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COBRAE 2013 VI Conferência Brasileira de Encostas

Angra dos Reis, 04 a 06 de Outubro de 2013

Parâmetros de Resistência ao Cisalhamento para Estudos de


Encostas e Taludes: Ensaios de Laboratório
Fernando A. M. Marinho
Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil, fmarinho@usp.br

RESUMO: A determinação de parâmetros geotécnicos quer por meio de ensaios de campo ou através
de ensaios de laboratório, enfrenta em geral forte resistência no meio administrativo da engenharia e
também no meio técnico. O uso da literatura é paradoxalmente sugerido em substituição aos ensaios
da obra específica. Este artigo aborda aspectos relacionados com a determinação dos parâmetros de
resistência ao cisalhamento, tecendo considerações sobre amostragem e especificações de ensaios. O
artigo aborda a determinação dos parâmetros de resistência e as envoltórias associadas aos diversos
ensaios. Alguns aspectos sobre a determinação dos parâmetros para solos no estado não saturado são
também apresentados, com o objetivo de desmistificar o uso da abordagem do problema sob a ótica
da mecânica dos solos não saturados. O objetivo do artigo é apresentar ao leitor uma sugestão de
como programar, solicitar e interpretar os ensaios de laboratório.

PALAVRAS-CHAVE: Parâmetros geotécnicos, ensaios de laboratório, resistência ao cisalhamento,


solos não saturados.

1 INTRODUÇÃO resalta que: O engenheiro civil no desafio de


enfrentar problemas práticos surgidos pelo uso
Em uma tradução livre do que escreveu Sir de solos, tanto como material natural como
Benjamin Baker em 1881, podemos vislumbrar material de construção, se depara com a
o que ainda hoje percebemos: “Autoridades e dicotomia entre a necessidade de realizar
mais autoridades têm simplesmente rejeitado o cuidadosas investigações experimentais e a
desafio das investigações experimentais necessidade de simplificar. A decisão dependerá
assumindo que alguns dos elementos que afetam da própria experiência do engenheiro e da
a estabilidade de obras de terra são incertos, e magnitude, ou novidade, do problema
assim justificam suas rejeições.” específico. A dificuldade em atingir a decisão
Bishop & Bjerrum (1960) enfatizam que em aumenta com a incerteza de qual procedimento
geral todas as forças e cargas que atuam em um de ensaio é o mais apropriado e factível em cada
talude são razoavelmente conhecidas. A maior caso. Mais recentemente Duncan & Wrigth
incerteza está na resistência ao cisalhamento, (2005) destacaram que para uma análise de
sendo, portanto, importante se investigar as estabilidade de taludes (ou encosta) ter utilidade
variáveis que controlam a resistência ao ela requer: domínio dos princípios da mecânica
cisalhamento. Os parâmetros do solo, como dos solos, conhecimento da geologia do local e
veremos, podem ser obtidos por meio de ensaios suas condições de campo e o conhecimento das
adequadamente selecionados e especificados. propriedades dos solos in situ.
Restará ainda a determinação da mais difícil Existem três maneiras de se definir as
grandeza envolvida que é a pressão da água dos propriedades dos solos: experimentalmente por
poros. Esta grandeza tanto pode ser devida a meio de ensaios de campo, por meio de ensaios
aspectos ambientais (nível de água, variação de laboratório e utilizando formulações
sazonal, fluxo, etc.), ou depende das tensões empíricas. Levando em conta que a última delas
atuantes que geram a instabilização (construção, necessita de acúmulo de conhecimento, é
escavação e outros carregamentos). razoável assumir que este procedimento exigiu
Bishop & Henkel (1962) no seu livro clássico algum experimento seja de campo ou de
sobre ensaios triaxiais, além de citar Baker, laboratório, associado a observações de
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situações de obras e problemas, ou seja, a fenômeno. Para nos precaver de problemas


experiência do profissional. relacionados com responsabilidade técnica é
O fato é que o que nos interessa (como prudente realizar investigações
engenheiros e cidadãos) é manter a integridade geológico/geotécnicas nas áreas de estudo. Uma
dos taludes e encostas de forma econômica. Um parte desta investigação é feita em laboratório
aspecto simples e fundamental para entendermos com amostras representativas de todos os solos
o problema é olharmos para o peso das coisas. que podem participar do mecanismo de
Mas antes disto a massa. Quando nos referimos comportamento previsto.
a pesar algum objeto estamos de fato Este artigo aborda aspectos relacionados com
determinando sua massa. Isto acontece tanto ensaios de laboratório e sugere procedimentos de
quando usamos uma balança como a usada por interpretação para ensaios não saturados. Não é
Anubis na pesagem dos corações, ilustrada na objetivo deste trabalho apresentar procedimentos
Figura 1, como quando usamos uma balança que não possam ser usados pela maioria dos
digital que é calibrada no local do seu uso e, laboratórios comerciais. Exceção aos ensaios
portanto determinando a massa. com solos não saturados que serão apresentados
Em laboratório a balança é fundamental com o objetivo de desmistificar a sua execução,
desde os ensaios de granulometria até os interpretação e uso.
triaxiais. No segmento da curva granulométrica
no qual fazemos uso da equação de Stokes é 2 QUALIDADE DA AMOSTRAGEM
necessária a determinação da massa específica
dos grãos (NBR 6508). Cabe aqui uma Não pode haver retirada de amostras sem uma
observação relativa ao uso de picnômetros de prévia investigação de campo. Isto vale tanto
1000 ml para determinação de massa específica para amostras deformadas (aquelas que não
de solos argilosos. Nestes solos a remoção do ar mantêm a estrutura do solo) como para as
é muito difícil e o uso de picnômetros de 50 ml é indeformadas (as que mantêm a estrutura e teor
mais recomendado, como sugere a norma de umidade do solo no momento da retirada). A
britânica (BS.1377 – part 2). falta de cuidado no processo de retirada de
blocos indeformados é uma das causas da
inutilidade de muitos resultados. Além deste
aspecto o transporte e a estocagem do bloco em
laboratório exigem procedimentos rigorosos. É
lugar comum enfatizar que o transporte deve ser
feito sem vibrações ou trancos. A armazenagem
do bloco no laboratório no entanto está associada
a um mito. É o mito da câmera úmida. Blocos
indeformados de solo não precisam de câmera
úmida. O que é necessário é um local com
temperatura constante. A boa proteção do bloco
com o uso de filme plástico, filme de alumínio e
Figura 1 – Pesagem do coração feita por Anubis
(Metropolitan Museum of Art)
tela ou gaze de amarração e posterior parafina
No interessante livro de Cherman & garantem o isolamento com o meio externo. A
Mendonça (2010) pode-se ter uma dimensão do eventual movimentação de água dentro do bloco
por que as coisas caem, e isto vai muito além dos pode acontecer apenas por variação de
fatos relacionados com estabilidade de encosta, temperatura.
mas ao mesmo tempo todos os fenômenos estão
3 AMOSTRAS REPRESENTATIVAS
intimamente relacionados. No caso especifico de
taludes e encostas as coisas caem por um
Como disse George Bernad Shaw, com uma
conjunto de fatores e as causas nem sempre
certa ironia: “nenhuma questão é tão difícil de
podem ser atribuídas a um único elemento ou
ser respondida como aquela para a qual a
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resposta é obvia”. uma melhor especificação para o mesmo.


Não tem sentido realizar ensaios em materiais Os parâmetros mais importantes nas análises
que não representem aqueles que serão ou de estabilidade são os de resistência ao
estejam envolvidos no problema. Todas as cisalhamento. Em geral se utiliza o critério de
amostras devem ser representativas do problema Mohr-Coulomb, que nos fornece dois
associado ao local de sua retirada, parâmetros: a coesão e o ângulo de atrito.
independentemente de ser deformada ou Um dos ensaios mais utilizados, e de acordo
indeformada. Uma amostra não representativa com Schofield (2005) menos compreendido, é o
não tem interesse técnico para o projeto ou para que determina o limite de liquidez do solo O
o estudo. A representatividade da amostra deve ensaio, realizado no aparelho de Casagrande
ser avaliada por um engenheiro geotécnico, de nada mais é do que a simulação da ruptura de um
preferência com o acompanhamento de um talude. Esta ruptura, induzida de forma não
geólogo de engenharia. drenada, reflete a resistência do material nesta
A especificação de ensaios em solos condição de drenagem. Dos estudos
residuais, argilas fissuradas ou solos com apresentados por Skempton & Northey (1953)
heterogeneidades, não é uma tarefa fácil. Não observa-se que o aumento da resistência não
menos difícil será a interpretação do resultado drenada de um solo normalmente adensado é de
obtido. Desta forma deve-se compreender bem o aproximadamente 100 vezes quando ele sai do
significado e a importância, em cada caso, da teor de umidade no limite de liquidez para o
estrutura e do grau de heterogeneidade. limite de plasticidade. Deste exemplo pode-se
Eventualmente pode-se optar por amostras perceber que a análise cuidadosa, de ensaios bem
remoldadas ou reconstituídas, optando-se assim executados e simples pode-se extrair
por parâmetros residuais. Neste caso o fator de informações valiosas. No caso de solos residuais
segurança a ser adotado para a análise de é necessária uma interpretação cuidadosa.
equilíbrio limite deve ser reavaliado. Como é destacado por Duncan (1996) é
fundamental para analise de estabilidade a
definição da condição de drenagem do material.
4 OS ENSAIOS E OS PARÂMETROS O uso do fator tempo T pode ser usado para esta
finalidade, ou na ausência de parâmetros que
A redução da resistência ao cisalhamento ou o permitam isto, pode-se usar a condutividade
aumento das solicitações são os principais hidráulica do solo. A tabela 1 apresenta as
responsáveis pela instabilização de encostas e sugestões de Duncan (1996).
taludes. Contudo nenhum deles acontece por si
só, e dependem de vários tipos de ações e Tabela 1. Parâmetros para avaliação do processo de
fenômenos. As ações deliberadas são antrópicas ruptura quanto a drenagem.
e os fenômenos de origem natural. Parâmetro Condição de drenagem
Individualmente ou conjugados criam as T>3 Drenado
3 > T > 0.01 Ambas as condições são possíveis
condições para a ruptura. É fundamental T < 0.01 Não drenado
compreender a fenomenologia das rupturas para K > 10-6 m/s Drenado
que se possa agir ou prevenir acidentes. Vários K < 10-9 m/s Não drenado
autores estudaram especificamente estes
fenômenos (e.g. Popescu, 2001; Hungr et al., As análises de condições drenadas são feitas
2001, entre outros). usando-se parâmetros efetivos, determinados
O uso de ensaios de caracterização de solos é tanto em ensaios drenados como em ensaios não
fundamental para qualquer programação de drenados com medição de pressão da água.
ensaios que envolvam a determinação de Salienta-se que ensaios em argilas em geral são
parâmetros mecânicos, hidráulicos ou de realizados de forma não drenada com medição de
deformabilidade. Os aspectos de natureza e pressão de água tendo em vista o tempo de ensaio
estado do solo permitem uma definição mais que está associado à condutividade hidráulica do
adequada do tipo de ensaio possibilitando ainda material.
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As análises em condições não drenadas, 120


realizadas em termos de tensões totais, não Tensão 
“insitu”
requerem a estimativa das pressões de água.
Assim, o uso de parâmetros obtidos na condição 100 A

não drenada se aplica.


Quando se trata de solos não saturados o

Tensão Efetiva Vertical


80
aumento da coesão que é fruto da sucção. A
condição de drenagem do carregamento em solos C P

não saturados pode levar ao desenvolvimento de 60 B Tensão para uma 


pressões positiva, embora solos residuais amostragem 
perfeita
compactados apresentam elevada pressão de Tensão para a condição 
real de amostragem  D
positivação (passagem da condição de sucção 40

para poro pressão positiva). A solicitação em G AB – Perfuração

solos não saturados é em muitos casos sem


BC – Amostragem com tubo
E CD – Extrusão do tubo
20 F DE – Cavitação e redistribuição da água
variação de teor de umidade. Moldagem e 
montagem 
EF – Moldagem e montagem  do CP
FG – Aplicação da pressão confinante 
do CP para ensaio UU

0
5 RETIRADA DE AMOSTRAS 0 20 40 60 80 100

Tensão Efetiva Horizontal


É importante salientar que a retirada de amostras
rigorosamente indeformadas é uma situação não Figura 2 – Trajetória de tensões hipotéticas para uma argila
drenada. Sabemos, no entanto, que esta situação normalmente adensada durante amostragem com tubo
não acontece de forma perfeita mesmo quando é (modificado de Ladd & Lambe (1964).
retirado bloco ou usado amostrador especial.
250
Ladd & Lambe (1964) apresentam uma hipotese Medida da sucção inicial

de trajetória de tensões de uma amostragem com 200


Sucção do tensiômetro (kPa)

amostrador.
Observa-se na Figura 2 a trajetória de tensões 150
do solo da condição in situ (normalmente Montagem do ensaio
adensado) (ponto A) até o momento do 100

cisalhamento em um ensaio triaxial UU (ponto


G). Observa-se claramente que o ensaio UU não 50
Solo compactado Ramo Úmido

irá representar de forma alguma a condição real CDU8

do solo. 0
0 10 20 30 40 50
Ainda não é possível acompanhar os efeitos Tempo (min.)

da amostragem com instrumentação desde o


início do processo. Contudo, para se ter uma Figura 3 – Efeito da montagem do corpo de prova em
ensaio triaxial (Modificado de Oliveira, 2004).
ideia da “agitação” que um corpo de prova (CP)
está submetido durante a montagem de um
6 ESPECIFICAÇÃO DE ENSAIOS
ensaio triaxial é apresentado na Figura 3 as
variações de sucção durante a montagem de um
O objetivo dos ensaios de resistência realizados
CP. Estas medidas foram realizadas com um
em laboratório é estudar o comportamento dos
tensiômetro de alta capacidade (TAC) e permite
solos simulando as condições de campo. Desta
uma visualização das oscilações de pressão de
forma pretende-se obter parâmetros a serem
água. A montagem cuidadosa e as características
usados nas análises de estabilidade (e.g. Saada &
do solo podem possibilitar o retorno da sucção
Townsend,1981).
ao seu valor inicial.
A definição de qual ensaio deve ser utilizada
para obtenção de parâmetros de resistência, e
como estes devem ser especificado é
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fundamental para a obtenção de parâmetros que Salienta-se que Kanji (1974) inclui nos seus
possam ser usados no problema em estudo. estudos dados relativos ao contato solo-rocha. As
Aliás, é a precisa definição do problema que irá correlações são fruto de experiência acumulada
condicionar a correta definição dos ensaios e sua e refletem aspectos específicos de determinados
interpretação. solos sob condições particulares. No caso de
Os ensaios devem permitir a adequada solos residuais aspectos relacionados com a
definição dos parâmetros de forma que a análise rocha, formação e consequente estrutura tornam
de estabilidade possa refletir o comportamento o uso de correlações ainda mais complexo. Em
real do solo. No caso de já existirem resultados todos os casos não se pode levar uma avaliação
de ensaios de resistência que sejam considerados realizada com base em correlações para o projeto
representativos da área do estudo, ainda assim final sem uma justificativa sólida.
devem ser realizados ensaios de caracterização.
6.2 Ensaios de Resistência ao Cisalhamento
6.1 Ensaios de caracterização
Nas análises de estabilidade o conhecimento ou
Os ensaios que definem a natureza do material não das pressões de água do solo pode definir o
são fundamentais para uma primeira avaliação tipo de análise a ser executada, se em termos de
do solo, bem como para possibilitar a adequada tensões totais ou de tensões efetivas. Da mesma
definição dos ensaios especiais a serem forma que o comportamento esperado para a
realizados. O engenheiro deve fazer uso de sua situação em análise, se drenada ou não drenada.
experiência para interpretar os resultados dos A Figura 4 apresenta um fluxograma que ajuda
ensaios de caracterização, usando inclusive na escolha do tipo de ensaio a ser executado para
empirismos. Correlações entre parâmetros de solos saturados. É importante salientar que a
caracterização (e.g. emax, emin, wl) podem ser definição do ensaio deve estar associada à
encontrado na literatura (e.g. Skempton, 1964; qualidade da amostra.
Kanji, 1974; Lupini et al, 1981, Bolton, 1986).

Pressões de água  Pressões de água 
conhecidas desconhecidas

Tensões Efetivas Tensões Totais

Parâmetros Parâmetros

c’, ’ Su

Ensaios Ensaios

Triaxial Cisalhamento Direto Triaxial

CD – Adensado e drenado Drenado UU – Não adensado e não drenado

CU – Adensado e não drenado CU – Adensado e não drenado

Figura 4 – Diagrama de escolha de ensaios


Este aspecto é particularmente importante interessante para obtenção de parâmetros em
quando se trata de ensaios não drenados (UU e solos moles.
mini vane). O mini vane não será discutido neste
trabalho, mas pode ser uma ferramenta 6.3 Cisalhamento Direto

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possui um OCR superior a 2 deve utilizar os


O ensaio de cisalhamento direto induz a ruptura valores para a condição normalmente adensada
em um plano específico dentro da amostra. Em do mesmo solo. Quando não se possui dados de
geral assume-se que a condição de drenagem é adensamento a ASTM (2011) sugere os tempos
plena, devendo-se levar em conta o tipo de indicados na Tabela 2.
material a ser testado. Assume-se que a
distribuição de tensões é uniforme e assim Tabela 2 – Tempo estimado para ruptura (ASTM, 2011).
conhecemos o estado de tensão em um plano. Ou Classificação
Tempo mínimo
seja, a tensão normal (n) e a tensão cisalhante para a ruptura (tf)
SW, SP (<5% finos) 10 min.
(). Durante o processo de cisalhamento mede-se SW-SM, SP-SM, SM (>5% finos) 60 min
a força cisalhante, o deslocamento horizontal e o MH, CH 24 h
vertical.
A velocidade de carregamento pode ser obtida
Força Normal
dividindo-se o deslocamento esperado para
Cabeçote de transferência de carga
ruptura pelo tempo estimado para a ruptura. Em
Força Cisalhante Elemento poroso
geral o deslocamento que leva a ruptura varia de
Corpo de prova 5 mm (solos pré-adensados) até 10mm.
Elemento poroso O ensaio de cisalhamento direto irá fornecer
curvas tensão cisalhante () versus deslocamento
Figura 4 – Desenho esquemático do equipamento de (Figura 5a), que são usadas para se obter a
cisalhamento direto. envoltória de ruptura (Figura 5b). Neste exemplo
não há a parcela da coesão.
O ensaio de cisalhamento direto tradicional
não permite a medição da pressão da água do  
solo e assim deve ser executado com uma N3

velocidade de deslocamento suficientemente    n tan 


N2

baixa de modo a garantir a condição plena de N1

drenagem. Este ensaio permite a obtenção de


parâmetros em termos de tensões efetivas. 
De acordo com a norma para ensaios de Deslocamento N1 N2 N3
cisalhamento direto da ASTM (2011) o tempo de (a) (b)
ensaio deve ser estabelecido da seguinte forma:
Figura 5 – Resultados de ensaio de cisalhamento direto.
50
Onde: É importante salientar que o ensaio de
tf = é o tempo total para a ruptura (min), cisalhamento direto não permite a obtenção de
t50 = é o tempo necessário para que 50% do nenhum parâmetro de deformabilidade.
adensamento seja atingido sob a carga aplicada.
6.4 Triaxial
Como alternativa pode-se usar a relação:
O ensaio triaxial é um dos mais utilizados e
11.6 versáteis ensaios geotécnicos de laboratório (e.g.
Bishop & Bjerrum, 1960). Com ele podemos não
só obter parâmetros de resistência, mas também
t90 = é o tempo necessário para que 90% do
de adensamento e condutividade hidráulica. A
adensamento seja atingido sob a carga aplicada.
Figura 6 ilustra esquematicamente as
características básicas de um equipamento
Estas sugestões são feitas para solos
triaxial.
normalmente adensados, mas quando o solo

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Carga vertical
tensão octaédrica. Neste caso o círculo de Mohr
Pistão de carregamento
correspondente será o mesmo círculo de um
Cabeçote
ensaio CU.
Disco poroso
Como veremos adiante resultados de ensaios
Tubo flexível
CU representam uma série de ensaios UU
Amostra 
executados em amostras retiradas de um perfil
homogêneo em diversas profundidades. Como
Anel de vedação água de solo

atualmente os equipamentos triaxiais possuem


Membrana de 
borracha

sistemas de medição de pressão de água, o


Controle da pressão  Drenagem da água ou 
Ensaio CU nos permite obter de forma rápida a
confinante ( 3) medição da pressão da 
água dos poros
envoltória de tensões efetivas.
Para permitir uma melhor compreensão do
Figura 6 – Desenho esquemático da célula triaxial. significado, tanto dos ensaios UU quanto dos
ensaios CU apresenta-se na Figura 8 uma
O conhecimento das pressões de água no solo interpretação do que seriam ensaios UU
é importante para uma avaliação adequada da realizados com amostras indeformadas de alta
estabilidade de encostas e taludes. Como já qualidade obtidas de diferentes profundidades. O
mencionado anteriormente, quando não se tem perfil apresentado na Figura 8a representa o
conhecimento da distribuição de pressões de estado de tensão do perfil onde foram
água (nível de água ou gerada por processo arbitrariamente marcados os pontos A e B. A
construtivo) é importante compreender as Figura 8b apresenta o perfil de resistência não
condições de drenagem do solo no momento da drenada obtido por meio do ensaio de palheta
análise de estabilidade, de modo a escolher (Vane test) realizado in situ. A realização de
adequadamente os parâmetros a serem ensaios UU nos pontos A e B devem fornecer
utilizados. valores de Su (resistência não drenada) seguindo
Na Figura 7 estão apresentados os círculos de o mesmo crescimento com a profundidade. Isto
Mohr correspondentes a ensaios UU realizados se deve ao fato do índice de vazios em B ser
com três tensões confinantes e o círculo inferior ao índice de vazios em A. O processo de
correspondente em termos de tensões efetivas. A adensamento nestes pontos é fruto do estado de
envoltória efetiva só poderá ser de fato definida tensão do solo. Contudo, ensaios UU realizados
com mais ensaios obtidos em outras na mesma profundidade irão apresentar a mesma
profundidades do mesmo material. A realização resistência não drenada independentemente da
de ensaios UU pressupõe amostras indeformadas confinante aplicada. Em qualquer destes ensaios
de elevada qualidade. O ensaio assume que o a pressão da água do solo será igual a confinante
estado efetivo de tensão da amostra é a tensão aplicada menos a pressão octaédrica. Desta
octaédrica de campo. Neste caso esta tensão é forma haverá apenas uma pressão confinante que
assumida pela água gerando uma pressão fornecerá um valor de pressão de água igual a
negativa no bloco ou amostra. É fácil imaginar zero antes do processo de cisalhamento. Este
que ao aplicarmos uma tensão confinante de estado de tensão é equivalente ao de um ensaio
forma não drenada a pressão da água irá a zero CU realizado com a confinante igual a tensão
caso a pressão confinante aplicada seja igual a octaédrica.

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 Tensões Efetivas  (1, 2 e 3)

Tensões Totais
’


Su 1 2 3
c’
'  '  
u u

Figura 7 – Resultados de ensaios UU e o estado efetivo obtido (modificado de Bishop & Bjerrum, 1960).

Figura 8 – Resultados esquemáticos de ensaios UU em um perfil de argila normalmente adensada.

adequada dos parâmetros. Solos residuais,


Em muitos casos a envoltória de ruptura não é argilas fissuradas são exemplos de materiais que
linear. A maioria das análises de estabilidade devem sofrer uma análise cuidadosa quando da
assumem retas para a obtenção dos parâmetros amostragem. A presença de um engenheiro
da envoltória. A interpretação dos dados visando geotécnico no local da amostragem e durante a
à obtenção dos parâmetros c’ e ' deve ser feita moldagem dos corpos de prova é fundamental.
considerando-se o nível de tensão do problema. Nas análises de estabilidade as envoltórias de
Quando o ensaio escolhido for UU é necessário ruptura que devem ser usadas são as efetivas (c’
que se tenha “confiança” que as amostras sejam e ’) e a não drenada ( = 0). Contudo, é comum
indeformadas. se fazer uso dos resultados dos ensaios CU em
Salienta-se que a heterogeneidade dos termos de tensão total, definindo o que se chama
materiais é um limitador para a definição de envoltória CU. Bishop & Henkel (1957) e

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Bishop & Bjerrum (1960) já chamavam atenção escorregamento a igualdade imposta no ensaio
para os problemas associados a esta prática. A entre a pressão de adensamento e a tensão
envoltória denominada CU depende da trajetória principal menor (Bishop & Bjerrum, 1960).
de tensões. A Figura 9 ilustra o problema Segundo Bishop & Henkel (1957) este é o caso
associado ao uso da envoltória CU. Em geral os de empuxo passivo. Caso a ruptura aconteça de
ensaios triaxiais são executados adensando o modo que 1 se mantenha constante e igual a p,
corpo de prova com uma tensão confinante (3 = e a tensão principal menor 3 seja reduzida a
p) e em seguida é induzinda a ruptura sob resistência não drenada se mantêm igual, mas
condição não drenada aumentando a tensão uma envoltória radicalmente diferente será
axial. Nesta condição 3 na ruptura mantêm-se obtida, conforme ilustra a Figura 9b. Neste caso
constante e igual a p, e a tensão principal maior a relação entre a tensão cisalhante e a tensão total
na ruptura vale 1 CU. A envoltória obtida é a normal será semelhante ao estado empuxo ativo.
identificada por CU (ver Figura 9a). Esta Desta forma, muito cuidado deve ser tomado
envoltória, que representa a relação entre a quando for adotado este procedimento de
tensão cisalhante e a tensão normal total, só pode análise.
ser usada se houver, no entorno da superfície de

'
 Trajetória de ruptura por aumento de 1
Tensão  efetiva – ensaio CD

CU
(a) Tensão efetiva – ensaio CU

Tensão total – ensaio CU

'CU = p ‘CU CU CD



CU
 Trajetória de ruptura por decréscimo de 3

'
Tensão total – ensaio CU

Tensão efetiva – ensaio CU

(b)


Tensão  efetiva – ensaio CD

CU = p ‘CU


CD 'CU
uCU (negativo)

Figura 9 – Ensaio CU em argila normalmente adensada saturada em termos de tensões totais e efetivas (a) ruptura por
aumento de s1 (b) ruptura por aumento de s3. (modificado de Bishop & Henkel, 1957).

Voltando aos ensaios drenados é interessante


comentar sobre as diferenças entre resultados
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obtidos no ensaio de cisalhamento direto e no adensada e outra curva para a mesma argila no
triaxial. Lee (1970) apresenta dados que indicam esatdo normalmente adensado (e.g.
que a resistência obtida no ensaio de reconstituída). Na Figura 11b tem-se as
cisalhamento direto pode se apresentar maior ou envoltórias obtidas no caso de se adotar a
menor do que os obtidos nos ensaios triaxiais. resistência de pico da argila pré-adensada (’p) a
Taylor (1948) menciona que o nível de tensão resistência máxima da argila normalmente
pode fazer com que o resultado do ensaio de adensada (’na) e a envoltória residual (’r).
cisalhamento direto apresente valores maiores, Skempton chama atenção que a envoltória que se
por outro lado a ruptura progressiva observada deve adotar para argilas pré-adesadas fissuradas
neste ensaio pode também induzir a um menor deve ser aquela igual a da argila normalmente
valor para a resistência. O fato do plano de adensada e associa este valor com um ponto
ruptura no ensaio de cisalhamento direto ser pré- chamado de ponto de amolecimento. Desta
estabelecido pode causar importantes diferenças forma Skempton (1970) sugere que a adoção da
em solos com heterogeneidades. resistência de pico para a análise de estabilidade
O uso do cisalhamento direto ou triaxial não é adequada. Este raciocínio, aqui
permite uma adequada definição dos parâmetros apresentado de forma simplificada, nos permite
desde que alguns dos aspectos anteriormente concluir que a interpretação dos ensaios
mencionados sejam observados, em particular a comanda a ligação entre os ensaios de
representatividade da amostra e sua qualidade. laboratório e sua aplicação prática.
Resultados obtidos por Maccarini (1994), e
apresentados na Figura 10, ilustram as variações 90

obtidas entre ensaios realizados no equipamento 80


70
de cisalhamento direto e no triaxial para um solo 60
residual de gnaisse. Pode-se verificar a
Coesão (kPa)

50

variabilidade dos resultados e a impossibilidade 40


30
de definir a tendência de um ou outro ensaio. 20 Cisalhamento direto
A perfeita retirada de amostra e a adequada 10 Triaxial

escolha e especificação do ensaio não garantem 0


0.5 0.7 0.9 1.1 1.3
a correta obtenção dos parâmetros se os Índice de vazios

fenômenos associados com o problema não 40

forem compreendidos. A título de exemplo


35
podemos mencionar o estudo apresentado por
Ângulo de atrito (o)

Skempton (1970) sobre ruptura em argilas pré- 30


adensadas. A presença de fissuras induz a um
comportamento associado com o tempo 25 Cisalhamento direto
(condutividade hidráulica), que não será tratado Triaxial

aqui. Do ponto de vista de envoltória de ruptura 20


0.5 0.7 0.9 1.1 1.3
o comportamento do solo é o representado pela Índice de vazios

Figura 11, onde tem-se resultados de ensaios de


Figura 10 – Parâmetros de um solo residual de gnaisse
cisalhamento drenados. Este exemplo nos
obtidos por cisalhamento direto e triaxial (dados de
permite chamar atenção para a forma de Maccarini,1994).
obtenção da envoltória. Na Figura 11a tem-se a
curva tensão deslocamento para uma argila pré-

128
COBRAE 2013 VI Conferência Brasileira de Encostas
Angra dos Reis, 04 a 06 de Outubro de 2013

Tensão cisalhante

Tensão cisalhante
Pico – argila pré‐adensada ’p

’na = ’a
amolecida
Pico – normalmente adensada

’r
c’p
Residual

Deslocamento Tensão efetiva normal

(a) (b)

Figura 11 – Resistência ao cisalhamento de argilas pré-adensadas (modificado de Skempton,1970).

7 O SOLO NÃO SATURADO solo 1 é um solo mais fino do que o solo 2. O


solo 2 possui uma distribuição de poros mais
Em geral os projetos e análises de encostas e uniforme do que o solo 1. Devido a combinação
taludes são realizados com parâmetros do solo destes fatores o solo 1 apresenta uma sucção de
obtidos na condição saturada. Nesta condição a entrada de ar (ponto b1) maior que a do solo 2
coesão apresenta seu menor valor e desta forma (ponto b2). A consequência em termos de
tem-se uma condição mais conservadora e resistência é apresentada na Figura 12b. A
segura. Contudo em muitas situações a condição envoltória em termos de tensão efetiva está
não saturada é que mantém a encosta ou talude indicada, tanto para o solo com coesão como
estáveis. Sendo assim, é necessário e prudente se para o solo não coesivo. A linha tracejada que
conhecer a contribuição da sucção para que se segue a envoltória até um pouco antes do ponto
possa realizar um diagnóstico e intervenção b1 e b2 são obtidas em ensaios com controle ou
corretos. Ensaios com sucção controlada (e.g medição de sucção. Quando o solo dessatura a
Fredlund et al., 2012) ou com medição de sucção sucção perde a capacidade de ser responsável
(e.g. Oliveira e Marinho, 2010) exigem uma pelo aumento da resistência da mesma forma que
maior capacitação dos laboratórios do que se a tensão efetiva. No caso do solo não coesivo
observa na maioria dos laboratórios comerciais pode haver uma perda de resistência pelo
no momento. Contudo, é possível avaliar o efeito aumento da sucção.
da não saturação nos parâmetros por meio de A resistência passa a crescer com o aumento
ensaios simples e/ou aplicando modelos. A da sucção com uma relação dada pelo ângulo b.
aplicação de modelos não faz parte do escopo A contribuição da sucção para a resistência é um
deste trabalho e não será abordada. fenômeno de atrito, ou seja, a resistência
Para podermos avaliar o comportamento do aumenta com o aumento da tensão normal entre
solo na condição não saturada o uso da curva de as partículas e este aumento é devido ao aumento
retenção de água (CRA) é muito importante. A da sucção (Gan & Frendlund, 1996).
CRA indica a relação entre a quantidade de água Como mencionado e observado na Figura 12a
(em volume ou massa) que o solo retém quando o solo pode possui sucção e manter-se saturado.
sujeito a uma sucção. Pode-se expressar esta Nesta condição o princípio das tensões efetivas
curva usando o teor de umidade gravimétrico, de Terzaghi é válido. O processo de perda de
volumétrico ou o grau de saturação. A Figura 12a água pode levar a dessaturação do solo e a partir
apresenta uma curva de retenção (em termos de deste ponto a variação de resistência devido ao
grau de saturação) esquemática de dois solos. O aumento da sucção não corresponde ao mesmo
129
COBRAE 2013 VI Conferência Brasileira de Encostas
Angra dos Reis, 04 a 06 de Outubro de 2013

efeito que a variação da tensão confinante resultados de ensaios em solos na condição não
efetiva. Em outras palavras, nos solos mais secos saturada. Contudo, para permitir a aplicação de
a pressão negativa da água (sucção) não é conceitos da mecânica dos solos não saturados
transferida integralmente aos grãos e isto resulta entende-se que seja necessária a simplificação
em uma menor contribuição para o aumento da dos ensaios sem perda de qualidade dos
resistência ao cisalhamento. resultados. Para isto é necessária a compreensão
dos fenômenos envolvidos no processo de
S ruptura nos solos não saturados, que possui
b2 b1
100 semelhança com os processo no solo saturado.

2 1 200 201 kPa
Ensaio 1 Sucção

Tensão Cisalhante (kPa)
122 kPa
150

(a) Sucção 48 kPa


 '
 '
100

S  100%
b 50

1
2 0
S  100%
0 5 10 15
c’
Deslocamento horizontal (mm)
Sucção
(b)
Figura 13 – Resultados de ensaios de cisalhamento direto
com múltiplo estágios (Modificado de Fonseca, 1991).
Figura 12 – (a) Curva de retenção de água (b) envoltória
em termos de sucção.
Na Figura 14 estão apresentadas três curvas
Na literatura encontram-se resultados de de retenção de um mesmo solo (silte argiloso)
ensaios de resistência, com controle de sucção, obtidas por Croney and Coleman (1954). Uma
realizados em solos indeformados (e.g. Fonseca, das curvas foi obtida com o solo na condição
1991; De Campos & Carrilo, 1995; Röhm & natural (indeformada), outra a partir de uma
Vilar, 1995, Sousa e Machado, 2007, entre amostra moldada acima do limite de liquidez
outros). Na Figura 13 está apresentado um dos (lama) e a terceira curva na condição chamada de
resultados obtidos por Fonseca (1991) realizado continuamente perturbada. Esta última condição
em um equipamento de cisalhamento direto. O se refere a um estado equivalente ao do estado
solo utilizado foi um solo residual de gnaisse crítico e, portanto na ruptura. A curva referente
próximo a lagoa Rodrigo de Freitas (RJ). Neste ao solo preparado no estado de uma lama serve
ensaio foi utilizada apenas uma amostra para os como referência para o que seria uma amostra
três valores de sucção (ensaio em estágios normalmente adensada. Com base nas curvas
múltiplos). apresentadas na Figura 14 podemos observar que
Os ensaios apresentados na Figura 13 foram a lama apresenta uma relação w/sucção mais
realizados com equipamentos que permitem elevada em relação a amostra no estado
controlar ou medir a sucção por meio da técnica indeformado. Este comportamento é semelhante
da translação de eixos (e.g. Fredlund et al. 2012). ao que se observa nas curvas de adensamento de
Esta técnica ainda não é usada pela maioria dos solos saturados. A curva que representa a
laboratório comerciais. O uso desta técnica deve condição continuamente perturbada intercepta a
ampliar a capacidade e a qualidade dos curva indeformada e é aproximadamente
paralela a curva do solo a partir de lama. Para
130
COBRAE 2013 VI Conferência Brasileira de Encostas
Angra dos Reis, 04 a 06 de Outubro de 2013

interpretar estas curvas em termos de geração de que pode ocorrer durante o processo de
sucção vamos considerar uma amostra cisalhamento. Caso não haja monitoramento ou
indeformada deste material que possua um teor controle da sucção a interpretação dos dados
de umidade de aproximadamente 23%. Na pode ser difícil. Ensaios com medição direta de
ruptura esta amostra deve aumentar sua sucção. sucção em solo residual compactado obtidos por
Já outra amostra com teor de umidade de Marinho et al., (2013) indicam que pode haver
aproximadamente 16% deve diminuir a sucção variações de até 150 kPa de sucção na ruptura e
na ruptura, como indicado na Figura 14. Nos dois que quanto maior a sucção maior sua variação
casos considera-se o teor de umidade constante até a ruptura em relação a sucção inicial.
durante o ensaio
Este exemplo serve como orientação sobre o

40
Indeformado
Lama
35 Aumento da sucção na ruptura
Continuamente perturbado

30
Tero de Umidade (%)

25

20

15

10 Redução da sucção na ruptura

0
1 10 100 1 000
Sucção (kPa)

Figura 14 – Curvas de retenção de água de um silte argiloso indeformado e continuamente perturbado (dados de Croney
& Coleman, 1954).

Na Figura 15 estão apresentados valores de observa-se que a redução é da mesma ordem dos
sucção inicial e na ruptura para ensaios de ensaios de compressão simples. Constata-se que
compressão simples e triaxial com umidade para sucções de até 100 kPa o valor da sucção na
constante (CW), obtidos em amostras de um solo ruptura apresenta pouca variação. Após 100 kPa
residual compactado. No caso dos ensaios há uma tendência de apresentar valores menores
triaxiais estão apresentados os valores de sucção na ruptura.
antes do confinamento e após a aplicação da Esta informação nos permite usar dados de
tensão confinante. Analisando os resultados dos ensaios sem medição de sucção para interpretar
ensaios triaxias com base na sucção antes do a envoltória de resistência, desde que tenhamos
confinamento verifica-se uma significante a curva de retenção de água. Usando a sucção no
redução da sucção na ruptura. Contudo, se teor de umidade de ensaio é possível se obter a
tomarmos a sucção após o confinamento envoltória de ruptura em termos de sucção. Este
131
COBRAE 2013 VI Conferência Brasileira de Encostas
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raciocionio pode ser usado para otimizar a 500

aplicação do modelo sugerido por Vilar (2006, Dados de Oliveria (2004)


Compressão Simples
Triaxial - sucção antes do confinamento
2007). É possivel ainda se obter a curva de Triaxial - sucção após o confinante

retenção para condições em que o solo esteja 400

submetido a um confinamento (e.g. Vanapalli et

Sucção na Ruptura (KPa)


al, 1999).
300
Interpretações de ensaios sem levar
diretamente em conta a sucção foram
apresentadas por Leroueil et (1992); Marinho & 200
Oliveira (2012) e Leroueil & Hight (2012). São
resultados e interpretações feitas para solos
compactados por meio de ensaios de compressão 100
simples com teor de umidade constante. A
Figura 16 apresenta a relação entre o índice de
liquidez (definido tanto com o limite de 0
0 100 200 300 400 500
plasticidade como com o teor de umidade ótimo) Sucção Inicial (kPa)
versus a resistência não drenada obtidas para um Figura 15 – Relação entre a sucção inicial e na ruptura
solo residual compactado. para um solo residual compactado.
O comportamento observado na Figura 16
indica que entre o teor de umidade
correspondente a aproximadamente o limite de
Resistência Não Drenada, S u (kN/m 2 )

plasticidade (ou teor de umidade ótimo) observa- IC

se que o ganho de resistência reduz-se 100


Leroueil et al (1992) Wood (1990) - IL
gradualmente. Para valores de IL inferiores a - Como compactada
Solo saturado

0,5 a resistência não drenada mantém-se


praticamente constante. Este comportamento 10

está de acordo com o fato mencionado


anteriormente de que para solos mais secos a RS - Test Serie 2
Teor de umidade ótimo
ou

sucção não consegue ser transferida para os


limite de plasticidade limite de liquidez
Wood (1990)
Leroueil et al (1992)

grãos e não contribui mais da mesma forma para 1


-2 -1.5 -1 -0.5 0 0.5 1 1.5

o aumento da resistência ao cisalhamento. De (w-wot.)/Ip ou I L

acordo com Leroueil & Hight (2012) no teor de


Figura 16 - Resistência não confinada versus índice de
umidade ótimo a resistência não drenada varia de estados de liquidez (modificado de Marinho & Oliveira,
80 a 200 kPa com uma média de 140 kPa. 2012).
Na Figura 17 é apresentado de forma
esquemática o efeito da não saturação (ou da Ensaios realizados com umidade constante
sucção) na envoltória de resistência da forma devem ser realizados com velocidades baixas, já
como ela é muitas vezes apresentada na prática que nesta condição a condutividade hidráulica é
da engenharia atual (sem alusão à sucção). baixa. Salienta-se ainda que estes ensaios, sem
Obviamente que a determinação das envoltórias medida de sucção, só devem ser realizados em
para a condição não saturada, objetivando a amostras com grau de saturação que garantam a
determinação de b, só é possível quando se tem continuidade do ar (e.g. S < 80%).
valores conhecidos de sucção inicial dos corpos
de prova ou adotando a hipótese de sucção
constante durante o ensaio, obtendo a sucção por
meio da curva de retenção de água.

132
COBRAE 2013 VI Conferência Brasileira de Encostas
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brasileira sempre avaliou o comportamento dos


 solos na condição não saturada em diversos
S  100% projetos de barragens. Foi sugerido o uso de
ensaios de cisalhamento direto, compressão
simples ou triaxial, todos com teor de umidade
S  100%
constante (CW) e drenados ao ar, para permitir a
determinação da envoltória de resistência na
condição não saturada. Para isto é necessária a
' determinação da curva de retenção de água do
solo que deve ser usada na interpretação dos
c’ resultados.

Figura 17 – Efeito da não saturação nas envoltórias de AGRADECIMENTOS
ruptura.
O autor agradece ao CNPq pelo suporte as
pesquisas que o autor desenvolve e a FAPESP
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS pelo financiamento à participação do autor no
evento, além de financiamentos anteriores que
Na engenharia geotécnica a experiência e permitiram a formação do conhecimento
consequente sensibilidade, para determinar e apresentado aqui. Agradeço ainda a
avaliar parâmetros a serem usados para análise Universidade de São Paulo pelo apoio dado.
de estabilidade, exige mais do que simples
“percepção”. Ela exige, já no primeiro momento,
o conhecimento dos mecanismos envolvidos REFERÊNCIAS
com o problema. A engenharia geotécnica lida
diretamente com a natureza e esta obedece a American Society for Testing and Materials, (2011).
regras que não conhecemos completamente e Designation: D 3080/D 3080M-11, Standard Test
desta forma temos que modestamente buscar Method for Direct Shear Test of Soils Under
Consolidated Drained Conditions. Annual Book of
respostas em experimentação, tanto de campo ASTM Standards, Vol. 4.08.
quanto de laboratório. Baker, M.B. (1881). The actual lateral pressure of
Este artigo apresentou considerações earthwork. Minutes of the Proceeding of the Institute
fundamentais sobre a determinação de of Civil Engineering. Reprinted from Van Nostrand’s
parâmetros de solos usando ensaios de Magazine. 180p.
Bishop, A.W. & Bjerrum, L. (1960). The relevance of the
resistência ao cisalhamento direto e triaxial. triaxial test to the solution of stability problems.
Estes ensaios são meras ferramentas para a Proceedings, ASCE Research Conference on Shear
obtenção dos parâmetros a serem usados nas Strength of Cohesive Soils.
análises de estabilidade. Salientou-se que a Bolton, M. D. (1986). The strength and dilatancy of sands.
adequada determinação dos parâmetros depende Géotechnique, Volume 36, Issue 1, 01 March. 65 –78.
Croney, D. and Coleman, J.D. (1954). Soil structure in
da amostragem, escolha do ensaio e sua relation to soil suction pF. J. Soil Sci., 5: 75-84.
especificação e interpretação dos resultados. De Campos, T. M. P. & Carrilo, C. W. (1995). Direct shear
Para possibilitar eventuais aplicações de testing on na unsaturated soil from Rio de Janeiro.
conceito poucos utilizados na prática da Proceedings of the First International Conference on
engenharia foram também apresentados aspectos Unsaturated Soils. Paris.vol 1.31-38.
Fonseca, E. C. (1991). Ensaio de cislahamento direto com
associados aos solos não saturados. Foram dadas sucção controlada em solos não saturados. Dissertação
sugestões para a simplificação dos de mestrado, PUC/RJ. 173 p.
procedimentos dos ensaios com solos não Fredlund, D.G., Rahardjo, H. & Fredlund, M.D.
saturados de modo a possibilitar o uso destes (2012).Unsaturated Soil Mechanics in Engineering
conceitos na prática da engenharia. Esta prática Practice. Wiley. p. 926.
Gan, J.K.M. & Fredlund, D.G. (1996). Direct shear and
não é recente e a comunidade geotécnica triaxial testing of a Hong Kong Soil under saturated
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COBRAE 2013 VI Conferência Brasileira de Encostas
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