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RELATO DE EXPERIÊNCIA

Capacitação em bioética para profissionais


da Saúde da Família do município de
Santo André, SP

A TRAINING COURSE ON BIOETHICS FOR FAMILY HEALTH STRATEGY


PROFESSIONALS IN SANTO ANDRÉ, SP

CAPACITACIÓN EN BIOÉTICA PARA PROFESIONALES DE LA SALUD DE LA FAMILIA


DEL MUNICIPIO DE SANTO ANDRÉ-SP
Elma Lourdes Campos Pavone Zoboli1, Fátima Aparecida Cotrim Soares2

RESUMO ABSTRACT RESUMEN


Relato de experiência da capacitação em This case report presents the experience of Relato de experiencia sobre la capacitación
bioé ca para enfermeiros e médicos da Es- a training course on bioethics for nurses and en bioé ca para enfermeros y médicos de la
tratégia Saúde da Família, Santo André, SP. physicians of the Family Health Strategy in Estrategia Salud de la Familia, Santo André-
Trata-se de trabalho calcado na problema- Santo André, SP. This study is based on prob- SP. Enfocada en la problema zación y bioé-
zação e bioé ca delibera va, que obje - lem-based learning and delibera ve bioeth- ca delibera va, obje vó presentar el pro-
vou apresentar o procedimento da delibe- ics, and aimed at presen ng the delibera on cedimiento de deliberación para coadyuvar
ração para subsidiar o manejo de proble- procedure as a means of handling ethical el manejo de problemas é cos. Se traba-
mas é cos. Trabalharam-se os conteúdos issues. Contents were addressed in a cross- jaron transversalmente los contenidos en
transversalmente em cinco sequências de sec on manner through five sequen al ac- cinco secuencias de ac vidades, en dos
a vidades, em dois momentos de concen- vity sessions at two different moments of momentos de concentración, intercalados
tração, intercalados por um de dispersão. concentra on with one dispersion interval. por uno de dispersión. En la primera con-
Na primeira concentração, desenvolveram- In the first moment of concentra on, key centración, se desarrollaron conceptos llave
-se conceitos chaves e conteúdos da bioé - concepts and delibera ve bioethics contents y contenidos de la bioé ca delibera va. En
ca delibera va. Na segunda, houve sessões were developed. The second involved delib- la segunda, hubo sesiones de deliberación
de deliberação para situações de conflito era on sessions on moral conflicts, which para situaciones de conflictos morales se-
moral, selecionadas e preparadas durante were selected and prepared during the dis- leccionados y preparados durante la disper-
a dispersão. Os par cipantes avaliaram a persion interval. Par cipants evaluated the sión. Los par cipantes evaluaron la delibe-
deliberação como um instrumental ade- delibera on as an appropriate instrument ración como un instrumental adecuado para
quado para lidar com as questões é cas to deal with the ethical issues they are faced lidiar con las cues ones é cas que viven. La
que vivem. A problema zação mostrou-se with. Problem-based learning was an effec- problema zación se mostró efec va como
efe va como estratégia educa va na for- ve educa onal strategy for con nuing edu- estrategia educa va en la capacitación per-
mação con nua em bioé ca delibera va. ca on in delibera ve bioethics. manente en bioé ca delibera va.

DESCRITORES DESCRIPTORS DESCRIPTORES


Bioé ca Bioethics Bioé ca
Capacitação em Serviço Inservice Training Capacitación en Servicio
Pessoal de saúde Health personnel Personal de salud
Atenção Primária à Saúde Primary Health Care Atención Primaria de Salud

1
Enfermeira. Pós-Doutorado em Bioética. Professora Associada do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da
Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. elma@usp.br 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem
da Universidade de São Paulo. Enfermeira da Prefeitura Municipal de Santo André. Santo André, SP, Brasil.familiacolla@terra.com.br

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Rev Esc Enferm USP Recebido: 15/10/2010 Capacitação em bioética para profissionais
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2012; 46(5):1248-1253 Aprovado: 28/03/2012 Saúde da Família do município de Santo André, SP
www.scielo.br/reeusp
www.ee.usp.br/reeusp/ Zoboli ELCP, Soares FAC
INTRODUÇÃO O processo educativo em bioética objetiva o desen-
volvimento de habilidades práticas e tem como meta
Por lidarem com limiares de vida e morte das pessoas desenvolver competência para analisar e resolver con-
e com sua saúde, que pode ser compreendida ao mesmo flitos éticos de maneira autônoma e prudente, após
tempo como bem, direito e valor, as profissões de saúde processo deliberativo(5).
dis nguem-se por sua responsabilidade é ca. Entretanto,
Ainda que se reconheça que o desenvolvimento das
frente aos problemas é cos atuais, que decorrem dos avan-
habilidades depende de conhecimentos, não será muito
ços biotecnológicos, das mudanças e crises nos sistemas
ú l para a melhoria das prá cas e das relações em saúde
de saúde e do reconhecimento da pluralidade moral dos
usuários e trabalhadores, tem sido insuficiente recorrer aos o profissional conhecer perfeitamente a história e funda-
códigos de é ca profissional. Assim, é necessário incorpo- mentação da bioé ca, ou ainda discorrer com desenvol-
rar a formação con nua dos profissionais para uma nova tura sobre as teorias é cas ou o fenômeno do desenvol-
abordagem da é ca que fomente a aquisição de hábitos vimento moral, se não for capaz de iden ficar e aplicar
delibera vos e considere o pluralismo moral, as possibili- valores e princípios no manejo de casos conflituosos. Por
dades da biotecnologia e as transformações na saúde e as- isso, as habilidades prá cas têm de primar sobre os co-
sistência. Na clínica, passamos da imposição à autogestão; nhecimentos. Mas, ambos são apenas meios e instrumen-
da beneficência paternalista dos profissionais à autonomia tos para a finalidade precípua dos processos forma vos
dos usuários dos serviços de saúde. Na atenção básica, o em bioé ca: problema zar o a tudinal para transformar a
usuário é, todavia, mais autônomo e a decisão de tratar-se prá ca profissional rumo a excelência é ca(5).
ou não dependerá muito das relações de vínculo e sen do, Assim, o desafio maior no ensino da bioé ca diz res-
ou seja, da é ca das relações. peito às a tudes, pois estas têm a ver com as opções au-
Por incluir a capacitação sistema zada em conhecimen- tônomas de cada um acerca do po de profissional que
tos, habilidades e a tudes, de forma proble- almeja ser(6).
ma zadora e não manipuladora ou doutri-
Os obje vos da capacitação foram: pro-
nadora, fomentando a competência é ca, Mais do que conhecer
ética, filosofia, porcionar conhecimentos de bioé ca que
a formação em bioé ca pode propiciar aos
permitam aos profissionais de saúde a análise
profissionais uma nova forma de abordar legislação e códigos
sistema zada e crí ca dos aspectos é cos de
cri camente a é ca em saúde. Mais do que deontológicos, o sua prá ca na atenção básica, considerando
conhecer é ca, filosofia, legislação e códigos profissional tem que
deontológicos, o profissional tem que ser as peculiaridades desse âmbito da assistên-
ser competente para cia; subsidiar o processo de tomada de de-
competente para deliberar, responsável e pru-
dentemente. Isso requer competência é ca (1). deliberar, responsável cisão frente a problemas é cos na atenção
e prudentemente. Isso básica a fim de que os profissionais sejam
Competência é a capacidade de agir efi- requer competência capazes de argumentar com exa dão e con-
cazmente nas diferentes situações profissio- ética. sistência acerca de suas eleições nestas situ-
nais, com base em conhecimentos, mas sem ações; desenvolver as habilidades necessárias
limitar-se a eles. É a capacidade para u lizar, para a deliberação moral frente a problemas
integrar ou mobilizar os conhecimentos e as é cos na atenção básica, propiciando juízos
habilidades, visando à solução de problemas do co diano. A prudentes, refle dos, ponderados e que permitam a argu-
competência não se restringe ao contexto técnico. Por visar mentação e contra-argumentação num verdadeiro diálogo
ao despertar da capacidade crí co-reflexiva do profissional, da equipe; sensibilizar os profissionais de saúde para a ava-
inclui os âmbitos é co e polí co(2). liação da dimensão é ca de sua prá ca na atenção básica,
O profissional competente é capaz de julgar, avaliar e a fim de que reconheçam os problemas é cos e os valores
ponderar situações problemá cas para encontrar alterna- em confronto nestas situações e encaminhem, de forma
vas de solução e decisão, também no âmbito da é ca pro- responsável, soluções cria vas e sensatas; alertar para a im-
fissional. A competência é ca requer: conhecimento sobre portância das mediações necessárias para a deliberação em
teorias é cas (saber); habilidade para iden ficar conflitos bioé ca, como comunicação terapêu ca, relação de ajuda,
e deliberar (saber fazer) e a incorporação verdadeira dos escuta empá ca.
valores e princípios é cos na a tude profissional com o
usuário e os companheiros de equipe (ser/conviver)(1). REVISÃO DA LITERATURA
Estudos com profissionais de atenção primária de Madrid
e São Paulo evidenciaram a necessidade de formação con - Enfoques para o ensino da bioética
nuada em bioé ca(3-4). O de Madrid aponta a escassez de for-
mação em bioé ca e a necessidade de mais inves mentos A vida moral não é mera questão de boa vontade e
nessa área a fim de capacitar os profissionais da atenção bá- reta intenção. Ela também requer árdua e paciente apren-
sica para o manejo e resolução de conflitos é cos(3). dizagem como qualquer outra habilidade humana(6).

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Dis nguem-se dois enfoques para o ensino da bioé - O enfoque socrá co tem de estar sempre vivo no en-
ca: pedagógico e socrá co. O primeiro é o mais comum. sino da bioé ca. Ele é an doto para o doutrinamento, a
Centra-se na transmissão de conhecimentos, enfocando manipulação, a imposição e, também, para a redução da
o processo de ensino a par r da elaboração, implemen- formação à mera transmissão de informação e instrução
tação e avaliação de um programa. O segundo enfoque, moral, prá cas que geram profissionais amedrontados,
sem descuidar do rigor dos conteúdos, prioriza a transfor- que não sabem como agir frente aos desafios é cos e, por
mação do ser. Isso era o que Sócrates buscava nos diálo- isso, buscam proteção na prá ca defensiva (1).
gos com seus discípulos, daí enfoque socrá co ou maiêu -
co. O procedimento docente deste enfoque é a maiêu ca, O ensino problema zador da bioé ca propicia que
do grego maia (mãe, parteira, a arte de partejar)(5). cada um se faça agente de sua própria transformação e
das modificações de sua prá ca assistencial, capacitando-
A maiêu ca socrá ca visa fazer nascer, trazer à luz o -se para detectar os problemas é cos que emergem da
melhor que cada um tem dentro de si mesmo. Sócrates realidade co diana e buscar soluções originais, cria vas,
não queria impor nada ao sujeito, mas ajudá-lo a parir o responsáveis e prudentes. Esse po de ensino da bioé -
melhor que nha em seu interior. Cada um tem que se dar ca requer: grupos pequenos, intera vos e par cipa vos;
à luz pessoalmente, cabendo ao professor, respeitosa e abordagens mais prá cas que teóricas, incluindo discus-
pacientemente, auxiliá-lo neste processo, como parteiras sões de casos para análise de situações problemá cas da
que apóiam, acompanham um trabalho de parto. O en- a vidade co diana em saúde e não somente de dilemas
foque socrá co, então, propõe a facilitar a transformação extremos e excepcionais que podem ser raros na prá ca
interior das a tudes(5). dos profissionais da atenção básica; discussão con nua
por meio de debates fundamentados nos conhecimentos
Na atenção básica, a opção pedagógica da proble-
aprendidos e compar dos, na experiência profissional e
ma zação pode facilitar a operacionalização do enfoque
na biografia dos par cipantes.
socrá co na estruturação de capacitações em bioé ca e
contribuir para despertar e/ou consolidar nos profissio- A par r da proposta da problema zação para o ensi-
nais um compromisso de co-responsabilização pela saúde no da bioé ca, propomos o modelo de deliberação como
da família, que se traduza no cul vo de a tudes e disposi- apropriado para capacitações na atenção básica. A deli-
ções de acolhimento, vínculo e cuidado. beração tem como peculiaridade permi r que a par r da
situação clínica se incluam os diversos aspectos que para
A problema zação considera que, frente às mudanças
ela concorrem, a par r de perguntas relevantes para com-
do mundo atual, o mais importante não são os conheci-
preensão dos fatos e a iden ficação dos valores em con-
mentos, mas a capacidade para detectar problemas reais
flito. Almeja traçar soluções possíveis e encontrar o curso
e buscar soluções originais e cria vas. Assim, o essencial é
ó mo de ação, que será o que, prudentemente, levar à
o desenvolvimento da capacidade de fazer perguntas re-
maior concre zação, ou à menor lesão, dos valores em
levantes para que, compreendendo a realidade, a pessoa
conflito no caso.
possa iden ficar e resolver conflitos, gerando, autônoma
e responsavelmente, transformações. A problema zação Este ar go relata a experiência de aplicação de uma
almeja desenvolver a capacidade de observação da rea- capacitação em bioé ca para enfermeiros e médicos da
lidade imediata, circundante, e também da global e es- Estratégia Saúde da Família em Santo André, São Paulo,
trutural, a fim de detectar recursos; iden ficar problemas calcada na problema zação e na deliberação, como teoria
que obstaculizam o uso eficiente e equita vo desses re- é ca e procedimento para tomada de decisão.
cursos; encontrar formas de organização do trabalho e da
ação cole va para consegui-lo(7).
MÉTODO
Por buscarem despertar a capacidade de fazer pergun-
tas relevantes, a par r de sensível e acurada observação e
compreensão da realidade co diana e estrutural, para en- A proposta de capacitação em bioé ca
contrar soluções cria vamente transformadoras, o enfo- A capacitação considerou as peculiaridades da prá ca
que socrá co e a opção problema zadora se aproximam profissional e da assistência na Saúde da Família em Santo
como estratégias de ensino para a bioé ca delibera va. André (SP, Brasil). Usou o enfoque problema zador como
Deliberar consiste em problema zar e camente as situ- estratégia de ensino-aprendizagem da deliberação em
ações de conflito moral, ou seja, os conflitos de valores bioé ca(8), a fim de desenvolver e integrar uma base de
vividos na atenção à saúde para encontrar cursos de ação conhecimentos e habilidades para lidar com os problemas
alterna vos, apontando para a opção ó ma. Requer in- é cos na atenção à saúde.
terpretação dos dados reais, dos fatos em suas conexões
de sen do; uma análise de eventos da vida, dos aconteci- A deliberação é processo de autoeducação, quase au-
mentos históricos e culturais em suas tessituras interco- toanálise, que visa propiciar a transformação da prá ca
nexas(8). Para bem deliberar é preciso saber problema zar profissional com mudanças a tudinais. Permite interpre-
o âmbito é co dos casos clínicos. tar dados e estabelecer conexões de sen do na iden fica-

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ção e abordagem dos conflitos é cos. A par r da situação problema apresentado. Os cursos mais prudentes, usu-
clínica, o procedimento delibera vo propicia a pondera- almente, estão no espaço intermédio.
ção e inclusão dos valores e dos aspectos contextuais que
concorrem para situação vivida pelo usuário, sua família A quarta sequência teve como conceito-chave a clínica
e a equipe de saúde. Com isso, amplia-se a compreensão ampliada e visava discu r as peculiaridades da relação pro-
das vivências e experiências, criando-se ambiente favorá- fissional-usuário na atenção básica. A úl ma sequência fo-
vel para mudanças a tudinais dos profissionais, em com- cou as questões é cas nas relações de equipe, assinalando
promisso responsável com a excelência moral e técnica de a importância de resolver os conflitos morais de maneira
sua prá ca e assistência. argumentada e por meio de comunicação asser va.

A proposta educa va da capacitação visou desen- Com base nos conceitos-chave, durante as sequên-
volver competências e habilidades necessárias à delibe- cias de a vidades abordaram-se conteúdos como: gê-
ração moral. Dentre estas, destacam-se: diferenciação nese, trajetória, concepções e abrangência da bioé ca;
da especificidade da bioé ca, em relação ao direito e à pontos em comum e especificidades das linguagens
deontologia profissional na abordagem das questões é - moral, é ca, é ca profissional, direito e bioé ca; as ex-
cas; sensibilidade para perceber os conflitos de valores periências é cas e morais, com os níveis dos valores e
na atenção básica; integração de fatos, valores e deveres deveres; momentos de análise do ato moral; as falácias
na fundamentação das decisões; aplicação dos passos da bioé ca; a virtude da prudência; a responsabilidade
do procedimento delibera vo para chegar a decisões moral na prá ca clínica; as peculiaridades da bioé ca na
consistentes, a par r da ponderação dos cursos de ação Atenção Básica e Saúde da Família.
possíveis; aprimoramento da linguagem para a descrição O primeiro momento de concentração seguiu-se de du-
clara dos problemas é cos, dos valores em conflito e dos as semanas de dispersão, durante as quais os par cipantes
cursos de ação; desenvolvimento de convivência respei- deveriam escolher um problema é co que vessem vivido
tosa e dialogal com visões morais dis ntas das próprias. em sua prá ca em atenção básica e prepará-lo para sessões
A capacitação também almejava despertar os profissio- de deliberação desenvolvidas no segundo momento de con-
nais para a importância de saberem manejar habilidades centração. A carga horária total foi 40 horas, sendo 30 em
de comunicação e escuta para melhor deliberarem nos a vidades de concentração: 20 horas para as sequências de
problemas é cos. a vidades e 10 horas para as sessões de deliberação.
A capacitação incluiu cinco sequências de a vida- Para avaliar se os obje vos da capacitação haviam
des, em dois momentos de concentração, intercalados sido alcançados usou-se a par cipação e envolvimen-
por um de dispersão. Por meio de a vidades teórico- to dos par cipantes nas a vidades; o desempenho nos
-prá cas, cada sequência visava desenvolver conceitos exercícios escritos e na apresentação do caso para de-
chaves, competências e habilidades essenciais para ca- liberação. Para es mar a mobilização na sensibilida-
pacitar os profissionais no procedimento delibera vo. As de para percepção de problemas é cos, aplicou-se um
a vidades incluíam discussão em grupos sobre concei- instrumento para inventariar esse po de situações na
tos, visões e vivências profissionais; sessões plenárias; atenção básica, que foi aplicado antes e depois da capa-
análise de casos; exercícios de aplicação do método de- citação. Para avaliação geral da capacitação perguntou-
libera vo; leitura e discussão de textos; drama zação; -se aos par cipantes (06 médicos, 06 enfermeiros e 01
aulas-síntese; exercícios escritos. den sta): O que você aprendeu durante as sessões de
Na primeira sequência, trabalharam-se os conceitos deliberação do curso? Como o curso influenciará sua
chave da experiência moral e do problema é co, com os prá ca no trabalho diário?
obje vos de discu r as diferenças entre as concepções de
problema e dilema é cos e designar a experiência moral, RESULTADOS
dis nguindo os âmbitos dos fatos, valores e deveres. A se-
gunda teve como conceito chave a bioé ca delibera va e
visou apresentar a deliberação como um instrumental da A avaliação da proposta
bioé ca no manejo de problemas é cos.
Os profissionais par cipantes registraram que o curso
Deliberação moral, responsabilidade e prudência deixou-os mais seguros para lidarem com as situações de
foram os conceitos-chave da terceira sequência, que conflitos morais, pois compreenderam a necessidade de
obje vou demonstrar como se operacionaliza o proce- analisar os problemas e situações a par r de dis ntos pon-
dimento da deliberação. Para isso, u lizou-se um caso tos a fim de visualizar as várias alterna vas de ação antes
hipoté co e se ins gou os par cipantes a perceberem de solucionar um problema é co. Puderam compreender
que há mais de duas alterna vas possíveis para a solu- também, que a dimensão é ca é inalienável da clínica, já
ção de problemas é cos. Com isso, almejava-se que ul- que esta lida, também, com os fatos e os valores envolvidos
trapassassem as visões extremas do po pro e contra na situação, sendo preciso analisar cada caso sem prejulga-
e encontrassem cursos intermédios de solução para o mentos. Reconheceram que os exercícios de aplicação do

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procedimento delibera vo contribuíram para que se apro- e futura das populações, da Terra ou, ainda, para a dignida-
priassem de um instrumental para chegarem a decisões de das pessoas(10). O ensino-aprendizagem da bioé ca visa
consistentes e argumentadas do ponto de vista moral. ao preparo dos profissionais para essa consulta dialogal no
âmbito de sua prá ca clínica e do trabalho em equipe(8,11).
Quanto à estrutura do curso, as avaliações indicaram
a necessidade de ampliar a carga horária do segundo mo- Reconhecer a validez dialógica das dis ntas posições e
mento de concentração para que todos possam apresen- dos argumentos elaborados a par r de diferentes sistemas
tar seus casos. de pensamento moral não significa ser neutro. A formação
em valores tem sido usualmente feita com duas tendências
DISCUSSÃO antagônicas: a imposi va, que toma os valores como algo ob-
je vo a ser assumido pelos indivíduos, às custas, até mesmo,
A aprendizagem da é ca inicia-se por imitação: pedago- de imposição e a neutra, que considera os valores en dades
gia do exemplo, currículo oculto (1). Se considerarmos que as subje vas sobre as quais não cabe argumentação racional.
unidades básicas de saúde são campos para a prá ca dos Entre a imposição e a neutralidade, situa-se o modelo delibe-
estudantes, a formação permanente em bioé ca das equi- ra vo (12) objeto da experiência de ensino relatada.
pes de saúde da família poderá repercu r na formação ini-
Os hábitos delibera vos requerem a mediação de
cial das futuras gerações de profissionais. A formação é ca,
meios e instrumentos provenientes de outras áreas do
inicial e permanente, dos profissionais de saúde é essencial
conhecimento, como as técnicas de entrevista clínica, re-
para a excelência na assistência. Esta inclui aspectos técni-
lação de ajuda, suporte emocional, comunicação terapêu-
co-cien ficos de destreza nos procedimentos, atualização
ca, relação de ajuda(9).
dos protocolos e as melhores evidências e, também, a di-
mensão é ca. Sem isso, a melhor assistência técnica pode
ser percebida como de baixa qualidade ou insa sfatória. E, CONCLUSÃO
de fato, ao desconsiderar o plano interpessoal a clínica per-
de em qualidade. A relação dos profissionais com os usuá- A problema zação mostrou-se efe va como estratégia
rios não é mero trâmite burocrá co ou administra vo, mas educa va para o ensino-aprendizagem na formação con -
vínculo, encontro interpessoal para o cuidado. Por isso, tem nua dos profissionais em bioé ca delibera va.
que incorporar a responsabilidade e o compromisso é cos
em uma relação clínica dialógica que proporcione troca de A capacitação desenvolvida com os enfermeiros e
valores, sen mentos e crenças, além da comunicação dos médicos de saúde da família de Santo André (SP, Brasil)
sinais, sintomas e dados dos exames(9). mostrou-se bem sucedida, tendo em vista as avaliações
posi vas dos par cipantes que a consideraram um curso
O ensino da bioé ca implica abertura ao diálogo, como esclarecedor, bem elaborado e que propiciou subsídios
condição e resultado do processo educa vo. A bioé ca é, para melhorar suas condutas e decisões no trabalho nas
antes de tudo, fruto de amplo diálogo das várias correntes unidades básicas de saúde.
culturais e religiosas, no intuito de elaborar algum consen-
so ou conseguir algum equilíbrio acerca da avaliação crite- Há a necessidade de ampliar o tempo para a aplicação
riosa e prudente sobre o que convém incen var e o que pa- prá ca do procedimento de deliberação e prever reuniões
rece desaconselhável ou intolerável para a saúde presente de acompanhamento prospec vo.

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Capacitação Elma
em bioética Lourdes
para Campos
profissionais da Pavone Zoboli Rev Esc Enferm USP
Av. Dr.da
Saúde Enéas dedo
Família Carvalho Aguiar,
município 419André,
de Santo – Cerqueira
SP Cesar 2012; 46(5):1248-1253
CEP - 05403-000 - São Paulo, SP, Brasil
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