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DIREIT O

ELEIT ORAL – LUIZ CARLOS GONÇALVES

AULA1 - NOT A SOBRE A HIST ÓRIA DA ORGANIZAÇÃO DAS ELEIÇÕES NO BRASIL

1. EVOLUÇÃO DO DIREIT O ELEIT ORAL BRASILEIRO


1.1. SIST EMA ELEIT ORAL NA REPÚBLICA VELHA

Iniciando a disciplina, será analisada a evolução do Direito Eleitoral Brasileiro a

partir da Proclam ação da República. Não será objeto da m atéria o estudo de com o

eram as eleições no período do Im pério. Apenas a título de curiosidade, pode-se

afirm ar que, durante esse período, as eleições eram censitárias, ou seja, só se podia

votar se tivesse um a certa porção de terras ou um a determ inada quantidade de

dinheiro. Adem ais, som ente poderia ser candidato aquele indivíduo que auferisse

rendim entos ainda m aiores.

À época do Im pério Brasileiro, destarte, não se tinha eleições destinadas ao

conjunto da população, já que grande parte das pessoas estava longe de ganhar o

suficiente para votar ou ser votado. Além disso, as eleições nesse período eram

eleições indiretas: o titular do Im pério (Monarca) não era eleito, sendo observada essa

distinção. Apenas no plano m ais básico (eleições paroquiais) é que havia o voto direto,

onde os eleitores elegiam os deputados. O s senadores, por sua vez, eram escolhidos

pelo Im perador com cargos vitalícios.

C onclui-se que, no período im perial, estava-se distante das atuais

com preensões, tais com o a universalidade do voto e o direito de todos de participar

das eleições e escolher os representantes. Tam bém na época do Im pério, a

organização do eleitorado e das eleições era feita de um a m aneira que hoje nos

pareceria m uito incipiente, insuficiente.

Após a Proclam ação da República, passou a vigorar a ideia do voto direto: não

m ais se votava em alguém que, por sua vez, escolheria os representantes. Adem ais, o

voto deixou de ser censitário. C ontudo, isso não significa que a votação passou a ser

aberta, destinada ao conjunto da população. A partir de 1891, as m ulheres não

votavam , sendo o voto reservado exclusivam ente para os hom ens. O s analfabetos, os

m ilitares e os religiosos tam bém não podiam votar.

Em bora tenha havido um avanço em relação à época do Im pério, ainda se

observava um a situação m uito distante dessa que é observada hodiernam ente. As

m ulheres, analfabetos, m ilitares e religiosos não tinham direito ao voto. Em razão de

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tais restrições, nas prim eiras eleições para a Presidência da República, em 1894,
apenas 3% da população votou.

Nas eleições da República Velha, o voto era distrital e a lista dos eleitores era

organizada pelas lideranças políticas locais (hoje denom inadas, de form a pejorativa,

com o "coronéis"). O voto distrital significa que o eleitorado era dividido em

circunscrições (era com o se o Estado fosse dividido em diversas circunscrições). C ada

um a dessas circunscrições tinha direito a eleger um a quantidade de deputados, por

exem plo.

Nesse cenário, a lista das pessoas aptas a votar era organizada pelas lideranças

locais, o que acarretou o cham ado "voto de cabresto". As lideranças eram pessoas ricas

e influentes, representando o poder econôm ico da época. Essas pessoas

arregim entavam os eleitores e os levavam a votar, influenciando até m esm o em suas

decisões.

Para am pliar a influência dessas lideranças locais, o voto não era secreto. O

sujeito chegava ao local de votação (igreja ou um a escola, na m aioria das vezes), e

proclam ava o voto em voz alta, perante a m esa receptora dos votos. Isso trazia várias

im plicações: a com pra de votos, por exem plo, era m uito com um e facilitada. C om o o

voto era aberto, a pessoa que com prou o voto poderia saber se a com pra havia sido

efetivada de fato, ou seja, se o eleitor havia votado no candidato que prom etera votar.

Um outro problem a do voto não ser secreto é que os eleitores que proclam avam

o voto dependiam dos m esários para registrar a votação. Não se tinha com o saber qual

era efetivam ente aquele registro, o que acabava configurando um a fraude eleitoral

conhecida com o "votação do bico de pena". Ao proclam ar o voto, o eleitor não sabia se

aquela pessoa ia efetivam ente anotar, registrar o voto que havia sido concedido.

Além do voto de cabresto e da votação do bico de pena, era observada um a

terceira prática conhecida por "m apism o". Era com um a fraude nos m apas eleitorais:

os dados de votação de cada localidade eram reunidos em um grande m apa, sendo

que esse m apa poderia ser facilm ente fraudado, burlado. Por essas razões, as eleições,

ao longo da República Velha, eram eleições m arcadas pela fraude. O sistem a eleitoral

não era confiável.

Reforçando essa desconfiança, existia o cham ado "sistem a de verificação de

poderes". O responsável por hom ologar o resultado das eleições, afirm ando quem

havia sido eleito ou não, era o Poder Legislativo. Era justam ente esse Poder que

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proclam ava quem tinha sido eleito e que seria, portanto, diplom ado. Muitas vezes, por
m ero arranjo político, era recusada a proclam ação de quem tinha sido efetivam ente

eleito. Essa prática era conhecida por "degola": os candidatos, m esm o eleitos, eram

figurativam ente degolados em razão da atuação do Poder Legislativo.

Pode-se concluir que as eleições na República Velha eram m arcadas pelo voto

de cabresto, eleição de bico de pena, o m apism o, o sistem a de verificação de poderes

e a degola. As eleições não eram , assim , confiáveis. Todo esse cenário chegou ao

paroxism o nas eleições de 1930: o candidato paulista Júlio Prestes supostam ente

obteve m ais de um m ilhão de votos, ao passo que seu adversário, Getúlio Vargas,

obteve cerca de 742 m il votos.

O candidato Getúlio Vargas curiosam ente teria obtido 100% dos votos no Rio

Grande do Sul. Perceba que, apesar desse prestígio local, os núm eros diziam que

aparentem ente Júlio Prestes é que havia sido eleito. Essas eleições não chegaram a

serem reconhecidas, tendo sido form ado um m ovim ento revolucionário que acabou

por levar o candidato Getúlio Vargas ao Poder.

Essa foi a Revolução de 1930: os historiadores reconhecem nesse m ovim ento o

caráter de um a verdadeira Revolução. Um a das bandeiras sustentadas era justam ente

a da m oralização das eleições, ou seja, a am pliação da confiança no sistem a eleitoral.

Atribui-se a Assis Brasil, um dos intelectuais que apoiaram essa revolução, um a frase

que dizia o seguinte: nas eleições que se organiza até então, não se sabia qual era o

voto desses que eram eleitores. Um a vez realizado o voto, não se sabia se ele seria de

fato confirm ado, e tam bém não se sabia se os candidatos eleitos, afinal, seriam de fato

em possados.

Não havia qualquer confiança nas eleições da República Velha e, por isso, um a

das bandeiras da Revolução de 1930 foi a m odificação de todo o sistem a eleitoral. É

por isso que, vitoriosa essa Revolução, adveio o C ódigo Eleitoral de 1932.

1.2. CÓDIGO ELEIT ORAL DE 1932

O C ódigo Eleitoral de 1932 alterou significativam ente o m odo com que as

eleições eram realizadas. A m udança m ais relevante talvez tenha sido a criação da

Justiça Eleitoral, à qual foi incum bida a tarefa de organizar o eleitorado, obter o voto e

proclam ar o resultado das eleições. A transferência de tal responsabilidade ao Poder

Judiciário justifica-se pelas seguintes razões: o Poder Executivo havia se provado m al,

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deixando a organização das eleições a cargo das lideranças locais. O Poder Legislativo,

por sua vez, tam bém tinha se provado m al, com o sistem a de verificação de poderes
(degola).

Restava, portanto, ao Poder Judiciário a atribuição da tarefa de organizar as

eleições, o que se revela algo incom um , considerando o contexto m undial. Existem três

sistem as principais de organização de eleições: o sistem a francês, que é o sistem a de

um contencioso adm inistrativo eleitoral, em que é criada um a instituição

adm inistrativa que organizará as eleições, preservada a possibilidade de se recorrer ao

Judiciário contra as decisões daquele contencioso.

Existe tam bém o sistem a no qual o Poder Legislativo atua com preponderância

na organização das eleições e proclam ação dos eleitos, que é o sistem a de verificação

de poderes. Adem ais, observa-se ainda o sistem a jurisdicional, que é o sistem a adotado

no Brasil desde de 1932.

O sistem a jurisdicional, em que o Poder Judiciário organiza as eleições, é algo

m uito criticado por certos setores da doutrina. Afirm a-se que o Judiciário, ao organizar

as eleições, não estaria exercendo um a atividade típica desse Poder. Esse seria, na

verdade, um a atividade típica do Poder Executivo, em que há a adm inistração,

organização do sistem a eleitoral.

Essa parcela doutrinária tece, ainda, um a segunda crítica: além do Poder

Judiciário organizar as eleições, ele tam bém julga as controvérsias resultantes do

processo eleitoral. Haveria, assim , um a certa confusão de atividades, já que quem

organiza as eleições ao m esm o tem po julgaria essas m esm as eleições.

No caso brasileiro, essa confusão vai ainda além : desde o C ódigo de 1932,

atribui-se um poder norm ativo à Justiça Eleitoral. As eleições no Brasil são

regulam entadas, na prática, por Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral. Tais

resoluções são longas, extensas e m inudentes, sendo com um a observância de atritos

entre o que diz a resolução e a lei.

C onclui-se que as eleições brasileiras são organizadas pelo Poder Judiciário, que

tam bém julga as controvérsias, além de norm atizar todo o processo eleitoral. A Justiça

Eleitoral, dessa form a, tem com o funções típicas a organização das eleições, o

julgam ento das controvérsias e a norm atização eleitoral. Perceba que, no contexto da

separação dos Poderes, realm ente há um a certa acum ulação de funções.

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Todo esse cenário advém da experiência histórica brasileira: com o não havia

dado certo a organização pelo Poder Legislativo e pelo Poder Executivo, restava apenas

o Poder Judiciário. Ressalta-se, contudo, que o Judiciário se destacou nessa tarefa à qual

foi incum bido: a organização das eleições brasileiras é um a das m elhores do m undo,

se não a m elhor.

Tal afirm ação não se trata de ufanism o: basta observar a experiência

estrangeira. As eleições nos Estados Unidos da Am érica, por exem plo, são eleições

bastante com plexas e difíceis, até porque existem norm ativas estaduais. O sistem a

norte-am ericano gera diversas reclam ações, e às vezes não se m ostra confiável.

A organização das eleições no Brasil, destarte, realm ente é m uito avançada,

considerando o contexto internacional. Diversas inovações no processo eleitoral, tais

com o a urna eletrônica e o cadastro biom étrico, ocorreram principalm ente em nosso

país. Assim , pode-se inferir que o Poder Judiciário se destacou bastante na organização

das eleições, tendo sido superada toda a desconfiança no sistem a eleitoral.

O C ódigo Eleitoral de 1932, portanto, adotou o m odelo jurisdicional de

organização das eleições, criando a Justiça Eleitoral. Essa Justiça foi criada ab initio

com o sendo do ram o federal: a Justiça Eleitoral é federal desde o com eço. Havia essa

preocupação em afastar a organização das eleições dos poderes e forças políticas

locais, haja vista o coronelism o. Por isso, a solução foi criar o ram o federal da Justiça.

Tam bém nesse prim eiro m om ento, no C ódigo Eleitoral de 1932, houve um outro

grande avanço, que foi a previsão de que o voto deveria ser secreto. O voto passou,

assim , a ser sigiloso: o seu titular é o senhor do segredo, não podendo ser com pelido a

indicar qual foi a sua escolha política. Adem ais, no Sistem a Eleitoral de 1932 abriu-se

m ão do cham ado voto distrital, oriundo da subdivisão das circunscrições. Adotou-se o

sistem a proporcional para a eleição de vereadores, deputados estaduais e deputados

federais.

No sistem a proporcional, conform e verem os adiante, o que realm ente im porta é

o voto partidário, ou seja, para qual partido se depositou o voto. A escolha do candidato

é de im portância secundária, sendo que o m ais im portante para se determ inar quem

foi ou não eleito são os votos dados ao partido, e não a votação pessoalm ente

recebida por um candidato qualquer.

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Por fim , em 1932 foi perm itido o voto fem inino. Após 1935, esse voto tornou-se

obrigatório, juntam ente com o próprio voto m asculino. A extensão do direito de voto às

m ulheres correspondeu à um a grande conquista civilizatória, avançando no sentido da

igualdade de gênero, ao m enos no exercício dos direitos políticos positivos ativos

(direito de votar).

Q uanto ao direito de ser votada, contudo, ainda não se observa tal igualdade: o

Brasil ainda é um dos países nos quais se conta a m enor participação política da

m ulher, observado o exercício dos m andatos eletivos. As m ulheres, em bora sejam a

m aioria dos eleitores, são m inorias nas C âm aras de Vereadores, nas Assem bleias

Legislativas e no C ongresso Nacional. Ainda há, portanto, m uito a avançar.

C om essas observações, concluím os a prim eira aula do nosso C urso de Direito

Eleitoral. Nas aulas subsequentes, continuarem os o exam e da evolução história do

Direito Eleitoral, pontuando diversos aspectos dessa evolução.

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