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DE MORFOLOGIA DE LÍNGUA
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES
EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
REITOR: Prof. Dr. Mauro Luciano Baesso
EQUIPE TÉCNICA
FLUXO EDITORIAL Edneire Franciscon Jacob
COPYRIGHT © 2016 EDUEM MARKETING Gerson Ribeiro de Andrade
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial,
por qualquer processo mecânico, eletrônico, reprográfico etc., sem a
autorização, por escrito, do autor. Todos os direitos reservados desta COMERCIALIZAÇÃO Paulo Bento da Silva
edição 2016 para a editora. Solange Marly Oshima
FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM LETRAS - EAD
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Eduem
Maringá
2011
Coleção Formação de Professores em Letras - EAD
ISBN 978-85-7628-338-6
CAPÍTULO 1
O que é Morfologia? > 13
CAPÍTULO 2
As unidades de análise da Morfologia
> 27
CAPÍTULO 3
Flexão x derivação
> 49
CAPÍTULO 4
A derivação > 63
CAPÍTULO 5
A composição e outros processos similares
> 81
CAPÍTULO 6
Outros processos
> 87
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S obre as autoras
de Assis/SP (2000).
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A presentação da Coleção
Os 54 títulos que compõem a coleção Formação de Professores em Letras fazem
parte do material didático utilizado pelos alunos matriculados no Curso de Licenciatu-
ra em Letras, habilitação dupla, Português-Inglês, na Modalidade a Distância, da Uni-
versidade Estadual de Maringá (UEM). O curso está vinculado à Universidade Aberta
do Brasil (UAB) que, por seu turno, faz parte das ações da Diretoria de Educação a
Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior
(Capes).
A UEM, na condição de Instituição de Ensino Superior (IES) proponente do curso,
assumiu a responsabilidade da produção dos 54 livros, dentre os quais 51 títulos fica-
ram a cargo do Departamento de Letras (DLE), 2 do Departamento de Teoria e Prática
da Educação (DTP) e 1 do Departamento de Fundamentos da Educação (DFE). O pro-
cesso de elaboração da coleção teve início no ano de 2009, e sua conclusão, seguindo
o cronograma de recursos e os trâmites gerais do Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação (FNDE), está prevista até 2013. É importante ressaltar que, visando a
atender às necessidades e à demanda dos alunos ingressantes no Curso de Graduação
em Letras-Português/Inglês a Distância, da UEM, no âmbito da UAB, nos diferentes
polos, serão impressos 338 exemplares de cada livro.
A coleção, não obstante a necessária organicidade que aproxima e estabelece a
comunicação entre diferentes áreas, busca contemplar especificidades que tornam o
curso de Letras uma interessante frente de estudos e profissional. Desse modo, as
três principais instâncias que compõem o curso de Letras na modalidade a distância
(Língua Portuguesa, Teoria da Literatura e Literaturas de Língua Portuguesa e
Língua Inglesa e Literaturas Correspondentes) são contempladas com livros que
são organizados tendo em vista a construção do saber de cada área. Semelhante cons-
trução não apenas trabalha conteúdos necessários de modo rigoroso tal como seria
de esperar de um curso universitário, como também atua decisivamente no sentido de
proporcionar ao aluno da Educação a Distância a autonomia e a posse do discurso de
modo a realizar uma caminhada plenamente satisfatória tanto em sua jornada acadê-
mica quanto em sua vida profissional posterior. Isso só é possível graças à competência
e ao comprometimento dos organizadores e autores dos livros desta coleção, em sua
maior parte ligados aos departamentos da Universidade Estadual de Maringá envol-
vidos neste curso, além de convidados que enriqueceram a produção dos livros com
sua contribuição. A excelência e a destacada contribuição científica e acadêmica desses
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INTRODUÇÃO autores e organizadores são outros elementos que garantem a seriedade do material
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA e reforça a oportunidade que se abre ao aluno da Educação a Distância. Além disso, o
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE material produzido poderá ser utilizado por outras instituições ligadas à Universidade
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES Aberta do Brasil, abrindo uma perspectiva nacional para os livros do curso de Letras
a Distância.
Além do trabalho desses profissionais, essa coleção não seria possível sem a con-
tribuição da Reitoria da UEM e de suas Pró-Reitorias, do Centro de Ciências Humanas,
Letras e Artes da UEM e seus respectivos representantes e departamentos, da Diretoria
de Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do
Ensino Superior (Capes) e do Ministério da Educação (MEC). Todas essas esferas, de
acordo com suas atribuições, foram de suma importância em todas as etapas do traba-
lho. Diante disso, é imperativo expressar, aqui, nosso muito obrigada.
Por último, mas não menos importante, registramos nosso agradecimento especial
à equipe do NEAD-UEM: Pró-Reitoria de Ensino, Coordenação Pedagógica e equipe
técnica, pela dedicação e empenho, sem os quais essa empreitada teria sido muito
mais difícil, se não impossível.
Rosângela Aparecida Alves Basso
Organizadora da coleção
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A presentação do livro
O estudo lexical vem crescendo em importância na contemporaneidade, tendo-se
em vista a expansão e a criação de novas áreas do saber e os movimentos históricos
transformadores ‘naturais’ da língua. De mero apêndice nas gramáticas tradicionais,
passou o léxico a figurar como nível de análise de extrema importância tanto para a
compreensão do funcionamento do sistema linguístico, quer sincrônica, quer diacro-
nicamente, quanto para a compreensão do processo de produção cultural.
O léxico é, provavelmente, o espólio mais duradouro do saber humano, por meio
do qual significante e significado se enfrentam e dialogam para a materialização ele-
mentar da ideia.
É, afinal, por meio do léxico que se constrói o nexo; não é à toa que sobre si se
ergue a Sintaxe.
Este livro conjuga os estudos de Morfologia sob diferentes perspectivas: histórica,
estrutural, gerativa e funcional, buscando o campo da Morfologia como uma disciplina
integrada aos estudos de Sintaxe e Semântica, sem estabelecer fronteiras rígidas entre
eles.
Aos modelos de análise apresentados, acrescentamos fatores pragmáticos, ou seja,
de uso, tendo em vista a dinamicidade da língua e sua organização.
De acordo com cada momento histórico, político, cultural e social, encontramos
modelos diferentes de análise. Assim é que, muitas vezes, podemos não compreender
determinadas formações porque não acompanhamos as escolhas sociopolíticas e cul-
turais da época em questão. É o caso da sigla OTN (Obrigações do Tesouro Nacional),
muito empregada na década de 90 do século XX, e que hoje já não existe mais. Dessa
sigla, formou-se o verbo otenizar, ou seja, transformar em OTNs. Trata-se de expres-
sões que, hoje, não são compreendidas por muitos dos falantes de língua portuguesa.
Há, portanto, escolhas de formas preferenciais, as quais se traduzem em escolhas
ou tendências de tipos de formações com alta ou baixa produtividade em dada época.
Esses aspectos da Morfologia fazem que seu objeto de estudo seja complexo e
instável; isso justifica o fato de que os estudos morfológicos estejam sempre por fazer;
uma tarefa inacabada.
Este livro se subdivide em seis capítulos. No primeiro, definimos o que é Morfo-
logia e apresentamos um panorama geral do tratamento da disciplina sob diferentes
perspectivas.
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INTRODUÇÃO No segundo capítulo, apresentamos, sob o ponto de vista estrutural, os conceitos
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA de palavra, de vocábulo e de lexema, bem como as subdivisões dos diversos tipos de
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE morfemas.
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES No terceiro capítulo, aprofundamos as questões referentes aos processos de flexão
e de derivação e suas implicações para os estudos da descrição linguística. Nele também
se encontra um quadro geral sobre os diferentes processos de flexão em português.
No quarto capítulo, apresentamos os dois principais processos de formação de pa-
lavras em português: derivação e composição e suas subdivisões. Também evidencia-
mos alguns problemas dessa dicotomia, considerando que as palavras, muitas vezes,
não são formadas apenas por um processo, mas por mais de um. Esse enfoque se con-
trapõe aos estudos apresentados em diversos manuais didáticos, os quais se limitam
somente a apresentar e a identificar processos de formação de palavras.
No quinto capítulo, aprofundamos as questões relacionadas à formação de palavras
por composição e apresentamos outros processos, também produtivos na língua em uso,
tais como: palavra-valise, truncamento, redução vocabular, composição sintagmática etc.
No sexto e último capítulo, acrescentamos outros processos, não menos produti-
vos, que contribuem para a ampliação, a mobilidade e a riqueza do léxico: extensões
metonímicas e metafóricas, onomatopeias, neologismos semânticos e lexicais etc. O
objetivo desse capítulo foi o de unir os estudos da Morfologia aos estudos de Semân-
tica, apontando desvios de sentido de expressões cristalizadas e seu uso efetivo nos
diferentes discursos.
Ao final de cada unidade de estudo, encontram-se atividades voltadas para o con-
teúdo apresentado, cujo objetivo é fazer que o leitor retome esse conteúdo e apreen-
da, de forma resumida, os aspectos básicos do assunto tratado.
As atividades complementares, que se encontram no final deste livro, voltam-se
para a questão da Morfologia em relação ao texto/discurso. Trata-se, portanto, de uma
atividade que envolve leitura, produção e compreensão da Morfologia em um quadro
mais amplo, de modo a não ser tratado, como em muitos manuais didáticos: de forma
isolada e descontextualizada.
Finalmente, em relação às indicações bibliográficas, ressaltamos que se trata de
uma lista de sugestões de leitura e de consulta, ou seja, o leitor pode ampliar seu qua-
dro teórico com leituras complementares, que apresentam um maior aprofundamento
com outras visões sobre o assunto.
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1 O que é Morfologia?
O QUE É MORFOLOGIA?
A Morfologia, do grego morphé (forma) e logos (estudo/tratado), é o campo da lin-
guística que estuda a palavra em suas diferentes formas. Embora essa definição pareça
simples, não é. Primeiramente o que é exatamente forma? De que maneira podemos
defini-la? A forma pode ser entendida como a reunião de sons que se combinam para
estabelecer unidades com significado. Mas como se realiza essa combinação? Quais
as regras para que essa combinação se efetive? A partir de quais elementos se proces-
sa(m) essa(s) combinação(ões) e quais são seus limites de extensão? Essas são algumas
das tarefas da Morfologia.
Esses e outros questionamentos vêm desde a Antiguidade e ainda hoje são temas
para diferentes perspectivas no estudo da Morfologia. Vejamos cada uma delas.
MORFOLOGIA HISTÓRICA
A gramática da língua portuguesa, assim como as outras línguas neolatinas, na tra-
dição ocidental, foi influenciada pelos estudos greco-latinos, os quais estavam associa-
dos aos conhecimentos filosóficos do mundo antigo. Na Grécia clássica, por exemplo,
o conhecimento da Morfologia era utilizado para análise lógica das proposições, ou
seja, a língua era considerada uma espécie de espelho do pensamento e, por isso, de-
veria ser clara. Nesse sentido, a palavra passa a ser o centro de análise. Na Índia, os es-
tudos do sânscrito (língua antiga) voltaram-se à pronúncia correta de textos religiosos,
para que os mantras (cantos de adoração e evocação aos deuses) fossem pronunciados
corretamente. Por isso foi dada ênfase aos estudos da fonética articulatória. Além dessa
preocupação com a fonética, houve, também, uma preocupação com a correspondên-
cia entre som e ortografia, ou seja, buscava-se uma precisão entre o som e a palavra e
sua formação.
Desses dois enfoques resultam duas perspectivas, uma, cujo ponto de partida é a
palavra já instituída, e outra, cujo ponto de partida são as unidades mínimas de signi-
ficado (morfemas) que compõem a palavra. Por exemplo: a forma verbal correr (verbo
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INTRODUÇÃO instituído, cujo sentido etimológico é o de deslocar-se, em uma sequência de impulsos,
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA repousando o corpo ora sobre uma, ora sobre outra perna, e em um andamento em
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FORMAÇÃO DE geral mais veloz que a marcha) e as unidades mínimas que a compõem: corr- (radical),
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES -e- (vogal temática) e -r (forma verbal de infinitivo).
Esse conceito de palavra instituída está intimamente ligado aos estudos de Filologia,
voltados à origem certa de determinada palavra e ao seu uso nos escritores clássicos.
MORFOLOGIA ESTRUTURAL
Para os estruturalistas, a língua é um sistema de valores; a alteração de um elemento
provoca a alteração de outro. Para que eles chegassem a esse sistema, foi preciso isolar
os elementos mínimos e comutáveis (cambiáveis), os quais estavam em contraste. Daí,
criaram o conceito de morfema, unidade mínima de significado.
Detiveram-se, portanto, na palavra, mas a partir de unidades distintas, os morfemas,
que não são nem os fonemas (sons) nem as sílabas. Os morfemas são entendidos como
unidades mínimas de significado (morfemas lexicais - apresentam o sentido básico -
ou morfemas gramaticais - referem-se à estrutura interna da língua) que compõem a
palavra.
Os estruturalistas, desse modo, redefiniram o objeto de estudo da Morfologia. A
palavra é, para eles, um conceito vago e impreciso, por isso se dedicaram ao modo de
estruturação interno dela, introduzindo o conceito de morfema, unidade mínima com
significado lexical ou gramatical.
A distinção entre palavra e morfema considera a noção de grau de independência
semântica e formal: a palavra pode aparecer sozinha e o morfema não; ele não tem sig-
nificação autônoma, porque é uma forma presa. Por exemplo, o vocábulo casa é uma
palavra, pois apresenta independência semântica e formal: ‘A casa está pegando fogo’.
Por outro lado, se isolarmos os morfemas dessa palavra, teremos um morfema lexical,
cas-, que traz a ideia básica, a partir do qual podemos derivar outras palavras (caseiro,
casebre etc), e o morfema gramatical -a, vogal temática, morfema preso ao morfema
lexical. Temos, portanto, a distinção entre palavra e morfema.
Em princípio a distinção entre palavra e morfema é essa. É claro que temos situações
em que, devido às necessidades de expressão, morfemas presos podem ser empregados
como formas livres. É o caso do prefixo pré, em ‘pré e pós-operatório’; em ‘celular pré e
pós-pago’; do prefixo ex, em ‘Ela não conversou mais com seu ex depois do divórcio.’;
do sufixo -ismo, em ‘Os -ismos na Literatura são vários: Cubismo, Parnasianismo, Mo-
dernismo etc.’
Um dos métodos adotados para a depreensão de morfemas é a comutação, que
consiste na troca por oposição linguística. Por exemplo: as formas verbais cantássemos
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e cantaremos, se comutadas, apresentarão morfemas modo-temporais distintos: O que é Morfologia?
Nesses exemplos, temos o morfema lexical cant-, que carreia o sentido básico
da forma verbal, e os morfemas gramaticais -a-, -sse-, -re- e -mos, que inserem essa
forma verbal em um contexto de verbo conjugado na primeira pessoa do plural do
pretérito imperfeito do subjuntivo e na primeira pessoa do futuro do presente do
indicativo. Esses morfemas gramaticais são considerados formas presas, ou seja,
formas que dependem de um morfema lexical e são desprovidos de significado
autônomo.
Um outro exemplo é a palavra mesa, que, comutada com seu plural mesas,
apresentará o morfema (S) para plural e zero (Ø) para singular:
mesa + Ø
mesa + s
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INTRODUÇÃO MORFOLOGIA GERATIVISTA
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA Os gerativistas não se preocuparam em definir o morfema, nem em analisar for-
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FORMAÇÃO DE mas já existentes. Preocuparam-se com o modo de produção de novas formações e
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES com as regras de formação de novas palavras. Ignoraram, por exemplo, elementos
que já não se prestavam mais à formação de novas palavras. É o caso da palavra
casebre, cujos morfemas são cas- e -ebre. O sufixo -ebre não é mais produtivo na
língua portuguesa, ou seja, não ocorrem formações novas com esse sufixo, logo,
não se trata de objeto de estudo dos gerativistas.
A Morfologia, de acordo com o Gerativismo, é totalmente dependente da Fo-
nologia; a esta cabe não só definir o lugar em que o morfema deve ser inserido na
palavra, mas também ditar as regras de derivação.
Nesse contexto, entram os conceitos de alomorfia (de alo- outra e morfia - for-
ma) e de alografia (de alo - outra e grafia - escrita). A alomorfia consiste em uma
representação diferente na escrita para um mesmo morfema. Exemplo: o prefixo
IN- é empregado diante de todos os fonemas (inacabado, incapaz, indolor, inefi-
ciente, infeliz, ingrato, inigualável, injusto, inoperante, inquestionável, insolúvel,
intratável, inútil, inválido, inseguro etc) exceto diante dos fonemas P e B, em que se
emprega o alomorfe IM- (impune, imbatível etc) e diante dos fonemas L e M, em que
se emprega o alomorfe I- (ilegal, imoral etc). Convém ressaltar que, no caso do em-
prego de M diante de P e B, trata-se de formas diferentes na escrita, pois na fala isso
não ocorre. Por exemplo, a palavra imperceptível, que se escreve com M, mas isso
pouco importa, pois, mesmo que fosse escrita com N, teríamos a mesma nasalidade.
A alografia consiste em uma adaptação, na escrita, do som, ou seja, esse proces-
so não se enquadra nos casos de alomorfia, pois não há formas diferentes de um
mesmo morfema, como é o caso do prefixo acima mencionado. Trata-se, pois, de
uma adaptação na escrita para assegurar que o som da palavra base se mantenha na
palavra derivada. Dois exemplos: o adjetivo real, quando acrescido do prefixo I-,
apresenta a escrita irreal. Não se trata de um alormorfe IR- diante desse adjetivo,
pois o prefixo continua sendo o mesmo: I-, e sim de uma adaptação na escrita para
manter o som do R forte de real. Caso contrário, teremos um R fraco: *ireal.1 Outro
exemplo é o do verbo assegurar, formado do prefixo A- mais o adjetivo seguro mais
o sufixo -AR (a + seguro + ar). Temos, na escrita, uma adaptação (alografia) para
manter o som do S do adjetivo seguro, caso contrário teremos som de Z: *asegurar.
1 Observa-se, na fala popular, uma tendência a introduzir um som nasal diante de palavras
iniciadas por R e L: *inreal, *inritada, *inlegal, ou a introduzir um som nasal onde não o há:
*ingnorante, *indentidade, *intiqueta etc. Ou seja, nesses últimos três exemplos, o falante consi-
dera o I um prefixo e o nasaliza.
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Um outro exemplo de alografia é o encontrado em rico/enriquecer, em que a base O que é Morfologia?
ric-, ao receber o sufixo -ecer, altera a escrita para qu-, para manter o som /k/ que se
encontra na base ric-: enriquecer.
Constata-se, portanto, que a alografia não se confunde com a alomorfia, pois não
resulta em formas diferentes de um mesmo morfema, e sim de uma adaptação, na escri-
ta, para a manutenção do som da palavra que recebe o prefixo e/ou o sufixo formador.
Comprova-se isso com o fato de que não há, em língua portuguesa, os prefixos IR- em
irreal e AS- em assegurar. Se houvesse, seriam casos de alomorfia, ou seja, seriam casos
de formas diferentes de um mesmo morfema.
Em relação às regras de formação de novas palavras, o Gerativismo avançou em
relação ao Estruturalismo, pois não só analisou as formações já existentes, mas também
considerou as regras de formação de novas palavras; considerou que o falante de uma
determinada língua é capaz de produzir a partir de sua capacidade criadora de reflexão
conforme suas necessidades.
No Estruturalismo, conforme já foi mencionado, a preocupação era a análise, a
separação e a classificação de morfemas; era uma operação de fora para dentro, de um
produto para os seus componentes. Na perspectiva gerativista, a preocupação recai
sobre a capacidade ou competência que um falante nativo revela sobre a formação
de novas palavras e sobre a capacidade de aceitar ou de rejeitar novas formações, de
comparar essas novas formações com as já existentes conforme as regras internaliza-
das, inatas.
Nesse contexto, o falante é competente para reconhecer se uma palavra pertence
ou não a sua língua e de que maneira foi formada, por exemplo, e as suas relações
com novas formações a partir de regras. Não se trata de regra padrão da gramática tra-
dicional, e sim de recursos recorrentes de aplicação para outros casos. Por exemplo: o
falante é capaz de reconhecer que a palavra normalizar pertence a sua língua e que é
formada do adjetivo normal acrescido do sufixo -izar. A partir desse reconhecimento,
ele pode formar novas palavras por meio desse sufixo acrescido sempre a bases adjeti-
vas: normal + izar, formal + izar, global + izar. No primeiro caso, o de reconhecer
a palavra e sua formação, estamos falando do processo de competência linguística e,
no segundo caso, estamos falando do processo de aplicação de regras de formação de
palavras.
Por outro lado, algumas formações, embora estejam previstas por regras recorren-
tes, são ‘bloqueadas’ pelo contexto e/ou pelo uso mais frequente do que outro. Por
exemplo: muitos substantivos são formados a partir de verbos e produzem nomes agen-
tivos (nomes de seres que praticam a ação verbal): de caçar, derivamos caçador e de
pescar, derivamos pescador.
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INTRODUÇÃO Entretanto, do verbo chamar não temos o nome agentivo derivado chamador, ou
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA seja, há um bloqueio, embora a regra preveja essa formação. Outro exemplo é o de su-
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE fixo que apresenta mais de um significado conforme a base que o recebe. Por exemplo:
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES o sufixo -eiro/-eira pode significar agente (roqueiro, verdureiro), árvore ou arbusto
(abacateiro, pessegueiro), lugar ou recipiente (leiteira, saleiro), ideia de conjunto ou
coletivo (poeira, nevoeiro), gentílico/nacionalidade (mineiro, brasileiro), formador
de adjetivo (grosseiro, ordeiro), objeto (cinzeiro, chuveiro) etc.
Convém ressaltar que não basta que a palavra apresente a mesma forma; é pre-
ciso que essa forma possa ser destacada e que reste uma base significativa. Por
exemplo: em dinheiro, não há sufixo; trata-se de uma palavra primitiva, e não deri-
vada. O mesmo se pode afirmar de lebre, que apresenta a mesma forma de casebre,
mas não é derivada, e sim primitiva, e da palavra documento, que não apresenta o
sufixo -mento, embora possa parecer.
Há casos em que se pode derivar duas formas de uma mesma base, mas se pres-
tam a contextos específicos. Por exemplo: o substantivo caimento, de cair + mento
é empregado em referência à moda: ‘Este vestido não está com um bom caimento’.
Se quisermos nos referir a muitas pessoas caindo ao mesmo tempo, podemos usar a
forma caição, de cair + ção, cujo sentido é o de queda, mas com a diferença de que o
sufixo -ção confere maior dinamicidade à formação. Isto é, o substantivo queda é mais
abstrato do que o substantivo caição e é empregado em contextos mais específicos,
por exemplo: ‘A queda do dólar gerou crise no mercado financeiro.’
Esse bloqueio de formações tem a ver com o contexto e isso está ligado ao conheci-
mento inato do falante da língua, ou seja, ele saberá qual a forma mais apropriada para
o contexto, embora todas sejam legítimas do ponto de vista das regras de formação.
Uma dupla possibilidade de formação a partir de uma mesma base verbal (e às
vezes até tripla, no caso de reciclagem, reciclamento e reciclação) nem sempre
apresenta justificativa plausível. É o caso de internamento e internação e de coroa-
mento e coroação, em que não se visualizam diferenças semânticas. Por outro lado,
temos essa diferença no par medicamento e medicação, em que o primeiro significa
o remédio e o segundo, o ato de medicar: ‘Estou tomando o medicamento conforme
a medicação prescrita pelo médico’.
Concluindo, segundo Katamba (1993, p. 99),
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Proposta da análise gerativista O que é Morfologia?
Com base no conhecimento do falante acerca do léxico de sua língua, ele pode
fazer uma série de generalizações a respeito desse léxico. Por exemplo: apagar, apa-
gador; gerar, gerador, comprar, comprador. Com base nesse modelo, o falante pode
formar novas palavras, tais como: faturar, (?) faturador; enxergar, (?) enxergador etc.
Essas relações podem ser formalizadas em regras morfológicas, por exemplo, das
bases verbais fatura e enxerga (dos verbos faturar e enxergar), derivam os nomes
faturador e enxergador, pelo acréscimo do sufixo -dor. Ou seja, qualquer base ver-
bal aceitaria teoricamente esse sufixo, mas sabemos que muitas vezes há restrições
de ordem fonética, morfológica, sintática e semântica que bloqueiam determinadas
formações. Por exemplo: da base verbal corre (do verbo correr), temos o substantivo
corredor; entretanto, embora isso possa ser aplicado à base verbal morre (do verbo
morrer), será pouco provável que isso se realize, pois há uma restrição semântica: uma
pessoa não morre várias vezes, ao passo que corredor pode significar aquele que corre
muito ou que tem o hábito de correr ou que é atleta.
Em relação às restrições fonética e morfológica, temos o par abduzir, abdução, em
que desaparece da base verbal o segmento ZI. Em outras palavras, essa base deveria
ser *abduzi, da qual deveria derivar o substantivo *abduzição. O mesmo ocorre com
o par conduzir, condução, que apresenta essas mesmas restrições.
Também há restrição morfológica e sintática em palavras terminadas em -ção, a par-
tir de base verbal: preparar, preparação. A essa formação não é possível acrescentar o
sufixo -eiro: *preparaçãoeiro. Isto é, um sufixo exclui o outro. A mesma restrição não
ocorre com os sufixos -ão e -zinho: de porta derivamos portão e de portão derivamos
portãozinho, em que há dois sufixos: -ão e -zinho.
Retomando os exemplos anteriormente mencionados (faturar, (?) faturador; enxer-
gar, (?) enxergador), o ponto de interrogação indica que a formação é possível segundo
as regras morfológicas da língua portuguesa. Embora essa regra permita que tais palavras
sejam criadas, a comunidade linguística pode não acatá-las; não há garantia de que essas
formações não possam surgir devido a necessidades comunicativas, mas, se houver algu-
ma outra palavra disponível na língua, provavelmente novas palavras não serão forma-
das, ou, se forem formadas, talvez não sejam aceitas. Uma palavra também pode surgir
em decorrência de letras de música, como é o caso da expressão popozuda, cujo sufixo
(-udo/-zudo), quando anexado a palavras que expressam partes do corpo, confere o valor
de grande: pernudo, cabeçudo. Esse sufixo atribui à pessoa a característica de uma gran-
de nádega. A formação advém do nome popó, empregado por Renato Aragão, no quadro
humorístico Os Trapalhões e, posteriormente, por um grupo de música funk. Nesse caso,
a formação popozuda é esporádica, pois acompanha a trajetória do grupo musical.
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INTRODUÇÃO A proposta, portanto, de uma análise morfológica à luz da Morfologia Gerativa, ba-
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA seia-se em duas regras. A primeira é denominada Regra de Formação de Palavras (RFP),
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE ou seja, uma regra especifica um conjunto de palavras sobre o qual ela pode operar. A
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES qualquer membro desse conjunto atribuímos o nome de base dessa regra. Por exemplo:
a partir de bases substantivas, formamos outros substantivos por meio do sufixo -eiro:
globo + al ⇒ global
norma + al ⇒ normal
forma + al ⇒ formal
forma + al ⇒ formal
formal + izar ⇒ formalizar
formalizar + ção ⇒ formalização
ration + al ⇒ rational (do latim ratio, rationis: razão) ⇒ racional (forma evoluída)
racional + izar ⇒ racionalizar
racionalizar + ção ⇒ racionalização
Nessas formações, portanto, as bases são forma (livre) e ration (presa), às quais são
anexados sufixos, um após o outro, ou seja, formalização não derivou diretamente da
base nominal forma, e sim do verbo formalizar e este se originou da base nominal forma.
O mesmo ocorre com racionalização, que se originou de racionalizar, e não de ration.
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Esses modelos de análise consideram como base de formação os radicais mais as O que é Morfologia?
Também podemos responder se uma palavra jamais poderá existir, considerando-se es-
sas regras. Um exemplo disso é a palavra *cruzdor, que nunca será formada, pois o sufixo
-dor só pode ser anexado a bases verbais: de cruz, podemos formar o verbo cruzar e, de-
pois disso, o substantivo cruzador, mas não diretamente da base verbal mais o sufixo -dor.
O conceito de RAE está ligado a relações de modelo de formação, a partir do qual o
falante analisa palavras já formadas. A partir dessas RAEs, o falante é capaz de identificar
quais sufixos são altamente produtivos, quais são mais ou menos produtivos e aqueles im-
produtivos, caso, por exemplo, da palavra momentâneo, que, embora o falante reconheça
que se forma de momento + âneo, isso não significa que ele poderá formar novas palavras
com esse sufixo, pois ele já está fossilizado. Para a Morfologia Gerativa, trata-se de casos
isolados que pouco interessam aos processos de formação de palavras.
Para o estudo da Morfologia é interessante que o falante seja capaz de reconhecer as
regularidades das regras e a improdutividade de algumas delas.
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INTRODUÇÃO Esse modelo também não prevê a questão da expressividade da formação, isto é,
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA ignora os ganhos expressivos que estão subjacentes às novas formações. Compare as
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE construções seguintes: ‘Vamos à festa da cerveja na agronomia’ e ‘Vamos à agrojada’,
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES em que agrojada permite uma maior expressividade.
Um outro questionamento a esse modelo consiste na limitação de suas regras,
que não contemplam outros processos de formação, além dos processos mistos, que
incluem, simultaneamente, redução e truncamento, redução e derivação etc. Tam-
bém não contempla as formações sintagmáticas, que são imprevisíveis e estão no
âmbito da sintaxe e do discurso. Essas formações serão estudadas em capítulo a elas
referente.
Finalmente, resta comentar a questão que envolve aspectos sincrônicos (esta-
do de língua atualizado) e diacrônicos (estado de língua em uma dada extensão de
período).
Os critérios diacrônicos envolvem, entre outros, a origem das formas (etimologia)
e o conceito de raiz. Por exemplo, no português, temos as palavras pluviométrico e
chuva, ambas de mesma raiz, mas com radicais distintos. Do ponto vista histórico,
a palavra pluvia, em águas pluviais (da chuva) é formada de pluv- (chuva) + al
(formador de adjetivo). Ou seja, essa palavra tem, diacronicamente, a raiz pluv-. Seu
radical, entretanto, é outro: pluvial. Resumindo, pluvial deriva diretamente da raiz
pluv, ao passo que outras, de mesma raiz, originaram-se do radical chuv-, forma que
evoluiu, ao longo do tempo, da raiz pluv-. Desse radical, temos várias outras palavras,
por exemplo, chuveiro, chuvisco, chuvarada etc.
Outro exemplo: o verbo comer, cuja raiz é ed, do verbo latino edĕre. Do acrés-
cimo da preposição latina cum (com) a esse verbo, originou-se o verbo comedere
(comer com). Lentamente essa preposição passou a fazer parte desse verbo, trans-
formando-se no verbo comer. Pergunta: qual a raiz e o radical de comer? A raiz é ed,
ao passo que o radical é com-. A preposição, no estado de língua portuguesa atual, é
analisada como parte do radical. Para os estudos atuais, interessa o radical com-, do
qual derivam, por exemplo, comilão, comilança etc.
O Gerativismo não considera nem o termo raiz (empregado pelo modelo históri-
co), nem o termo radical (empregado pelo modelo estrutural) e adota o termo base,
que consiste no radical acrescido da vogal temática, quando houver. Por exemplo: a
base dos verbos será seu radical mais a vogal temática da conjugação:
22
Nesse contexto, a base pode ser livre ou presa. No primeiro caso, trata-se de uma O que é Morfologia?
23
INTRODUÇÃO A MORFOLOGIA FUNCIONALISTA
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA O Funcionalismo é uma corrente da linguística que analisa a língua em uso; o
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE falante dispõe de elementos que estão no sistema linguístico e os escolhe conforme
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES suas necessidades expressivas. Assim, a Morfologia, do ponto de vista funcional, não
prevê um modelo formal preexistente, não se preocupa em analisar os elementos iso-
ladamente, e sim a formação propriamente dita em termos sintáticos, semânticos e
pragmáticos (situação de uso da língua).
Por exemplo, a formação de agrojada, mencionada anteriormente, que, em uma
dada situação de uso, apresenta maior expressividade.
Um modelo funcional de análise morfológica, portanto, tenta avaliar as diversas
motivações que levam o falante a empregar determinada formação. Nesse sentido, for-
mações novas por meio de truncamento, redução, palavra-valise, abreviação, acro-
nímia e composição sintagmática são altamente expressivas e revisitadas conforme o
contexto em que são empregadas. Essas formações serão retomadas e exemplificadas
em capítulos específicos.
Vale ressaltar que a gramática funcional volta-se para a análise do significado da forma-
ção em um contexto de uso real, motivo pelo qual não costuma enfocar unidades como
palavra e morfema de forma detalhada e isolada. Propõe o texto como unidade analítica,
fato que não impede que diferentes níveis estruturais sejam contemplados: fonético, fono-
lógico, morfológico, sintático e semântico.
Halliday (1982, p. 87) afirma que ‘a gramática é um mecanismo linguístico articulador
dos significados derivados das diversas funções da linguagem e o instrumento para inte-
grá-los em uma forma estrutural unificada.’ (grifo nosso).
Embora as escolhas do falante sejam mais ou menos previsíveis, é possível vinculá-las
ao contexto de produção linguística. É no processo de formação de palavras que a lingua-
gem pode apreender a maneira de o social se inter-relacionar com o linguístico: a função
da morfologia na sintaxe, a inter-relação das estruturas sintáticas e o valor que os elemen-
tos linguísticos desempenham na estrutura textual.
Um exemplo disso são as diversas expressões disponíveis na língua cuja seleção se
deve a fatores pragmáticos (qual nível de linguagem empregar; qual o registro mais ade-
quado) e a escolhas gramaticais, tais como as formas disponíveis na língua e aquelas mais
ou menos adequadas a determinadas situações.
24
mudança e qualquer processo tomado isoladamente leva a equívocos e desconsidera a O que é Morfologia?
Proposta de Atividades
Nas atividades, procure apontar exemplos que não tenham sido mencionados no
capítulo.
1) O que é Morfologia?
2) Quais os objetivos básicos do estudo da Morfologia?
3) Quais os conceitos básicos da concepção de Morfologia para a teoria
a) histórica;
25
INTRODUÇÃO b) estrutural;
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA c) gerativa;
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE d) funcionalista.
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES 4) Quais os limites de análise morfológica da teoria
a) histórica;
b) estrutural;
c) gerativa;
d) funcionalista.
5) Aponte as diferenças entre alomorfia e alografia. Cite exemplos.
6) Em barraca/barraqueiro e em enfocar/enfoque, temos alomorfia ou alografia? Explique.
7) Observe os pares: morar/morador; paquerar/paquerador; caçar/caçador. A partir dos pares
acima, é possível que um falante de língua portuguesa forme, por exemplo, o substantivo
deixador, a partir do verbo deixar?
8) O sufixo -eiro/-eira apresenta os mesmos significados em
a) leiteiro, carcereiro, confeiteiro, banqueiro, vidraceiro, barraqueiro, sanfoneiro;
b) tomateiro, laranjeira;
c) berreiro;
d) açucareiro, chaveiro, leiteira;
e) pantaneiro, campineiro;
f ) verdadeiro, ligeiro.
9) Em cordeiro, é possível depreender um sufixo -eiro? Explique.
10) Em indolor, impossível e ilegal, temos alomorfia ou alografia? Explique.
Anotações
26
2 As unidades de análise
da Morfologia
PALAVRA
Do ponto de vista psicológico, a consciência sobre palavra é inata nos falantes de
uma língua falada ou escrita, ou seja, o falante, de forma intuitiva, é capaz de definir,
de algum modo, o que seja a palavra. Segundo Sapir (1971, p. 44),
Não pode haver prova mais convincente do que a seguinte: o índio, ingênuo
e completamente despercebido do conceito da palavra escrita, não tem apesar
disso dificuldade séria em ditar um texto a um investigador lingüístico, palavra
por palavra [...].
27
INTRODUÇÃO mas nem sempre, como é o caso do exemplo acima. Outros exemplos desse tipo de
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA formação: cesta básica, salário família, fome zero, condomínio fechado etc. Cada
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE uma delas é considerada uma palavra, e não duas, pois há uma integridade semântica
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES (de significado) entre elas. Se isolarmos cada uma delas em duas palavras, perderemos
o sentido básico da formação. Veremos mais detalhadamente esse processo de compo-
sição no capítulo a ele referente.
Essa proposta de definição não se presta a todas as línguas; pensemos no caso das
línguas japonesa e chinesa, nas quais temos símbolos, e não palavras, sob a perspectiva
que temos de sua definição.
1 Esse assunto inclui elementos e conceitos afetos à disciplina de Fonética e Fonologia, a cargo
da Linguística, e foge, portanto, ao objetivo do presente livro.
28
Eu refiz o trabalho aqui. As unidades de análise
da Morfologia
Aqui eu refiz o trabalho.
Aqui eu o trabalho refiz.
Eu aqui refiz o trabalho.
Eu refiz aqui o trabalho
O trabalho eu aqui refiz.2
Sob o ponto de vista morfológico, a palavra é uma expansão limitada, ao passo que
do ponto de vista sintático é teoricamente ilimitada. Por exemplo: a palavra amigo, do
ponto de vista morfológico, pode apresentar as seguintes formações: amigar, amigá-
vel. Do ponto de vista sintático, teríamos:
O amigo
O meu amigo
O meu grande amigo
O meu grande e melhor amigo
O meu grande e melhor amigo de São Paulo
Diante disso, o que nos interessa aqui é a palavra como unidade da Morfologia. Entre-
tanto, não podemos nos esquecer de que a formação de palavras está em interação com a
sintaxe, ou seja, ao formarmos uma nova palavra ou ao flexionarmos uma palavra no plu-
ral, por exemplo, estamos inserindo-a em um contexto maior que o da palavra isolada.
Ainda do ponto de vista morfológico, uma mesma palavra pode apresentar várias
formas diferentes, devido à flexão que pode sofrer. Por exemplo, o verbo cantar é uma
palavra que pode apresentar diferentes formas: cantou, cantaria, cantava, cantará etc.
Trata-se, portanto, de várias formas de uma mesma palavra, no caso, do verbo cantar.
Do ponto de vista sintático, qualquer uma dessas formas do verbo cantar seria
considerada uma palavra diferente se considerássemos cada uma delas no interior de
um enunciado:
2 Embora essa construção seja menos frequente, ela é possível se quisermos dar ênfase ou aten-
ção à ideia de trabalho.
29
INTRODUÇÃO Assim constatamos que cada forma que temos para esse verbo é considerada uma
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA unidade que compõe o enunciado, portanto são palavras. Teríamos, então, todos os
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE enunciados acima estruturados com sete palavras.
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES Se tomarmos como exemplo um substantivo, no caso, cachorro, temos, do ponto
de vista morfológico, uma palavra e, se a flexionarmos, teremos uma outra forma dessa
palavra: cachorros. Se tomarmos o substantivo menino, teremos uma palavra (meni-
no) e suas diferentes formas (meninos, menina, meninas).
Como já ficou evidente, a definição para palavra é complexa e depende do enfo-
que: se morfológico ou se sintático.
A definição para palavra, portanto, é ambígua e essa ambiguidade se mantém mes-
mo no campo da Morfologia, pois ela pode ser sinônimo de lexema, de forma de
palavra e de palavra morfossintática ou gramatical. (MATTHEWS, 1972, 1974, 1981,
1991).
Lexema
Lexema é uma entidade abstrata do léxico, este entendido como o conjunto de
conhecimentos que o falante tem a respeito de sua língua. Há, por vezes, situações
experimentadas pela cultura e pelo indivíduo que não se ‘traduzem em uma única pala-
vra’. O falante passa por uma experiência, mas não consegue traduzi-la por meio de um
único lexema; ele precisa explicar essa experiência e utilizar palavras que se aproximem
dela, ou palavra emprestada de outra língua. Por exemplo: em português, não há uma
formalização específica para representar a experiência de um indivíduo que sente que já
passou por uma situação semelhante ou já viu uma cena antes. Um exemplo é a ausên-
cia de um verbo específico para designar o período que vai do meio-dia às dezoito horas
(o verbo entardecer remete ao cair do sol, e não ao período em questão). O falante,
portanto, tem a experiência, mas não tem a palavra para representar essa experiência.
Nesse sentido, por motivos didáticos, o lexema pode ser considerado uma unidade
abstrata. Nos dicionários, o lexema será empregado como forma de citação, ou seja,
não encontraremos as formas conjugadas de um verbo, e sim sua forma no infinitivo.
Por exemplo, o verbo amar representa todas as possibilidades de conjugação que po-
derão ser encontradas nos textos: amarei, amaria, amássemos, amando etc.
Em princípio, os lexemas pertencem a uma classe aberta, pois podem admitir no-
vos itens que apresentam significado de acordo com o mundo, com a necessidade de
expressão do indivíduo. Esses lexemas carregam o sentido básico de uma expressão e
servem de base para novas formações: triste, tristemente, tristeza, tristonho, entriste-
cer, entristecedor, entristecimento etc. Nessa série há um elemento comum: trist-; as
demais formações são novos lexemas derivados dessa base comum.
30
A essa altura poderíamos questionar se as palavras monossilábicas (que apresentam As unidades de análise
da Morfologia
apenas uma sílaba), tais como alguns tipos de pronomes (me, nos etc), preposições
(de, para, com etc) e conjunções (que, mas etc), são ou não lexemas, se carregam
ou não noções, a exemplo do verbo amar. A resposta para essa pergunta é complexa
porque envolve diferentes critérios.
Sob o ponto de vista fonológico, os pronomes átonos tendem a se apoiar em algum
verbo da estrutura sintática: Disse que não o viu. A evidência desse apoio do pronome
sobre o verbo é a de que podemos confundi-lo com a forma ouviu: Disse que não
ouviu.
No caso das preposições, elas também são consideradas lexemas: de, com etc, pois
trazem, de alguma forma, uma noção de relação: a preposição de estabelece várias
relações, dependendo do contexto: posse, origem etc: Ele veio de São Paulo (origem);
O livro é de Pedro (posse).
No caso das conjunções, assim como no das preposições, elas também expressam
alguma noção. A conjunção mas pode estabelecer relação de contrariedade, de con-
traste, de oposição etc: Ele estudou muito, mas foi mal na prova.
Essa diferença entre a forma verbal amar e essas outras formas (pronomes, pre-
posições, conjunções) fez que alguns autores propusessem a ideia de formas livres,
formas presas e formas dependentes. Entre as formas livres estão, grosso modo, os
substantivos, os adjetivos, os verbos e alguns advérbios (hoje, ontem, amanhã, cedo,
mesmo etc), pois trazem a noção de referência com o mundo virtual, físico, psíquico.
Entre as formas presas estão aquelas que trazem informações gramaticais de tempo,
modo, número e pessoa, aspecto, voz (nos verbos), gênero e número (nos nomes
substantivos, adjetivos e em alguns pronomes).3 Entre as formas dependentes, en-
contram-se as conjunções, as preposições e alguns advérbios (até, inclusive, então,
também etc) e pronomes átonos (o, a, lhe, me, se, nos, vos etc). As formas depen-
dentes também são denominadas, por alguns autores, instrumentos gramaticais ou
conectivos ou conectores.
Alguns autores consideram apenas as formas livres como lexemas; outros adotam a
divisão acima. Convém ressaltar que à Morfologia Estrutural interessam as formas livres
e presas (am + á + sse + mos; mes + a + s), ao passo que as formas dependentes
estão na fronteira entre a Morfologia e a Sintaxe (preposições e conjunções estabele-
cem relações entre termos em várias instâncias: mesa de madeira; mesa de Pedro; mesa
para jogar; gosta de fruta; morreu de fome; morreu com fome; Ou brinca ou estuda).
31
INTRODUÇÃO Para responder à questão proposta sobre se os pronomes, as preposições e as con-
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA junções são, de fato, lexemas, a resposta é sim e não. Sim, pois estão todas dicionari-
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE zadas e trazem noções, como já foi explicado anteriormente; não, se pensarmos que
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES não se prestam a novas formações, a exemplo de trist-, que pode servir de base para
outras palavras.
Isso não impede que algumas formas presas ou dependentes sejam empregadas,
por necessidades comunicativas, em algum momento como forma livre. É o caso de
-ismo, mencionado no primeiro capítulo; do prefixo ex-, em ‘Meu ex viajou ontem
para a Europa.’; de micro-, em Preciso comprar um micro novo, pois o meu já está
antiquado.’; de euzinha, em ‘Euzinha fiz o trabalho’, em que o sentido é de reforço
(Eu mesma fiz o trabalho); de aquelazinha, em ‘Aquelazinha lá roubou meu namora-
do.’, em que se constata nitidamente o tom pejorativo da expressão. Nesses exemplos,
temos os elementos -ismo, -ex e micro como formas presas que passam a funcionar
como formas livres; em euzinha e aquelazinha, temos pronomes, portanto, formas
livres que normalmente não servem de base para novas formações, sendo empregadas
com sufixos (derivação). Trata-se, portanto, de empregos esporádicos, expressivos,
enfáticos, pouco usuais, que de vez quando podem ocorrer dada a dinamicidade da
língua.
Para concluir a questão de definição de lexema, de palavra e de vocábulo, consi-
deradas sinônimas por muitos, por questões didáticas, diríamos que a palavra, flexio-
nada ou não, é a representação concreta do lexema.
Assim, o lexema amar tem as seguintes manifestações concretas (formas de um
mesmo lexema): amei, amou, amaria, amaste, amássemos, ama etc. Ou seja, as pala-
vras (ou formas de um mesmo lexema) são todas as possibilidades do lexema (lexema/
palavra amar) quando flexionado nos diversos tempos e modos, números e pessoas.
Por fim, o vocábulo, nos estudos linguísticos, situa-se entre as noções de sílaba e
de grupo de força (cf. os exemplos O Celta te esperando e O Celta te esperando). Para
Câmara Jr. (1970), palavra, no sentido tradicional, e vocábulo formal são tratados da
mesma forma.
Resta salientar que vocábulo formal e vocábulo fonológico nem sempre coincidem.
Por exemplo: Disse que não o viu e Disse que não ouviu, em que temos, na fala, a falta
de distinção entre o verbo ouvir e o pronome o diante do verbo viu: o viu / ouviu.
No terceiro capítulo trataremos com mais detalhes as questões referentes à flexão
e à derivação.
Passemos agora aos tipos de formas presas que interessam à Morfologia.
32
TIPOS DE MORFEMAS E SUAS FUNÇÕES BÁSICAS As unidades de análise
da Morfologia
Quanto ao significado
Os morfemas são divididos conforme o significado e o significante. Em relação
ao significado, que leva em consideração a função que o morfema desempenha no
conjunto do lexema ou da palavra, optamos, por questões didáticas, pelas expres-
sões morfemas lexicais e morfemas gramaticais. Outros autores preferem expressões
como semantema, lexema e raiz, para morfemas lexicais, e gramema e não-raiz, para
morfemas gramaticais.
Como já foi mencionado, a Morfologia Estrutural define morfemas como unidades
mínimas de significado. Divide-os em morfemas lexicais e em morfemas gramaticais,
ou seja, todos eles são unidades mínimas de significado, porém as informações pre-
sentes são diferentes.
Os morfemas lexicais remetem ao sentido básico da formação, a exemplo da forma
trist-; os demais morfemas são gramaticais e remetem à estrutura gramatical da língua
portuguesa. São os que estão entre parênteses abaixo:
Convém ressaltar que esse exemplo reflete o estágio atual da língua portuguesa.
Se tomarmos um outro exemplo, como o de chuv- e pluv-, teremos a perspectiva
diacrônica da língua, conforme mencionado anteriormente. Cada um desses lexemas
se presta a formar novas palavras de forma independente, pois cada uma delas tem
seu radical independente, embora, historicamente, apresentem a mesma origem, e,
portanto, a mesma raiz. De chuv-, temos chuveiro, chuvisco, chuvinha, chuvarada,
chuvada, chuvão, chuveirada, chuveirão, chuvisca, chuvisco, chuvisqueiro, chuvoso
etc; de pluv-, temos pluvial, pluvioso, pluviômetro, pluviométrico, pluviógrafo, plu-
viometria etc. Todas essas palavras derivadas são novos lexemas que passam a incor-
porar o léxico da língua portuguesa.
33
INTRODUÇÃO A partir do exemplo dos lexemas derivados do radical trist-, passemos a discorrer
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA sobre cada um dos morfemas gramaticais em português.
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E O morfema lexical
FUNÇÕES
Quanto ao significado, o morfema lexical é aquele que traz o sentido básico da
formação. Nas gramáticas normativas ele também é denominado radical e, às vezes,
raiz. A ele são anexados os morfemas gramaticais que expressam gramaticalmente as
informações de modo-tempo, número-pessoa, voz e aspecto nos verbos, e de gênero
(masculino, feminino e neutro, este último persistente ainda em alguns casos no por-
tuguês) e número (singular e plural) nos nomes substantivos, adjetivos e em alguns
pronomes, além de indicar as vogais temáticas que se encontram nos verbos e nos
nomes adjetivos e substantivos e em alguns pronomes. Esses morfemas gramaticais
serão estudados mais adiante.
Convém ressaltar que muitos nomes expressam semanticamente a ideia de ação,
de processo, entretanto, essas noções não são expressas por morfemas gramaticais evi-
dentes, bem marcados. Por exemplo: os nomes assalto, voo, construção expressam,
em termos de significado, ideia de ação, de processo, mas continuam a ser nomes
substantivos, pois não apresentam morfemas gramaticais que os classifiquem entre os
verbos:
34
que, embora apresentem os morfemas gramaticais de gerúndio (-ndo) e de particípio As unidades de análise
da Morfologia
(-do), respectivamente, pertencem à classe dos adjetivos.
Concluímos que o morfema lexical oferece a informação primária, ao passo que os
morfemas gramaticais nos indicam o tempo, o modo, o número, a pessoa, a voz e o as-
pecto dos verbos, o gênero e o número nos nomes substantivos, adjetivos e em alguns
pronomes, as vogais temáticas dos verbos e dos nomes e os afixos, que se dividem em
prefixos (antes do radical) e os sufixos (depois do radical). Veremos cada um deles
separadamente, utilizando o exemplo de trist-.
Os morfemas gramaticais
Os morfemas gramaticais são formas presas responsáveis pelas funções gramaticais
da palavra. A eles cabe a significação interna, isto é, modificam o sentido dos morfemas
lexicais. Situam-se na gramática e dividem-se em três grupos de acordo com a função
que exercem no interior do lexema: classificatórios, flexionais e derivacionais. Veja-
mos cada um desses grupos.
Morfemas classificatórios
Os morfemas classificatórios, conhecidos nas gramáticas por vogal temática, ser-
vem para classificar grupos de verbos (primeira, segunda e terceira conjugações) e
grupos de nomes (substantivos, adjetivos e alguns pronomes). No caso dos verbos,
temos as vogais temáticas:
No caso dos nomes, a vogal temática se presta a formar um tema (radical + vogal
temática) para que se possam inserir os morfemas flexionais: carr + o + s. Sem a vo-
gal temática, não é possível, na língua portuguesa, inserir a marca de número: *carrs.
Isso não significa que todos os nomes apresentem vogal temática. Em português, as
vogais temáticas nominais são A, E, O, átonas finais (sílaba fraca): casA, dentE, bolO.
Por serem átonas, geralmente, desaparecem quando anexamos um sufixo:
35
INTRODUÇÃO Essa regra não se aplica aos lexemas terminados em ditongos nasais ou não, pois
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA eles têm a vogal como centro da sílaba, e não como final da sílaba. Note-se nos exem-
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE plos abaixo que as vogais finais não são propriamente vogais, e sim semivogais que
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES acompanham as vogais antecedentes.4 Nesses casos, quando derivamos um outro lexe-
ma, essa semivogal persiste na nova formação:
36
Morfemas flexionais As unidades de análise
da Morfologia
Os morfemas flexionais, também denominados desinências flexionais, alteram o mor-
fema lexical. No caso dos verbos, apontam o modo e o tempo, o número e a pessoa:
No caso dos nomes, temos os morfemas que apontam o gênero e/ou número:
Isso não significa que todo lexema terminado em -A está flexionado no feminino e
que todo lexema terminado em -O está no masculino. Por exemplo: os lexemas mesa
e carro não estão flexionados no gênero feminino e masculino, respectivamente, pois
não apresentam um par *meso – mesa; carro – *carra. Para que haja flexão, é ne-
cessário que haja, também, um par semanticamente oposto que mantenha o mesmo
referente, como em:
gato ⇒ gata
moço ⇒ moça
menino ⇒ menina
Essa falta de referência, que aponta não haver flexão, é encontrada nos pares abaixo:
jarro ⇒ jarra
saco ⇒ saca
testemunho ⇒ testemunha
caso ⇒ casa
Esses pares não são opostos semanticamente, pois não apresentam o mesmo referente,
embora se possa afirmar que jarra é um tipo de jarro, que saca é um tipo de saco, porém
maior (refere-se a tamanho), que testemunho é aquilo que a testemunha fala no tribunal,
por exemplo, e que caso não é o feminino de casa, e sim um relacionamento extraconjugal.
37
INTRODUÇÃO Morfemas derivacionais
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA Os morfemas derivacionais, também denominados afixos (prefixos e sufixos),
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE criam, em princípio, novas palavras na língua portuguesa. Dizemos em princípio por-
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES que, segundo o que foi abordado no primeiro capítulo, a língua portuguesa apresenta
regras de formação de palavras e restrições a algumas formações. São exemplos de
prefixos, a-, in-, sub-, des-, ex-, re-, e de sufixos, -mente, -mento, -ção, -ada, -aria, -eza,
-inha, -dor, -eiro, -ura, -ção:
38
Exemplificando todas essas funções: As unidades de análise
da Morfologia
Vocábulo MD Rz/Rd MD VT MF
engarrafados en- garraf- -ad- -o- -s
reatados re- at- -ad- -o- -s
florzinha flor -zinh- -a
infelizes in- feliz -e -s
QUANTO AO SIGNIFICANTE
Quanto ao significante, que considera o suporte material fônico, os morfemas divi-
dem-se em seis tipos. Vejamos cada um deles.
Morfema aditivo
É o morfema representado pelo acréscimo de um segmento fônico no começo
(prefixo) e/ou no fim (sufixo e/ou desinências):
Morfema subtrativo
Consiste na eliminação de um segmento fônico pertencente à palavra/lexema (raiz/
radical), na formação de alguns pares opositivos masculino/feminino:
mau ⇒ má
réu ⇒ ré
campeão ⇒ campeã
39
INTRODUÇÃO e na formas verbais na formação do imperativo, por exemplo:
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE vendes ⇒ vende (vós-tu)
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES cantais ⇒ cantai (vós-tu)
partis ⇒ parti (vós-tu)
Morfema alternativo
Caracteriza-se pela alternância de traços fônicos no interior da palavra/lexema para
estabelecer uma oposição de gênero. O par abaixo constitui o único exemplo de flexão
de gênero encontrado na língua portuguesa:
avô ⇒ avó
Portanto, para que haja oposição de gênero, é necessário que haja, também, uma
alternância fônica (abertura da vogal de ô para ó), caso contrário, essa oposição não
poderá ser realizada.
Nas formas verbais, também temos esse tipo de morfema, que é responsável pela
mudança de pessoa gramatical:
ovo ⇒ ovos
tijolo ⇒ tijolos
sogro ⇒ sogra
40
Morfema suprassegmental As unidades de análise
da Morfologia
Consiste na oposição que se estabelece entre um par de palavras/lexemas por meio
da mudança da vogal tônica:
fábrica ⇒ fabrica
secretária ⇒ secretaria
médico ⇒ medico
fórmula ⇒ formula
pronúncia ⇒ pronuncia
Morfema reduplicativo
Define-se pela repetição de parte de uma palavra/lexema:
vô ⇒ vovô
pai ⇒ papai
mãe ⇒ mamãe
Zé ⇒ Zezé
beber ⇒ bebericar
saltar ⇒ saltitar
dormir ⇒ dormitar
41
INTRODUÇÃO Na língua portuguesa, esse processo de reduplicação de um morfema se presta a
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA fins estilísticos e/ou semânticos para indicar afeição, carinho, intimidade, no caso dos
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE quatro primeiros exemplos.
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES
Morfema de posição
Esse morfema está relacionado à sintaxe e resulta da troca de posição das palavras/
lexemas no interior da sentença ou de qualquer enunciado:
Morfema cumulativo
O morfema cumulativo consiste na junção de dois significados em um mesmo mor-
fema, de tal maneira que não é possível especificar as duas noções nele contidas. Na
língua portuguesa, temos esse tipo de morfema apenas nos verbos conjugados:
a + má + sse + mos
cant + a + ría + m
dorm + i + re + is
Os morfemas -SSE-, -RÍA- e -RE- são cumulativos, pois expressam, ao mesmo tempo,
o modo e o tempo do verbo:
SSE: pretérito imperfeito (tempo) do subjuntivo (modo)
RÍA: futuro do pretérito (tempo) do indicativo (modo)
RE: futuro do presente (tempo) do indicativo (modo)
42
Os morfemas -MOS, -M, e -IS são cumulativos, pois expressam, ao mesmo tempo, o As unidades de análise
da Morfologia
número e a pessoa do verbo:
Como se pode constatar, esses morfemas são indivisíveis e expressam duas noções
em um único morfema, diferentemente dos morfemas flexionais dos nomes, que têm
uma noção para cada forma:
Morfema Ø
O morfema Ø, também denominado forma não-marcada, é o morfema que ex-
pressa uma significação apesar de estar ausente. Isso não significa, portanto, que o
morfema Ø é inexistente. Ao contrário, ele significa tanto quanto um morfema que se
visualiza no interior de uma palavra. Ele é detectado quando fazemos a comutação/
troca entre morfemas presentes e ausentes. Por exemplo, nos pares
mesa + Ø ⇒ mesa + S
carro + Ø ⇒ carro + S
43
INTRODUÇÃO beb + ê + sse + m (primeira pessoa do plural)
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA beb + ê + sse + Ø (primeira ou terceira pessoa do singular)
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES Nos exemplos acima, o morfema Ø indica primeira ou terceira pessoa do singular
em ambos as formas verbais e isso só é comprovado pela presença de outro morfema
naquela posição, no caso, os morfemas -MOS e -M.
Outros exemplos:
cant + a + re + i
cant + e + Ø + i
moço – moça
menino – menina
gato – gata
peru + Ø ⇒ peru + a
guri + Ø ⇒ guri + a
cantor + Ø ⇒ cantor + a
mestre + Ø ⇒ mestre + a
44
Nesses casos, a proposta é a de um morfema Ø para indicar o gênero masculino, As unidades de análise
da Morfologia
mantendo-se o morfema -A para o gênero feminino. Isso resolve a maioria dos pares opo-
sitivos na língua portuguesa e elimina uma série de exceções elencadas nas gramáticas.
Resta comentar que o morfema Ø não se classifica nem em morfema aditivo, pois
não apresenta corpo fônico evidente, tão pouco se classifica como morfema subtrativo,
pelo mesmo motivo.
Proposta de Atividades
Nas atividades, procure apontar exemplos que não tenham sido mencionados no
capítulo.
1) Como o falante de língua portuguesa reconhece uma palavra nas frases: Ah se todo branco
fosse assim. Ace todo branco fosse assim.
a) na escrita;
b) na fala;
c) na sintaxe.
2) Qual a definição de lexema?
3) Da lista a seguir, identifique as formas livres, as formas presas e as formas dependentes:
a) porta
b) mim
c) mas
d) que
e) feliz
f ) nós
g) nos
h) cantássemos
i) quando
j) giz
l) jardim
m) flores
n) mar
o) pedra
p) casar
q) mulher
r) homem
4) Cite exemplos de formas presas que, ocasionalmente, podem funcionar como formas
livres.
5) Qual a diferença entre morfema lexical e morfema gramatical?
6) Como se dividem os morfemas?
45
INTRODUÇÃO 7) Os morfemas classificatórios correspondem a _____________. Dê 2 exemplos.
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA 8) Os morfemas flexionais correspondem às desinências de ___________ e de
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE
___________. Dê 2 exemplos.
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES
9) Os morfemas derivacionais correspondem aos ___________ e aos ___________. Dê 2
exemplos.
10) No par avô/avó, o traço que distingue o gênero masculino do feminino é
_______________. Explique.
11) No par menino/meninos, o traço que distingue o número singular do número plural é o
_____________.
12) No par cantava/cantavam, aponte os morfemas que indicam o número e a pessoa.
13) Em corressem/corrêssemos, correríamos/correriam aponte os morfemas cumulativos. Ex-
plique as noções que eles indicam.
14) Nos pares porco/porcos e sogro/sogra, quais os morfemas que indicam número e gênero,
respectivamente?
15) Para manifestar a marca de gênero, algumas palavras em língua portuguesa não apresen-
tam o acréscimo de morfema. Trata-se de morfemas subtrativos. Dê três exemplos de pares
de morfemas subtrativos.
16) Dê três exemplos de morfema reduplicativo. Explique.
17) O que é morfema de posição? Dê dois exemplos e explique se ele diz respeito aos estudos
de Morfologia.
18) Explique se cabe ou não aos estudos morfológicos o caso do morfema suprassegmental.
19) Divida os morfemas das palavras abaixo em morfemas lexicais e morfemas gramaticais:
folha
chave
gata
meninas
caseiro
floreira
20) Classifique os morfemas gramaticais que você destacou acima de acordo com o significado
e o significante.
Anotações
46
As unidades de análise
da Morfologia
Anotações
47
INTRODUÇÃO
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA
PORTUGUESA Anotações
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES
48
3 Flexão x derivação
bonito ⇒ bonita
falso ⇒ falsa
menino ⇒ menina
lobo ⇒ loba
aquele ⇒ aquela
ele ⇒ ela
esse ⇒ essa
bonito + Ø ⇒ bonito + S
bonito + Ø ⇒ bonito + A
falso + Ø ⇒ falso + S
49
INTRODUÇÃO menino + Ø ⇒ menino + S
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA menino + Ø ⇒ menino + A
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE lobo + Ø ⇒ lobo + S
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES lobo + Ø ⇒ lobo + A
aquele + Ø ⇒ aquele + S
aquele + Ø ⇒ aquele + A
ele + Ø ⇒ ele + S
ele + Ø ⇒ ele + A
esse + Ø ⇒ esse + S
esse + Ø ⇒ esse + A
A derivação, por sua vez, consiste na articulação entre afixos (prefixos e sufixos)
para a formação de novas palavras. Trata-se de um dos processos mais produtivos
na língua portuguesa, porque é responsável pela ampliação permanente de nosso
léxico.
Uma primeira distinção que se estabelece entre processo flexional e processo
derivacional é a de que as desinências flexionais se apresentam em número mais
restrito (não se criam novas desinências, pois elas estão previstas no sistema lin-
guístico de cada língua), ao passo que os afixos (prefixos e sufixos) se apresentam
em um quadro mais amplo e, de acordo com as necessidades comunicativas, é
possível reaproveitar itens já existentes na criação de novas palavras. Por exemplo,
os elementos euro-, originário de Europa, e agro-, forma livre na língua latina, cujo
significado era o de campo, já faziam parte do léxico da língua e, por necessidades
comunicativas, passaram a fazer parte de novas formações: Eurocopa, Eurotrem,
Eurodisney; agroboy, agronegócio, agrojada etc. Todos esses exemplos já foram
mencionados em capítulo anterior.
Por outro lado, não é possível readaptar desinências para marcar flexões de
gênero e de número para os nomes adjetivos e substantivos e para os pronomes e
de modo-tempo e de número-pessoa para os verbos.
Um outro diferencial entre os processos flexional e derivacional está na presen-
ça ou não da concordância. A flexão exige concordância ao passo que a derivação
não. Por exemplo, se dissermos menina e quisermos acrescentar um adjetivo, tere-
mos de flexioná-lo no feminino para concordar com o gênero de menina: menina
pequena. Nesse caso, temos a flexão. Se, entretanto, dissermos menininha, não é
obrigatório que tenhamos de dizer, também, pequeninina. A flexão ainda conti-
nua obrigatória, pois menininha é do gênero feminino e pequenininha também
o é; todavia o fato de empregarmos o sufixo diminutivo -inha em menininha não
50
nos obriga a utilizá-lo também em pequenininha. Podemos dizer tanto menininha Flexão x derivação
Em vista disso, podemos apontar a principal diferença entre esses dois processos: a
flexão não forma novas palavras; cabe à derivação essa função. Por exemplo: o substan-
tivo casa apresenta a forma flexionada no plural casas. Não se trata de palavra nova,
e sim de duas formas (singular e plural) de uma mesma palavra. Se, todavia, empre-
garmos um sufixo, por exemplo, -inha, teremos uma derivação e, consequentemente,
uma nova palavra, pois o radical se amplia:
Isso não significa que o processo flexional exclua o processo derivacional. Reto-
mando os exemplos menina pequena e menininha pequena, temos:
51
INTRODUÇÃO Eis um quadro resumitivo das distinções apresentadas entre esses dois processos:
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA
FLEXÃO DERIVAÇÃO
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE 1. Quadro reduzido de formas 1. Quadro amplo de formas
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES 2. Concordância 2. Não-concordância
3. Regularidade 3. Não-regularidade
4. Obrigatoriedade 4. Não-obrigatoriedade
Outro grupo de nomes substantivos que não apresenta oposição de número por
meio de processo flexional são os nomes coletivos, os quais apresentam uma forma no
singular, mas indicam um conjunto.
52
Embora a NGB não faça referência alguma à subclassificação dos coletivos, Rocha Flexão x derivação
Lima, em sua Gramática Normativa da Língua Portuguesa, afirma que ‘[...] os co-
letivos se subclassificam em: indeterminados (gerais e partitivos) e determinados
(numéricos e especiais)’. Segundo o autor, os indeterminados não fazem referência
à quantidade dos seres do conjunto; os determinados referem-se à quantidade ou
à qualidade dos seres. Desse modo, são gerais os coletivos indeterminados que ex-
pressam o todo, por exemplo, exército, cacho, e partitivos os que expressam uma
parte do todo, por exemplo, batalhão. Os numéricos, por sua vez, são os coletivos
determinados que se referem à quantidade, por exemplo, casal, dúzia, dezena,
milheiro; e os especiais, aqueles que se referem à qualidade dos seres do conjunto,
por exemplo, cardume, pomar (já se sabe que é um agrupamento de seres e um
conjunto de árvores frutíferas, respectivamente).
Eis alguns exemplos de coletivos conhecidos em português:
Há, porém, alguns coletivos que não são tão específicos, como é o caso de feixe,
que pode ser empregado em feixe de lenha ou em feixe de raios luminosos; fileira,
que pode ser empregado em fileira de pessoas ou em fileira de coisas; junta, que
pode ser empregado em junta de examinadores, em junta de médico, em junta de
bois etc.
Isso não significa que não se possa flexionar esses substantivos no plural; se
quisermos nos referir a mais de um coletivo, dizemos pinacotecas, ramalhetes e
bandos.
Há um outro grupo de substantivos que apresenta apenas uma única forma sem
distinção de número. É o caso de substantivos terminados em X: tórax: não há a
oposição o tórax, *os tórax, mas apenas o tórax.
Há o grupo de substantivos que só é empregado no plural (pluralia tantum) e
significa um conjunto de atividades. É o caso dos substantivos as exéquias (tudo o
que envolve funeral); as bodas (tudo que envolve um certo período de matrimô-
nio); as núpcias (tudo que envolve o pós-cerimônia de casamento) etc.
Há um outro grupo de substantivos que, no singular, significa algo, e, no plural,
não significa a mesma coisa. Por exemplo:
53
INTRODUÇÃO a féria (pagamento): O chefe deixará nossa féria no final do dia.
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA as férias (período de descanso): O chefe tirará férias no final do ano.
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE a costa (litoral): A costa do Brasil é banhada pelo Oceano Atlântico.
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES as costas (dorso): As minhas costas estão doloridas.
capitãO + S ⇒ capitães
cãO + S ⇒ cães
pãO + S ⇒ pães
sermÃO + S ⇒ sermões
paixÃO + S ⇒ paixões
Nos substantivos terminados em -R, -S e -Z, temos acréscimo da vogal E além da desi-
nência -S:
mar + S ⇒ marES
mês + S ⇒ mesES
luz + S ⇒ luzES
54
Nos substantivos terminados em -AL, -EL, -OL, -UL, ocorre a queda do -L e acréscimo Flexão x derivação
carnavaL + S ⇒ carnavaIS
aneL + S ⇒ anéIS
anzoL + S ⇒ anzóIS
azuL + S ⇒ azuIS
caniL + S ⇒ caniS
barriL + S ⇒ barriS
2) quando terminados em -IL, cuja sílaba final é átona, os substantivos perdem esse
-L, recebem um -E antes do -I além da desinência de plural -S no final do processo de
flexão:
fóssil + S ⇒ fóssEIS
menino + Ø ⇒ menino + A
gato + Ø ⇒ gato + A
mestre + Ø ⇒ mestre + A
peru + Ø ⇒ peru + A
cantor + Ø ⇒ cantor + A
pequeno + Ø ⇒ pequeno + A
Com o acréscimo de -A, ocorre a elisão desse -A com a vogal final (quando houver).
É o que ocorre em:
55
INTRODUÇÃO
AOS ESTUDOS DE
Convém também recordar que nem todo substantivo terminado em -A está no
MORFOLOGIA DE LÍNGUA gênero feminino por flexão; também se pode afirmar o contrário: nem toda palavra
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE terminada em -O é masculina: tribo. A vogal final, portanto, não indica gênero, mas
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES simplesmente inclui essas palavras dentro de determinada classe gramatical. Cabe
ao artigo e a outros elementos presentes no contexto a indicação do gênero:
A tribo foi dividida em dois grupos. (A indicação do gênero se faz, como se cons-
tata, pelo artigo A diante do substantivo tribo)
O telefonema foi feito às pressas. (A indicação do gênero se faz, como se consta-
ta, pelo artigo O diante do substantivo telefonema)
dente ⇒ o dente
lápis ⇒ o lápis
urubu ⇒ o urubu
colibri ⇒ o colibri
gravidez ⇒ a gravidez
O gênero, portanto, nem sempre está vinculado à noção de sexo dos seres; ape-
nas aproximadamente um terço das palavras no português apresenta pares flexio-
nados do masculino para o feminino com o acréscimo da desinência -A. O gênero é
uma categoria gramatical herdada culturalmente (aprende-se que a palavra tal é do
gênero feminino, por exemplo); o sexo é um conceito biológico atribuído a pares de
seres. Ainda que nos refiramos a seres, a conceitos, a objetos, a sentimentos, a ideias
etc que não são sexuados, ainda assim eles possuem um gênero, que é marcado
pelo(s) elemento(s) que os precede(m) ou sucede(m):
56
Uma outra observação a ser feita é a de que há pares de nomes que, embora Flexão x derivação
a ave / o pássaro
a criança / o menino
No primeiro exemplo, para que haja flexão de gênero por meio de desinência, é
necessário flexionar galo + A ⇒ *gala, fato que não ocorre. Convém ressaltar que a
palavra gala existe, mas não significa o feminino de galo; no segundo exemplo, não
temos o feminino formado por flexão a partir do acréscimo de -A: duque ⇒ *duca;
no terceiro exemplo, o substantivo masculino termina em -A (profeta), fato que já des-
carta uma flexão com acréscimo da desinência -A: profeta + A ⇒ *profetaa. Convém
ressaltar que atualmente também se emprega prefeta para ambos os sexos: o/a profeta.
Nesse caso, esse par se enquadra nos casos de comuns-de-dois.
Comuns-de-dois
Há pares de nomes em português que apresentam uma só forma para o masculino
e o feminino, ou seja, a distinção de gênero é realizada mediante o emprego de artigo,
adjetivo, pronome e/ou numeral:
o artista ⇒ a artista
o bom pianista ⇒ a boa pianista
57
INTRODUÇÃO este imigrante ⇒ esta imigrante
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA dois pacientes ⇒ duas pacientes
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES Há, em português, alguns substantivos masculinos ou femininos que, embora lem-
brem pares flexionados, não o são, visto que a mudança do gênero provoca, também,
a mudança de sentido:
Embora esses casos estejam incluídos nos manuais de gramática dedicados à Mor-
fologia, o assunto deve ser tratado como questão semântica.
Sobrecomuns
Há um conjunto de nomes, os sobrecomuns, que indicam tanto o masculino quan-
to o feminino e nem mesmo o contexto pode definir isso, a não ser em situações tais
como:
58
O cônjuge ficou transtornado com a separação. Flexão x derivação
Epicenos
Os epicenos, a exemplo dos sobrecomuns, são nomes substantivos de gênero
único que se referem a ambos os sexos, no caso, a animais. Não há, portanto, di-
ferença alguma entre cônjuge e jacaré, pois ambos são do gênero masculino e se
referem aos dois sexos. A gramática, porém, decidiu por criar uma outra categoria
entre epicenos e sobrecomuns para distinguir seres racionais (humanos) de seres
animais (não-humanos).
No caso dos epicenos, as gramáticas sugerem que, para indicar o sexo do animal,
posponham-se as palavras macho ou fêmea diante do substantivo:
Constata-se que o emprego das expressões macho ou fêmea para indicar o sexo da
cobra e do jacaré são pouco funcionais, pois não alteram o gênero desses substantivos
que continuam a ser, respectivamente, feminino e masculino. Isso é comprovado pela
concordância que se dá entre nervosa e cobra e entre nervoso e jacaré.
Não há, portanto, diferença gramatical entre esses epicenos e os sobrecomuns,
visto que todos eles apresentam gênero único e podem se referir a seres de ambos os
sexos.
Heterônimos
Os heterônimos (de hetero = diferente e de ônimo = nome) são os pares de
substantivos que mudam de gênero por meio de outra palavra. Não se trata, portanto,
de um processo morfológico, e sim semântico e cultural. Convencionou-se relacionar,
por exemplo, mulher como feminino de homem, mas não há marca alguma que evi-
dencie esse par por processo morfológico. Os pares de heterônimos em português
podem também se referir a animais e a relações de parentesco familiar:
59
INTRODUÇÃO O boi e a vaca permaneceram no pasto durante todo o dia.
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA O genro e a nora visitaram os familiares no final de semana.
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES A questão do ‘grau’ nas gramáticas
As gramáticas normativas consideram o grau uma flexão para substantivos, adje-
tivos e advérbios. Entretanto essa categoria não se enquadra no processo de flexão,
visto que não há emprego de desinência nem é um processo obrigatório (veja quadro
descritivo das diferenças entre flexão e derivação neste capítulo).
Além disso, costuma-se associar a noção de grau à noção de grandeza, de extensão,
fato que nem sempre ocorre. Isso significa, por exemplo, que nem todas as palavras
que apresentam o sufixo -inha estão no grau diminutivo. Um exemplo disso é o subs-
tantivo galinha, que não é o diminutivo de galo, e sim seu feminino. Outro exemplo
é o de cestinha, que pode tanto significar cesta pequena, ou seja, diminutivo, quanto
aquele jogador de basquete que faz a maior pontuação em uma partida. Outro caso é
o de diminutivos e aumentativos que nem sempre expressam dimensões, mas afetivi-
dade e/ou carinho e desprezo e/ou ironia. Um exemplo disso é benzinho, que pode
ser empregado por uma mulher em referência a seu marido/namorado, mas que nem
sempre está associado ao tamanho dele, e sim ao carinho, ao afeto ou, até mesmo, ao
desprezo que ela sente por ele.
Há outros substantivos que, apesar de apresentar sufixos aumentativos, deixaram,
com o tempo, de manifestar esse grau. Por exemplo, papelão, cartão, portão, que não
são mais aumentativos de papel, carta e porta; do mesmo modo temos cartilha, que
não mais significa uma carta pequena, e sim um manual de um conteúdo qualquer.
Os graus aumentativo e diminutivo dos substantivos se dão por meio do acréscimo
de sufixos ao radical:
60
A menina ganhou uma casa grande para brincar. (grau normal) Flexão x derivação
61
INTRODUÇÃO
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA
PORTUGUESA Proposta de Atividades
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES
Nas atividades, procure apontar exemplos que não tenham sido mencionados no
capítulo.
Anotações
62
4 A derivação
1 Os advérbios que são empregados para indicar lugar também são denominados pronomes
dêiticos.
63
INTRODUÇÃO todas as vezes que anexamos o sufixo -dade a bases verbais terminadas com o sufixo
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA -vel, temos a mudança deste sufixo -vel para -bil, sufixo latino. Há autores como Mon-
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE teiro (2002, p. 34) que preferem considerar o sufixo -bil- como alomorfe do sufixo
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES -vel. Nós, entretanto, preferimos considerar a história do português, ou seja, o sufixo
-bil- pertence à língua latina e era anexado a bases verbais.
O processo de composição compreende a junção de duas bases para a formação de
uma nova palavra; uma palavra é composta quando apresenta pelo menos duas bases,
quer livres, quer presas:
Temos, nos exemplos acima, duas formas verbais que se referem ao mesmo sujeito
(eu), ou seja, o fato de derivarmos um verbo de outro por meio de prefixo não altera
a estrutura da frase b.
Um outro aspecto da derivação é a necessidade de mudança de classe da palavra:
Se quisermos dizer que a Petrobras se tornou nacional a partir de uma certa data,
devemos construir a seguinte estrutura:
64
feijoada, de feijão + ada A derivação
é mais específico, visto que se anexa a bases substantivas que se referem a alimentos e
significa ‘refeição/doce feito à base do alimento X’.
Em suma, entre os sufixos -ção e -ada há diferenças quanto à produtividade, à
generalização e à abstratização: o sufixo -ção é mais genérico, mais produtivo e mais
abstrato do que o sufixo -ada, pois pode ser anexado a muitos verbos formando no-
mes substantivos, ao passo que o sufixo -ada, quando empregado com substantivos
que significam alimento, apresentam um sentido específico de ‘refeição/doce feito à
base do alimento X’. Além disso, o sufixo -ada, quando anexado a bases verbais, pode
expressar aspecto breve ou passageiro. É o caso das expressões em -ada abaixo:
O exemplo acima ilustra bem essa combinação, que transpõe da sintaxe para a mor-
fologia um termo que se refere a uma máquina que capta/caça moedas, ou seja, uma
máquina de jogos proibida no Brasil:
65
INTRODUÇÃO A polícia federal apreendeu cinquenta máquinas que caçam/captam moedas/níqueis.
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE O mesmo ocorre em
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES
peixe-espada
couve-flor
obra-prima
caixa-alta
livre-arbítrio
belas-artes
Nesses exemplos, se dissermos prima obra, alta caixa, arbítrio livre e artes belas, o
sentido permanecerá o mesmo.
Em formações com verbo mais substantivo, esse substantivo funcionará sintaticamen-
te como objeto/complemento do respectivo verbo:
saca-rolhas
66
porta-jóias A derivação
mata-mosquito
porta-lápis
DERIVAÇÃO PREFIXAL
A derivação prefixal consiste na adição de um prefixo antes da base, acrescentan-
do-lhe uma nova significação. Como o próprio nome diz, prefixo significa pré-fixo, ou
seja, fixado/fixo antes de algo, no caso, da base. Essa posição antes da base permite
que o valor semântico do prefixo seja identificado com uma certa facilidade. Também é
possível identificar uma regularidade no emprego de prefixos diante de determinadas
bases. Assim, é mais frequente o acréscimo de prefixo antes de bases verbais e de bases
adjetivas.
67
INTRODUÇÃO Desse modo, o prefixo define-se como
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE a) uma sequência fônica que se repete, pelo fato de não ser uma base;
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES b) um elemento que se coloca à esquerda de uma base;
c) um elemento que forma novas palavras;
d) uma forma presa;
e) um elemento que não altera a classe gramatical da base.
fazer ⇒ refazer
ler ⇒ reler
eleger ⇒ reeleger
amor ⇒ desamor
afeto ⇒ desafeto
Nesses grupos de formações, temos os prefixos re- e des-, os quais são: sequências
fônicas que se repetem, ou seja, são recorrentes; elementos que estão colocados à
esquerda das bases fazer, ler, eleger, amor e afeto; são elementos presos (não fun-
cionam livremente na língua) formadores de novas palavras; e são elementos que não
alteram a classe gramatical das bases que continuam a ser verbos, no caso do primeiro
grupo, e de nomes substantivos, no caso do segundo grupo.
No caso do prefixo re-, temos o valor de repetição: reler, refazer e reeleger signifi-
cam, respectivamente, ‘ler, fazer e eleger novamente ou de novo’. Em desamor e em
desafeto, temos o prefixo des-, com o valor de ‘falta de, ausência’: desamor e desafeto
significam, respectivamente, ‘falta de amor’, ‘falta de afeto’.
68
visto que podem ser empregadas em outros contextos, que não aquele diante de A derivação
Para Câmara Jr. (1970), trata-se de formas dependentes, ou seja, aquelas que não
são nem presas, nem livres. Entretanto, o fato de qualquer uma delas poder funcio-
nar como palavra da língua, faz que classifiquemos os elementos acima como bases
livres. As palavras dos exemplos anteriores, portanto, são formadas por composição,
e não por derivação.
Nossa postura se justifica pelos aspectos funcionais desses elementos, que,
historicamente, eram formas presas (preposições presas às formas verbais latinas,
por exemplo, a preposição com do verbo comedere, citado no primeiro capítulo),
que, posteriormente, passaram a funcionar como formas livres na língua portu-
guesa. Essa oscilação gerou essa instabilidade no emprego desses elementos na
língua portuguesa.
Essas preposições mantiveram seu significado independentemente de serem,
hoje, formas presas ou dependentes:
Nos exemplos acima, a preposição com se repete antes do verbo e depois dele,
fato que prova que esse elemento funciona como forma livre e participa da for-
mação por composição dos verbos comemorar e conviver. Comemorar significa
memorar com (relembrar), ou seja, ‘trazer à memória alguém ou alguma coisa’;
conviver significa ‘viver junto/com’. Ao empregarmos a preposição com depois dos
verbos, estamos repetindo o sentido da preposição, que já se encontra junto às
formas verbais.
DERIVAÇÃO SUFIXAL
A derivação sufixal consiste na adição de um sufixo após a base, acrescentando-lhe
uma nova significação ou mudando-lhe a classe gramatical. Como o próprio nome
69
INTRODUÇÃO diz, sufixo significa subfixo, ou seja, fixado/fixo abaixo de algo, no caso, da base. Essa
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA posição (após) a base muitas vezes dificulta a identificação do valor semântico do su-
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE fixo. Assim como ocorre na derivação prefixal, também é possível identificar uma re-
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES gularidade no emprego de sufixos diante de determinadas bases. Desse modo, temos
diversas regras de formação de palavras com sufixos, as quais são muito produtivas,
enquanto outras são pouco produtivas.
Desse modo, o prefixo define-se como
a) uma sequência fônica que se repete, pelo fato de não ser uma base;
b) um elemento que se coloca à direita de uma base;
c) um elemento que forma novas palavras;
d) uma forma presa;
e) um elemento que às vezes altera a classe gramatical da base.
Nesses grupos de formações, temos os sufixos -mento, -dor, -ura, -eza, -eiro, os quais
são: sequências fônicas que se repetem, ou seja, são recorrentes; são elementos coloca-
dos à direita das bases casar, reger, armar, caçar, gordo, amargo, triste, bravo, casa,
70
cinza, abacate e pêssego; são elementos presos (não funcionam livremente na língua) A derivação
formadores de novas palavras; e são elementos que às vezes alteram a classe gramatical
das bases: nos quatro primeiros pares, ocorre mudança da classe gramatical das bases,
que passam, respectivamente, de verbo para substantivo, de verbo para substantivo, de
adjetivo para substantivo, de adjetivo para substantivo. Nos dois últimos pares, não ocor-
re essa mudança, pois são bases substantivas que formam novos substantivos.
Quanto à significação, nota-se que nem sempre é possível identificar o significado
do sufixo, principalmente nos casos em que ocorre mudança de classe gramatical. Nos
casos em que não ocorre essa mudança, o sentido do sufixo é mais evidente: caseiro
é aquele que cuida de uma casa, chácara, fazenda; cinzeiro é o recipiente em que se
colocam as cinzas; abacateiro e pessegueiro são árvores que dão abacate e pêssego.
O sufixo -eiro, nos exemplos acima, é um caso claro de que o sufixo por si só não
tem significado: é preciso observar o seu sentido conforme o significado da base. Des-
se modo, não é o sufixo -eiro que cuida da casa, e sim a formação inteira, a base mais
o sufixo; não é o sufixo -eiro que dá o abacate, e sim a formação inteira, a base mais o
sufixo, e assim por diante.
Cabe observar que alguns sufixos exprimem ideia de aspecto verbal e dimensão/
tamanho. É o caso dos sufixos -ejar, -itar, -isco, -iscar etc. Os exemplos abaixo eviden-
ciam essas diferenças semânticas entre as bases e as formações delas derivadas:
71
INTRODUÇÃO substantivos chuvisco e pedrisco remetem a tamanho/dimensão do produto/objeto
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA especificado.
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES
A QUESTÃO DA DERIVAÇÃO PREFIXAL E SUFIXAL
As gramáticas costumam elencar, entre os tipos de formação por derivação, a de-
rivação prefixal e sufixal. É preciso, todavia, salientar que esse processo não ocorre
simultaneamente, ou seja, ao mesmo tempo, a exemplo da derivação parassintética,
que veremos mais adiante. O exemplo abaixo ilustra bem essa questão:
a) feliz
b) in + feliz (derivação prefixal)
c) feliz + mente (derivação sufixal)
d) infeliz + mente (derivação sufixal) ou in + felizmente (derivação prefixal)
normalização
normalizar + ção (base verbal + sufixo)
normal + izar (base adjetiva + sufixo)
norma + al (base substantivo + sufixo)
72
e o adjetivo normal também é formado por derivação sufixal. Assim, não podemos A derivação
DERIVAÇÃO PARASSINTÉTICA
A derivação parassintética ou circunfixação consiste na adição simultânea de um
prefixo e de um sufixo a uma base verbal, adjetiva ou substantiva. Trata-se, portanto,
de processo distinto dos anteriormente mencionados. Essa simultaneidade fica eviden-
te quando analisamos o processo:
a + manhã + ecer
en + tarde + ecer
a + noite + ecer
a + susto + ar
a + pavor + ar
Se excluirmos um dos afixos, não restará uma palavra da língua portuguesa: *ma-
nhecer, *tardecer, *noitecer, *sustar e *pavorar não são palavras possíveis, assim
como os nomes substantivos *amanhã, *entarde, *anoite, *assusto e *apavor.
Note-se que amanhã existe em português, mas não é a base dessa formação: a base
dessa formação é o substantivo manhã, e não o advérbio amanhã. Isso se comprova
73
INTRODUÇÃO pelo significado do verbo amanhecer, cujo sentido é o de ‘chegar ao período da ma-
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA nhã de um dia’, e não o sentido de ‘chegar o dia de amanhã’.
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE Desse modo, não podemos analisar essas formações afirmando que às formas ver-
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES bais *manhecer, *tardecer, *noitecer, *sustar e *pavorar foram anexados prefixos,
pois esses verbos não existem, assim como não podemos afirmar que às bases substan-
tivas *amanhã, *entarde, *anoite, *assusto e *apavor foram anexados sufixos, pois
esses substantivos não existem.
Também há formações de verbos a partir de bases adjetivas, cujo sentido é o de
‘tornar-se’:
Constata-se que os sentidos dos verbos são: ‘tornar-se gordo’, ‘tornar-se triste’ e
‘tornar-se velho’ e que o significado do prefixo é, novamente, obscuro, visto que as
bases dessas formações são abstratas.
Da mesma forma ocorre com verbos formados com os prefixos (d)es-, cujo valor
não é claro, ainda que as bases substantivas dessas formações sejam concretas:
74
trem/iate’ etc (vê-se que o sentido desse verbo é estendido a todos os meios de trans- A derivação
em + barco + ar
en + garrafa + ar
en + gaveta + ar
en + caixote + ar
Temos, portanto, dois processos distintos, que ocorreram um após o outro. Primei-
ramente foram formados os verbos embarcar e engarrafar por parassíntese; em segui-
da, com esses verbos já formados, foram anexados os sufixos -ção e -mento, resultando
em dois substantivos formados por derivação sufixal.
Em resumo, no processo parassintético, constata-se que
75
INTRODUÇÃO DERIVAÇÃO REGRESSIVA
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA A derivação regressiva consiste não no acréscimo de um afixo a uma base, e sim na
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE retirada de parte dessa base, como se nela houvesse um sufixo:
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES
Nesse caso, o sentido do verbo ancorar é o de ‘lançar uma âncora’, isto é, é preciso
primeiramente ter o objeto âncora para depois ter o ‘ato de jogar a âncora’. Temos, aqui,
um caso claro de derivação sufixal: âncora + ar. Não se trata, portanto, de um produto
formado por derivação regressiva, e sim por derivação sufixal.
Em vista dessa dificuldade em identificar se a derivação é regressiva ou sufixal, fica a
sugestão: quando se tratar de nome abstrato, denotador de ação, teremos substantivos
derivados de verbos por derivação regressiva; quando a base do verbo remeter a algo
concreto, teremos derivação sufixal:
A criança ficou de castigo por duas horas. (substantivo castigo formado por derivação
regressiva)
A mãe vai castigar a criança. (verbo castigar primitivo)
seja um substantivo abstrato derivado do verbo comprar, atualmente está vinculado aos
produtos que se adquire em supermercados, logo, está vinculado a algo concreto:
Há, portanto, que se verificar em que contexto essas palavras estão inseridas para que
se possa determinar se elas estão sendo empregadas concreta ou abstratamente:
DERIVAÇÃO IMPRÓPRIA
A derivação imprópria ou translação/conversão consiste no emprego de uma palavra
de uma determinada classe gramatical em outra classe gramatical:
77
INTRODUÇÃO
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA
PORTUGUESA Proposta de Atividades
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES
Nas atividades, procure apontar exemplos que não tenham sido mencionados nos
capítulo.
1) Diferencie o processo de composição do processo de derivação na formação de
palavras em português. Dê dois exemplos de cada um deles.
2) Aponte as características da derivação prefixal. Dê um exemplo.
3) Aponte as características da derivação sufixal. Dê um exemplo.
4) Considerando as palavras relacionadas abaixo, explique se houve processo de deri-
vação, de composição ou não ocorreu processo algum.
• contramão
• desfazer
• despedaçar
• entreaberta
• paralelo
• para-raio
• reler
• sobreloja
5) Explique as diferenças morfológicas e semânticas dos pares abaixo:
escrever-escrevinhar
ferver-fervilhar
6) Com base na explicação dada neste capítulo para o caso do advérbio infelizmente,
explique que tipo(s) de formação(ões) ocorre(m) na palavra insensatez.
7) As palavras abaixo apresentam mais de um processo de formação de palavras. Iden-
tifique quais são esses processos. Explique.
• inutilizar
• desnivelar
• esfarelamento
• desenvolvimento
8) Explique quantos e quais processos de formação de palavras ocorreram no subs-
tantivo globalização.
9) Identifique, se possível, os significados dos prefixos nas formações parassintéticas
abaixo:
78
• acalmar A derivação
• adiar
• agigantar
• apodrecer
• desabar
• encaixar
• enfileirar
• enterrar
• esclarecer
10) Explique o porquê de os prefixos não terem um sentido evidente nas formações
da questão 9 acima.
11) Explique o processo de derivação regressiva. Cite dois exemplos.
12) O que é derivação imprópria? Qual o problema desse conceito?
Anotações
79
INTRODUÇÃO
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA
PORTUGUESA Anotações
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES
80
5 A composição e outros
processos similares
81
INTRODUÇÃO COMPOSIÇÃO POR AGLUTINAÇÃO
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA A composição por aglutinação consiste na junção de mais de uma base, livre ou
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE presa, com perda de parte dessas bases:
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES
PALAVRA-VALISE
A palavra-valise ou palavra centauro é o processo de formação que consiste na
junção de duas ou mais bases com perda de parte de uma delas quando ocorre coinci-
dência fonética das partes dessas bases.
82
Trata-se de uma formação mais elaborada no sentido de que é preciso haver uma A composição e outros
processos similares
coincidência fônica (do som) de partes das bases para que ocorra o processo.
TRUNCAMENTO
É o processo de formação de palavras que ocorre por meio da fragmentação de
bases com perda de parte de uma delas, não havendo, como na palavra-valise, a neces-
sidade de coincidência fônica entre parte das bases que se prestam à formação:
REDUÇÃO VOCABULAR
A redução vocabular é o processo que consiste na redução de uma única base, re-
dução essa que não se confunde com a palavra-valise, que requer coincidência fônica
entre partes das bases, nem com o truncamento, que não requer essa coincidência
fônica. Trata-se de uma base que perde parte de seu corpo fônico por necessidades
comunicativas e pragmáticas (de uso).
Sem que haja regularidade nesse processo, pode ocorrer a redução do sufixo que
se encontra nessa base, da base (livre ou presa) inteira, ou de parte da base livre ou
presa, de forma aleatória:
O meu vizinho portuga abriu uma nova panificadora no bairro. (redução do sufixo
-es da base português)
O meu micro quebrou e terei de comprar um novo. (redução da base inteira da
palavra microcomputador)
O Maraca ficará fechado para reforma para a Copa de 2014 no Brasil. (redução de
parte da base Maracanã)
83
INTRODUÇÃO O refri que comprei estava quente. (redução de parte da base refrigerante)
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA A profe resolveu me reprovar porque não realizei o exame final. (redução de parte
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE da base professora)
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES
Constata-se que esse processo reflete muitas vezes o grau de informalidade entre os
falantes. Também há um certo grau de especificidade em relação a algumas formações.
Por exemplo:
COMPOSIÇÃO SINTAGMÁTICA
É o processo que consiste na integração de um segmento frasal em uma íntima
relação sintática, morfológica e semântica:
84
Outro teste é a impossibilidade de inversão dos constituintes dessas composições: A composição e outros
processos similares
condomínio fechado não pode ser invertido para fechado condomínio. Esses testes
comprovam que as formações acima estão se tornando cada vez mais fixas e, portanto,
tornando-se compostas.
A diferença entre os exemplos acima e aqueles constantes do capítulo 4 é que os
formados por composição sintagmática ainda não estão institucionalizados, isto é, ain-
da não são considerados formações constantes do léxico de grande parte dos falantes
de língua portuguesa. Os demais já atingiram o grau de compostos institucionalizados,
ou seja, os falantes já reconhecem aquelas formações como compostas.
Proposta de Atividades
Nas atividades, procure apontar exemplos que não tenham sido mencionados no
capítulo.
1) Explique o processo de composição por justaposição. Dê dois exemplos.
2) Explique o processo de composição por aglutinação. Dê dois exemplos.
3) Explique as características das formações das palavras-valise. Dê dois exemplos.
4) Explique o processo de formação de palavras por truncamento. Dê dois exemplos e dife-
rencie esse processo daquele que ocorre com as palavras-valise.
5) Explique em que consiste o processo de redução vocabular. Dê dois exemplos.
6) Em que consiste o processo de formação de palavras formado por composição sintagmática?
Dê dois exemplos.
Anotações
85
INTRODUÇÃO
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA
PORTUGUESA Anotações
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES
86
6 Outros processos
AS EXTENSÕES METAFÓRICAS
As extensões metafóricas consistem no emprego de palavras ou de expressões em
seu sentido figurado, ou seja, a partir de uma comparação, de uma similaridade. Por
exemplo, a comparação entre A vida atribulada e a competição esportiva leva à cons-
trução de A vida é um jogo, o jogo é dinâmico tanto quanto a vida atribulada.
Essa extensão metafórica acima com a expressão jogo pode ser encontrada em vá-
rias outras situações:
Abrir o jogo = falar com toda a franqueza; no jogo de cartas, mostrar as cartas
significa não enganar; em abrir o jogo em sentido metafórico significa não enganar,
ser sincero, franco.
Fazer o jogo de = colaborar com o(s) objetivo(s) de alguém, atuando com dissi-
mulação ou sem consciência do que faz; no jogo de cartas significa adotar as mesmas
estratégias de outro jogador; em sentido figurado, significa o mesmo procedimento
em dada situação.
Ter jogo de cintura = ter muito jeito, muita habilidade, para sair de situações
difíceis; em um jogo qualquer, significa ter habilidade, conseguir a melhor estratégia,
saber sair de situações difíceis; em sentido figurado, é saber sobre a situação e como
sair dela em momentos difíceis.
Fazer jogo limpo = fazer jogo leal, que respeita as regras; em um jogo qualquer,
87
INTRODUÇÃO não ser desonesto, não jogar sujo; em sentido figurado significa o mesmo procedimen-
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA to: ser honesto, não enganar.
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES Um outro exemplo de extensão metafórica está na analogia (comparação) entre a
transação comercial em vários níveis: relações comerciais são comparadas a relações
entre membros de uma mesma família ou entre membros de uma sociedade:
Negócio da China = negócio muito lucrativo; o negócio passa a ter a mesma di-
mensão do país China, que é grande em extensão e em população. Fazer um negócio
da China significa, portanto, fazer um grande negócio.
Negócio de pai para filho = negócio de pequeno lucro, ou de nenhum, ou, até,
em que há prejuízo, é um negócio que normalmente não prevê lucro, pois é realizado
entre pessoas próximas, de mesma família. É entendido como um negócio sem forma-
lidades, com favorecimento a alguém.
AS EXTENSÕES METONÍMICAS
As extensões metonímicas consistem no emprego de palavras ou de expressões
também em seu sentido figurado, a partir de uma extensão em que uma parte vale
pelo todo. Por exemplo, a expressão olho, empregada em Olho por olho, não significa
exatamente o olho, e sim parte do corpo humano que também inclui sentimento.
Desse modo, o sentido dessa expressão é ‘desforra igual à ofensa’. Ou seja, a ideia con-
creta de olho, em princípio órgão responsável pela visão, passa a ter sentido figurado,
abstrato e remete à visão de tudo; a visão concreta se estende à visão abstrata. Desse
modo, temos algumas extensões de significado:
Olho gordo = inveja, cobiça em sentido figurado, significa ter olho grande para
cobiçar coisas alheias.
88
A olho nu = apenas com a vista, sem auxílio de qualquer instrumento, a olho de- Outros processos
Custar os olhos da cara = de preço elevadíssimo; os olhos valem muito, são pre-
ciosos, por isso custar os olhos da cara significa custar muito, ter alto valor.
Ter o olho maior que a barriga = ser muito guloso; em sentido figurado, significa
ambição.
Resta observar que essas estruturas são recortes culturais; elas passam pela avaliação
de uma comunidade linguística, pela valoração de imagens. A falta de conhecimento de
uma dada cultura dificulta o entendimento dessas expressões, pois não permite que se
entenda essas metáforas e metonímias criadas a partir das associações que se faz entre elas.
Além dos exemplos mencionados, temos também o emprego do nome de marca regis-
trada pelo produto. Assim, qualquer esponja de lavar louça é denominada Bombril; qual-
quer lâmina de barbear é denominada Gilette; qualquer absorvente higiênico é denomi-
nado Modess; qualquer chinelo de borracha é denominado de Havaianas; qualquer leite
condensado é denominado Leite Moça; qualquer leite em pó é denominado Leite Ninho.
ONOMATOPEIAS
A onomatopeia consiste na imitação de sons ou de ruídos produzidos no mun-
do exterior. Trata-se de um processo curioso de formação, porque parte de dados
extralinguísticos, de dados fora da língua relacionados à cultura do povo dessa
89
INTRODUÇÃO língua, à reprodução sonora fonética-fonológica adaptada aos recursos disponíveis
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA na língua em questão.
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE Desse modo, para os falantes de língua portuguesa, a reprodução do som emi-
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES tido pelo latido de um cachorro é au-au, ao passo que em outras línguas esse som
é reproduzido de outras formas.
Na língua portuguesa, temos vários exemplos relacionados aos sons emitidos
por animais, por exemplo: miau-miau, piu-piu, coach-coach. Daí derivam os ver-
bos miar, piar e coaxar.
Também há verbos relacionados a fenômenos e a objetos: farfalhar das folhas
ou das asas das borboletas, por exemplo, é a reprodução do som das asas ou das
folhas; ziguezague é a reprodução de um objeto ou de automóvel em movimentos
de linha quebrada ou sinuosa, que forma ângulos salientes e reentrantes alterna-
dos. Desse nome onomatopaico se derivou o verbo ziguezaguear.
Outros exemplos são tiquetaque, som emitido pelo relógio, cuco, som emitido
pelo relógio cuco, e pingue-pongue, jogo com pequenas raquetes e bolas, frufru,
rumor de folhas etc. Trata-se de formações que, muitas vezes, repetem parte do ra-
dical, fato que é imprevisível e condicionado à disponibilidade de recursos linguís-
ticos de cada língua. Exemplos disso são onomatopeias originadas de sons emitidos
por instrumentos de percussão: reco-reco, zabumba, bumba etc.
Os morfemas reduplicativos abordados no capítulo 2 também podem ser men-
cionados aqui, visto que se trata de nomes formados a partir da reduplicação de
parte do radical da palavra:
Viviane ⇒ Vivi
Antônio ⇒ Totó
José ⇒ Zezé
ESTRANGEIRISMOS
Em decorrência do contato entre diferentes línguas, é comum que haja uma troca
de palavras ou de expressões entre diferentes culturas e línguas. Desse contato surgem
os estrangeirismos, os empréstimos de palavras, de frases ou de construções de outras
línguas. Às vezes, esses estrangeirismos podem ser incorporados à língua, passando a
assumir as flexões próprias da língua em questão.
O reconhecimento de um estrangeirismo, se dá em decorrência da sequência foné-
tica ou fonológica estranha ao sistema fonológico da língua em questão. Desse modo,
temos estrangeirismos nas palavras delivery, outlet, best-seller, marketing, compact
disc (CD), leasing, shopping, off, x-burguer, x-salada (e outras palavras com X, que é
a adaptação na fala e na escrita da palavra inglesa cheese = queijo).
90
Algumas dessas palavras já estão tão incorporadas à língua portuguesa que sua Outros processos
Duas questões devem ser levantadas aqui. A primeira delas é que a conside-
ração sobre os empréstimos leva em conta a sincronia: como identificar que se
trata de um empréstimo? Algumas palavras já foram incorporadas à língua e sofrem
adaptações; outras ainda se encontram inadaptadas devido ao status de seu uso:
por exemplo, entre delivery e entrega em domicílio, ainda há um status em uti-
lizar a expressão em inglês. A segunda consideração é que, sob o ponto de vista
diacrônico, a gramática histórica considera qualquer contribuição estrangeira um
empréstimo, fato que dificulta a distinção entre empréstimo e estrangeirismo. Pala-
vras como bife e chefe, que já foram incorporadas à língua portuguesa, assim como
outras acima mencionadas, continuam, para a gramática histórica, sendo estrangei-
rismos, e não empréstimos.
HIBRIDISMO
Hibridismo é a formação que leva em consideração elementos retirados de lín-
guas diferentes. A dificuldade na identificação dessas formações reside no fato de
que o falante muitas vezes já não distingue os elementos formadores e muito me-
nos a sua origem:
91
INTRODUÇÃO agroboy ⇒ agro (latim) + boy (inglês)
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA gamemaníaco ⇒ game (inglês) + maníaco (latim)
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES
SIGLA
A sigla é a formação que considera as letras iniciais de um sintagma formando
normalmente nomes de instituições ou de partidos políticos.
PT ⇒ petista
TV ⇒ tevê
LP ⇒ elepê
92
Unip ⇒ Universidade Paulista Outros processos
ABREVIATURA
A abreviatura não deve ser confundida com a sigla, pois ela não constitui uma
nova palavra da língua, não tem existência na linguagem oral. Ela pode ser esporá-
dica (acidental) ou institucionalizada. No caso das institucionalizadas, temos, por
exemplo,
abreviatura ⇒ abrev.
com ⇒ c/
para ⇒ p/
também ⇒ tb.
93
INTRODUÇÃO NEOLOGISMO
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA Neologismo lexical
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE Os neologismos são formações que se referem à constituição de novas palavras,
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES isto é, não dicionarizadas ou recém-dicionarizadas. Normalmente, elas surgem por
necessidades de expressão, por necessidade de nomear novos instrumentos, teorias,
ideias, processos etc.
Essas formações surgem a partir de critérios muito variados; muitas vezes, o fato de
termos uma ‘nova palavra’ não significa que estamos diante de uma invenção.
Trata-se, na maioria das vezes, do aproveitamento de novas palavras por meio de
processos de palavras já existentes. Nesse caso, estamos falando de neologismo le-
xical. Exemplo: a expressão paitrocínio é um neologismo formado pelo processo
de aproximação fonética entre partes das palavras que compõem o novo vocábulo
(palavra-valise):
Neologismo semântico
É a incorporação de novos significados a formações já existentes, por meio das já
mencionadas metáforas e metonímias. Por exemplo, a expressão desanuviar, que foi
empregada por Fernando Collor de Melo em referência a uma situação que se encon-
trava pesada.
A expressão empregada por ele foi ‘Vamos desanuviar os ânimos.’ Ou seja, ele em-
pregou um verbo cujo sentido é o de ‘Dissipar as nuvens de; limpar de nuvens.’, com
um novo sentido, o de ‘serenar, tranquilizar’: Vamos tranquilizar os ânimos.
Não se trata, portanto, de um processo de formação de uma nova palavra, e sim do
acréscimo de um sentido novo a uma palavra já existente.
A diferença básica entre neologismo lexical e neologismo semântico é o fato de que
no primeiro temos novas palavras, ou seja, novos radicais e novas entradas de verbetes
no dicionário, ao passo que no neologismo semântico temos novas extensões de sen-
tido para palavras já existentes, e não novas palavras.
94
Um aspecto a ser mencionado na formação dos neologismos, quer lexical, quer Outros processos
semântico, é o fato de que não há relação necessária entre o uso padrão ou não-padrão
da língua por parte do falante e uma nova formação. Por exemplo, a palavra xiita, em
referência a indivíduo da seita dos xiitas, formada no séc. VII por muçulmanos parti-
dários de Ali, estendeu-se a todo e qualquer indivíduo que tenha uma atitude radical,
extremista. Isso significa que o falante não precisa ter conhecimento do significado
inicial da palavra para usá-la em outros contextos.
Proposta de Atividade
Nas atividades, procure apontar exemplos que não tenham sido mencionados no
capítulo.
Anotações
95
INTRODUÇÃO
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA
PORTUGUESA Anotações
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES
96
A tividades complementares
TEXTO 1
97
INTRODUÇÃO 1) Explique as formações originadas do processo de
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA
a) sigla;
PORTUGUESA b) abreviação;
FORMAÇÃO DE c) derivação sufixal;
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES d) derivação prefixal;
e) composição sintagmática;
f ) composição por justaposição;
2) Explique quais as possíveis motivações para o emprego da expressão propinódromo no
texto.
3) A partir da formação ocorrida em propinódromo, procure na mídia (jornais, revistas, te-
lejornais) outras formações com o elemento -dromo. Que outros sufixos em língua portu-
guesa significam ‘lugar’? É possível afirmar que no uso atual existem evidências de prefe-
rências por alguns sufixos que designam lugar?
4) Compare as formações que você encontrou com a formação de propinódromo. Em segui-
da, tente explicar o porquê de essas expressões serem cada vez mais frequentes em textos
das modalidades falada e escrita.
TEXTO 2
Silvio Berlusconi diz que não tem como manter Kaká no Milan
Kaká não se cansa de dizer que sua vontade é ficar no Milan. Mas, depois de acei-
tar negociar com o Manchester City em janeiro, o dono do clube, Silvio Berlusconi,
afirmou que não tem mais como manter o brasileiro no time por causa do alto salário.
Segundo o jornal ‘Corriere dello Sport’, o dirigente ainda deixou escapar que o destino
do ex-são-paulino será o futebol espanhol. Ou seja: Real Madrid.
O diário reproduziu declarações de Berlusconi à rádio ‘Radio Radio’ e usou a notí-
cia como manchete na edição desta terça. O cartola citou dois motivos para ‘ser obriga-
do’ a vender Kaká no meio do ano.
- O primeiro é o ‘petrodólar’. Desde que esse dinheiro entrou no futebol, os salá-
rios aumentaram muito e está difícil pagar. O segundo é que as taxas na Espanha afetam
menos nos salários – afirmou.
98
TEXTO 3 Atividades
complementares
1) A expressão bola em aros pode ser considerada uma extensão metafórica ou uma extensão
metonímica de bola ao cesto ou de basquete? Explique.
2) Qual a significação da sigla CT? A qual composição sintagmática ela se refere? Essa sigla leva
em consideração o possível leitor desse gênero de texto?
3) A expressão sintagmática trocar os pés pelas mãos está empregada, no texto, em sentido
literal ou figurado? Explique e dê um exemplo dessa expressão com sentido oposto a esse
do texto.
4) A expressão time laranja está empregada, no texto, em sentido literal ou figurado? Explique
e dê um exemplo dessa expressão com sentido oposto a esse do texto.
5) Releia o capítulo 4 deste livro e, em seguida, explique a formação ocorrida em homem-ces-
ta. Qual o sentido a ele atribuído no texto? A análise das bases presentes em homem-cesta,
saca-rolhas e porta-joias nos permite afirmar que se trata de mesma formação?
TEXTO 4
Governo vai criar empresa pública para receber tecnologia de trem bala. Modelo de
traçado foi apresentado durante balanço do PAC.
A ministra Dilma Roussef (Casa Civil) afirmou nesta quarta-feira (3) que o trem bala
ligando Campinas ao Rio de Janeiro ficará pronto para a Copa do Mundo de Futebol de
2014, que acontecerá no Brasil, pelo menos no trecho entre São Paulo e Rio de Janeiro.
Ela reafirmou que o governo não pretende gastar recursos em estádios e que o foco dos
investimentos públicos serão em mobilidade urbana nas cidades escolhidas para sediar o
evento, escolhidas no domingo passado (31/05).
99
INTRODUÇÃO TEXTO 5
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE O Corinthians não ganhou o Brasileirão 2010 mas tomou conta do Twitter. Piadas com
PALAVRAS, USOS E o time chegaram a ocupar quatro posições no ranking de assuntos mais comentados na
FUNÇÕES
rede social no Brasil (Trending Topics) – incluindo a primeira posição, com a palavra-cha-
ve #centernada.
O blogueiro @byguedex divulgou imagem que transforma o atacante Ronaldo, o
presidente Andrés Sánchez e o vice de marketing, Luiz Paulo Rosenberg, nos Três Patetas:
Após a tristeza pela perda do título e o choro de Elias, que anunciou estar indo para o
futebol espanhol, muita gente trocou a ordem das letras no nome do Timão:
@jean_miranda: Em homenagem ao beicinho do Elias, Corinthians passará a ser cha-
mado de CHORinthians.
Já Flavio Saito, no perfil @ScoobyJP, fez referência ao quadro que já é tradição nas
noites de domingo do futebol brasileiro:@ScoobyJP CHOrinthians ja perdeu 3 campeo-
natos esse ano. Vai pedir musica no Fantastico?!?! #centernada
Até teoria da conspiração, que no final se confirmou infundada, foi combustível para
a piada mais reproduzida.
TEXTO 6
1) Qual a formação do verbo pipocar e qual o sentido atribuído a ele no texto? Explique se se
trata de um caso de neologismo semântico.
2) Aponte os exemplos de formações pelo processo de abreviatura. Explique.
3) Identifique o processo ocorrido na expressão Gornaldo e explique quais as motivações dessa
formação. É um caso de palavra-valise ou de truncamento? Por quê.
100
4) Destaque um exemplo de onomatopeia. Atividades
complementares
5) Pesquise seis times de futebol do Brasil e aponte os animais (mascotes) que os representam.
Há, no texto, exemplos dessas mascotes?
6) As extensões metafóricas podem ter efeito pejorativo ou não. Explique se isso ocorre com
gambazada e porco no texto.
7) Em gambazada, qual o sentido atribuído ao sufixo -zada? Esse sufixo é um exemplo de alo-
morfia ou de alografia? Aponte dois exemplos diferentes desse sufixo com o mesmo valor.
TEXTO 7
Diário ‘Bild’, conhecido pelo humor apimentado, destaca novo visual que o Fenô-
meno tem mostrado durante as férias na Europa GLOBOESPORTE.COM Rio de Janeiro
TEXTO 8
1) Qual a formação ocorrida em descritério? Qual o sentido atribuído ao afixo que você destacou?
2) A partir da formação de descritério e do sentido apontado por você para o afixo, cite mais
cinco exemplos semelhantes.
3) Analise os exemplos da coluna da esquerda apontando o sentido do prefixo na coluna da
direita, como no exemplo dado.
101
INTRODUÇÃO
descrédito des = falta de crédito
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA desleal
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE desumano
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES desconforto
desalento
desfazer
desmotivado
desmontar
4) A partir do levantamento acima dos valores do prefixo des- e das bases às quais ele se anexa,
formule uma regra de aplicação desse prefixo.
TEXTO 9
‘Eu sou ‘álcoolréxica’, mas vivo muito bem assim!!! (...) Pra que comer?? Vamos
beber e ficar legal!!’. O trecho desse depoimento que uma jovem deixou no Orkut em
março de 2007 resume um tipo de comportamento que tem preocupado os médicos.
Homens e mulheres, a maioria na faixa entre 18 e 25 anos, estão substituindo as refei-
ções por bebidas alcoólicas. Para a maioria, o objetivo é emagrecer. Os médicos alertam
para os riscos de dependência química.
O termo é recente e, em inglês, pode ser traduzido para drunkorexia. ‘Dez latas
de cerveja valem por um bifinho. Certeza’, diz outra jovem na mesma página da comu-
nidade do Orkut sobre o tema. Uma terceira amiga responde: ‘e depois de dez latas
de cerveja eu sempre quero um bifinho. [...] Vamos parar com essa mamata de ficar
comendo. Vamos voltar a beber!’. [...]
Hoje, sete meses após ter procurado a ajuda de um psiquiatra, Camila considera ter
superado o problema. Por orientação médica, parou de comer alimentos mais pesados,
como arroz e carne, e colocou no prato saladas e sanduíches feitos com peito de peru
e queijo branco. ‘Foi uma reeducação’. (...)
Também psiquiatra do Proad, Marcelo Niel calculou que, em um ano e meio, aten-
deu dez pacientes com esse perfil. A maioria era de mulheres. [...] ‘O problema é a
perda de controle. Se você não se alimenta e só bebe pode virar um alcoólatra e isso traz
prejuízos mentais. A pessoa não se alimenta, não se hidrata’, acrescentou o psiquiatra.
TEXTO 10
A ‘porcovelha’
Sim, ela faz ‘oinc-oinc’. Mas não é apenas seu rabo que é enrolado. Elizabeth possui
uma lã dourada cobrindo o corpo – o que pode fazer o observador menos atento pensar
que se trata de uma ovelha, e não de uma porquinha.
Elizabeth é uma bela representante da mangalitza, uma raça austríaca bem rara. Ela
fo i o centro das atenções em um leilão de animais em Lancashire, no Reino Unido, no
final de semana. [...]
O leiloeiro, Jonathan Turner, disse que trazer a mangalitza para o evento foi um belo
‘golpe’ de marketing.
TEXTO 11
Quase reais…
Não, esse bicho não é resultado de nenhuma mutação genética, nem é transgênico.
Ele é fruto da criatividade dos participantes de um concurso de fotografias de animais
híbridos, manipuladas pelo computador. O resultado? Inúmeras criaturas bizarras, que
unem seres aparentemente muito distantes, como essa espécie de ‘jasapo’, mistura de
jacaré e sapo vista na imagem acima.
Os animais foram criados por meio do software livre Aviary (editor de imagens que
se assemelha ao conhecido Photoshop), e postados na galeria online da empresa, por
pessoas ao redor do mundo. ‘Fiquei surpreso com os trabalhos, todas as imagens parecem
muito reais’, diz Avi Muchnick, o executivo chefe da companhia de informática. ‘A maioria
dos participantes do concurso não é artista profissional, mas tem essa habilidade fantástica
de lidar com o design gráfico’, afirma.
103
INTRODUÇÃO 1) Qual o processo de formação da expressão jasapo? Explique.
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA 2) Forme outros neologismos unindo os nomes dos seguintes animais e, em seguida, aponte
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE
qual o processo ocorrido. Nas demais colunas, use a sua imaginação.
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES Base A Base B Formação neológica Processo ocorrido
leão tigre
zebra égua
cão cadela
gato cachorro
... ...
... ...
TEXTO 12
104
TEXTO 13 Atividades
complementares
1) Destaque uma expressão que é exemplo de uma forma presa que funciona como uma
forma livre no texto. Explique.
2) O substantivo dirigente deriva do verbo dirigir acrescido do sufixo -nte (dirigir + nte =
dirigente). Esse sufixo é produtivo em português? Explique citando três exemplos que
seguem a mesma regra, ou seja, têm como base um verbo.
3) Faça um levantamento de sufixos que indiquem proveniência ou afiliação, como é o caso
de paranaense (proveniente do Paraná) e corintiano (afiliado ao Corinthians ou torcedor
desse time).
Anotações
105
INTRODUÇÃO
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA
PORTUGUESA Anotações
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES
106
R eferências
ALVES, I. M. Neologismo: criação lexical. 3. ed. São Paulo: Ática, 2007. (Série
princípios).
107
INTRODUÇÃO COLNAGHI, C. W. Flexão e derivação: um labirinto gramatical. Passo Fundo: UPF,
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA 2001.
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES DUARTE, P. M.T. A formação de palavras por prefixo em português. Fortaleza:
EUFC, 1999.
KEHDI, V. Morfemas do português. 3. ed. São Paulo: Ática, 1996. (Série princípios)
108
LUFT, C. Moderna gramática brasileira. Porto Alegre: Globo, 1987. Referências
PERINI, M. A. Para uma nova gramática do português. 5. ed. São Paulo: Ática,
1991.
109
INTRODUÇÃO SACCONI, L. A. Nova gramática: teoria e prática. 22. ed, São Paulo: Atual, 1983.
AOS ESTUDOS DE
MORFOLOGIA DE LÍNGUA
PORTUGUESA
FORMAÇÃO DE SANDMANN, A. Formação de palavras no português brasileiro contemporâneo.
PALAVRAS, USOS E
FUNÇÕES Curitiba: Ícone, 1989.
Anotações
110