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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

ALUNOS: ESTANISLAU CORREIA ALMEIDA JUNIOR PERÍODO:2º


MATHEUS FERREIRA DO NASCIMENTO
DISCIPLINA: TRADUÇÃO COMENTADA / SEMINÁRIO DATA: 17/11/2017
IX

As chamadas “traduções fiéis”, como as de Xavier, podem atenuar ambiguidades.


Nem sempre é fácil encontrar, em outra língua, equivalentes de palavras, expressões e
sentenças com mais de um sentido, as quais acabam sendo traduzidas por apenas uma
entre diversas possibilidades. O controverso introito de Melville “Call me Ishmael”,
vislumbrado como um convite informal ao leitor, para que este participe das aventuras do
romance, fica comprometido na versão de Xavier: “Chamai-me Ismael”. A opção pelo uso
do tratamento formal na segunda pessoa do plural (Chamai-me) em vez da segunda pessoa
do singular (Chama-me) parece ser mais compatível com a análise que interpreta “Call me
Ishmael” como um convite formal, implícito no uso de um nome bíblico, do que uma
sugestão informal advinda da entonação coloquial de Ishmael. Esta escolha revela-se
decisiva por determinar a relação entre Ishmael e o leitor ao longo da narrativa.

A ironia de Melville desafia as habilidades de diversos tradutores “fiéis”. Alguns


trechos de Moby-Dick forçam os tradutores a usar notas explicativas, corroborando-se a
complexidade da tradução. Isso ocorre, por exemplo, quando o velho marinheiro Manx
profere sua fala “sensual” em “Forecastle – Midnight”: “Well, well; belike the whole world’s
one ball, as your scholars have it; and so it’s right to make one ball-room of it. Dance on,
lads, you’re young; I was once” (MD 175). A palavra “ball” tem mais se um sentido aqui: ela
pode se referir tanto a uma sólida esfera redonda quanto a um evento social dançante e
ainda pode ter uma conotação sexual, numa referência ao coito. Xavier acaba optando pela
esfera e, ao fazê-lo, constrói uma sentença absurda: “Bem, consideremos o mundo como
uma bola como a dos colegiais; assim é direito fazer dêle um salão de baile. Continuem a
dançar, rapazes, vocês são jovens. Eu também já fui” (Xavier 301). Retraduzida ao inglês, a
passagem corresponderia a “Well, well; let’s consider the world’s one sphere like a
student’s; and só it is right to mark one ball-room of it. Dance on, lads, you’re young; I was
once”.
Outra passagem que apresenta dificuldade tradutória é aquela na qual Ishmael e
Queequeng chegam na Try Pots Inn em Nantucket. O diálogo deles com a senhora Hussey
apresenta múltiplos sentidos, impossíveis de formulação noutra língua, sem que perdas
ocorram:

“Clam or Cod?”
“What’s that about Cods, ma’am? “, said I, with much politeness.
“Clam or Cod?” she repeated.
“A clam for supper? A cold clam; is that what you mean. Mrs. Hussey? Says I; but
that is a rather cold and clammy reception in the winter time, ain’t it, Mrs. Hussey?”
(MD, 66)

O trocadilho almejado no jogo entre “clam” e “clammy” desaparece quando Xavier


opta por duas palavras diferentes na tradução de tais vocábulos: “mexilhões” para “clam” e
“pobre” para “clammy”:

- Mexilhões ou bacalhau?
Mexilhões para a ceia, Mrs. Hussey? - disse eu muito cortesmente. - Mas não acha
que é uma recepção muito fria e pobre para uma noite de inverno? (Xavier 134)

Na retrotradução:

“Mollusk or Cod?”
“A mollusk for supper? A cold mollusk; is that what you mean, Mrs. Hussey? I said
politely; but isn’t that a rather cold and poor reception for a winter night?”

Em “The Log and the Line”, o diálogo entre os Manxman e Ahab é outro texto que
merece ser analisado:

“I know not, sir, but I was born there.”


“In the Isle of Man, hey? Well, the other way, it’s good. Here’s a man from Man; a
man born in once independent Man, and now unmanned of Man; which is sucked in
– by what?” (MD 521, grifos nossos)

Melville emprega deliberadamente a palavra “man” sete vezes, cada qual com
sentidos diferentes, forjando um quebra-cabeça para o tradutor. Xavier escolhe usar três
termos em vez de um: “homem” para o indivíduo masculino, “Man” para o local
geográfico e “desarraigado” para “unmanned”. Em virtude da impossibilidade de reproduzir
a repetição, o efeito irônico da passagem se perde para o leitor:

- Não sei, senhor, porém foi lá que nasci.


- Na ilha do Man, hein? Bem, não está mal. Temos aqui um homem do Man, um
homem nascido no Man, outrora independente, agora desarraigado do Man,
absorvido...Porquê ?(Xavier 810)

Outra alteração tradutória observada por Antoine Berman se dá quando expressões


idiomáticas são aniquiladas (Berman 79). A expressão “a rolling stone gathers no moss”
não encontra equivalente em português e é consequentemente eliminada da descrição do
carpinteiro:

Was it that this old Carpenter had been a life-long wanderer, whose much rolling, to
and fro, not only had gathered no moss; but what is more, had rubbed off whatever
small outward clingings might have originally pertained to him? (Ml) 467 – 68)

Por acaso esse velho carpinteiro teria sido durante toda a sua vida um vagabundo,
que à força de rolar de um lado para o outro não somente havia criado mofo como
também conseguira desembaraçar-se de todas as aderências externas que lhe
pudessem ter pertencido anteriormente? (Xavier 726).

By chance this old Carpenter had been a life-long wanderer, whose much rolling
from one side to the other, not only had gathered no mold, but had rubbed off all
outward clingings that might have originally pertained to him? (versão)

A pontuação é outro assunto digno de atenção: Até que ponto um tradutor


consegue ser fiel aos infinitos “ponto e vírgulas” de Melville? Mas, talvez, a alteração mais
dramática nesta tradução de Moby-Dick, seja a questão de gênero feita não pelos
tradutores ou pela publicadora, mas pela barreira linguística: Tanto no português como em
muitas outras línguas, subentende-se que a baleia seja fêmea. Pelo fato da “população” de
Moby-Dick ser, predominantemente, masculina, torna-se um tanto bizarro que todos
aqueles navegantes, marinheiros, baleeiros, arpoadores e marujos cassem uma criatura do
sexo oposto. É claro que isso traria toda uma nova perspectiva à narrativa de Melville, além
de tornar o capítulo 95 (A Batina) desnecessário.
Mesmo que essas trocas mudassem a obra original de Melville, elas não são
peculiares à tradução [de Moby-Dick] de Xavier. O texto de Xavier ilustra alguns problemas
recorrentes da tradução. Apesar da presença quase “autoral” do tradutor, no texto de
Melville, a tradução de Xavier, bem como a de Péricles Eugênio da Silva Ramos, expandiu a
popularidade de Melville no Brasil de forma significante.
A tradução de Berenice Xavier teve sua primeira publicação em 1950 pela Editora
José Olympio e foi a publicação de número 96 na série Fogos Cruzados, tendo seu prefácio
escrito pela renomada novelista, Rachel de Queiroz. Após o lançamento do filme
hollywoodiano, em 1956, a tradução recebera uma edição mais luxuosa, com ilustrações de
Rock-well Kent, bem como interpretação visual de Poty. José Olympio então vendera os
direitos desta tradução para diferentes editoras: Em 1967, a Editora Ediouro publicou o
livro em brochura, seguida da Editora Francisco Alves e, em 1998, pela Publifolha que fez a
reimpressão do mesmo. A edição da Publifolha foi a edição que teve maior número de
tiragens: 24.000 cópias que foram distribuídas com um dos maiores jornais brasileiros, a
Folha de São Paulo, por um preço promocional (menos que U$2, 00).

A tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos se assemelha, em muitos sentidos, à


de Xavier, assim como apresenta uma versão fiel e integral do texto, apostando em um
público-alvo mais exigente. Foi publicada pela Editora Abril em 1972, com uma capa
vermelha, o título em letras douradas e acompanhado por um folheto de vinte páginas.
Para a nova edição, foram alterados capa e volume (agora publicado em dois).

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