You are on page 1of 18
)R UMA BREVE HISTORIA DA CARTA ‘As cartas sio textos hibridos e rebeldes a quaisquer identifica- ‘bes genéricas. Género literério indefinivel, flutuam entre cate- orias vagas: arquivos, documentos, testemunhos. De tal forma que nao se sabe muito bem que lugar hes éatribuido na geogra- fia ordenada da literatura. A fronteiras do literdrio e as aprovou; gostou delas desde que no ultrapassassem esse limite. As cartas, ento, se tornaram obje- tos literérios muito paradoxais: ao mesmo tempo que eram fer- vorosamente colecionadas, editadas, difundidas, comentadas, exatamente come obras de fato e de dieito, foram reduzidas a0 estatuto subalterno de dados biogrificos ou psicolégicos para servir & histéria de um homem e, eventualmente, de uma obra. De Sainte-Beuve até Lanson, foi consenso pensar que seu inte- resse maior, ¢ inestimavel, era 0 de mostrar-nos, “por trés das teorias, os homens, e sob o encadeamento inflexivel das ideia: a imensa ondulagao e a efervescéncia confusa da vida”, Int mamente amarradas a um individuo e & sua histéria, as corres- pondéncias eram apreciadas desde que fizessem ouvir a voz do Jntrodugio a Choix de et artigos de G, Lanson reunida por Henri Peyre, Essais de méthode, ctigue ct d histoire litéraire, Pars, Hachette, homem privado. Essa redugao de sua amplitude a0 pessoal ¢20 {ntimo provavelmente as tornou para sempre indigestas aos olhos das geracbes de crticos do século seguinte "Atualmente, interessar-se pelas correspondéncias ¢ correr um poco o isco de falar “com Sainte-Beuve * e,consequentemente, “contra Proust” O primeiro “sempre gostou das correspondén- a7 Gas" o segundo as odiou cordialmente, e pelas mesmas raz0es. Masé dificil concordar com Sainte-Beuve sem ser suspeito deio- grafismo retrégrado. E verdade que esse pecado se tomnou insg- nificante nesses tempos de pés-modernidade em que as teorias tigidas de antigamente se flexibilizaram para produzir, em maté- ria de critica, um novo liberalismo no qual tudo — até mesmo 0 antigo ~ 6autorizado, Prova disso o atual retomo dagéner9.epis- tolar, que sai discretamente do purgatério critico no qual nossa, SRodemidade ohavia trancafado, Fvlo dotado de wma ndva ite sariedade devido & recrudescéncia de interesse, bastante diferente, € preciso frsar, da curiosidade um poucolicenciosa pela intim- dade das celebridades que Barbey d’Aurevilly, no século passado, adivinhava na admiragao de seus contempotineos por essas deli- ciosas coletineas-chamadas de-Correspondéncias”. Elas podem ainda ser deliciosas para oleitorde hoje, mas com um gosto dife rente, menos apimentado de indiscriséo, daquele que Sainte- -Beuve procurava,nelas, “esse guloso gato literdrio que discutia tudo espirituosamente”* 1. “Sempre gots das correspondéncias, das conversagSes dos pensarentos dutolosedetalhessobreo carter os costumes,abiograa,em smal sarees o grandes escitres Sainte-Bewe, “Diderot” [28dejunho de 1831), trae, Pais, La Plade 1p. 867 (Biblio Tiguede la liad) também o tial domimerogodarevista Rom fam (998), eonsagrado ao estado des cortespondéncas no sé 3. Barbey dAurevily, De Stendhal em Lesceureset les hommes: Frrespondance’ em Le xixt sles des {os estabelecidos por Jacques Pet 249. 4 Barbey ores et des hommes, selegio de , Mercure de France, 1966, 0 GENERO EPISTOLAK OU 0 PENSAMENTO NOMADE Apesar da relativareabilitacio literéria das correspondéncias, as esconfiangas permanecem vivas a respeito desses textos supos te ites, muitas vezes escritos no prazer e para o prazer, € (0 se ajustam em sua trivialidade profana e seu polimento wersacional ao obscuro e inquietante comércio com as musas ,ominadas literatura, Barthes provavelmente teria dito mais texto de prazer” do que “texto de delete”: demasiadamente pol- demasiadamente euféricos, demasiadamente plenos, para ,,na partilha bem orquestrada da troca epistolar, nenhum ito assumisse o menor risco. Aiés, as proprias cartas seriam_ veytos’? Send que elas podem postular esse estatuto itraria- * 4 nte respeitivel, outrora certificado pela critica estruturalista? ‘Alguns thes recusam energicamente esse carimbo, esse passaporte (que as deixaria em pé de igualdade na esfera literéria, Excessiva- mente prisioneiros do gesto de comunicagao que os fez nascer e do desejo que os levou até um destinatario tinico, esses “farrapos de papéis”S nunca terdoa gracasolene dos manuscritos de alguma_ Fatura obra. Segundo esses criticos, essaslinhas de dizer*, ou seja, as correspondéncias, demasiadamente imbricadas as linhas de vida, prendem em suas redes apenas o corriqueiro “misersvel amontoado de segredos” que uma existéncia humana acumula, ‘Quanto ao amante de correspondéncias,é habitualmente tachado sta, pois, inocente ou pérvers6, dependendo das cir- fixa seu desejo nesses objetos que sio apenas engo- dos, simulacros confeccionados pelos editores’. O leitor critico 5. Em Modeste Mignon, epopela int ses saves tapos de pap Osepistolgraos, que geralm faclimente tilexpressio ou outas tio modestas quanto esa para evocara escrta “menor” da cats 6 Para etomarexpressdesrexpectivamente de Georges Gusdorte de pe Hamon 2. Baproximadamenteatese que Nor sobre La C6" isto 6, sobre a Correspondance générale de Baby & willy: *Contudo, de tanto fascinate coma carta, ede reac, com boos POR UMA BREVE HISTORIA DA CARTA 13 St vauvo ve vrwousi saua yn wou 1u959 ¢ operdepe stews 0 owo> ofp AKO[NS3S 6p 1511639p ou uresydnmues anb TOUPRDBO *.,o1PHU OS, ap ovyua eureyp 3s anb o TET AB Sopepyrenb ‘ xeyrure}, no ssD0ypaut, (=9U920Ui, OWOD aquoumaserreat ureagiqenb eood9 ep sootagay no soyeisjoaside anb 69 win sod ‘erz93e10 opSeo0a eBqUe ens PUOUIOU! PU EARP -zen8 anb ‘eyre0 ep #Sfitigpeoe eloupnbo]9 ep ‘TAX on9s OW EAE -saBoid 850i" 9 ,o1aug8 ap xeureyp ura oduroy own 0d opre -jsay sun8pe anb opmnbep oxSnjoxo eu yerouassa ovSesanyiq eur, ‘epesuey 92 as-eSury [an ardusoout e289 & exaquoyy {n> qos ‘sau ausps eum miftz9 eanp1 & so]na9s sop o8u0 oy" je sopuayua 9 ayuvonsezanirz osmozad ‘opnjuod ‘ss-apod ‘eonys9 ens apa oxauaS op opeypeap oouoisiy o mbe sozey wag “opm noureyp a8 ‘wipquiey seus ‘ey2e9 eu opm asenb ‘sopruas so sopoy wie 9 ayuaUE -sonsasanb es -sod se awoy sop esjoq eu. nas nia “LAX 0[1995 0 apsac_ ‘saieqap ap eUia) OU: etrejoisida oxoua8 um ap eroupisixa eusdozd ¢ oqenb eueruosuey eared re no ‘gqumBas o]nd9s ou nap as anb oxau98 op oeSersaidep vjad a oayys8orq orujwuop ov eze> ep eueanag OFS -wrodsoouy ejad opuessed ‘reoqumuoo ap opcarand qos wreyosns avin oLNanvstitd 0 NO WV IOUSIETONINGDO HT yun onb easspouonspene = + sida cxstg® ine an 7, ny 2 2p 20 me EL OHO ‘epi v9 see 25: uy ou exes © ages 28 oft 080} anb sa, sougs 9 sez0ay se 71 epeases eisu~Nbop joysida oxou8 op eo1a0t soa) ead sepep sosopsourejaur sesiaaip st qos ‘sezuI9 sens 2p aquouresrporred com ‘aytiaut sapsetaz 1949p aoared 9 feaou 9 oFU — uns o19U9 -eprprsop — rejoxsido 0 euo> aquarsisur seu vBea opduasaxd y ‘oysupyy wa euns0y eUIE) _fapuseao> oys98 ass 0d wrsodso so -seusey sop yep ads9p 89 S5euto zasanovg"eueUmyeSios eesseden oysaro:ouurxoud zs umn seyde9 as-apod ‘onbujSuo] 39$ win wr sesuad 96-apog ZoySe>yunutOD ap oFett uep seyie> anb ap eiapr e opiins say apod owod, sopeuftsau 10119) wm Wo 22082 (0yS08E} -uo> e oyesBojorsida 25s “exgeyy anb seuuseyrey soussaur $0 ‘Ow wed v-opuetasap ‘eyze9 ep osmarad 0 wazqoza1 anb seur -seyuey soroumn s2ssap win ‘oqueiod ‘et19s serouapuodsa1s09 ap

You might also like