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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

DISCENTES: Mário José Bertini Silva de Jesus


Lucas Diniz Amado
DISCIPLINA: Tradução comentada

Tradução do texto Shakespeare in Brazilian Portuguese: Hamlet as a case in point,


(MARTINS, 1999, Pp. 301-305)

As análises também indicaram que, embora as concepções implícitas sobre fidelidade de cada
autor examinado possuam diferenças entre si, eles possuem algo em comum: o foco no texto
original e seu autor. Esse entendimento é sustentado por uma concepção que compreende o
significado como algo inerente apenas ao texto original. Desse modo, o significado é
transmitido ao texto pelo autor e o trabalho do tradutor seria de decodifica-lo e recupera-lo.
Tais ideias prosperaram por muito tempo até serem desafiadas por novas teorias, como a
leitor-resposta (reader-response), a estética de recepção (reception aesthetics) e a
desconstrução (descontruction). No entanto, os tradutores cujos trabalhos e discursos foram
analisados tendem a aderir à epistemologia que identifica o significado como pertencente
apenas ao texto. Silva ramos, por exemplo, está preocupado com “a preservação literal do
sentido” e com “evitar perdas” (1985), mesmo que isso signifique prolongar a linha de modo
a caber todas as ideias “contidas nos pentâmeros ingleses”; Silos acredita que ele possa
traduzir o que Shakespeare realmente escreveu e “reproduzir objetivamente o significado do
texto original” (1985), para um português contemporâneo e popular.
Percebe-se, também, o mesmo desajuste entre discurso e prática nas declarações feitas por
outros especialistas que não os próprios tradutores. A maioria dos analistas (críticos e
estudiosos) alegam se preocupar com a fidelidade à obra de Shakespeare e seu texto
(indicativo de uma concepção de significado como algo intrínseco ao texto), porém eles
também apresentam concepções distintas sobre esse conceito. Seus julgamentos sobre uma
tradução ser fiel ou não ao original são baseados em suas próprias concepções de tradução e
fidelidade que, por sua vez, podem diferir de outros tradutores e comentadores. Alguns
críticos, por exemplo, dizem que são fiéis apenas aqueles tradutores cujos textos conseguem
estabelecer uma conexão com o espectador. Para eles, tanto as traduções destinadas a serem
lidas como aquelas inicialmente desenvolvidas para o palco que falham em se conectar com o
público são igualmente infiéis. Esse é o caso das traduções de Silos, Silva Ramos, Medeiros e
Nunes. Para o prestigiado crítico, Eugênio Gomes, por sua vez, a tradução fiel deve reter o
conteúdo, mesmo em detrimento da forma, e também deve alcançar o equilíbrio entre
linguagem contemporânea e acadêmica. Gomes não se oporia a uma tradução em prosa com o
argumento de que não seria infiel se o “conteúdo” fosse preservado.

Observações Finais

Após apresentar alguns resultados da análise do corpus, pode-se realçar outros aspectos sobre
o estudo dos tradutores que contribuem para desenvolver novos modos para produzir
traduções, de maneira geral, e, especificamente, produzir traduções da obra de Shakespeare. A
principal contribuição parece ter sido feita por Millôr Fernandes, cujo registro coloquial e
dicção suscitaram a aprovação de revisões e comentários no final dos anos 80 e início dos 90.
Pode-se inferir que sua prosa coloquial não apenas reflete a informalidade da década de 80 e o
encurtamento do espaço entre oralidade e linguagem escrita. Na verdade, é mais provável que
indique uma quebra na tradição de traduções extremamente “respeitosas”, elaboradas e
acadêmicas das peças de Shakespeare. Essa quebra já havia sido tentada por Geraldo Silos,
em seu Hamlet (1984), na qual usou o máximo possível de obscenidades e optou por tornar
explícita a linguagem crua dos trocadilhos sexuais da peça. Sua estratégia, no entanto, era
bastante idiossincrática, no que se refere às traduções dos textos de Shakespeare. Devido a
vários fatores, entre eles a falta de prestigio de Silos como tradutor, seu trabalho falhou em
conseguir o prestígio que tanto ele e editora esperavam. Ao invés de ser visto como inovador,
foi bastante criticado, inicialmente, e eventualmente esquecido (ao ponto de ser considerado
bastante “invisível”). No caso de Fernandes, uma junção diferente de fatos fez com que sua
interpretação mudasse a tradicional visão de como o drama em geral e o de Shakespeare, em
particular, deveria ser traduzido validando estratégias como a flexibilização dos registros do
discurso e o uso de características da linguagem oral. Os outros seis tradutores optaram por
uma poética mais convencional em sintonia com a concepção estética da literatura brasileira
no momento em que suas traduções foram feitas, como o Hamlet neo-parnasiano de Silva
Ramos ou com as formas canônicas de traduzir Shakespeare que incluíam, como já
observado, a dicção acadêmica e a sintaxe elaborada.
As peças de Shakespeare foram traduzidas de diferentes maneiras, por diferentes tradutores,
de diferentes culturas, em diferentes períodos. Desde 1993, mais de 40 traduções de peças
únicas e duas traduções de obras completas foram publicadas no Brasil. Elas são bastante
diferentes entre si, de tal modo que são capazes de satisfazer diferentes desejos e expectativas,
bem como produzir diferentes reputações para o autor e para seu trabalho. A função de
alguns desses textos traduzidos pode ter mudado de acordo com o gosto corrente e as
mudanças nos critérios de avaliação que ultimamente tendem a enfatizar o desempenho.
Como cada projeto de tradução e editorial é contextualizado, o público conseguirá distinguir
aqueles mais consistentes com suas expectativas e gostos. Durante esse processo, um melhor
entendimento da rede de relações que constrói e sustenta o nosso sistema cultural e literário
poderá ser alcançado.
Notas
1. De acordo com Gomes (1960), Hamlet foi encenado 28 vezes, de 1835 a 1960, por
companhias nacionais e internacionais em diferentes línguas além do português
como inglês, árabe, italiano e francês (traduzidas e adaptadas de textos e imitações
de fontes em inglês e francês, como o famoso texto de Jean-François Ducis);
2. Tradução minha;
3. O motivo pelo qual enfatizo o português brasileiro deve-se ao fato de que as
variações faladas em Portugal têm mostrado cada vez mais um padrão acentual em
que as vogais átonas quase não são pronunciadas;
4. “Foi na década de 30 que as mudanças se aprofundaram, essas eventualmente
remodelariam o teatro brasileiro de forma tão drástica que é improvável que se
identificasse, em qualquer parte, duas “gerações” de atores, autores, diretores e
cenógrafos”;
5. Tradução de Cymbeline e as duas peças de Henry IV estão no prelo;
6. Essa pesquisa foi originalmente feita para a dissertação de doutorado “A
instrumentalidade dos descritivos para a análise de traduções: o caso dos
Hamlets brasileiros” (PUC/SP, 1999);

7. Normas são a tradução de valores ou ideias compartilhadas por uma determinada


comunidade – quanto ao que é certo e errado, adequado e inadequado – em
instruções quanto aos comportamentos específicos, apropriados e aplicáveis a
determinadas situações, desde que elas ainda não tenham sido transformadas em
leis. (TOURY, 1995; p. 54-55). De acordo com Toury (1995), os textos são
produzidos pelo comportamento regido por normas, o que as tornam não
diretamente observáveis. No entanto, elas podem ser reconstruídas por meio do
estudo dos próprios textos traduzidos e de comentários extratextuais, semi-teóricos
ou críticos (p. 65);
8. Desde que tais afirmações não apareçam na edição traduzida; nesse caso elas
seriam consideradas como paratextos;
9. 34 letras, 3. Editora 34: Rio de Janeiro, p. 76-80;
10. Embora se possa inferir que Nunes não esteja extremamente preocupado com a
execução de suas produções, há evidencias de que sua tradução de All’s Well That
Ends Well pode ter sido encenada.
11. “Sob o regime de tradução fluente, o tradutor faz de seu trabalho ‘invisível’, assim,
produz o efeito ilusório de transparência, que simultaneamente mascara seu status,
como uma ilusão: o texto traduzido parece natural, ou seja, não traduzido”
(VENUTI, 1995; p. 5);
12. Gideon Toury adverte que “frequentemente, pode-se demonstrar que o produto
final das traduções está em desacordo com as alegações de seus tradutores”;
13. Tradução minha.
14. Tradução minha.

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