou isso, aquilo... tentou tirar a pressão do time dele, mas a
gente estava ligado – acrescentou o camisa 1.

1) Quantos processos de formação de palavras estão presentes na expressão DVD?


2) Na formação do substantivo babaquice, ocorre alomofia ou alografia? Explique.
3) Qual o processo de formação ocorrido na expressão Chororado? Explique. Quais as motivações
para essa formação em termos de intencionalidade do autor em relação ao conteúdo expresso?
4) Qual o processo ocorrido na formação da expressão Inter? Explique e dê um outro exem-
plo de clube de futebol.

104
TEXTO 13 Atividades
complementares

MEMÓRIA E.C.: Timão ganha tri e abre vantagem em duelo local


 
Quando apresentou os erros de arbitragem que considera benéficos ao Timão, o
dirigente colorado aproveitou para levar uma faixa de campeão do Corinthians, dizen-
do que havia sido enviada por um torcedor da equipe paulista. Agora, porém, ele deve
receber mais coisas dos corintianos.

1) Destaque uma expressão que é exemplo de uma forma presa que funciona como uma
forma livre no texto. Explique.
2) O substantivo dirigente deriva do verbo dirigir acrescido do sufixo -nte (dirigir + nte =
dirigente). Esse sufixo é produtivo em português? Explique citando três exemplos que
seguem a mesma regra, ou seja, têm como base um verbo.
3) Faça um levantamento de sufixos que indiquem proveniência ou afiliação, como é o caso
de paranaense (proveniente do Paraná) e corintiano (afiliado ao Corinthians ou torcedor
desse time).

Anotações

105
INTRODUÇÃO
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA
PORTUGUESA Anotações
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES

106
R eferências
ALVES, I. M. Neologismo: criação lexical. 3. ed. São Paulo: Ática, 2007. (Série
princípios).

ASSUNÇÃO JÚNIOR, A. P. Dinâmica léxica portuguesa. Rio de Janeiro: Presença,


1986. (Coleção Linguagem, 25).

AZEVEDO FILHO, L. A. Para uma gramática estrutural da Língua Portuguesa. Rio


de Janeiro: Edições Gernasa, 1971.

BASÍLIO, M. Estruturas lexicais do português: uma abordagem gerativa. Petrópolis:


Vozes, 1980.

BASÍLIO, M. Formação e classes de palavras no português do Brasil. 2. ed. São


Paulo: Contexto, 2006.

BASÍLIO, M. Teoria lexical. 5. ed. São Paulo: Ática, 1998.

BIDERMAN, M. T. C. Teoria lingüística (lingüística quantitativa e computacional) Rio


de Janeiro; São Paulo: Livros Técnicos e Científicos, 1978.

CARONE, F. de B. Morfossintaxe. São Paulo: Ática, 1995.

CÂMARA JR. J. M. Estrutura da Língua Portuguesa. Petrópolis: Vozes, 1970.

CÂMARA JR. J. M. História e estrutura da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:


Padrão, 1975.

CÂMARA JR. J. M. Problemas de Lingüística descritiva. Petrópolis: Vozes, 1967.

CAVALIERI. R. S. Fonologia e Morfologia na gramática científica brasileira.


Niterói: Eduff, 2000.

107
INTRODUÇÃO COLNAGHI, C. W. Flexão e derivação: um labirinto gramatical. Passo Fundo: UPF,
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA 2001.
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES DUARTE, P. M.T. A formação de palavras por prefixo em português. Fortaleza:
EUFC, 1999.

DUARTE, P. M. T.; LIMA, M. C. Classes e categorias em português. Fortaleza: EUFC,


2000.

ELSON, B; PICKETT, V. Introdução à Morfologia e à sintaxe. Tradução de Aryon D.


Rodrigues et al. Petrópolis: Vozes, 1973.

FERRAREZI JUNIOR, C. Semântica para a Educação básica. São Paulo: Parábola,


2008.

FERREIRA, M. A. S. de. Estrutura e formação de palavras: teoria e prática. 3. ed.


São Paulo: Atual, 1988. (Tópicos de Linguagem – Gramática).

FREITAS, H. R. de. Princípios de Morfologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Presença, 1981.

GONÇALVES, C. A. Flexão e derivação em português. Rio de Janeiro: Ed. Faculdade


de Letras da UFRJ, 2005.

HALLIDAY, M. A. K. Exploraciones sobre las funciones del lenguaje. Barcelona:


Editorial Médica y Técnica, 1982.

HENRIQUES, C. C. Morfologia. São Paulo: Campus, 2007.

KATAMBA, F. Morpholog y. Houndmills: The Macmillan Press, 1993.

KEHDI, V. Formação de palavras em português. 2. ed, São Paulo: Ática, 1997.


(Série princípios)

KEHDI, V. Morfemas do português. 3. ed. São Paulo: Ática, 1996. (Série princípios)

LAROCA. M. N de C. Manual de Morfologia do português. Campinas, SP: Pontes,


1994.

108
LUFT, C. Moderna gramática brasileira. Porto Alegre: Globo, 1987. Referências

MACAMBIRA, J. R. A estrutura morfo-sintática do português. 9. ed. São Paulo:


Pioneira, 1999.

MACAMBIRA, J. R. Português estrutural. 4. ed. São Paulo: Pioneira, 1998.

MACEDO, W. Elementos para uma estrutura da língua portuguesa. 2. ed. Rio de


Janeiro: Presença, 1976.

MATTHEWS, P. H. Inflectional Morpholog y: A theorethical study base on aspects of


Latin verb conjugation. Cambridge: Cambridge University Press, 1972.

MATTHEWS, P. H. Morpholog y: An introduction to the theory of word-structure.


Cambridge: Cambridge University Press, 1974.

MATTHEWS, P. H. Syntax. Cambridge: Cambridge University Press, 1981.

MATTHEWS, P. H. Morpholog y: An introduction to the theory of word-structure.


Cambridge: Cambridge University Press, 1991.

MONTEIRO, J. L. Morfologia portuguesa. 4. ed. Campinas, SP: Pontes, 2002.

PERINI, M. A. Para uma nova gramática do português. 5. ed. São Paulo: Ática,
1991.

PERINI, M. A. Princípios de Lingüística descritiva: introdução ao pensamento


gramatical. São Paulo: Parábola, 2006.

RIO-TORTO, G. M. Morfologia derivacional: teoria e aplicação ao português. Porto:


Porto Editora, 1998.

ROCHA, L. C. de A. Estruturas morfológicas do português. Belo Horizonte: Ed. da


UFMG, 1998.

ROSA, M. C. Introdução à Morfologia. São Paulo: Contexto, 2000.

109
INTRODUÇÃO SACCONI, L. A. Nova gramática: teoria e prática. 22. ed, São Paulo: Atual, 1983.
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE SANDMANN, A. Formação de palavras no português brasileiro contemporâneo.
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES Curitiba: Ícone, 1989.

SANDMANN, A. Morfologia geral. São Paulo: Contexto, 1991.

SANDMANN, A. Morfologia lexical. São Paulo: Contexto, 1992.

SAPIR, E. A linguagem: introdução ao estudo da fala. Tradução de J. Mattoso Câmara


Júnior. 2. ed. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1971.

SOUZA e SILVA, M. C. P.; KOCH, I. G. V. Lingüística aplicada ao português:


morfologia. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1987.

VILLALVA, A. Estruturas morfológicas: unidades e hierarquias nas palavras do


português. [S. l.]Fundação Calouste Gulbenkian, 2000.

ZANOTTO, N. Estrutura mórfica da língua portuguesa. 4. ed. rev. Caxias do Sul:


EDUCS, 2001.

Anotações

110

You might also like