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Tecendo

canções
e inventando
moda
Ilustrações da apostila de Adelia Carvalho e Francisco Daniel, feitas para o Caderno Popular do Curso de Verão 2007

“A imaginação alimenta-se de tudo.


Digamos: a imaginação cria tudo isso.
Ao mesmo tempo que produz,
recebe os estímulos que a levam a produzir outras coisas.
E sem imaginação ninguém vai a parte nenhuma.
Creio que há também, neste caso, talvez duas imaginações:
uma é aquela que nós próprios pomos a trabalhar,
e outra é, e suponho que essa é a melhor,
a que trabalha por conta própria,
a que de repente nos coloca diante de alguma coisa
em que não estávamos a pensar.
Como se tivéssemos dois pensamentos:
um que vamos acompanhando ou que nos acompanha a nós,
e outro que, como digo, trabalha numa zona mais profunda
e que de repente vem à superfície e diz: ‘Aqui tens!’.
Creio que é isso.” (José Saramago)
Como tudo começa
Eita momento difícil! Você, o violão e uma folha de papel em branco.
Tá bom! Você e o violão; ou você e a folha em branco... E aí o branco:
a canção não vem; as palavras não vêm.
“Não!”, você pensa, “eu vou conseguir. Sou um cara criativo!”.
Ei, acorda! O único cara que criou alguma coisa do nada foi Deus. E
ainda assim foi só no primeiro dia: “No princípio Deus criou o céu e a terra”.
A partir daí foi criando as outras coisas a partir do que ele já tinha feito.
As canções que a gente cria nascem do que está aí: os sons, as palavras.
O que a gente faz é arrumar isso tudo de uma forma particular, a partir do
nosso jeito de perceber as coisas. “Penso, logo existo” é uma das maiores
baboseiras que alguém já escreveu, disse um filósofo (o também francês Roger
Garaudy); afinal – ele continua –, o nosso pensamento é habitado por séculos
de pensamento das pessoas que nos precederam. Gonzaguinha expressou isso
muito bem em Caminhos do coração:
“É tão bonito quando a gente
Então não há nada de novo? sente que a gente é tanta gente
Claro que sim! Só que o novo se constrói onde quer que a gente vá”.
a partir do que existe: destacando o que aí
há de bom e negando o que não presta, e até dando um novo significado ao
que já não tinha sentido...
E aí? Como é que a gente faz pra superar o branco?

***
Antes de responder mais diretamente a essa questão, talvez a gente precise
recuar um pouco para tentar entender o como acontece em nós o processo
criativo.
É através dos sentidos que o mundo chega até nós. Mais: é através dos
sentidos que o mundo toma forma dentro de nós.
“Antes mundo era pequeno”,
Mundo não é o conjunto das coisas e canta Gilberto Gil,
pessoas fora de nós. Coisas e pessoas exis- “porque Terra era grande. Hoje
tem, quer a gente queira ou não. Quando mundo é muito grande porque
a gente entra de algum modo em contato Terra é pequena, do tamanho
com eles, lembranças, idéias se formam, se da antena parabolicamará”.
organizam de uma maneira muito particu-
lar: eles passam a existir pra nós. Mundo, então, é o conjunto de tudo o que
existe pra cada um de nós, em oposição a universo (ou a Terra da canção
de Gil), que é o conjunto de tudo o que existe (conhecido ou não).
Pra cada um de nós, ver e ouvir e tocar e sentir o cheiro e o sabor,
tudo é tão comum que nem nos damos conta da importância disso.
Você sabe dizer o que é branco? Aqui, nesse nosso pedaço de chão,
branco é tudo igual: o algodão é branco, uma folha de papel pode ser branca,
bem como uma roupa ou um caroço de laranja e um copo descartável. Tudo
é branco, até a luz de uma lâmpada fluorescente. Mas não pra um esquimó,
nas terras geladas do Ártico... Não! Pra ele não é tudo branco. Há muitas
palavras pra diferenciar um branco do outro. Questão de vida ou morte. Ele
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teve de aprender a diferenciar, naquele mundo coberto de neve, a aproximação
de um urso polar (perigo) ou a presença de uma lebre (alimento).
Língua e cultura são formas muito localizadas de se apropriar do mundo.
Cristalizam formas de experimentar a realidade, que é pelo menos um pouco
diferente em cada lugar do planeta.
Pra gente, não faz falta diferenciar branco de branco. Pro esquimó faz. Por
isso nossa língua não tem outra palavra para dizer esta experiência. Por outro
lado, não há nenhuma outra língua no mundo que traduza adequadamente
a palavra portuguesa saudade. Um sentimento enraizado no coração do na-
vegador português, que cruzou os mares mas deixou o coração plantado na
aldeia em que nasceu e cresceu.
Tem um ditado que diz que “o tradutor é um traidor”. Só pra quem acha
que traduzir é passar – literalmente – uma palavra ou uma frase de uma língua
para outra. Para conhecer uma outra língua de verdade é necessário aprender
a experimentar a vida como o outro a experimenta. Significa que você precisa
se aproximar do mundo do outro, saber como certas coisas se relacionam
nesse mundo, começar a entendê-lo (mesmo que você não concorde com ele).
Aprender uma outra língua é, então, aprender a ler o mundo.
Aprender a ver, aprender a ouvir, aprender a sentir, aprender a perceber é
aprender a ler o mundo. Percepção é fundamental. Você não vai conseguir
ser um cara criativo se não tiver os ouvidos e os olhos bem abertos.
“Daquilo que eu sei”,
A vida nos vem toda, inclusive com canta Ivan Lins, “nem tudo me
suas contradições, por meio de nossos deu clareza, nem tudo me deu
sentidos. certeza, nem tudo foi permitido,
nem tudo me foi possível”.

“Não fechei os olhos”, ele


Pronto! Você agora é todo ouvidos, todo continua, “não tapei os ouvidos.
olhos, todo percepção. Vamos voltar à can- Cheirei, provei, toquei, ah, eu
ção Parabolicamará do Gil: “Hoje mundo usei todos os sentidos. Só não
é muito grande porque Terra é pequena”. lavei as mãos e é por isso que eu
Mais e mais somos bombardeados com me sinto cada vez mais limpo”.
informações. Mais e mais temos possi-
bilidades de conhecer coisas. Isso é suficiente? Isso basta? Informação sem
organização não é nada. Não basta ter informações; é preciso organizá-las,
estabelecer relações. Só assim se obtém conhecimento. Como o caboclo, que
olha o céu ao amanhecer e sabe que vem chuva.
Acho que agora dá pra começar a tentar superar o branco. Você é um cara
que percebe as coisas e fica ruminando os pensamentos.
“Diz que eu rumino desde
Na minha opinião, o compositor é um menininho, fraco e mirradinho a
bicho da espécie dos ruminantes. ração da estrada”,
Você sabe o que é ruminar, não sabe? O canta Rolando Boldrin. E conclui:
estômago do boi não é igual ao da gente. “vou mastigando o mundo
Ele mastiga o capim, engole e guarda num e ruminando e assim vou
cantinho do estômago; depois, devolve a tocando essa vida marvada”.
comida pra boca e mastiga novamente.

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“Sou um bom artesão. Trabalho bem com as palavras. Só que às vezes
vem um lampejo, uma idéia luminosa – esse lance eu não domino. Por esse
eu não respondo. Esses momentos mágicos me surpreendem”, declara Chico
Buarque. E Roberto Dualibi, um dos mais importantes publicitários brasilei-
ros, afirma: “A inspiração, no fundo, é a informação armazenada na mente e
na alma”. O cara que cria é um ruminante; só que nem sempre tem controle
sobre o capim que rumina.

***

Ei, ei! Será que dá pra começar agora? – acredito que você deve estar me
perguntando isso.
Vamos partir, então, de duas canções pra ver se dá pra gente traçar um
roteiro de viagem.
Feche os olhos e imagine. Fim-de-semana. Não tem nada melhor do que
bater uma bola com a rapaziada. A partida termina e o rapaz convida os
amigos pra almoçar (as mulheres que me desculpem, mas “futebol é coisa
pra homem!”...). Pra juntar a galera num almoço, ou feijoada ou churrasco.
O rapaz chega pra mulher dele e avisa, em cima da hora, que convidou todo
mundo pro almoço. E agora, fazer o quê?
Partindo dessa situação relativamente corriqueira, de olho nas relações
humanas que existem (e até – por que não? – dando uma alfinetada nessas
relações nos primeiros e nos últimos versos), Chico Buarque constrói Feijoa­
da completa:

Mulher, você vai gostar


Tô levando uns amigos pra conversar
Eles vão com uma fome que nem me contem
Eles vão com uma sede de anteontem
Salta cerveja estupidamente gelada prum batalhão
E vamos botar água no feijão
Mulher, não vá se afobar
Não tem que pôr a mesa, nem dá lugar
Ponha os pratos no chão, e o chão tá posto
E prepare as lingüiças pro tira-gosto
Uca, açúcar, cumbuca de gelo, limão
E vamos botar água no feijão
Mulher, você vai fritar
Um montão de torresmo pra acompanhar
Arroz branco, farofa e a malagueta
A laranja-bahia, ou da seleta
Joga o paio, carne seca, toucinho no caldeirão
E vamos botar água no feijão
Mulher, depois de salgar
Faça um bom refogado, que é pra engrossar
Aproveite a gordura da frigideira
Pra melhor temperar a couve mineira
Diz que tá dura, pendura a fatura no nosso irmão
E vamos botar água no feijão

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Esse “água no feijão” não é invenção do Chico. Tem também uma canção
que fez muito sucesso, do Jorginho do Império, chamada Água no feijão. Dá
até pra engatar cantando essa música na seqüência desse Feijoada completa.
Por água no feijão é uma expressão tão popular que também Mário Lago fez
uma canção – essa em homenagem a Ariano Suassuna – que se chama Põe
mais água no feijão.
Uma boa maneira de vencer o branco (e o frio na barriga que ele dá) é fazen-
do como muitos escritores e poetas: palavra-puxa-palavra. Carlos Drummond
de Andrade fez muito isso.
Dentro de um texto (escrito ou falado), uma palavra adquire seu signifi-
cado quando é vista no conjunto do que está escrito ou é dito, e na ordem
em que essa palavra se encontra quando a gente coloca uma depois da outra.
Veja a palavra “lago”. Observe agora e diga o que significa essa palavra no
contexto desta canção do Gil: “O velho Mário Lago. O velho, o mar e o lago.
O mar e o lago”.
Mas fora do encadeamento de uma palavra em uma frase, vista isolada-
mente, uma palavra nos faz lembrar de muitas outras palavras. No livro
Redação publicitária, João Carrascoza escreve:

“Fora do discurso, encontramos


relações nas quais as palavras
que têm algo em comum se
associam na memória. A palavra
ensinamento fará surgir outras
Que tal se você começasse a escrever em palavras. Será como o centro de
um papel palavras e situações e histórias uma constelação, o ponto para
que o tema “antes criança, hoje jovem” lhe onde convergem outros termos.
sugerem? Pegue algumas dessas palavras O elemento comum entre eles
que você anotou e experimente derivá-las, pode ser o radical (ensinamento,
seja pelo som ou pelo sentido. Compare ensinar), o sufixo (ensinamento,
agora com a letra da canção Não vou me armamento), a imagem
adaptar, de Arnaldo Antunes, gravada acústica (ensinamento, lento),
pelos Titãs, e veja se você não escreveu ou a analogia dos significados
muitas dessas palavras: (ensinamento, aprendizagem)”.

Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia,


Eu não encho mais a casa de alegria.
Os anos se passaram enquanto eu dormia,
E quem eu queria bem me esquecia.
Será que eu falei o que ninguém ouvia?
Será que eu escutei o que ninguém dizia?
Eu não vou me adaptar.
Eu não tenho mais a cara que eu tinha,
No espelho essa cara não é minha.
Mas é que quando eu me toquei, achei tão estranho,
A minha barba estava desse tamanho.
Será que eu falei o que ninguém dizia?
Será que eu escutei o que ninguém ouvia?
Eu não vou me adaptar

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O som do vento e os tambores
O CIPRESTE inclina-se em fina reverência
E as margaridas estremecem, sobressaltadas.
A grande amendoeira consente que balancem
Suas largas folhas transparentes ao sol.
Misturam-se uns aos outros, rápidos e frágeis,
Os longos fios da relva, lustrosos, lisos cílios verdes.
Frondes rendadas de acácias palpitam inquietamente
Com o mesmo tremor das samambaias
Debruçadas nos vasos.
Fremem os bambus sem sossego,
Num insistente ritmo breve.
O vento é o mesmo:
Mas sua resposta é diferente, em cada folha.
Somente a árvore seca fica imóvel,
Entre borboletas e pássaros.
Como a escada e as colunas de pedra,
Ela pertence agora a outro reino.
Seu movimento secou também, num desenho inerte.
Jaz perfeita, em sua escultura de cinza densa.
O vento que percorre o jardim,
Pode subir e descer por seus galhos inúmeros.
Ela não responderá mais nada,
Hirta e surda, naquele verde mundo sussurrante.
(O vento, Cecília Meireles)

A música é um fenômeno corporal de grande receptividade. Mesmo antes


de nascer ainda no ventre da mãe a criança já entra em contato com o universo
sonoro: vozes de pessoas, sons produzidos por objetos, sons da natureza, dos
seres vivos, do acalanto de sua mãe e outros.
É muito grande a influência que a música exerce na criança. Podemos
notar num bebê que ao mínimo som se movimenta, que a música estimula
suas funções sensoriais e afetivas (cantigas de ninar). E é por esse motivo
que a música deve fazer parte da nossa proposta educacional, sem levar em
conta seu fator estimulante, pois é muito bom dançar com música, a criança
canta, dança e se movimenta; se realiza.
A música sempre esteve ligada
A música era vista em diferentes enfoques: a vida do homem. O homem
ora arte, ora magia ou até mesmo ciência, mas primitivo já dançava, e para
sua função mística desempenhava diferentes dançar, além dos instrumentos
papéis em diversas culturas e épocas. No pe- que utilizavam para emitir o
ríodo colonial e durante o Império a música som e formar a música, eles
brasileira seguia os padrões da música européia cantavam.
pela influência política da época. Com as trans-
formações sociais e políticas no final do século 19, a nossa música começou a emergir e a
ganhar um espaço de caráter nacionalista, um caráter brasileiro com ritmos de influência
africana, européia e ameríndia.
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Porém, o conceito de música varia muito de cultura para cultura pois cada
povo tem suas tendências e maneira de se expressar.

A música é para o ritmo, assim como o céu é para as estrelas, o sol para
as nossas vidas na terra e o ar para nossa respiração...
Não há um só lugar no mundo sem som, sem ritmo.
O ritmo nos acompanha em todos os momentos.
Nos nossos passos, na nossa fala, bater de pestanas, nas batidas do nosso
coração, etc. Até ao morrer, ritmicamente vamos aos poucos nos apagando
lentamente. Não sabemos qual o compasso.

Nas Escrituras, nos Salmos, estão es- “A música nos meus ouvidos,
critos em todos os tempos, os seres vivos Excita minhas retinas,
da Terra viveram ouvindo músicas, sons. Renova o cérebro e a alma.
Terapeutas, médicos e professores, desco- É o gosto que sinto em minha língua”
briram curas através da música, dos sons.
Todos cantamos!
Nós, os humanos, através da letra, da poesia, do poema, instrumentos
diversos, peças, etc.
Os animais através de suas vozes: coaxam, berros, rinchos, assobios...
As plantas, através de seus ruídos, estalos (onomatopéia).
A música é uma linguagem universal. Imprescindível à nossa vida.

Seu dotô me de licença


Pra minha história contá
Hoje eu tô na terra estranha
E é bem triste o meu pená
Mas já fui muito feliz
Vivendo no meu lugá
Eu tinha cavalo bom
Gostava de campeá
E todo dia aboiava
Na porteira do currá
Ê, vaca Estrela, ô, boi Fubá
Eu sou fio do nordeste
Não nego o meu naturá
Mas uma seca medonha
Me tangeu de lápra cá
Lá eu tinha o meu gadinho
Não é bom nem imaginá
Minha linda vaca Estrela
E o meu belo boi Fubá
Quando era de tardezinha
Eu começava a aboiá
Ê, vaca Estrela, ô, boi Fubá
Aquela seca medonha
Fez tudo se trapaiá
Não nasceu capim no campo
Para o gado sustentá

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O sertão esturricô, fez os açude secá
Morreu minha vaca Estrela
Se acabou meu boi Fubá
Perdi tudo quanto eu tinha
Nunca mais pude aboiá
Ê, vaca Estrela, ô, boi Fubá
Hoje nas terra do sul
Longe do torrão natá
Quando eu vejo em minha frente
Uma boiada passá
As água corre dos oios
Começo logo a chorá
Lembro minha vaca Estrela
E o meu lindo boi Fubá
Com sodade do nordeste
Dá vontade de aboiá
Ê, vaca Estrela, ô, boi Fubá
(Vaca Estrela e boi Fubá, Patativa do Assaré)

Caboclo roceiro das plagas do norte,


Que vives sem sorte, sem terras e sem lar,
A tua desdita é tristonho que canto,
Se escuto o teu pranto, me ponho a chorar.
Ninguém te oferece um feliz lenitivo,
És rude, cativo, não tens liberdade.
A roça é teu mundo e também tua escola,
Teu braço é a mola que move a cidade.
De noite, tu vives na tua palhoça,
De dia, na roça, de enxada na mão,
Julgando que Deus é um pai vingativo,
Não vês o motivo da tua opressão.
Tu pensas, amigo, que a vida que levas,
De dores e trevas, debaixo da cruz.
E as crises cortantes quais finas espadas,
São penas mandadas por Nosso Jesus.
Tu és, nesta vida, um fiel penitente,
Um pobre inocente no banco do réu.
Caboclo, não guardes contigo esta crença,
A tua sentença não parte do céu.
O Mestre Divino, que é Sábio Profundo,
Não fez, neste mundo, o teu fado infeliz.
As tuas desgraças, com tuas desordens,
Não nascem das ordens do Eterno Juiz.
A Lua te afaga sem ter empecilho,
O sol o seu brilho jamais te negou,
Porém, os ingratos, com ódio e com guerra,
Tomaram-te a terra que Deus te entregou.
De noite, tu vives na tua palhoça,
De dia na roça, de enxada na mão.

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Caboclo roceiro, sem lar, sem abrigo,
Tu és meu amigo, tu és meu irmão.
(Caboclo roceiro, Patativa do Assaré)

Música

É a arte dos sons. É construída de melodia, ritmo e harmonia.


a) Melodia: É uma sucessão de sons musicais combinados.
b) Ritmo: É a duração e acentuação dos sons e das pausas.
c) Harmonia: É a combinação dos sons simultâneos.

O som é o efeito audível produzido por movimentos de corpos vibrató-


rios. Para se produzir um som musical, precisa-se de uma fonte sonora
(corpo que produz sons ao vibrar). Os corpos vibrantes dos instrumen-
tos musicais são corda esticada (violão, violino, piano etc.), coluna
de ar (flauta, trompete etc.) ou membrana (tamborim, cuíca etc.).
Por exemplo, ao tocar uma corda do violão, observe que ela se movi-
menta de um lado para outro um determinado número de vezes por segundo,
emitindo um som..A esse movimento é dado o nome de vibração, medida
em Hertz-Hz (ciclos por segundo).
Quanto maior ou menor o número de vibrações por segundo, mais agudo
ou grave será o som.E quanto maior a amplitude do movimento vibratório,
maior será a intensidade do som produzido.
A música pode ser construída em acordes maiores ou menores, com in-
tervalos simples (tríade), ou em intervalos compostos (tétrade).
Exemplos: tríade maior (C,G,F, G,C); tríade menor (Dm, Gm, A, Dm);
tétrade maior (G7+, C7+, D7, G7+); tétrade menor (Dm7, G7, C7+).

E assim vamos nós, convivendo entre o Ritmo e a Música, pois somos


parte desta Orquestra Universal. Cada um no seu compasso, não importa a
velocidade. Se a música é a Rainha das Artes, somos privilegiados, pois assim
somos desenhos musicais desta Partitura da Vida.

“Senhor, fazei-me um
A música instrumental instrumento de Vossa paz”. Amém!

O som é uma necessidade do ser humano. Diz Caetano Veloso: “Onde o


oculto do Mistério se escondeu”. Nasce da vibração de um corpo, que ao ser
tocado, emite algum som em forma de ondas, que se propagam seja no ar, ou
na água. O som pode ser produzido de várias formas:
– Uma delas seria através do atrito. Quando dois corpos se encontram,
você percebe que se produz um som característico, como o que se ouve ao
esfregar uma mão na outra?
– Uma pedra caindo na água produz um som (Blum! Blum! Blum!).
– O vaqueiro aboiando, o som entoa na mata...
– Você já ouviu o som da chuva caindo? De acordo com o objeto em que
ele estiver tocando, vai se modificando.
– O som dos vendedores nas feiras vendendo seus produtos.

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Para compor música instrumental, o O som está na Natureza,
compositor dispõe do instrumento, imagem, seja no murmúrio das águas,
inspiração­, sentimento e um bom conheci- no vento, no canto dos pássaros,
mento de escalas, harmonias e muita sensi- no canto dos animais,
bilidade. Todos esses elementos, juntos, vão no inaudível, no barulho
sendo trabalhados para chegar ao produto das cidades, e no mais simples
final. Cabe a ele saber combinar os sons dos seres do Universo,
– consonantes e dissonantes –, para produzir desde sua origem.
melodias agradáveis ao ouvido humano.
O som está presente na vida de cada um de nós, sendo tão importante
assim quanto a água que bebemos, pois serve de alimento para nossa alma
e alegra o nosso espírito. A música instrumental é também utilizado como
atividades terapêuticas, relaxamentos, em momentos de reflexão de grupos,
e tratamento de doenças, etc.
Até mesmo os animais têm necessidade, precisam e gostam de ouvir
música.

Sons do silêncio: uma estória oriental

Um rei mandou seu filho estudar no templo de um grande mestre com o


objetivo de prepará-lo para ser uma grande pessoa. Quando o príncipe chegou
ao templo, o mestre o mandou sozinho para uma floresta. Ele deveria voltar
um ano depois, com a tarefa de descrever todos os sons da floresta.
Ao retornar ao templo, após um ano, o mestre lhe pediu para descrever
todos os sons que conseguira ouvir. Então disse o príncipe:
– Mestre, pude ouvir o canto dos pássaros, o barulho das folhas, o alvoroço
dos beija-flores, a brisa batendo na grama, o zumbido das abelhas, o barulho
do vento cortando os céus...
Ao terminar seu relato, o mestre pediu que o príncipe retornasse a floresta,
para ouvir tudo o mais que fosse possível. Apesar de intrigado, ele obedeceu
à ordem do mestre, pensando:
“Não entendo, eu já distingui todos os sons da floresta...”
Por dias e noites ficou sozinho ouvindo, ouvindo, ouvindo... mas não
conseguiu distinguir nada de novo além daquilo que havia dito ao mestre.
Porém, certa manhã, começou a distinguir sons vagos, diferentes de tudo o
que ouvira antes.
E quanto mais prestava atenção, mais claros os sons se tornavam. Uma
sensação de encantamento tomou conta do rapaz. Ele pensou:
“Esses devem ser os sons que o mestre queria que eu
ouvisse...”
E, sem pressa, ficou ali ouvindo e
ouvindo, pacientemente. Queria ter
certeza de que estava no caminho
certo. Quando retornou ao
templo, o mestre lhe

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perguntou o que mais conseguira ouvir. Paciente e respeitosamente o prín-
cipe disse:
– Mestre, quando prestei atenção pude ouvir o inaudível som das flores
se abrindo, o som do sol nascendo e aquecendo a terra e da grama bebendo
o orvalho da noite...
O mestre, sorrindo, acenou com a cabeça em sinal de aprovação, e disse:
– Ouvir o inaudível é ter a calma necessária para se tornar uma grande
pessoa. Apenas quando se aprende a ouvir o coração das pessoas, seus sen-
timentos mudos, seus medos não confessados e suas queixas silenciosas,
uma pessoa pode inspirar confiança ao seu redor; entender o que está errado
e atender às reais necessidades de cada um.
E o mestre continuou:
– A morte do espírito começa quando as pessoas ouvem apenas as palavras
pronunciadas pela boca, sem atentarem ao que vai no interior das pessoas
para ouvir os seus sentimentos, desejos e opiniões reais. É preciso, portanto,
ouvir o lado inaudível das coisas, o lado não mensurado, mas que tem o seu
valor, pois é o lado mais importante do ser humano...

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Além das palavras
Há melodias sem palavras e poesias que não são cantadas, mas não são
canções. Uma canção se faz de música e poesia, duas faces da mesma moeda,
inseparáveis. Uma boa canção é aquela em que o conjunto funciona: uma
melodia maravilhosa para uma letra sem graça ou uma poesia fantástica
acompanhada por uma melodia xinfrim? fala sério!
O poeta não fala apenas para
As palavras foram criadas para dar nome a si, fala para os outros. Sua
certas realidades; porém, têm uma capacidade linguagem é universal porque ele
incrível de expressar muito mais do que aquilo é capaz de traduzir em palavras
que elas deveriam mostrar. Isso acontece quase uma experiência que é dele,
que o tempo todo na nossa vida de todo dia. A mas que é também de outros.
palavra “cavalo”, por exemplo, faz referência
a um tipo específico de animal. Mas, e na expressão popular: “Pode tirar o
cavalo da chuva”? (cadê o cavalo? você tem um?).
É o que canta Gilberto Gil:

Uma lata existe para conter algo


Mas quando o poeta diz: “Lata”
Pode estar querendo dizer o incontível
Uma meta existe para ser um alvo
Mas quando o poeta diz: “Meta”
Pode estar querendo dizer o inatingível
Por isso, não se meta a exigir do poeta
Que determine o conteúdo em sua lata
Na lata do poeta tudonada cabe
Pois ao poeta cabe fazer
Com que na lata venha caber
O incabível
Deixe a meta do poeta, não discuta
Deixe a sua meta fora da disputa
Meta dentro e fora, lata absoluta
Deixe-a simplesmente metáfora

Aí ele dá uma dica fantástica pra gente que quer escrever canções: metá-
foras. Metáfora é uma das tantas coisas que o pessoal chama de figuras de
linguagem, ou seja, como é que a gente pode juntar as palavras para expres-
sar uma idéia. Todas essas figuras de linguagem – a maioria tem nomes tão
estranhos que talvez não valha a pena citá-los – podem ser utilizadas para se
construir a poesia da canção (que a gente costuma chamar de “letra”).
A metáfora, por exemplo, é uma comparação (só que sem o usar a palavra
“como”). Veja Cio da terra de Chico Buarque e Milton Nascimento:

Debulhar o trigo
recolher cada bago de trigo
forjar do trigo o milagre do pão
e se fartar de pão
Curso de Verão 2008 / CESEP • 12 • Tecendo Canções e Inventando Moda
A canção começa descrevendo a atividade de quem colhe o trigo. Usa pa-
lavras exatas para falar disso: debulhar, recolher cada bago. De repente vem
“forjar do trigo o milagre do pão”. Forjar não tem nada a ver com a atividade
de quem colhe e nem com a atividade de quem cozinha. Forjar é uma palavra
que fala do trabalho do ferreiro, que molda o ferro com o auxílio do calor
da fornalha e de golpes de martelo. É uma palavra muito forte e que acabou
servindo para expressar também a idéia de fabricar e de inventar.
Talvez você esteja se perguntando – já que essa é a coisa que parece a mais
comum de todas – porque eu não comecei falando que poesia tem de ter rima.
Sabe o que é rima, não sabe? É a repetição de um determinado som no final das
frases: incontível/inatingível, fazer/caber e por aí afora. Em primeiro lugar, isso
não é tão obrigatório assim. Veja a canção Por enquanto, do Renato Russo:

Mudaram as estações
Nada mudou
Mas eu sei que alguma coisa aconteceu
Tá tudo assim
Tão diferente
Se lembra quando a gente
Chegou um dia a acreditar
Que tudo era pra sempre
Sem saber
Que o pra sempre, sempre acaba
Mas nada vai
Conseguir mudar
O que ficou
Quando penso em alguém só penso em você
E aí então estamos bem
Mesmo com tantos motivos
Pra deixar tudo como está
Nem desistir
Nem tentar
Agora
Tanto faz
Estamos indo
De volta pra casa

A única rima está em diferente/gente. No entanto é uma canção que


flui legal.
Fluir. As palavras têm de fluir.
Essa repetição de sons, que a gente se acostumou a ver no fim de cada
verso, é importante, sim, mas não necessariamente no fim. Tem gente que
usa essa repetição – que recebe o nome de aliteração – também no meio da
frase. Isso ajuda a dar ritmo ao texto.
Como nessa canção de Gonzaguinha, E vamos à luta: “Eu ponho fé é na
fé da moçada / que não foge da fera e enfrenta o leão”. Veja a repetição do
som “f”, em “fé”, “foge”, “fera”, “enfrenta”.
É interessante perceber nessa música, também, outros recursos muito
expressivos: gradação e paralelismo. Calma! Já vou explicar.
Observe toda a letra da canção E vamos à luta:
Curso de Verão 2008 / CESEP • 13 • Tecendo Canções e Inventando Moda
Eu acredito é na rapaziada
que segue em frente e segura o rojão
Eu ponho fé é na fé da moçada
que não foge da fera e enfrenta o leão
Eu vou à luta com essa juventude
que não corre da raia a troco de nada
Eu vou no bloco dessa mocidade
que não tá na saudade e constrói a manhã desejada
Aquele que sabe que é mesmo o couro da gente
que segura a batida da vida o ano inteiro
Aquele que sabe o sufoco de um jogo tão duro
e apesar dos pesares ainda se orgulha de ser brasileiro
Aquele que sai da batalha
e entra num botequim
pede uma cerva gelada
e agita na mesa logo uma batucada
Aquele que manda um pagode
e sacode a poeira suada da luta
e faz a brincadeira
pois o resto é besteira
(Nós estamos pelaí)

Perceba que a canção está estruturada em dois blocos. Cada bloco é cons-
truído por 4 (quatro) frases e cada frase começa com um pronome: “Eu” no
primeiro bloco e “Aquele” no segundo bloco. É que o primeiro bloco fala da
fé do autor na capacidade da juventude de construir um outro mundo; já o
segundo se ocupa em descrever essa juventude. Essa brincadeira de 4 frases
num bloco e 4 no outro bloco é o que chamamos de paralelismo.
Mas esse paralelismo tem, nesta canção, uma outra função: auxiliar a criar
um envolvimento com o tema. Esse envolvimento é conseguido, principal-
mente, porque a cada nova frase um elemento novo é colocado, reforçando
o verso anterior: é o que se chama de “gradação”. Só pra dar um exemplo,
essa gradação é nitidamente positiva no primeiro bloco, isto é, vai mostrando
razões cada vez mais fortes para se ter “fé na moçada”: “segue em frente e
segura o rojão”; “não foge da fera e enfrenta o leão”, “não corre da raia a troco
de nada” até chegar a “não tá na saudade e constrói a manhã desejada”.
É importante destacar que tanto paralelismo quanto gradação acontecem
não apenas em termos de construção da letra, mas também na construção
da melodia. É isso que faz dela uma canção bem amarrada.
E só pra citar mais um – figura de linguagem tem aos montes na nossa
língua –, que tal falar de ironia? Mais interessante do que falar certas coisas
de forma muito direta, é dizer o contrário do que precisa ser dito, mas de um
jeito que a pessoa entenda o que você realmente quer dizer. Isso dá até um
certo toque de humor à canção. Lembra de Feijoada completa, lá no começo?
“Mulher, você vai gostar. Tô levando uns amigos pra conversar...”. Fala sério!
Você acha que alguma mulher vai gostar de ver o marido trazer um bando de
marmanjos pra casa, suados do futebol, com vontade de beber uma cerveja
(que você não tem), com muita fome (e a comida nem tá pronta ainda)?...
Agora, você acha que ficaria legal se a música falasse assim: “Mulher, não é
pra brigar, tô levando uns amigos pra conversar...”?
Curso de Verão 2008 / CESEP • 14 • Tecendo Canções e Inventando Moda
Outros textos para a reflexão
A pipoca

Rubem Alves
A culinária me fascina. De vez em quando A pipoca é um milho mirrado, subdesen-
eu até me atrevo a cozinhar. Mas o fato é que volvido.
sou mais competente com as palavras do que Fosse eu agricultor ignorante, e se no meio
com as panelas. dos meus milhos graúdos aparecessem aquelas
Por isso tenho mais escrito sobre comidas espigas nanicas, eu ficaria bravo e trataria de
que cozinhado. Dedico-me a algo que poderia me livrar delas. Pois o fato é que, sob o ponto
ter o nome de “culinária literária”. Já escrevi de vista de tamanho, os milhos da pipoca não
sobre as mais variadas entidades do mundo da podem competir com os milhos normais. Não
cozinha: cebolas, ora-pro-nobis, picadinho de sei como isso aconteceu, mas o fato é que
carne com tomate feijão e arroz, bacalhoada, houve alguém que teve a idéia de debulhar as
suflês, sopas, churrascos. espigas e colocá-las numa panela sobre o fogo,
Cheguei mesmo a dedicar metade de um li- esperando que assim os grãos amolecessem e
vro poético-filosófico a uma meditação sobre o pudessem ser comidos.
filme A Festa de Babette que é uma celebração Havendo fracassado a experiência com água,
da comida como ritual de feitiçaria. Sabedor tentou a gordura. O que aconteceu, ninguém
das minhas limitações e competências, nunca jamais poderia ter imaginado.
escrevi como chef. Escrevi como filósofo, poe- Repentinamente os grãos começaram a es-
ta, psicanalista e teólogo – porque a culinária tourar, saltavam da panela com uma enorme
estimula todas essas funções do pensamento. barulheira. Mas o extraordinário era o que
As comidas, para mim, são entidades oní- acontecia com eles: os grãos duros quebra-
ricas. dentes se transformavam em flores brancas e
Provocam a minha capacidade de sonhar. macias que até as crianças podiam comer. O
Nunca imaginei, entretanto, que chegaria um estouro das pipocas se transformou, então, de
dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois uma simples operação culinária, em uma festa,
foi precisamente isso que aconteceu. brincadeira, molecagem, para os risos de todos,
A pipoca, milho mirrado, grãos redondos e especialmente as crianças. É muito divertido
duros, me pareceu uma simples molecagem, ver o estouro das pipocas!
brincadeira deliciosa, sem dimensões metafí- E o que é que isso tem a ver com o Can-
sicas ou psicanalíticas. Entretanto, dias atrás, domblé? É que a transformação do milho
conversando com uma paciente, ela mencio- duro em pipoca macia é símbolo da grande
nou a pipoca. E algo inesperado na minha transformação porque devem passar os homens
mente aconteceu. Minhas idéias começaram a para que eles venham a ser o que devem ser. O
estourar como pipoca. Percebi, então, a relação milho da pipoca não é o que deve ser. Ele deve
metafórica entre a pipoca e o ato de pensar. Um ser aquilo que acontece depois do estouro. O
bom pensamento nasce como uma pipoca que milho da pipoca somos nós: duros, quebra-den-
estoura, de forma inesperada e imprevisível. tes, impróprios para comer, pelo poder do fogo
A pipoca se revelou a mim, então, como um podemos, repentinamente, nos transformar em
extraordinário objeto poético. Poético porque, outra coisa – voltar a ser crianças! Mas a trans-
ao pensar nelas, as pipocas, meu pensamento formação só acontece pelo poder do fogo.
se pôs a dar estouros e pulos como aqueles das Milho de pipoca que não passa pelo fogo
pipocas dentro de uma panela. Lembrei-me continua a ser milho de pipoca, para sempre.
do sentido religioso da pipoca. A pipoca tem Assim acontece com a gente. As grandes
sentido religioso? Pois tem. transformações acontecem quando passamos
Para os cristãos, religiosos são o pão e o pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do
vinho, que simbolizam o corpo e o sangue de mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de
Cristo, a mistura de vida e alegria (porque vida, uma mesmice e dureza assombrosa. Só que
só vida, sem alegria, não é vida...). Pão e vinho elas não percebem. Acham que o seu jeito de
devem ser bebidos juntos. Vida e alegria devem ser é o melhor jeito de ser.
existir juntas. Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é
Lembrei-me, então, de lição que aprendi quando a vida nos lança numa situação que
com a Mãe Stella, sábia poderosa do Candom- nunca imaginamos. Dor. Pode ser fogo de fora:
blé baiano: que a pipoca é a comida sagrada do perder um amor, perder um filho, ficar doente,
Candomblé... perder um emprego, ficar pobre. Pode ser fogo

Curso de Verão 2008 / CESEP • 15 • Tecendo Canções e Inventando Moda


de dentro. Pânico, medo, ansiedade, depres- é o milho de pipoca que se recusa a estourar.
são – sofrimentos cujas causas ignoramos.Há Meu amigo William, extraordinário profes-
sempre o recurso aos remédios. Apagar o fogo. sor pesquisador da Unicamp, especializou-se
Sem fogo o sofrimento diminui. E com isso a em milhos, e desvendou cientificamente o
possibilidade da grande transformação. assombro do estouro da pipoca. Com certeza
Imagino que a pobre pipoca, fechada ele tem uma explicação científica para os pi-
dentro da panela, lá dentro ficando cada vez ruás. Mas, no mundo da poesia, as explicações
mais quente, pense que sua hora chegou: vai científicas não valem.
morrer. De dentro de sua casca dura, fechada Por exemplo: em Minas “piruá” é o nome
em si mesma, ela não pode imaginar destino que se dá às mulheres que não conseguiram
diferente. Não pode imaginar a transformação casar. Minha prima, passada dos quarenta,
que está sendo preparada. A pipoca não ima- lamentava: “Fiquei piruá!” Mas acho que o
gina aquilo de que ela é capaz. Aí, sem aviso poder metafórico dos piruás é maior.
prévio, pelo poder do fogo, a grande transfor- Piruás são aquelas pessoas que, por mais
mação acontece: PUF!! – e ela aparece como que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas
outra coisa, completamente diferente, que acham que não pode existir coisa mais mara-
ela mesma nunca havia sonhado. É a lagarta vilhosa do que o jeito delas serem.
rastejante e feia que surge do casulo como Ignoram o dito de Jesus: “Quem preservar
borboleta voante. a sua vida perdê-la-á”. A sua presunção e o
Na simbologia cristã o milagre do milho de seu medo são a dura casca do milho que não
pipoca está representado pela morte e ressur- estoura. O destino delas é triste. Vão ficar duras
reição de Cristo: a ressurreição é o estouro do a vida inteira. Não vão se transformar na flor
milho de pipoca. É preciso deixar de ser de um branca macia. Não vão dar alegria para nin-
jeito para ser de outro. guém. Terminado o estouro alegre da pipoca,
“Morre e transforma-te!” – dizia Goethe. no fundo da panela ficam os piruás que não
Em Minas, todo mundo sabe o que é piruá. servem para nada. Seu destino é o lixo.
Falando sobre os piruás com os paulistas, Quanto às pipocas que estouraram, são
descobri que eles ignoram o que seja. Alguns, adultos que voltaram a ser crianças e que sa-
inclusive, acharam que era gozação minha, bem que a vida é uma grande brincadeira...
que piruá é palavra inexistente. Cheguei a “Nunca imaginei que chegaria um dia em
ser forçado a me valer do Aurélio para con- que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi pre-
firmar o meu conhecimento da língua. Piruá cisamente isso que aconteceu”.

Sopa de pedra

Alfredo S. V. Coelho
Ainda criança, ouvi a história de um velho A pedra/inspiração, ele a encontra no meio
frade que ganhou o mundo. Ia de casa em casa, do caminho. A história não diz se a pedra era
levando uma palavra amiga, pedindo um pouco sempre a mesma, ou se a cada nova jornada
de pão e abrigo. catava uma do chão. Algumas vezes, peque-
Conta a história que o bom velhinho não nas; outras, um pouco maiores. Nem sempre
se deixava abater se recebia um “não” bem polidas; nem sempre bonitas.
redondo: “hoje não tem pão velho”. Juntava O artista/velho frade vive equilibrando
gravetos do chão e acendia uma fogueira. sua própria fome/inquietação e o desejo/fome
Tirava da bolsa uma pedra encontrada pelo atiçada dos outros. Além da pedra, só tem
caminho. Pedia emprestada aos donos da casa sua palavra, seus “causos”, piadas, pra lhe
uma panela velha e água. Lavava a pedra, co- socorrer.
locava-a na panela com água. Diante dos olhos A sopa/obra de arte, que nasce da pedra,
curiosos, dizia: “vou fazer sopa de pedra”. E se tem o sabor do que lhe chega às mãos. Se não é
punha a cozinhar. Como quem não quer nada, capaz de atiçar o desejo, a sopa não se faz: não
resmungava que a sopa ficaria melhor com um tem batata-carne-feijão/elementos da cultura
pouco de cenoura ou batata. Mais que depressa, da sua gente e de outras gentes.
o pessoal ia trazendo legumes, temperos, até Só que batata, carne e feijão não são ainda
mesmo um pedaço de carne. Um cheiro bom sopa. Muito menos a pedra. É preciso misturar
encharcava o ar... e a fome, chegando. Sopa tudo na panela, na medida certa. Aquela me-
pronta, pratos na mão, todo mundo provava dida que só a língua conhece. E cozinhar até
um bocado. tudo se transformar. Encher os olhos, invadir
A pedra? Bem... a pedra ele talvez guardasse. as narinas. Ser partilhada. Matar a fome, só um
Pra outra ocasião. pouquinho... até que chegue um novo dia.

Curso de Verão 2008 / CESEP • 16 • Tecendo Canções e Inventando Moda


Canções para animação e análise
Missão de todos nós Água benta
(Zé Vicente) (Edilson Barros, Heriberto Silva e Flávio Passos)
O Deus que me criou, Água pra beber, água pra cuidar
me quis, me consagrou, Água, vida para todos, água não pode faltar.:?
para anunciar o seu amor Cuide da sua cisterna,
Eu sou como a chuva em terra seca (bis). das aguadas, do riacho.
Pra saciar, fazer brotar. Se você fizer queimada,
Eu vivo pra amar e pra servir. vai poluir o espaço,
É missão de todos nós, na camada de ozônio
Deus chama, eu quero euvir a sua voz. aumenta mais o buraco
Eu sou como a flor por sobre o muro (bis). Não derrube o juazeiro,
Eu tenho mel, saber do céu, sabiá, nem o ipê.
Eu vivo pra amar e pra servir. Já dizia o Padre Cícero,
Eu sou como estrela em noite escura (bis). é melhor obedecer:
Eu levo a luz, sigo a Jesus. preserve o olho d’água
Eu vivo pra amar e pra servir pra não desaparecer
Eu sou como abelha na colméia (bis). Não jogue o lixo na rua;
Eu vou voar, vou trabalhar, junte para reciclar
Eu vivo pra amara e pra servir. pois a água, quando vem,
Eu sou, sou profeta da verdade (bis) leva tudo o que encontrar,
Canto a justiça e a liberdade, poluindo os açudes,
Eu vivo pra amar e pra servir subsolo, rio e mar.
Obrigado, Deus da vida!
Olho d’água (pro velho Chico) Salve tua criação!
Enquanto a água bendita
(Edilson Barros, Flávio Passos e Alfredo S. V. Coelho) transforma, fecunda o chão...
Teu olhar, olho d’água, Tudo que respira e grita,
rasgando montanhas, se vai canta sua louvação.
e já sonha com o mar.
No caminho tanta pedra,
dá até vontade de voltar... Amar, amar
Saudade dura (Edilson Barros)
o curso deste rio... Abra seu coração pra felicidade entrar
Mas pra que mudar? porque o bom da vida é amar, amar, amar...
Uma nascente nua O teu abraço gostoso
move ar e terra Tua amizade faz bem
até se encontrar! E esse teu sorriso me rejuvenesce também
Perdido em teu leito, Então eu acredito que não vivo sem você meu bem
viajei em teu remanso. É hora de acreditar
Olho d’água, correnteza, Seguir o seu coração
abraça o mar. Descanso. Dizer ao mundo bem alto que amar é a solução
Teu sorriso - luz e sol - Então abra a janela extravase a sua paixão
invade sem culpa o oceano Que seja assim todo dia
e o coração O jeito da gente viver
pulsa forte, pulsa alegre De alto astral pela vida
sem explicação... Sempre querendo vencer
Uma nascente Pois o melhor de tudo é amar você.
move ar e terra,
se faz a própria canção!
Olhos d’água,
Protexto
(Edilson Barros, Heriberto Silva e Flávio Passos)
silêncio e mistério
de terras, luar, imensidão... Eu vou na contra-mão, eu sei, mas eu vou e não abro mão!
Eu vou na contra-mão, eu sei, mas eu vou!
Olá, meu amigo, preste bem atenção
Amor de músico (a canção) no que eu vou lhe dizer. Veja se tenho razão:
(Letra: Ana Carolina Lemos / Música: Edilson Barros) é muita lama pra engolir; depois pra expelir, é uma congestão
Tento te escrever um verso Falta arte, mas tem arte querendo aparecer,
Mas você tem a minha melodia falta grana, atitude de quem manda, e você
Fico sem música pra se desenvolver
Você tem acesso a todos meus sentidos É escandalosa, vil, é vergonhosa a farra no poder,
E tento não olhar teus olhos esse bicho cobiçado suborna o que vê...
Por medo e desejo de te encontrar é só você querer.
Tão perto e distante de mim Até quando vocês vão trucidar a utopia,
Em todas as notas do teu corpo com falácia, tirania da propina, hipocrisia?
Tiraria meu tom mais perfeito Nosso salário mínimo sempre encontra resistência;
Mas sua harmonia me confunde pra aumentar - piedade! - causa rombo à Previdência.
E fico sempre em um compasso só E a gente continua nessa triste situação
E desafino as batidas deste coração de apuros, impostos, taxa Selic. Dê a cadência, meu irmão!
Que só pensa em te ter Onde estão os negros na sociedade?
Que canta o que não posso compreender Quantos são ministro, professor, autoridade?
É a canção poeta de uma ALMA EM PÓ Quantos na faculdade?
Há tanto silêncio, embróglio, privação de liberdade...
Apesar de todo veto, reluta nossa vontade,
pois o fogo vai queimando, mesmo debaixo do chão.
Até que eles imperem, as pedras cantarão.

Curso de Verão 2008 / CESEP • 17 • Tecendo Canções e Inventando Moda


Semente boa A felicidade é pra todos
(Edilson Barros) (Alfredo S. V. Coelho)
Eu sou uma semente que nasceu pra crescer, Eu vou andando pelas ruas da cidade baixa
pra crescer, pra crescer. onde nada se encaixa, onde a barra tá pesada.
Me dê uma chance, pois eu quero viver. Ali na estação em um trem apertado
ê, ê, pois eu quero viver! todo mundo cansado; não tá mole, não!
Bem no meu rosto tá escrito a alegria Na porta de uma fábrica uma imensa fila,
O meu sorriso é cheio de felicidade muita gente da vila à procura de emprego
Eu sou mais um no meio dessa multidão, de faxineira, de boy ou de peão...
Que acredita em liberdade! É, mano, não tá dando, não!
O que seria desse imenso País Eu sigo andando pelas ruas da cidade baixa
Se não tivesse a garra dessa juventude, onde nada se encaixa, onde a barra tá pesada.
Que acredita num futuro diferente Do outro lado da rua, um condomínio fechado,
Sempre cheio de virtude! muito carro importado, piscina e os cambau.
Neste país, somos milhões desempregados Enquanto aqui desse lado há muita gente com fome,
Nossos direitos são negados todo dia. do lado de lá – eu nem lhe conto – é aquele porre
E quando a gente pinta a cara e sai às ruas, de comida, bebida e ilusão...
Alguém diz que é rebeldia! É, mano, não tá certo, não!
Se você quer o seu futuro diferente Só que a felicidade é pra todos aqui
É necessário resgatar nossa cultura. e é pros manos da periferia
Na nova história nosso rosto está presente, e nem mesmo o sistema vai poder nos calar:
Sem perder sua ternura! essa vida é pra todos; nós queremos viver!
E eu quero ver quem vai nos deter.
Tecendo E se hoje eu empresto a minha voz pra cantar
é que meu corpo treme de indignação
(Edilson Barros e Flávio Passos) por ver criança de pé no chão
Tecendo a gente se vai sem escola, com fome, sem direito a brincar,
pontiando aqui, acolá sem trabalho para os seus pais,
Por mais que o véu esteja rasgado é apenas um número a mais
é preciso costurar. na estatística diária dos jornais...
É hora de levantar, dar as mãos, romper barreiras
e descobrir que não estamos sozinhos
Juntando forças, levantando nossas bandeiras A gente tá esperto
E a gente vai, tecendo caminho. (Alfredo S. V. Coelho)
Virtude é cuidar da vida, para não ser engolido Um novo dia vai chegar!
pelo sistema que invade e nos satura Como vai ser ainda não se sabe...
Em comunidade, convivendo, se acolhendo Mas cabe a cada um fazer o que é possível
E a gente vai, tecendo a ternura pra que a vida seja como se sonhar.
Retalhos de nossa história, memória e resistência E é preciso sonhar juntos
com muito amor, dia e noite na labuta um mundo humano pra viver:
e com paixão, temos fé, é certa a vitória um teto, pão, escola e afeto,
E a gente vai, tecendo a luta. saúde, paz, emprego e lazer
Este aconchego é tão bom, este encontro é uma beleza Por isso a gente tá de olho, a gente tá...
sonho lindo, criança, esperança que se faz Por isso a gente tá no jogo, a gente tá...
Neste país, justiça será fortaleza Por isso a gente tá por perto,
E a gente vai, tecendo a paz. a gente tá esperto!

Vem ficar comigo Kairós


(Edilson Barros, Heriberto Silva e Flávio Passos) (Alfredo S. V. Coelho)
Ei, ó lua, vem ficar comigo, No tempo que se chama hoje,
não me deixe aquém, faço do mundo o meu lugar:
esse seu brilho me faz bem. solto os cachorros, eu solto o verbo,
Co’ esse teu jeito de mansim, detrás da serra, grito a revolta pra não engasgar.
vem, rainha toda bela, alegrar meu coração, No tempo que se chama hoje,
desperta logo todo este bem-querer, deixo as contas e o colar.
ilumina seu nascer minha vida, meu sertão. Não tenho muito. Tenho o bastante.
Quando passeia, desfilando entre as estrelas, Basta de tralha para atrapalhar!
no seu quarto fico presa do seu beijo a me banhar. No tempo que se chama hoje,
Moça faceira, lua nova sorridente, preparo a mesa, faço o jantar...
pouco a pouco vou crescente, na cheia me apaixonar. eu lavo as frutas, eu lavo a alma,
De madrugada, quando saio na janela, partilho o pão e o calor de um lar.
minguo só à tua espera do seu beijo a me banhar, No tempo que se chama hoje,
e na saudade chora o meu violão: sento no chão pra brincar...
Digo adeus à solidão até que volte, ó meu amor. em uma roda, com meus amigos,
rolo de rir, rio até chorar.
Pra nunca mais No tempo que se chama hoje,
tenho uma estrela a me guiar:
(Alfredo S. V. Coelho) mesmo confuso, mesmo sozinho,
Felicidade trago comigo a luz do seu olhar.
é ver o brilho dos seus olhos negros No tempo que se chama hoje,
alumiar manhã que vai chegar curto a brisa à beira-mar.
e clarear em mim todo esse medo. De pés descalços piso este chão,
Ainda é cedo! É tempo de amar! semeio sons e sonhos pelo ar
O amanhecer avermelhado no horizonte
fala da chuva que se apronta pra cair.
A terra sabe, o corpo sente
que o verde vai brotar, vai florir!
Vamos encher nosso açude de esperança
pra seca nunca mais voltar aqui!

Curso de Verão 2008 / CESEP • 18 • Tecendo Canções e Inventando Moda


Costura da vida
Será? (Sérgio Pererê / Tambolelê)
(Alfredo S. V. Coelho) Eu tentei compreender
Será A costura da vida
que deixam a gente ser feliz? Me enrolei pois
Vamos virar, A linha era muito comprida
dar a volta por cima e sorrir Mas como é que eu vou fazer
vendo o dia despertar! Para desenrolar (2x)
Será que a chuva já passou, Se na linha do céu sou estrela
o céu clareou Na linha da terra sou rei
e o sol voltou pra enxugar Na linha das águas sou triste
todo pranto, toda dor. Pelo fogo que um dia apaguei
Então, Na linha do céu sou estrela
ao som de atabaque e pandeiro Na linha da terra sou rei
nós vamos ser os primeiros Mas na linha do fogo sou triste
sentindo a vida pulsar. Pelos mares que não naveguei
No nosso peito Mas como é que eu vou fazer
a injustiça não bate mais forte Para desenrolar (2x)
que o sonho que a gente reparte
e luta pra realizar
Clube da Esquina 2
(Milton Nascimento e Lô Borges)
Sistema nervoso Por que se chamava moço
(Alfredo S. V. Coelho) também se chamava estrada
O pulso pulsa involuntariamente viagem de ventania
mas se os olhos se abrem estarrecidamente Nem lembra se olhou pra trás
o corpo reage (é tudo tão de repente) Ao primeiro passo, aço, aço, aço...
o sangue sobe (mi sangre es muy caliente) Porque se chamavam homens
e a boca fala conseqüentemente também se chamavam sonhos
não dá para aceitar tudo passivamente e os sonhos não envelhecem
este mundo eu não quero definitivamente Em meio a tantos gases lacrimogênios
o que não dá pra engolir (não dá) o corpo já pressente Ficam calmos, calmos, calmos...
este mundo eu não quero definitivamente (oh, não!) E lá se vai mais um dia, ah, ah
E basta contar compasso
Um trem pro planalto E basta contar consigo
Que a chama não tem pavio
(Alfredo S. V. Coelho) De tudo se faz canção
Olha o apito do trem. E o coração à curva de um rio, rio, rio...
Vixi, é quase meio-dia! E o rio de asfalto e gente
E eu aqui vendendo bala, Entorna pelas ladeiras
taboada, picolé... Entope o meio fio
Vai água aí, dona Maria! Esquina mais de um milhão
Olha o apito do trem. Quero ver então a gente, gente, gente...
Esse é meu ganha-pão!
Como todo brasileiro
dou um jeitinho na pobreza. Como nossos pais
(Belchior)
Eu não me aperto, não!
Para os home lá de cima, Não quero lhe falar meu grande amor
uma grande promoção: das coisas que aprendi nos discos
pra deixar a boca limpa, Quero lhe contar como eu vivi e tudo o que aconteceu comigo
pra lavar a roupa suja Viver é melhor que sonhar, eu sei que o amor é uma coisa boa
três por um é o sabão. Mas também sei que qualquer canto
E tem um perfume da hora é menor do que a vida de qualquer pessoa
pra quem banho nunca viu Por isso cuidado meu bem, há perigo na esquina
e se sente o mais gostoso. Eles venceram e o sinal está fechado prá nós que somos jovens
Que é que o cara tá pensando? Para abraçar seu irmão e beijar sua menina na rua
Que é primeiro de abril? É que se fez o seu braço, o seu lábio e a sua voz
Você me pergunta pela minha paixão
Viemos da noite escura Digo que estou encantada com uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade, não vou voltar pro sertão
(Alfredo Salvador Vieira Coelho e Isabel da Cruz) Pois vejo vir vindo no vento o cheiro da nova estação
Viemos de todos os cantos Eu sei de tudo na ferida viva do meu coração
trazendo o banzo, o riso, a cor, Já faz tempo eu vi você na rua,
viemos trazendo a tristeza cabelo ao vento, gente jovem reunida
mas com a certeza que a dor cessará, Na parede da memória essa lembrança é o quadro que dói mais
viemos da noite escura Minha dor é perceber
buscando a cura pro nosso penar. que apesar de termos feito tudo o que fizemos
Viemos cantar! Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais
Viemos de todos os cantos Nossos ídolos ainda são os mesmos
trazendo a dança, a graça, a flor, e as aparências não enganam não
trouxemos em nossa bagagem, Você diz que depois deles não apareceu mais ninguém
raça, coragem, trabalho, suor. Você pode até dizer que eu ‘tô por fora’,
Pisamos o chão desta terra ou então que eu ‘tô inventando’
que um dia foi nossa e ainda será. Mas é você que ama o passado e que não vê
Viemos sonhar! É você que ama o passado e que não vê
Que o novo sempre vem
Hoje eu sei que quem me deu a idéia
de uma nova consciência e juventude
Tá em casa guardado por Deus contando vil metal
Minha dor é perceber
que apesar de termos feito tudo, tudo, tudo o que fizemos
Nós ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais

Curso de Verão 2008 / CESEP • 19 • Tecendo Canções e Inventando Moda


Coração de estudante Por enquanto
(Wagner Tiso e Milton Nascimento) (Renato Russo)
Quero falar de uma coisa Mudaram as estações e nada mudou
Adivinha onde ela anda Mas, eu sei que alguma coisa aconteceu
Deve estar dentro do peito Está tudo assim tão diferente
Ou caminha pelo ar Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar
Pode estar aqui do lado Que tudo era para sempre
Bem mais perto que pensamos Sem saber
A folha da juventude Que o para sempre sempre acaba?
É o nome certo desse amor Mas, nada vai conseguir mudar o que ficou
Já podaram seus momentos Quando penso em alguém
Desviaram seu destino Só penso em você
Seu sorriso de menino E aí então estamos bem
Quantas vezes se escondeu Mesmo com tantos motivos para deixar tudo como está
Mas renova-se a esperança E nem desistir, nem tentar
Nova aurora a cada dia Agora tanto faz
E há que se cuidar do broto Estamos indo de volta para casa
Pra que a vida nos dê flor e fruto
Coração de estudante
Há que se cuidar da vida Uma canção é pra isso
Há que se cuidar do mundo (Samuel Rosa e Chico Amaral)
Tomar conta da amizade Uma canção é pra acender o sol
Alegria e muito sonho No coração da pessoa
Espalhados no caminho Pra fazer brilhar como um farol
Verdes plantas e sentimento O som depois que ressoa
Folhas coração juventude e fé Uma canção é pra trazer calor
Deixar a vida mais quente
E vamos à luta Pra puxar o fio da paixão
No labirinto da gente
(Gonzaguinha) Pra consertar, pra defender a cidadela
Eu acredito é na rapaziada Pra celebrar, pra reunir o bairro e favela
que segue em frente e segura o rojão Uma canção me veio sem querer
Eu ponho fé é na fé da moçada Naquela hora difícil
que não foge da fera e enfrenta o leão Joguei-a logo nesse iê iê iê
Eu vou à luta com essa juventude Por profissão ou por vício
que não corre da raia a troco de nada Pra clarear a escuridão que o mundo encerra
Eu vou no bloco dessa mocidade Pra balançar, pra reunir o céu e a terra
que não tá na saudade e constrói a manhã desejada Uma canção é pra fazer o sol
Aquele que sabe que é mesmo o couro da gente Nascer de novo
que segura a batida da vida o ano inteiro Pra cantar o que nos encantou
Aquele que sabe o sufoco de um jogo tão duro Na companhia do povo
e apesar dos pesares ainda se orgulha de ser brasileiro
Aquele que sai da batalha
e entra num botequim 3ª do plural
pede uma cerva gelada (Humberto Gessinger)
e agita na mesa logo uma batucada corrida pra vender cigarro
Aquele que manda um pagode cigarro pra vender remédio
e sacode a poeira suada da luta remédio pra curar a tosse
e faz a brincadeira tossir, cuspir, jogar pra fora
pois o resto é besteira corrida pra vender os carros
(Nós estamos pelaí) pneu, cerveja e gasolina
cabeça pra usar boné
Não vou me adaptar e professar a fé de quem patrocina
eles querem te vender
(Arnaldo Antunes) eles querem te comprar
Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia, querem te matar (de rir)
Eu não encho mais a casa de alegria. querem te fazer chorar
Os anos se passaram enquanto eu dormia, ?quem são eles?
E quem eu queria bem me esquecia. ?quem eles pensam que são?
Será que eu falei o que ninguém ouvia? corrida contra o relógio
Será que eu escutei o que ninguém dizia? silicone contra a gravidade
Eu não vou me adaptar. dedo no gatilho, velocidade
Eu não tenho mais a cara que eu tinha, quem mente antes diz a verdade
No espelho essa cara não é minha. satisfação garantida
Mas é que quando eu me toquei, obsolescência programada
achei tão estranho, eles ganham a corrida antes mesmo da largada
A minha barba estava desse tamanho. eles querem te vender
Será que eu falei o que ninguém dizia? eles querem te comprar
Será que eu escutei querem te matar a sede
o que ninguém ouvia? eles querem te sedar
Eu não vou me adaptar. ?quem são eles?
?quem eles pensam que são?
vender...comprar... vedar os olhos
jogar a rede...contra a parede
querem te deixar com sede
não querem te deixar pensar
?quem são eles?
?quem eles pensam que são?

Curso de Verão 2008 / CESEP • 20 • Tecendo Canções e Inventando Moda


Terra de gigantes Sereia
(Humberto Gessinger) (Tincoãs)
hey mãe! Eu morava na areia, sereia
eu tenho uma guitarra elétrica Mudei pro sertão, sereia
durante muito tempo isso foi tudo aprendi namorar, sereia
que eu queria ter com um aperto de mão. Oh! sereiá
mas, hey mãe! O anel que tu me deste
alguma coisa ficou pra trás Era vidro e se quebrou
antigamente eu sabia exatamente o que fazer O amor que tu me tinhas, sereia
hey mãe! Era bom e assim ficou, oh sereia
tenho uns amigos tocando comigo Beija-flor subiu ao céu, sereia
eles são legais, além do mais, Com um galho de algodão, sereia
não querem nem saber Foi perguntar a Jesus Cristo, sereia
mas agora, lá fora, Se amar tem perdão, oh sereia
todo mundo é uma ilha Roda pião, bambeia pião (2x)
a milhas e milhas e milhas de qualquer lugar Roda vida em minha vida
nessa terra de gigantes Roda e traz a saudade
(eu sei, já ouvimos tudo isso antes) Que daqui é o que me importa
a juventude é uma banda Roda e traz a saudade
numa propaganda de refrigerantes Roda bola de gude
as revistas Bola de meia e balão
as revoltas Ó menina de olhos grandes
as conquistas da juventude Linda flor do meu sertão, menina.
são heranças Sentado na cadeira, sereia
são motivos Seu nome belo escrevi, sereia
pr’as mudanças de atitude Lendo letra por letra, sereia
os discos Na cadeira adormeci, oh sereia
as danças Desci o rio abaixo, sereia
os riscos da juventude Não vi casa de ninguém, sereia
a cara limpa Só vi a casa do meu sogro, sereia
a roupa suja E a fazenda do meu bem, oh sereia
esperando que o tempo mude Lá detrás daquela serra, sereia
nessa terra de gigantes Tem um poço de água doce, sereia
(tudo isso já foi dito antes) Canarinho bebe água, sereia
a juventude é uma banda Meu amor lava o rosto , oh sereia
numa propaganda de refrigerantes Eu subi no pé de lima, sereia
hey mãe! Chupei lima sem querer, sereia
já não esquento a cabeça Namorei o pé da lima, sereia
durante muito tempo isso foi Pensando que era você, oh sereia
só o que eu podia fazer Você diz que sabe muito, sereia
mas, hey mãe! Borboleta sabe mais, sereia
por mais que a gente cresça Anda de perna pra cima, sereia
há sempre coisas que a gente Coisa que você não faz, oh sereia
não pode entender Lá detrás daquela serra, sereia
hey mãe! Tem dois sacos de cimento, sereia
só me acorda quando o sol tiver se posto Quando um tocar no outro, sereia
eu não quero ver meu rosto É sinal de casamento, oh sereia
antes de anoitecer Meu benzinho comeu pimenta
pois agora lá fora Pensando que não ardia, sereia
o mundo todo é uma ilha Meu benzinho casou com outro
a milhas e milhas e milhas... Dizendo que não sabia, oh sereia
nessa terra de gigantes Sete e sete são catorze, sereia
que trocam vidas por diamantes com mais sete, vinte um, sereia
a juventude é uma banda eu tenho sete namorados, sereia
numa propaganda de refrigerantes mas não caso com nenhum, oh sereia.

Devaneios de esperança
(Bruno Lopes e Uelber Silva)
Enquanto a noite senhora se lança
Dama lua Mistério encanta e se espanta
Com o som dos açoites nas costas
Um tom rubro se espalha nas costas
Ao som dos gemidos, mosquete e arcabuz
O velho trem trilha e leva atua luz
Usurparam com tropas armadas
Novo mundo lembranças passadas
O Rosa nos seus olhos anis
Um sonho antigo de paz e amor
Um profeta levanta em meio a fome e miséria
Há esperança! Nos confins do sertão excluído e oprimido
Almas encontram descanso e alívio
Canudos! Velha Canudos!
Que brilha! Que brilhas! Em chamas!
Somos os filhos de Zumbi, da tribo tupi
Netos de Lampião e Maria Bonita
Eu sou dos Daomés e vim de tumbeiro
Na Pedra do Reino Encantado eu finquei meu coração
A velha locomotiva passa insana intrépida
Tragando a todos em seus corações
De fogo e de sangue foi feita história
Do ouro que mata e cria a ilusão

Curso de Verão 2008 / CESEP • 21 • Tecendo Canções e Inventando Moda

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