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ANOTAÇÕES PARA PSICOLOGIA

SOCIAL
Luisa Lage | 2018.1 | Profª Cristal Moniz
Bom, gente, basicamente o objetivo desse resumo é facilitar a feitura da nosso trabalho em
grupo que será realizado em sala de aula, abordando quais pontos em quais textos podem ser abordados
em um estudo de caso. Bom estudo a todos e vamos tentar manter a calma, pois somos muito
inteligentes. Os textos não estão na ordem das respectivas aulas.

Texto 1: A PSICOLOGIA E O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: QUAIS INTERFACES?


(Regina Benevides – UFF)
Este é um texto central para a realização da prova, pois ela será um encaminhamento de um casos
dentro do SUS. O objetivo do texto, mencionado no “abstract”, é justamente discutir a relação da psicologia
com o SUS. O ponto de partida dele são três princípios para a construção de políticas públicas em saúde:
o da inseparabilidade, o da autonomia e corresponsabilidade e o da transversalidade. Ao acabar de estudar,
esses três princípios necessitam estar claros na mente, bem como outras questões centrais que serão
destacadas.

O ponto de partida do texto é pouco discutido na psicologia: nossa preocupação com a saúde pública,
com a inserção do psicólogo no debate sobre modos de intervenção para além da clínica individual e privada,
produzida e mantida historicamente. Especialmente quando queremos pensar as interfaces da psicologia
com o SUS, precisamos pensar e problematizar o que podemos, o que queremos e o principal: como fazemos
para contribuir na construção de um outro mundo possível, e de uma outra saúde possível.

A autora então introduz um ponto de grande importância, e por isso usarei as palavras dela em
uma citação direta: “Não é preciso ir muito longe para percebermos que o discurso sobre o sujeito tem
vindo acompanhado, no campo das práticas psi, de um processo de despolitização destas mesmas práticas”
(p. 21). Ou seja, constantemente, na psicologia, o falar sobre o sujeito se faz quase que o isolando de seu
meio, de seu convívio social.

Benevides, neste texto, chama isso de dicotomização com o social que se acredita circundar o
sujeito. Ou seja, separamos em dois o sujeito e o social, e julgamos o social algo a parte do sujeito. Mas
será que é assim mesmo? Em um estudo de caso, como o da prova, podemos separar o sujeito do convívio
social? Isolá-lo em uma clínica individual e privada?

Então ela aborda o seguinte: essa dicotomia acaba sendo levada como uma dupla realidade – a
interna e a externa. Elas se articulam constantemente, porém, são “dadas a serem olhadas com seus
específicos instrumentos de análise” (p. 22). Essa separação na análise, seja pela utilização de
instrumentos específicos, pela dicotomização com o social (ambos) acaba por produzir consequências. Quais
consequências seriam essas?

A manutenção de dois registros separados: sujeito/indivíduo e o social, o desejo e a política. Já


nesta crítica sabemos que, ao estudar um caso, não se pode simplesmente isolar o sujeito do social como
se um apenas envolvesse o outro. Mais do que envolver, o social também constitui o sujeito e o sujeito

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constitui o social. E aqui cabe a reflexão de Benevides: muitas vezes ouvimos que psicologia e política não
se misturam. Ou que quando somos psicólogos, não somos militantes. E que se somos militantes, não
devemos o ser enquanto psicólogos. Frequentemente vemos que ciência e política não se misturam, e que
as práticas psi devem se encarregar do sujeito, mas sem tratar de questões políticas.

Assim, o desejo é colocado como algo da ordem do individual, e a política é colocada como algo da
ordem do social. Ordens essas separadas e diferentes, uma pertence ao âmbito do indivíduo e a outra do
coletivo. A despolitização marca então o lugar exterior – e perceba que quando falamos exterior, externo,
que envolve e circula o sujeito, falamos de algo que até interage com ele, mas que não têm uma relação
recíproca, por exemplo. E o ponto central é esse: o social e o sujeito não apenas interagem entre si, como
se produzem, de forma autopoiética. Não são isoláveis, e não estão em mero contato – estão em relação.

A psicologia se fundou nesta dicotomia, separando o individual do social, a clínica da política, o cuidado
com a saúde das pessoas se separou do cuidado com a saúde das populações, que a clínica se separou da
saúde coletiva, que a psicologia se colocou a margem do debate sobre o SUS (p. 22). Mais do que fundada
nesta dicotomia e sobre esses aspectos, isso é passado até mesmo nos cursos de formação em psicologia
e nas práticas de psicólogo para psicólogo. O suporte teórico das práticas (os textos que lemos na
faculdade, por exemplo) também dicotomizam sujeito e social. Citando aqui a autora, podemos perceber
uma das essências deste texto:

Como romper com a tradição de uma Psicologia cuja história, datada do final do século XIX, atrela-se ora
a uma perspectiva objetivo-positivista, ora a uma perspectiva interno-subjetivista, mantendo, de todo
modo, a separação em registros excludentes, das esferas individual, grupal, social? Como pensar nas
práticas dos psicólogos ainda classificadas em áreas de atuação que se definem pela separação e,
muitas vezes, pela desqualificação umas das outras: escolar, comunitária, clínica, do trabalho, judiciária?
(p. 22).

Aqui é inserido pela autora alguns questionamentos: quais diretrizes podemos propor para
sustentar uma posição ética que não se abstraia de seus compromissos políticos? Como podemos pensar
na atuação de um psicólogo (no caso, mesmo que eu esteja escrevendo no singular, falamos d’O psicólogo,
pensando em um coletivo de psicólogos, quase que em uma “instituição” psicólogo) ou nas contribuições da
Psicologia se não incluirmos o mundo em que vivemos ou o país em que habitamos? (p.22).

Em um estudo de caso, pertença o paciente ou não a uma minoria – embora, na minha opinião, este
aspecto seja mais evidente caso a pessoa pertença alguma minoria –, é necessário levar em conta o
contexto social, o contexto político, o país em que vivemos. Exemplo dessa relação tão íntima entre social
e individual é o adoecimento mental produzido pelas mais diversas instituições. Instituições de ensino,
instituições psiquiátricas, uma gestão governamental irresponsável e ineficiente, a ausência de políticas
de saúde pública, etc. produzem, de fato, adoecimento mental. Não é difícil ver padrões no âmbito
comunitário de determinados transtornos – inicialmente, estudamos sobre a Histeria (e que tipo de
sociedade a produzia com tamanha frequência). Em um paralelo com a histeria, vemos na atualidade
questões como a medicalização da vida, os crescentes e altos números de diagnósticos de déficits de
atenção (TDAH), a depressão (que, segundo uma previsão da OMS, será a doença mais incapacitante do
mundo até 2020), a ansiedade... Enfim, acho que esta colocação pode nos situar um pouco sobre o quanto
o isolamento entre social e individual não correspondem de fato a totalidade do sujeito, e não levam em
conta aspectos que são fundamentais em sua vida psíquica e saúde mental.

É neste ponto do texto que podemos inserir uma relação de grande importância realizada pela
autora: capitalismo contemporâneo, o exercício da clínica e a produção de subjetividade. Benevides destaca
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(p. 22) a relação entre psicologia e política justamente porque é nesta relação que encontramos os modos
de produção, modos de subjetivação, e não mais sujeitos, mas sim modos de experimentação e construção,
e não mais modos de interpretação da realidade, mas sim modos de criação de si e do mundo que não podem
se realizar em sua experiência autopoiética sem experiência de crise.

Benevides coloca a forma subjetiva (sendo a forma subjetiva um sinônimo de sujeito) como produto
resultante de um funcionamento que é de produção heterogenética, coletiva. A subjetividade é plural, e
não tem nenhuma instância dela que seja determinante nela mesma. Assim, a produção do sujeito
autônomo, e que vem se dando como efeito do capitalismo. A gente sabe bem que o capitalismo separa
produção e produto, certo? Então, a autora faz um paralelo entre essa separação típica do capitalismo e
a separação entre processo de subjetivação e sujeito. Dentro do meu entendimento, o processo de
subjetivação engloba o processo de “produção” do sujeito, que se dá, como já vimos, também no âmbito
coletivo.

O sintoma do paciente é apresentado em duas dimensões (p. 23): força e forma. A face instituída,
a face-forma, é a que se aprisiona no circuito de repetição sobre si. Então vemos aqui, na fala da autora,
um aspecto que já foi visto em psicanálise – a repetição do sintoma, e de diversas situações para além
dele. A análise deve incidir nesse circuito. A clínica é a desestabilização dessas formas, permitindo o
aparecimento do plano de forças de produção através do qual tal realidade se constituiu (p. 23). Ou seja,
a clínica vai atuar na desestabilização desse circuito de repetição de formas, ou repetição do sintoma,
chegando ao núcleo desta repetição, que são as “forças de produção”. Quase como se fossem as formas a
superestrutura e as forças a infraestrutura.

Regina Benevides irá colocar, assim, que a clínica é a devolução do sujeito ao plano da subjetivação,
ao plano da produção. Este plano da produção de subjetividade é o plano coletivo. Assim, a análise que
desconsidera este âmbito não é completa. “Homo sapiens é sempre, e na mesma medida, homo socius”
(citação retirada da página 75 do texto A Sociedade como Realidade Objetiva – Berger, P.). O coletivo
diz respeito a um plano de produção, composto de elementos múltiplos e variados, e experimenta o tempo
todo uma diferenciação. No coletivo não há propriedade particular, pessoalidades, e nada que seja privado.
Na minha interpretação, essa é uma grande crítica a psicologia clínica privada e particular, que dicotomiza
o individual do social. A experiência da clínica é a experimentação no plano coletivo, experimentação pública.
Benevides então irá apresentar para nós os princípios que abordamos bem no começo deste resumo.
O princípio da inseparabilidade como o responsável por entender que é impossível separar a clínica da
política. A dimensão da experiência coletiva é a geradora de processos singulares. O princípio da autonomia
e corresponsabilidade postula que é impossível pensar a prática dos psicólogos que não se comprometem
com o mundo, com o país que vivemos, com as condições de vida da população, com o engajamento da
produção de saúde que implique a produção de sujeitos autônomos, protagonistas, copartícipes e
corresponsáveis por suas vidas. O princípio da transversalidade enuncia que a psicologia, como qualquer
campo de saber, não explica nada, mas sim deve ser explicada. E isto se dá em uma intercessão com outros
saberes.

Por fim, podemos finalizar pensando o que queremos ressaltar sobre os eixos da universalidade,
equidade e integralidade, que são constitutivos do SUS. Porém, além dele, deve-se pensar e repensar nosso
modo de fazer, e não apenas concordar com os eixos do SUS. A criação de dispositivos e de espaços de
contratualização é então essencial. Assim podemos terminar nossa discussão sobre o tema.

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Texto 2: MICROPOLÍTICA: CARTOGRAFIAS DO DESEJO (Guattari, F.; Rolnik, S.)
Baseado no resumo de: Pamella Rothstein
O texto apresenta três conceitos culturais simultâneos: cultura-valor (algo que pode se ter ou
não), cultura-alma coletiva (civilização, evolução social) cultura quantificável, cultura-mercadoria (cultura
como bens).

No capitalismo, o capital atua como controlador econômico – estrutural enquanto cultura. Atua
como controlador e produtor de subjetividade. Como mencionamos no texto de Benevides, o âmbito coletivo
acaba sendo grande influenciador da produção de subjetividade, o que novamente se afirma nesse texto.
O capital sujeita economicamente os indivíduos, enquanto a cultura atua como instrumento de sujeição a
partir da produção de subjetividade. Novamente, vamos repetir neste texto o que já falamos muitas
vezes: a subjetividade não é individual, mas sim social. Muitas vezes sua produção é inconsciente. Essa
produção pela cultura ocorre de forma dissimulada. Ou seja, não temos noção do que está ocorrendo.
Posteriormente, no texto sobre Feminismo, veremos uma menção a Paulo Freire que em seu livro A
Pedagogia do Oprimido aborda a forma como os valores do opressor são incutidos e internalizados pelo
oprimido, bem como suas preocupações. Este processo pode ser quebrado através da aquisição de
consciência da situação.

A produção de subjetividade a partir da cultura de massa consiste em uma produção de


subjetividade capitalística, que é essencial para a produção também de força coletiva de trabalho. Em
minha leitura, o trabalho não é meramente uma atividade econômica, mas se torna um valor. O trabalho
dignifica o homem – como já dizia Benjamin Franklin, que viveu entre 1706 e 1790. A cultura de massa
alega a democratização da cultura devido à sua disseminação por meios de comunicação. Contudo, eclipsam
a mesma segregação proporcionada na cultura-valor (típica dos senhores feudais), uma vez que é
disseminada e não possui a mesma significado em classes socioeconômicas distintas. A cultura é o meio das
elites de expor o mercado geral de poder.

Abordando então a subjetividade como produção sujeito e representação, o autor afirma que a
produção de subjetividade é a principal produção capitalista, na qual se produz um modo de vida,
rendimentos e consciências específicas que direcionam o comportamento. A produção de subjetividades
singulares é uma micropolítica social. No capitalismo, a produção de subjetividade visa a individualização,
não a singularização, de modo que os processos produtores de subjetividades formem essas subjetividades
padronizadas e uniformizadas.

Os indivíduos são resultados de uma produção de massa. O capitalismo não apenas produz
produtos, bens de consumo e lifestyles (estilos de vida), mas também produz subjetividades. A ascensão
de uma subjetividade singular nãos meios culturais e políticos caracteriza uma desterritorialização, já
que o posto assumido pertencia antes as formas subjetiva capitalística. Essa singularidade é
territorializada, alimentando o ciclo de territorialização-desterritorialização.

Os profissionais que lidam diretamente com a produção de subjetividade podem reproduzir os


modelos subjetivos já estabelecidos ou estimular o surgimento de novos modelos – questionando os
existentes.

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Texto 3: LOUCURA, MULTIPLICIDADE E ALTERIDADE. (Nicola Morant e Diana Rose)
Este texto busca trazer a teoria das representações sociais para um uso prático, desafiando os
entendimentos mais comuns da problemática da doença mental, visando contribuir para a melhoria de vida
e das situações sociais do comumente chamados de “doentes mentais”.

O capítulo se inicia com uma colocação acerca da mídia britânica: ela associa grandes escândalos a
ineficiência de políticas comunitárias, produzindo uma preocupação com a pessoa louca, a apresentando
como um perigo para todos nós. As análises midiáticas sugerem uma explicação do tipo: “o culpado é o
trabalho comunitário”, associando ao julgamento de um paciente psiquiátrico que recebia o tratamento
da comunidade, considerado culpado por um assassinato.

O que o texto então coloca é que há indicadores muito mais eficientes acerca da criminalidade do
que problemas de saúde mental: idade, sexo, etnia. Porém, as associações entre doença mental ao perigo
físico e ao risco parecem estar crescendo. As pessoas acometidas de problemas mentais são conceituadas
como uma categoria de risco. A necessidade de conter o risco exige recursos, mas o relatório do Fundo Real
sobre Saúde Mental de Londres em 1996 afirmou que o atendimento comunitário está a beira do colapso.

Sob o plano de fundo da desinstitucionalização das instituições psiquiátricas, prevalecem convicções


generalizadas de que os pacientes psiquiátricos são um perigo para eles mesmos, para a comunidade e
para o público em geral. Na medida em que os doentes mentais são cada vez mais “reintegrados” na
sociedade, o medo e o perigo que permeia essas representações sociais está sendo reconceituado num
discurso de risco.

As experiências de vivência comunitária das pessoas com problemas de saúde mental são
tipicamente caracterizadas pelo estigma, marginalização e parcos recursos. O sensacionalismo da mídia,
o nervosismo profissional e uma política reacionária no que diz respeito a saúde comunitária podem ser
melhor compreendidos se desenvolvermos o conceito de alteridade. Como um instrumento para a
compreensão dos processos dinâmicos através dos quais as práticas e as crenças sociais se desenvolvem
nas sociedades tardiamente modernas, a Teoria das Representações Sociais oferece um referencial que
integra as pessoas e os processos sociais. Sua força reside na habilidade de teorizar tanto o poder da
sociedade quanto a ação da pessoa, e também desta inter-relação.

A Teoria das representações sociais oferece a psicologia social um instrumento de teorizar as


compreensões e as relações da sociedade à doença mental do que as teorias individualísticas das atitudes
e dos estereótipos. Alguns dos princípios gerais desta teoria devem ser modificados a fim de ajustar as
complexidades da “alteridade” no caso da loucura.

Representar a loucura implica num modo em que o não familiar não é tornado familiar, ou, ao menos,
não no sentido geralmente proposto pela Teoria. O fundamento empírico desta argumentação, de que as
representações sobre a loucura são fluidas, múltiplas e caracterizadas pela não-familiaridade e incerteza,
provém de estudos empíricos. Começaremos com uma análise das representações da loucura na televisão
inglesa. Um segundo estudo investiga as crenças comuns sobre saúde mental que circulam na comunidade
dos trabalhadores em saúde mental.

Está implícita sempre a representação social da loucura como diferente da normalidade. Os loucos
são representados como fora dos limites do normal, e como transgredindo as normas sociais. É nosso
entendimento que esses exemplos empíricos podem ser integrados usando a noção de alteridade. A doença
mental é sempre o “outro”, psicossocialmente ameaçador, o que é construído e perpetuado por práticas
sociais discriminatórias.
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O poder não falado e não questionado das práticas rituais para criar distância e diferença
psicossociais entre moradores da comunidade e seus “hóspedes” mentalmente doentes, e massivo trabalho
coletivo de marginalização social. A penetração da insanidade no reino privado da casa de família inspira
um sentimento de medo e fragilidade face ao que é implicitamente suposto ser um diferente incurável,
potencialmente contagioso, um fenômeno incontrolável e imprevisível.

A arte das culturas ocidentais retrata claramente a loucura como um “outro” ameaçador,
enfatizando a agressão, o perigo, a falta de controle e desintegração. O trabalho de sociólogos e
antipsiquiátricos mapearam os tabus sociais e as poderosas conotações negativas do rótulo de doente
mental. Os profissionais de saúde mental representam comumente a doença mental como um “outro”, no
sentido de ser uma experiência radical ou qualitativamente diferente.

Eles percebem um abismo intransponível entre suas experiências próprias – normais – e aquelas
da pessoa mentalmente doente, que torna a compreensão total da doença mental difícil ou impossível. Os
profissionais consideram certas formas de doença mental como fundamentalmente impossíveis de conhecer
em nível de experiência. Na maioria das vezes certos sintomas (como a psicose) evocam representações
dessa “alteridade”. Citando o texto: “Eu penso que [...] nunca poderei chegar a entender quem é
mentalmente doente”.

Os profissionais concretamente consideram essas diferenças como permanentes e como traços de


personalidade. A maioria dos problemas de saúde mental é vista como característica permanente da
pessoa que se espera ver reaparecer durante a vida. Então, os agentes de saúde mental são céticos
quanto a curar a doença mental.

Percepções da alteridade também são construídas em nível simbólico da mídia. Nas descrições de
pessoas loucas, a violência é sempre sobre-representada, e a doença mental é vista como aquilo que
atrapalha dramaticamente o ambiente do hospital geral, na forma de um paciente que fala de maneira
ininteligível, atacando os outros pacientes e as pessoas de serviço. Técnicas de filmagem aumentam o
caos e close-ups extremamente próximos, tomadas separadas da “pessoa louca” e uma tomada
profundamente extravagante mostrando a desintegração geral da ordem. Através de um conjunto de
gêneros televisivos, esse estudo mostra as diferenças nas técnicas de filmagem entre pessoas tidas como
doentes mentais e outras pessoas, que aumentam a retratação da alteridade. Essas técnicas de filmagem
ajudam a construir e objetivar a pessoa louca como alguém visto diferentemente.

A noção de alteridade fornece um instrumento conceitual útil para unir um conjunto disparatado de
pesquisas psicobiológicas, sociológicas, históricas sobre a doença mental. A introdução de serviços
comunitários na última década passa a constituir uma rápida e radical mudança de paradigma, no sentido
de Kuhn. Tentativas de reintegrar as pessoas com pouca saúde mental na comunidade representam uma
mudança radical nas representações sociais, historicamente fundamentadas, da doença mental como uma
forma perigosa de “alteridade”.

Ao invés de meras representações simples e unitárias, as compreensões da doença mental não se


resumem a “definitivamente outra” na pesquisa da autoras. Elas encontraram compreensões
diversificadas e múltiplas, acompanhadas por altos níveis de incerteza. Enquanto velhas representações
certamente continuam a exercer seu poder, o retorno de pessoas de instituições psiquiátricas desafia os
profissionais responsáveis por essa mudança a questionarem tais compreensões, tidas como certas, e
acrescenta ambivalência e incerteza aos entendimentos baseados no senso comum que circulam entre os
leigos e a mídia.

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No mundo dos especialistas em saúde mental, essa doença é representada como uma categoria
polimorfa. O caráter definitivo da doença mental como “outra” é questionado por falas que sugerem
paralelos e similaridades com experiências normais: “para mim, a doença mental é algo extremo, um
extremo de normalidade. O que transforma a normalidade em patologia é um extremismo. [...] O que eu
quero dizer é que não penso que devemos dizer que ela seja algo diferente, isso não é verdade” – fragmento
extraído do texto de uma enfermeira psiquiátrica francesa.

O fato de conceituar a doença mental como uma forma de diferença quantitativa ou como um
estado, no qual as pessoas podem entrar ou sair, chama a atenção para semelhanças de experiência, e
não para diferenças fundamentais entre as pessoas. O mundo dos especialistas em saúde mental pode
ser descrito como “agnóstico” no sentido de que ele aceita as limitações e incertezas da sua base de
conhecimento. As compreensões deles são provisórias e sua fala e sua prática são caracterizadas por um
debate contínuo, por questionamentos e incertezas sobre o que constitui a doença mental, onde se colocam
seus limites, o que as causa e qual a melhor maneira de tratá-los.

Outro ponto abordado é que a mídia satiriza o papel do profissional de saúde mental, e propaga o
medo do louco. O profissional é satirizado, bem como seus conhecimentos: da psicanálise e da psiquiatria
são feitas piadas, e do louco, se exacerba a preocupação. Juntamente com a relação com o perigo, pode ser
conceituado como uma sugestão de que a loucura resiste em uma classificação. A loucura não pode ser
fixada em nenhuma categoria, pois sua ancoragem é instável e provisória, e o não-familiar permanece
não-familiar.

Com esses achados [alteridade, multiplicidade, ambiguidade nas representações da doença mental],
retornamos ao debate teórico. Uma premissa central da teoria é que as representações sociais têm a
função de tornar o não-familiar, familiar. O ato da representação transfere o que é perturbador e
ameaçador em nosso universo de fora para dentro, de um espaço remoto para um espaço próximo.
Processos representacionais envolvem necessariamente aproximar psiquicamente os objetos não
familiares e reduzir sua ameaça.

A não-familiaridade da doença mental não se torna familiar, como a Teoria exigiria. Nós estamos
interessados em compreender isso. Na primeira maneira de conceituar essa situação, a alteridade é
pensada como uma categoria familiar, uma das muitas maneiras da qual a doença mental é representada.
Ela é conceituada como conteúdo. Na segunda maneira, a alteridade é conceituada como um caos de sentidos
e não-representabilidade, e a não-familiaridade é associada com estrutura, e não com a substância.

As representações da alteridade são reveladoras em processos psicodinâmicos de separação do bem


e do mal, que são vivenciados em nível coletivo, de tal modo que as experiências que provocam ansiedade
são projetadas nos outros definidos como diferentes, distantes e separados de nós. Dessa perspectiva,
não-familiaridade e não-predictibilidade existem como conteúdos temáticos das representações da
“alteridade”.

Ao imaginar sua subjetividade (dos loucos), supomos que ela deva ser estranha e incompreensível
para nossas categorias. Supomos que a loucura é composta por irracionalidade e desrazão, então não
podemos aplicar as costumeiras teorias populares ocidentais sobre a mente racional para entender o
comportamento de uma pessoa doente. Essa conceituação vê a alterização da doença mental, até certo
ponto, como “psicossocialmente protegida”, pois estabelece uma clara divisão e oposição entre, de um lado,
nós e a sanidade e, de outro, a loucura e o outro.

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Se a doença mental é representada com um exagero das experiências normais, como um estado em
vez de traço, como algo que não é limitado por certas pessoas diferentes, mas pode afetar cada um de
nós, e pode aparecer ou desaparecer em qualquer estágio da vida da pessoa. Então, o pressuposto de
nossa própria imunidade aos problemas de saúde mental é destruído.

Se a categoria do outro não pode ser aplicada sem problemas porque sua natureza é ambígua, não
podemos associar doença mental a algo que possamos explicar e compreender totalmente, então não
podemos identificar com segurança essa fonte de nossos temores e ansiedades como algo distante, e
devemos aceitar sua presença perturbadora em nossa própria casa.

A própria multiplicidade que faz brotar a “alteridade”. Aqui a alteridade emerge das ameaças a
estrutura da representação. A falta de ancoragem, instabilidade dos núcleos e a ausência de fixidez que
foram identificadas nas análises empíricas dão ocasião a uma ameaça semiótica. A multiplicidade e
diversidade da significação querem dizer que as representações da doença mental não possuem âncoras
e, que o processo foi rompido. A classificação requer limites, requer que o não-familiar se ligue, ele próprio,
a uma determinada categoria e a um nome.

Devido ao fato de a loucura ser assim resistente a uma classificação segura, ela constitui uma
forma particularmente poderosa de alteridade. Ela permanece radicalmente diferente dos outros objetos
sociais. A loucura permanece ameaçadora e imprevisível, tanto em nível estrutural como em nível
substantivo. Ela continua a ameaçar, e a distância, ou seu afastamento, não a torna segura, pois o
significado instável não pode ser psíquico ou socialmente ignorado.

É multiplicidade da forma e o perigo do conteúdo que tornam o louco um “outro” do qual não nos
podemos aproximar, que é incompreensível, imprevisível e, finalmente, um risco para as pessoas e seu
espaço social. Assim, a teoria das representações sociais provou ser um ponto de partida útil para teorizar
a complexa e mutável psicologia social da doença mental na sociedade contemporânea.

A estimativa é de que, na Inglaterra, uma dentre sete pessoas experimenta alguma forma de
mal-estar mental no decurso de sua vida, certamente recomenda que a pesquisa em psicologia social
continue a lutar com a complexa semântica social e os problemas práticos associados à doença mental.

Texto 4: ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES DO FEMINISMO À PSICOLOGIA SOCIAL


COMUNITÁRIA (Claudia Mayorga).
O texto se inicia revelando um pouco da história de movimentos sociais na América Latina, acerca
de sua expansão, abordando que na psicologia social muitos enriqueceram o que se pensava, produzindo
teoria acerca da dependência servil, colonial e imperialista, e a importação acrítica de uma certa ciência
psicológica norte-americana que produzia interpretações das desigualdades sociais como anormalidade,
doença, psicopatologia. Havia, portanto, a necessidade de redefinição da psicologia social produzida no
contexto latino-americano, seu objeto de estudo e intervenção, seus fundamentos e sua finalidade.

Paulo Freire propôs a pedagogia do oprimido, por meio de uma leitura psicossocial acerca das
relações de opressão que indicou caminhos para pesquisas com finalidade de intervenção. Para ele, a
principal problemática do oprimido reside no fato dele hospedar valores, ideais, interesses e, inclusive,
necessidades de opressores em sua consciência, o que não permitiria a percepção de uma condição de
subalternidade e opressão que se naturaliza e passa a ser vivida como se fosse uma essência universal.

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O reconhecimento da opressão seria elemento suficiente para que os oprimidos buscassem a superação
da opressão, já que tal condição os levaria a almejar a ocupar o lugar do opressor.

Para ele, a conscientização da situação pelo oprimido é o princípio da emancipação. Assim, Freire
critica os modelos educacional e intervencional que consideram que sujeitos são tábulas rasas. A consciência
é a capacidade dos humanos de se distanciarem das coisas para fazê-la presente, estando distinto da
aderência ao mundo da vida em que se viveria a existência como algo natural, dado, predefinido,
essencializado, alienado. No que se refere à tensão entre regulação e emancipação, assistimos a uma
transformação de energias emancipatórias em energias regulatórias, o que coloca a possibilidade
constante de eliminação do político.

A opressão contemporânea não é mais classista, e não compreende exclusivamente o pertencimento


a uma classe, como a Psicologia Comunitária dos anos 60 e 70 compreendia. A opressão se estabelece e
afeta minorias através de sistemas distintos e inter-relacionados de poder, o que exige uma amplificação
dessa leitura.

Baseamo-nos na perspectiva de que as desigualdades sociais existem abordagens teóricas que


pensem dimensões de gênero, raça e sexualidade articuladas com as questões de classe. Não há como
abordar o debate sobre intersecção entre categorias sociais sem remetermo-nos ao pensamento
feminista, especialmente o identificado como pós-colonial. Contudo, ao longo do século XX, houve a
necessidade de caracterizar as especificidades do sistema de poder e seus efeitos sobre as mulheres, o
qual foi nomeado de formas distintas – política sexual, patriarcado moderno, sistema sexo-gênero. Muitos
desses teóricos buscaram revelar a invisibilidade das mulheres nas teorias da vida social, como foi o clássico
debate entre feministas e marxistas nos anos 1960/1970.

As primeiras concepções acerca do gênero e a dominação sobre as mulheres sofreram duras críticas
de mulheres não-brancas norte-americanas, negras inglesas e feministas do terceiro mundo. A terceira
onda do feminismo, que se desenvolveu nos anos 1980 e 1990 desafia os paradigmas unitários de gênero
construídos pelas feministas brancas de classe média nos anos 1960 e 1970. A decepção com modelos e
discursos criados por feministas brancas levaram outros coletivos de mulheres a utilizarem suas próprias
experiências de exclusão, opressão e discriminação, bem como de resistência, relacionadas à raça e
sexualidade, principalmente para desenvolver formas próprias de trabalhar os conceitos de gênero e
feminismo.

Para o feminismo pós-colonial, a perspectiva de gênero estaria calcada em uma ideia universal de
mulher, fundamentada num falso universalismo, que estaria embasada na ideia de um sujeito liberal-
humanista. As mulheres do terceiro mundo também vão apontar para o caráter prescritivo da noção de
gênero, quando, a partir das lógicas coloniais, serão consideradas por suas irmãs brancas de países de
primeiro mundo como primitivas, submissas, escravas e vítimas.

A preocupação se volta para posições que reproduzem compreensões sobre outras mulheres, sem
de fato ouvir suas vozes, experiências e posições. Em vários países, a inserção de mulheres brancas e de
classe média no espaço público através do trabalho não resultou, necessariamente, numa reconfiguração
das relações na vida privada, mas na inserção de outras mulheres (negras, de classes populares,
migrantes, etc.) na realização de trabalho doméstico, que segue sendo alvo de exploração, baixa
remuneração e nenhum reconhecimento em nossa sociedade, revelando que raça e classe são dimensões da
experiência de muitas mulheres não consideradas na perspectiva do gênero.

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A relação entre lésbicas no feminismo reforçava estereótipo das feministas como sendo não
mulheres ou menos mulheres, evidenciando a tensão entre gênero e sexualidade. Foi nesses antagonismos
dentro do próprio feminismo que surgiu a noção de interseccionalidade. Contudo, não se trata de afirmar
simplesmente a necessidade de trabalhar a multiplicidade de diferenças que caracterizam as mulheres a
partir de uma somatória de opressões. É muito importante compreender como essas diferenças se
instituem como desigualdade e devem-se analisar quais sistemas as produzem e também como estão em
interseção. Categorias como gênero, raça, classe e sexualidade se expressam, muitas vezes, através de
antagonismos. Desse modo, a interseccionalidade será tomada como uma resposta à necessidade evidente
em nossas sociedades para compreender as formas de opressão de forma articulada, considerando a
complexidade das sociedades contemporâneas.

Sobre a importância de interseccionar categorias sociais distintas – como raça, classe, gênero,
sexualidade – para compreendermos as dinâmicas das opressões nas sociedades contemporâneas é
compreender as várias modalidades de relação que nem sempre são as mesmas, em termos metodológicos.

Em um segundo nível, podemos focar nas relações entre as categorias e o modo como se relacionam
umas com as outras. Assim, não é suficiente anunciar que vamos fazer uma leitura de gênero, raça, classe,
sexualidade, mas é fundamental delimitar um marco analítico que indague sobre as formas de relação e
não proponha, de antemão, o tipo de relação antes de estudar o problema ou supor que há uma relação
necessária.

No exercício da interseccionalidade, deve-se atentar também para as distintas origens das


categorias que se pretende interseccionar e, por isso, não se trata de uma simples somatória de opressões.
É importante historicizar essas categorias e analisar como elas foram se transformando em categorias
políticas. Então o artigo introduz exemplos, como o surgimento da diferenciação entre sexo e gênero, o
surgimento do que se entende por raça e a sexualidade. Então introduz também a prostituição, analisando
os fatores que podem desencadear nesse fenômeno e como ele é socialmente entendido – por gerar um
“pânico moral”, ele é encarado como uma última opção recorrida na falta extrema de oportunidades, o que
não necessariamente é verdade.
Essa posição reforça o lugar de vítima das mulheres e nega qualquer possibilidade de agência delas
nas práticas da prostituição. É claro que tal cuidado analítico não nos isentou de abordar a questão da
classe social. Contudo, a forma hierárquica como essas categorias organizam a compreensão dessa
experiência precisou ser desconstruída.

As categorias sociais que se pretende interseccionar se referem a sistemas de poder distintos e


possuem diferentes dinâmicas de constituição e operação sobre as relações sociais. Entretanto, os
sistemas sexo-gênero, heteronormativo e racista também possuem elementos em comum e possibilitam,
numa perspectiva analítica, coloca-los em interação. São sistemas que têm efeito de naturalização das
desigualdades sociais e das dinâmicas de poder que as constituem. Nessa dinâmica, relações de
subordinação por raça, gênero, sexualidade são compreendidas como naturais, e a inferioridade instituída
por esses sistemas é compreendida como funcional e passa a ser justificada. Uma posição orientada para
a intervenção social feminista busca a desnaturalização dessas desigualdades.

Então o texto aborda uma pesquisa feita em BH com jovens negros, percebendo que ad enuncia do
racismo e das hierarquias geracionais feitas por diversos grupos em diversos contextos (hip hop, funk,

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etc.) não se dá de forma equivalente às problematizações acerca do sexismo ou homofobia, e muitas
práticas realizadas pelos mesmos acabavam por reproduzir concepções naturalizadas acerca das
mulheres e dos homossexuais.

Uma proposta de intervenção orientada pelo feminismo e pela interseccionalidade precisa propor
um trabalho em conjunto com esses grupos, no sentido de construir equivalências entre essas posições,
atentando para as diversas hierarquias que passam a ser naturalizadas a partir de dinâmicas de poder
muito semelhantes. Assim, se percebeu que, no hip hop, havia a naturalização de sexismo acerca de
mulheres. A comparação com a dinâmica do racismo que também naturaliza determinados discursos sobre
negros e negras é um exercício importante para a construção de equivalência entre as causas.

Outra característica comum desses sistemas de poder refere-se à relação entre público e privado,
já que instituem dinâmicas em que experiências sociais marcadas por raça, classe, gênero, sexualidade são
frequentemente classificadas a partir de códigos moralizantes, revelando um movimento de encolhimento
do público e alargamento do privado.

Três sentidos tradicionais essa relação público-privado podem ser identificados: aquilo que se refere
a uma dimensão coletiva ou individual (o individual é político), aquilo que se refere à visibilidade ou
ocultamento/invisibilidade (dimensão do reconhecimento) e aquilo a que se tem amplo acesso ou acesso
restrito (privilégios versus direitos).

Por fim, os sistemas de poder indicados revelam a tensão entre igualdade e diferença, uma vez
que atuam fomentando lógicas da diferença ou do que uma autora chamou de diferencialismo absoluto,
que exclui a possibilidade de reconhecimento da igualdade. Um exemplo é o de uma feminista argelina, que
dirige sua indignação a alguns feminismos ocidentais que têm sido incapazes de unir vozes das feministas
islâmicas, sempre em nome da cultura ou contra a islamofobia. Enfatiza que o relativismo com o qual essa
questão é abordada contribui para a essencialização da mulher muçulmana e alerta para o perigo do
retorno ao orientalismo, ou seja, a visão colonial das mulheres genericamente heterodesignadas como
árabes.

Identificar essas dinâmicas comuns de funcionamento é um passo importante para a análise e


para o processo de intervenção baseado na interseccionalidade e que deve ter como passo seguinte o exame
de tais relações através de lentes históricas.

Um cuidado importante nessa empreitada se refere ao que a autora chama de “retórica das
diferenças”, que transforma as desigualdades em um alegre e superficial conjunto de “letrinhas”, caixas,
atributos, banalmente nomeados como diferenças. Reconhecer a diversidade é um movimento importante
na construção de um mundo menos autoritário e mais justo, mas é fundamental que a perspectiva das
relações de poder não se perca nesse complexo exercício proposto. Assim, atentar às dinâmicas e aos
processos das relações sociais passa a ser movimento necessário e, para tanto, é importante radicalizar
um dos princípios da psicologia social comunitária, presente desde os anos 60 e 70, que se refere ao
reconhecimento do lugar de fala dos sujeitos com quem trabalhamos nos diversos processos de intervenção.

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Em seguida, iremos ler alguns resumos das ideias centrais dos textos. A autoria desses resumos é
de Marina Andrade. Acrescentei comentários que achei pertinentes.
1. A Sociedade Como Realidade Objetiva
Seres humanos caracterizados por uma abertura para o mundo. O social nos distingue do resto. O ser humano é, também,
um ser social. Sem o social, não nos desenvolvemos como sujeito; não há natureza humana como essência.
Institucionalização dos hábitos. Tipificação reciproca das ações → apagamos procedimentos → hábito.
Quando dizemos que o social nos distingue do resto, queremos dizer que somos animais sociais, e o social também
nos constitui. Se sem o social não nos desenvolvemos como sujeito, ele é constituinte em nós, bem como nós somos
constituintes dele. Este texto dialoga com o texto sobre o SUS, já que busca evidenciar a forma como nós não temos
essa dicotomia social/individual em nós. Em um estudo de caso, podemos abordar a importância do convívio para a
saúde mental e para a constituição do sujeito, bem como para a produção de subjetividade, que se dão no âmbito
coletivo. Ao afastar o “doente mental”, o enclausurando em uma instituição (algumas das características
institucionais são o fechamento e o afastamento do coletivo, e instituição de controle e ordem institucionais),
estamos o privando de processos de subjetivação, bem como do convívio social. Essa privação pode prejudicar o
desenvolvimento do sujeito. Acho importante acrescentar também que um dos fatores que motiva essa
institucionalização, esse enclausuramento é o estigma, que foi tratado no resumo das Teorias das Representações
Sociais. Constantemente estigmatizadas, pessoas com transtornos mentais são frequentemente limitadas a
rótulos: o esquizofrênico, o louco, o psicótico. Rótulos esses que podem trazer grande mal-estar ao sujeito, pois
também tiram dele a leitura social de pessoa, de forma subjetiva, de humano com sentimentos, para o reduzir a
um diagnóstico.
2. A Psicologia Social como História
Paradigmatismo é a visão da ciência como quebra sucessiva de paradigmas, o acumulo de conhecimentos em direção
da verdade.
Thomas Kuhn propõe que o paradigma reinante não é necessariamente o mais verdadeiro. A ciência seria um campo
retórico, a construção sobre o conhecimento humano. Assim, a ciência poderia se compor de saberes contraditórios que
coexistem (psicologia), não haveria uma verdade definitiva sobre os fatos. Assim, no início do século XX, com a
refutação de verdades supostamente universais, o sistema científico paradigmático passa a ser contestado.
A psicologia social inicialmente tenta descobrir leis gerais sobre o comportamento humano. Atualmente, entretanto,
correntes mais recentes tentam pensar a psicologia social como uma história, que vai acompanhando as mudanças
culturais e sociais de determinado grupo social em determinado tempo.
Gergen questiona o que seria a verdade. O relativismo propõe que existira mais que uma verdade, sendo nenhuma delas
totais ou definitivas. Assim, ataca toda a ciência posteriormente criada na psicologia.
Seres humanos reagem ao conhecimento. Assim, podemos dizer que toda lei na psicologia social é histórica. A própria
criação da lei já cria uma reação a esta e uma mudança no comportamento geral dos indivíduos. Quanto maior o valor
preditivo da lei, maior a nossa resistência a ela.
A psicologia precisa se descomprometer com a visão positivista da realidade. É necessário que se descompromissemos
com a criação de uma verdade absoluta, uma vez que nosso conhecimento não tem verdade, tem retorica. O que fazemos,
portanto, é propaganda da nossa visão de psicologia contra outras reinantes: a ciência não como verdade, mas como
política.
Eu acredito que seja cabível nesse texto abordar alguns aspectos acerca do fundamento da psicologia, muito aliado
ao positivismo. Precisamos quebrar determinados paradigmas reinantes e formas de fazer a psicologia para de
fato exercer o compromisso social. Pensar para além da clínica individual. Pensar além da verdade da psicologia, mas
sim da transdisciplinaridade com outras áreas do conhecimento. É isso que ocorre no SUS, com a atenção básica –
ela inclui nutricionistas, médicos, enfermeiros, psicólogos... Busca atender aos diversos aspectos da saúde das
pessoas, contemplando sua multiplicidade, e compreendendo que a psicologia por si só não é capaz disso. Nós reagimos
ao conhecimento. Por isso que, vide texto da Teoria das Representações Sociais, quando a mídia e a imprensa
veiculam estereótipos estigmatizados acerca do louco e do doente mental, isso repercute nas pessoas – em suas
ações e reações. Pessoas se afastam do louco, enclausuram o louco, o julgam perigoso, criminoso, e que será louco
pelo fim da sua vida e que seja incapaz de mudar.
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3. Giro Linguístico
O giro linguístico rompe, em seus primórdios, com uma tradição secular centrada no mundo das ideias, mundo interior
e privado, e orienta a obra filosófica para o estudo dos enunciados linguísticos. Isso significa uma profunda modificação
em nossa concepção de linguagem, pois essa deixa de ser considerada como um simples meio para traduzir ou expressar
nossas ideias, para ser considerada um instrumento para exercitar nosso pensamento e constituir nossas ideias.
A linguagem não é mais apenas uma forma de descrever o mundo, e sim uma forma de produzir o mundo. O pensamento
não é abstrato, ele se constrói a partir de coisas reais.
A linguagem é a própria condição de nosso pensamento, ao mesmo tempo que é um meio para representar a realidade.
O giro linguístico, portanto, substitui a relação ideias/mundo por linguagem/mundo e afirma que para entender a
estrutura de nosso pensamento quanto o conhecimento que temos do mundo é preferível olhar para a estrutura lógica de
nossos discursos ao invés de esquadrinhar as interioridades de nossa mente.
Além disso, a partir do giro linguístico, a linguagem passou de ser considerada um instrumento para representar a
realidade e passou a ser um instrumento “para fazer coisas”.
Com a linguagem, nós produzimos o mundo. Construímos com a linguagem. Ela é extremamente importante para o
coletivo, pois além de permitir a comunicação, é através dela que as diversas produções de subjetividade do âmbito
coletivo ocorrem.
4. Cultura, Diferença e Ocidente
Nós desconsideramos a visão do subalterno sobre ele mesmo. Produz-se teorias ocidentais sobre o sofrimento no oriente,
mas não se considera as teorias orientais sobre o mesmo. Tudo aquilo que não vem do ocidente é inferior, atrasado ou
pior.
A cultura é um conceito reacionário, quando visto como um valor, um fator de distinção entre os sujeitos. A ideia do
oriental é criada pelo ocidental como se tivesse uma homogeneidade dos sujeitos (todo árabe/japonês/asiático é de
determinada forma).
Exotismo: usado para determinar a alteridade.
Esse texto se relaciona com o texto sobre feminismo, no momento em que ele aborda as minorias, explicitando a
forma como muitas vezes nós ocidentais falamos pelas mulheres muçulmanas. Tiramos constantemente a
autoridade do subalterno de falar sobre si, e consideramos toda a fala dele sobre si inválida – isso quando a ouvimos.
Desautorizamos suas falas e produzimos outros discursos sobre eles. Assim, a escuta se faz fundamental no
encaminhamento do estudo de caso. O que esta pessoa tem a dizer? Sobre si, sobre sua vida, suas queixas... Para
além da opinião de quem quer que possa conviver com ela, é importante ouvir e compreender aquele indivíduo quanto
pessoa e quanto sujeito.
5. Movimento Institucional
Vê-se as instituições como naturais e necessárias. As instituições criam burocracia. Elege-se representantes para se
decidir sobre as nossas vontades, porém o que afirma que eles possuem jurisprudência para nos representar? Não somos
capazes de tomar decisões? Autogestão: pensar formas de nos representarmos dentro da sociedade, de nós mesmo
lutarmos pelos nossos desejos, ao invés de relegar essa luta a um outro.
Na aula, foram realizadas as seguintes anotações: crítica a organização e a instituição manicomial. As instituições
têm tendência a um fechamento, e a um distanciamento da comunidade. Por trás de inúmeros processos
institucionais, burocracias, fragmentação de processos e uma arquitetura inacessível que impõe um verdadeiro
controle institucional, pessoas são enclausuradas e privadas de seu convívio com a comunidade. Aqui cabe a
importância do desejo de construir um espaço coletivo. Com os questionamentos de Benevides, podemos então
entender que aqui o psicólogo social tem um papel importante. Por ser uma autoridade dentro do âmbito da saúde
mental, é necessário possuir compromisso social, e, para além de seguir certos eixos e regulamentos, buscar produzir
outros eixos, produzir uma outra saúde, um outro mundo.

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SANTOS, Alessandro O. ; SCHUCMAN, Lia V.; MARTINS, Hildeberto. “Breve Histórico do Pensamento Psicológico
Brasileiro Sobre Relações Étnico-Raciais”. In: Psicologia: Ciência e Profissão, 2012. nº 32. p. 166-175.
Amanda Pacheco

Resumo: O artigo descreve três momentos do pensamento psicológico brasileiro sobre relações étnico-raciais: no final
do século XIX e no início do século XX, caracterizado pela consolidação da Escola Nina Rodrigues, que investiga
características psicológicas dos escravos e ex-escravos e fornece elementos para a configuração do negro como sujeito
psicológico; o período de 1930 até 1950 é caracterizado pelo debate da construção sociocultural das diferenças e da
desconstrução do determinismo biológico das raças, e o período de 1990 em diante, pelos estudos sobre branqueamento
e branquitude. Utilizando a perspectiva histórica, foi possível traçar uma linha no tempo identificando esses momentos
de ruptura e de configuração de novos saberes em Psicologia: biológico-causal, culturalista e relacional. A construção
dessa linha no tempo configura uma tentativa de trazer para o campo da Psicologia uma outra perspectiva de discussão
da temática étnico-racial, repensando o papel dos modelos e das teorias psicológicas.

• O artigo identifica três momentos do pensamento psicológico brasileiro acerca das relações étnico-raciais no país:
(a) Período do final do século XIX e início do XX – caracterizado pelo surgimento e consolidação de um modelo médico-
psicológico que culminou na Escola Nina Rodrigues. Os trabalhos desenvolvidos nesta escola garantiram a
consolidação de um modelo psicofísico de explicação sobre as deficiências do negro brasileiro e as consequências
sociais da manutenção do convívio com esta raça. O olhar científico sobre esse grupo social fornece os elementos
necessários para a configuração do negro como sujeito psicológico e objeto da ciência.

(b) Período de 1930 até 1950 – caracterizado pela introdução da Psicologia Social no ensino superior e pelo debate sobre
a construção sociocultural das diferenças: contribuições de Raul Briquet, Arthur Ramos, Donald Pierson, Virginia
Leone Bicudo, Aniela Ginsberg e Dante Moreira Leite. É um momento de crítica e de desconstrução do determinismo
biológico das raças na constituição do campo da Psicologia e da Psicologia Social no Brasil. Os três últimos autores
passaram a explicar as diferenças entre raças através dos fatores ambientais (condições econômicas, educacionais
e sociais), com o intuito de desconstruir a ideia da existência de determinantes genéticos que pudessem causar
essas diferenças.

(c) Período de 1990 em diante – caracterizado pelo início dos estudos em Psicologia sobre branqueamento e branquitude,
e de debates e ações de promoção da igualdade étnico-racial no Brasil. Tomando a raça como uma construção social,
Jurandir Freire Costa, Maria Aparecida Bento e Edith Pizza evidenciaram as relações de poder, que essa estrutura
leva: ao privilégio simbólico e material dos sujeitos brancos e aos aviltamentos relacionados aos negros em nossa
sociedade. Eles mostram que, assim como as categorias de classe e de gênero, a categoria raça constitui, diferencia,
hierarquiza e localiza os sujeitos em nossa sociedade.

• O artigo tem como meta contribuir para a ampliação do debate entre pesquisadores e psicólogos que, nas suas várias
frentes de trabalho, têm sido interpelados pela problemática das relações étnico-raciais, e para aprofundar a reflexão
sobre os discursos e as práticas da Psicologia ao longo de sua história quanto a essa questão.

→ O surgimento da Psicologia no Brasil e a Escola Nina Rodrigues

• No século XIX, o tema das relações étnico-raciais adquire importância capital para o Brasil, que começava a se tornar
independente da dominação portuguesa. havia alcançado. Com a constituição de um novo contexto social e político,
anuncia-se o empecilho e o paradoxo de lidar com a escravidão, e, ao mesmo tempo, com os ideais liberais. Afinal,
como construir uma nação de iguais se a escravidão (desigualdade) persiste?

• Na virada do século XIX para o XX, o Brasil passou por um processo de transformação no qual problemas antigos
se colocaram novamente num quadro de modernização e nacionalização da identidade do povo brasileiro. De acordo
com Massimi, o Brasil se encontrava, nesse período, “diante do desafio de tornar-se uma nação moderna tendo um
projeto unitário político, social e cultural.” Neste contexto, a crescente atuação do Estado na gerência de diversos
aspectos da vida cotidiana trouxe uma “progressiva estruturação dos papéis dos indivíduos, vindo estes a ser
considerados como funções e produtos do processo social”. Dessa forma, começaram a operar meios que
permitissem consolidar saberes que oferecessem uma leitura funcional da relação entre ser humano e sociedade.

• Antunes (1998) destaca que tanto a Psicologia quanto outras áreas do saber foram chamadas a participar da resolução
de problemas relacionados à saúde, à educação e à organização do trabalho. Nesse período, a Psicologia foi amplamente
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associada à Medicina e à Educação. Segundo a autora, grande parte dos trabalhos que tratavam de assuntos psicológicos
nessa época era fruto de teses de alunos de faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia. Em diversos desses
trabalhos, foram feitas associações entre características étnico-raciais e tipos de caráter, atribuindo-se certas
formas de doença mental como típicas de determinadas etnias-raças.

• No final do século XIX, o problema de qual raça resultava ao final do processo de miscigenação e de como esse
problema afetava a sociedade brasileira estavam presentes nos discursos e nas práticas interessados em propor soluções
às dificuldades de formação de uma sociedade civilizada. Surgem estudos acadêmicos sobre o negro e a análise dos
aspectos sociais, culturais e políticos decorrentes da presença desse grupo na sociedade brasileira.

• É nesse momento que o médico Raimundo Nina Rodrigues afirma a importância da raça como fator
explicativo fundamental da sociedade brasileira e de seus cidadãos. Com base no evolucionismo social ou
darwinismo social, segundo o qual os seres humanos são desiguais por natureza devido às diferentes aptidões inatas que
fazem de uns superiores e outros inferiores, ele produziu estudos relacionando raça, patologias psiquiátricas e tipologias
criminais (!). E elaborou o conceito de que o retrocesso econômico da Bahia se devia à grande presença da raça negra e
de mestiços no Estado, que, com suas doenças, costumes e religião, influenciavam o restante da população. Para ele, os
mestiços não conformavam uma raça, mas eram inferiores pela influência de seus ancestrais negros e indígenas (Chaves,
2003). Trata-se de um discurso formulado a partir da constituição da ideia de degeneração da raça, que tem seu eixo
central no problema negro, e à qual a nascente psiquiatria brasileira é chamada a responder, como divulgadora de uma
ideia de raça e de nação a partir do modelo da Medicina legal.
Os trabalhos de Raimundo Nina Rodrigues e da denominada Escola Baiana de Antropologia ou Escola Nina
Rodrigues possibilitaram a formulação de um modelo psicofísico de explicação sobre as deficiências do negro
brasileiro e sobre as consequências sociais da manutenção do convívio com essa raça. Tal discussão teve
continuidade no início do século XX pelas mãos de alguns dos seus discípulos, como Arthur Ramos, Juliano Moreira (o
cara que deu nome à Colônia, em Jacarepaguá) e Afrânio Peixoto (Martins, 2009).

• A progressiva penetração das teorias científicas na cultura brasileira associou-se fortemente às formas de
interpretação das relações étnico-raciais. Segundo Costa, a psiquiatria brasileira, a partir da década de 1930, passou
a ter grande apreço pela “incidência e prevalência dos diversos tipos de doença mental e sua distribuição étnica” (2007,
p.117). Nesse período, os negros e os mestiços recebiam muito mais diagnósticos de doenças mentais toxicoinfecciosas,
como a sífilis e o alcoolismo, do que os brancos.
E também eram mais acometidos pelas doenças chamadas constitucionais, como a esquizofrenia e a psicose maníaco-
depressiva.

→ Crítica e desconstrução do determinismo biológico das raças

• A partir da década de 30, o debate sobre raça e nação só se intensificaria no campo dos saberes psicológicos. No
período de 1930 até 1950, surgem os primeiros cursos acadêmicos que tratam de Psicologia Social e de delimitação do
campo da Psicologia no Brasil.

• Arthur Ramos ministrou o segundo curso de Psicologia Social do Brasil, em 1935, na Escola de Economia e Direito
da extinta Universidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro. Ele já era conhecido por criticar a visão determinista
biológica de raça de seu mestre Nina Rodrigues na explicação da inferioridade dos negros, usando um viés culturalista.

• Em 1945, sobre a orientação da Donald Pierson, Virginia Leone Bicudo conclui, na Escola Livre de Sociologia e
Política de São Paulo, a primeira dissertação de mestrado sobre relações étnico-raciais defendida em uma instituição
universitária brasileira: Estudo de Atitudes Raciais de Pretos e Mulatos em São Paulo. Nesse estudo, ela realiza
entrevistas com pais de alunos de escolas públicas residentes em quatro bairros populares de São Paulo e um de classe
média e com ex-militantes da Frente Negra Brasileira (FNB), organização criada em 1931 que visava a unir os negros
para a luta antirracista.
Virginia Leone Bicudo articula, em sua dissertação, análise sociológica (estrutura de classes, mobilidade
social, valores sociais) com Psicologia social (atitudes sociais), em um momento em que as pesquisas iniciais sobre
atitudes raciais (preconceitos e estereótipos) realizadas nos EUA buscavam fazer frente ao evolucionismo social e ao
determinismo biológico das raças, investigando as motivações psicossociais das hostilidades entre os grupos sociais:
étnico-raciais e religiosas, entre outros. Essa interface entre Sociologia e Psicologia social ganha mais evidência no final
dos anos 40, sob os ecos do Holocausto, que impulsiona uma agenda de pesquisa em ciências humanas no pós-guerra
voltada para o estudo de estereótipos, atitudes e caráter nacional.

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Para um estudo da UNESCO, Virginia Leone Bicudo decide retomar o tema das atitudes raciais realizando o
trabalho Atitudes dos Alunos dos Grupos Escolares em Relação com a Cor dos seus Alunos, no qual analisa as
atitudes de rejeição ou de intimidade, e de aproximação de estudantes, associando-as à cor da pele, bem como a
influência da família na constituição dessas preferências (Maio, 2010).
• Aniela Gisnberg é uma das principais autoras de Psicologia na década de 1950 no Brasil, e lecionava na Escola Livre
de Sociologia e Política de São Paulo, na Universidade da Bahia e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Ela estuda grupos sob diversos aspectos (raças, idades, sexos) com o objetivo de compará-los. Os processos inter e
intraculturais, as relações raciais e a imigração estão no centro de suas investigações. Suas pesquisas tinham a
preocupação de detectar as especificidades raciais, culturais e nacionais, procurando entender as diferenças e
questionando a universalidade do saber psicológico. Dentre seus trabalhos, é importante destacar Psicologia Diferencial,
no qual sustenta que as diferenças encontradas nos estudos comparativos entre culturas, povos, raças e sexos se devem
mais às variáveis externas do que às variáveis internas dos sujeitos pesquisados, ou seja, são os determinantes do meio
que geram as diferenças e as particularidades (Azevedo, 2002).
• Em 1950, Dante Moreira Leite publica o artigo Preconceito Racial e Patriotismo no Boletim 03 de Psicologia, da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Nesse artigo, ele denuncia a falta de fundamento científico
do preconceito racial, e mostra que, a partir da compreensão dos processos subjetivos que interferem na percepção, é
possível entender porque tal preconceito se mantém. Na percepção do comportamento de uma pessoa, interferem os
sentimentos negativos e positivos que se tem em relação a ela. Quando a percepção do outro é deformada por conceitos
pré-existentes e que servem ao mesmo tempo para reforçá-los, ocorre a permanência do preconceito. Ele serve à
manutenção da estabilidade social em sistemas onde existe desigualdade de condições, e justifica o domínio, a opressão
e os tratamentos e as oportunidades desiguais (Graciano, 1976; Paiva, 2000).
• Em suma: Virgínia Leone Bicudo, Aniela Ginsberg e Dante Moreira Leite explicam as diferenças entre raças
através dos fatores ambientais, e combatem a noção de que existem determinantes genéticos subjacentes a essas
diferenças, que são explicáveis pelas condições econômicas e educacionais e pela socialização. Os estudos de
Psicologia e de Psicologia diferencial realizados pelos três pesquisadores nas décadas de 40 e 50 são fundamentais
para desconstruir a visão determinista biológica das raças que prevalecia na Psicologia até então e para mostrar
que é na interação dos indivíduos com os grupos e com a sociedade que as diferenças podem transformar-se em
desigualdades.

→ Estudos sobre branqueamento e branquitude

• Em Jurandir Freire Costa, encontramos o esboço da noção de branqueamento dentro do pensamento psicológico
como aquilo que permitiria sustentar no Brasil uma ideologia racial que não prima pela “ideologia da pureza racial”, e
cujos efeitos são a diminuição da hostilidade e da aversão ao negro e ao mestiço assim que este passa a se apropriar dos
comportamentos sociais dos brancos, a embranquecer seus traços (Costa, 2007).

• Para Maria Aparecida Bento, o branqueamento é um processo político e psicológico que nasce do medo das elites
brasileiras do crescimento da população negra e mestiça; refere-se à construção de uma identidade branca pela
pessoa negra, que incorpora um conjunto de padrões de beleza, de atitudes e de valores visando a assemelhar-se
a um modelo branco e a construir uma identidade étnico-racial positiva (Bento, 2002).
O desejo de clarear a pele e de enquadrar-se em uma estética branca, que é extremamente negativo para a autoestima
de pessoas negras, pode ser entendido como o que Paulo Freire enuncia como a internalização de valores e preocupações
do opressor no oprimido. Lhe tiram sua cultura, seu contexto, e qualquer raiz de seu passado que lhe possa ser força
para reivindicar equidade, para então incutir nele valores e preocupações da branquitude.

• Neste momento, há um movimento de mudança nos estudos sobre raça no Brasil, que passaram a buscar inspiração
nos estudos críticos sobre branquitude (‘critical whiteness studies’) realizados nos Estados Unidos. Esse movimento
consistiu no deslocamento dos olhares acadêmicos da Psicologia social dos outros racializados para o centro sobre o
qual foi construída a noção de raça, ou seja, para os brancos. Esse novo enfoque foi chamado de estudos sobre
branquitude. Tais estudos, marcados pela transferência do olhar das margens para o centro, correspondem ao mesmo
posicionamento dos estudos feministas e de gênero. A lógica desses estudos é voltar o olhar para a autoconstrução do
centro com o intuito de ver, revelar e denunciar também o conteúdo dessas identidades hegemônicas, que até então
haviam sido poupadas de uma análise crítica.

• Alinhadas a essa perspectiva, Iray Carone, Maria Aparecida Bento e Edith Pizza inauguram os estudos de branquitude
e branqueamento na psicologia social brasileira. O foco deixa de ser a negritude e passa a ser a branquitude, ou seja, a
identidade étnico-racial que uma pessoa branca pode escolher ou não revelar: “ser branco é não ter de pensar sobre isso”.

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• Segundo Bento, a branquitude é uma determinada forma de viver o mundo, garantida pelos benefícios simbólicos
decorrentes do privilégio em que a hierarquia racial coloca e mantém os brancos. Desse modo, o silêncio e a omissão
desse grupo são uma forma de manter a desigualdade racial. A autora chama isso de pacto narcísico, isto é, um pacto
entre pessoas do mesmo grupo, no caso, os brancos, em não falar de racismo, não apontar os privilégios que o racismo
deixa para os brancos, e não responsabilizar o branco pelo passado e pelo presente de discriminação.

Acho que aqui cabe um pequeno comentário de como esse pacto ocorre em relação às maiorias. O silêncio, a omissão, a não
condenação desses atos são formas de perpetuá-los, perpetuando seu privilégio. Sob a ilusão da inocência, o branco que
não agride o preto, mas deixa agredir, afirma não ser racista.

• Edith Pizza argumenta que, se há algo característico da identidade racial branca, essa característica é a invisibilidade,
que se concretiza diariamente através da falta de percepção do indivíduo branco como ser racializado. A brancura, nesse
caso, é vista pelos próprios sujeitos brancos como algo natural e normal. Edith Pizza classifica essa identidade coletiva
como uma construção em contraposição, em que os não brancos são aqueles que têm a visibilidade da raça. Assim, para
a autora, a branquitude só existe em relação.

O papel do Psicólogo

Ignácio Martín-Baró

João Gabriel Pires de Queirós


Para o autor do texto o trabalho profissional do psicólogo deve ser definido em função das circunstâncias
concretas da população a que deve atender, a qual, atualmente, para os povos centro-americanos pode ser
caracterizada por: (a) a injustiça estrutural, (b) as guerras ou quase-guerras revolucionárias, e (c) a perda da soberania
nacional. Dessa forma, o psicólogo centro-americano deveria recolocar seu conhecimento e sua práxis, assumindo a
perspectiva das maiorias populares e optar por acompanhá-las no seu caminho histórico em direção à libertação.

Contexto Centro-Americano
Segundo o texto, existe uma crescente consciência entre os psicólogos latino-americanos de que, na hora de
definir sua identidade profissional e desempenhar seu papel na sociedade, é mais importante examinar a situação
histórica dos povos, assim como suas necessidades, do que estabelecer o âmbito específico da psicologia como ciência
ou atividade – da mesma forma, percebe-se que definições genéricas de outros lugares não são capazes de
compreender a realidade específica de cada povo. O papel do psicólogo seria antes do se perguntar sobre um quefazer
específico, mas voltar a atenção para o contexto, sem supor que o fato de se viver nele torna-o totalmente conhecido.
No estudo de caso, não vejo apenas um indivíduo e sua subjetividade individual. Vejo um ser que convive em sociedade,
um ser social, histórico. Além de ser produzido em uma sociedade marcada por registros históricos, ele mesmo traz
a história em si: em sua raça, em sua sexualidade, em seu gênero... Seja como oprimido ou como opressor.

Injustiça Estrutural

“é necessário insistir que os problemas fundamentais da área centro-americana são devidos a uma estruturação
injusta de seus sistemas sociais.” (Torres Rivas, 1981; Rosenthal, 1982)
Sobre essas localidades distribuem-se desigualmente os bens disponíveis, submetendo a população a
condições miseráveis. Na América Central, a maior parte da população não tem suas necessidades mais básicas
atendidas em contraste com o luxo em que vivem as minorias oligárquicas, o que ocorre na primeira e fundamental
violação aos direitos humanos.
De que forma pode a pobreza produzir adoecimento mental? Até que ponto a privação de direitos pode afetar a
subjetivação do indivíduo, bem como o capitalismo?

Luta Revolucionária
Como segunda característica, tem-se a situação de guerra ou quase-guerra em que vivem esses países, o que
ainda é somado à situação de miséria estrutural já catastrófica. Com isso, o desenvolvimento econômico dessas áreas
não só estaciona como retrocede, uma vez que essas economias “por si só débeis” são forçadas a se dedicar ao esforço

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bélico e à destruição tanto do próprio povo quanto do próprio país, o que ocorre juntamente a um processo de
militarização da região.

Estados nacionais como satélites dos EUA


Como terceira característica pode-se dizer que é a satelização nacional, isto é, consequência da doutrina de
segurança nacional – especialmente empregada e difundida pelos EUA – segundo a qual a existência dos países deve
se submeter à lógica da confrontação total frente ao comunismo.
Segundo o autor, o que acontece e o que se dá negativamente é o fato de esses países estarem hipotecando
sua identidade e autonomia aos países que fornecem ajuda financeira sem com isso resolver de fato seus problemas,
e inclusive, agravando sua situação de dependência. Isso ocorre porque, em geral, as grandes decisões políticas nesses
países são tomadas em função da segurança nacional de países como os EUA e não de acordo com as necessidades
desses povos, o que intensifica a polarização já existente na região além – contribuindo para uma visão dicotômica e
maniqueísta da realidade.

O papel do psicólogo
Marc Richelle põe em questão “para que psicólogos?” em um momento em que, segundo ele, havia “uma
proliferação de uma espécie nova”. Na mesma época, Didier Deleule responde que isso se devia à função que a
psicologia estava assumindo na sociedade, convertendo-se em uma ideologia de reconversão, oferecendo uma
alternativa aos conflitos sociais ao tratar de mudar o indivíduo para preservar a ordem social, ou com a ilusão de que
mudando o indivíduo seria possível mudar a ordem social, como se sociedade fosse uma somatória de indivíduos.
O psicólogo, por muitas vezes, acaba mantendo a ordem estabelecida. Como foi dito na micropolítica, a imparcialidade
acaba por ser uma escolha de manter as estruturas, mantendo a produção de subjetividades como ela é, sem
estimular a produção de novos modelos de subjetividade. Assim, sem crítica ou compromisso social, o psicólogo se
torna mais uma peça de serviço ao capitalismo: ele mantém a ordem social, pois atua somente no indivíduo. Ao não
levar em consideração o social, não se leva em consideração diversas estruturas históricas problemáticas. Assim, a
atuação no indivíduo acaba por manter essas estruturas.
Essa problemática está no que fazer teórico-prático da psicologia, ou seja, não é uma questão profissional
individual, mas fundamentalmente, sobre para onde vai o que fazer psicológico, qual efeito objetivo dessa atividade
psicológica tem na sociedade. Uma crítica que pode ser feita aos psicólogos da América Latina é por estes darem
atenção predominantemente às classes mais ricas – com a atividade clínica – centrando atenção nas raízes pessoais
dos problemas, esquecendo-se dos sociais. Não é estranho, portanto, pensar que a psicologia estaria servindo aos
interesses da ordem social estabelecida, como instrumento útil à reprodução do sistema.
Uma forma abordada de se examinar criticamente o papel do psicólogo consiste em analisar as raízes
históricas da psicologia, entender como a análise psicológica se limitou à conduta, ao comportamento observável, e
dirigir o olhar a novas concepções da consciência humana, a qual não é simplesmente o âmbito privado do saber e
sentir subjetivo, mas o âmbito em que cada um encontra o reflexo do seu ser e fazer na sociedade onde assume e
elabora um saber sobre si e sobre a realidade o que lhe permite ser alguém, ter uma identidade social e pessoal. A
consciência se configura como saber ou não saber sobre si mesmo, sobre o mundo e os demais, mais práxico que
mental já que se inscreve na adequação às realidades objetivas do comportamento, segundo Gibson (1966) e Baron
(1980).
Assim, pode-se entendê-la como realidade psicossocial, pois inclui imagem que as pessoas têm de si mesmas,
que é produto da história de cada um, e também inclui as representações sociais (Banchs, 1982; Deconchy, 1984; Farr,
1984; Jodelet, 1984, Lane, 1985), e segundo Baró, portanto, inclui o senso comum que é o âmbito da ideologia. O
comportamento, assim, deve ser visto considerando seu significado pessoal e social do sentido que adquire a partir
de uma perspectiva histórica.
Como principal horizonte da atividade psicológica estaria a conscientização, como dito por Freire, processo de
transformação pessoal e social que experimentam os oprimidos quando se alfabetizam em dialética com seu mundo.
Esse processo envolve 3 pontos:
a. O ser humano transforma-se ao modificar sua realidade, ou seja, é um processo dialético, ativo e que deve
ocorrer por meio do diálogo;
b. Com a gradual decodificação do mundo, a pessoa compreende os mecanismos de opressão abrindo espaço
para possibilidades de ação, geração de consciência crítica, a qual traz possibilidade de nova práxis e, portanto, de
novas formas de consciência.

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c. O novo saber da pessoa sobre sua realidade leva a um novo saber sobre si mesma e sua identidade social,
permitindo descobrir raízes e horizontes de onde quer chegar, processo que se dá como recuperação da memória
histórica.
A conscientização supõe mudança das pessoas no processo de mudar sua relação com o meio ambiente e com
os demais, de forma que não há saber que não seja essencialmente vinculado a um saber transformador da realidade
e não há este que não envolva mudança de relações humanas. Assim, o quefazer psicológico busca a desalienização
da pessoa e grupos sobre sua realidade. Uma vez que um dos problemas mais graves da América Latina é o das vítimas
das guerras, como soldados e guerrilheiros, é preciso que:
A atenção clínica as vítimas das guerras centro-americanas deve constituir-se em um processo conscientizador,
um processo que devolva a palavra as pessoas, não somente como indivíduos, mas como parte de um povo. Isto
significa que a psicoterapia deve apontar diretamente para o desaparecimento de uma identidade social
cultivada sobre os protótipos de opressor e oprimido, e a configurar uma nova identidade das pessoas enquanto
membros de uma comunidade humana, responsáveis por uma história (Martín-Baró, 1984a).
Já um trabalho escolar conscientizado supõe esforço para transmitir esquemas sociais alternativas como
capacidade crítica e criativa aos alunos frente ao que é dado pela sociedade e pela escola, é preciso sair da posição de
poder e parar de utilizar pressupostos teóricos adaptacionistas. Os psicólogos deveriam se perguntas sobre sua
atividade: a partir de quem; em benefício de quem; quais as consequências históricas concretas que essa atividade
produz.

Um ponto importante é este do Paulo Freire, que fala desse processo dialético que é modificar a realidade sendo
modificado. Através da decodificação do mundo, o indivíduo passa a compreender e se conscientizar acerca da
opressão, tendo consciência crítica e gerando novas possibilidades de ação. E isso também leva a um novo saber
sobre si mesma e sua identidade social. Afinal, se o louco estigmatizado compreende-se louco e não mais entende
esta palavra como ofensa ou como pejorativa, mas sim como uma forma diferente de constituição e de ser, isso
passa a ser um novo saber sobre si e sua identidade social, possibilitando essa descoberta de raízes e horizontes.
Uma crítica válida é que o psicólogo que poderia ser agente ativo deste quadro de desigualdade acaba por mantê-
la, bem como outras estruturas, pois, focando na clínica privada, limita o acesso de muitas pessoas à atenção
psicossocial. Quando se fala de saúde mental preta, trans, LGBT, se aborda justamente a forma como as elites
são privilegiadas também no acesso à saúde mental, pois têm condições de pagar o preço alto que muitas vezes é
implicado ao tratamento psicológico.

Conclusão: uma opção histórica

1. O psicólogo centro-americano deveria repensar sua imagem profissional, confrontar-se com os novos
problemas dos povos centro-americanos e não com questões teóricas já habituais;
2. Assumir a perspectiva das maiorias populacionais;
3. Confrontar criticamente o sistema, colocando o saber psicológico a serviço da construção de uma sociedade
em que o bem-estar de alguns não se faça sobre o mal-estar dos demais, que a realização de alguns não exija
a negação de outros, que o interesse de alguns não exija a desumanização de todos.

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