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A Cultura da Tecnologia – Tecnologia: Prática e Cultura

Traduzido por: Fadoa Glauss, Guilherme Ihara, Jonathan Cândido, Raylander Frois e Sérgio Junior

Questões de Neutralidade

Esportes de inverno ganharam uma nova dimensão durante a década de 60 na


América do Norte com a introdução das motos de neve. Sendo montada como uma moto
normal e tendo guidões para ser guiada, essa pequena máquina de esqui deu às pessoas
no Canadá e no norte dos Estados Unidos uma maior mobilidade durante seus longos
invernos. A venda de motos de neve dobraram anualmente por um tempo, tendo o seu ápice
nos anos de 1970 e 1971, quando quase meio milhão foram vendidas. Subsequentemente,
o mercado recuou, mas as motos de neve já haviam se estabelecido e diversas trilhas foram
feitas em inúmeros recém-resorts de inverno durante feriados e férias. Em 1978, já haviam
milhares de milhas de trilhas públicas, marcadas e mantidas para o uso de motos de neve,
sendo que metade delas se localizava na província de Quebec.

Apesar de outras empresas terem produzidos pequenos trenós motorizados, o tipo de


moto de neve que alcançou essa enorme popularidade só foi feito em 1959, principalmente
pela iniciativa de Joseph-Armand Bombardier de Valcourt, Quebec. Ele já realizava
experimentos com veículos de neve desde a década de 20, e tinha patenteado um modelo
de trilho feito de borracha e aço para dirigi-los. Seu primeiro sucesso comercial, que permitiu
o seu pequeno negócio de reparação de motores se tornar uma fábrica de manufaturação,
foi uma máquina capaz de carregar sete passageiro, lançada comercialmente em 1936. Ele
teve outros sucessos após esse, mas nenhum foi capaz de capturar a imaginação popular
como a pequena moto de neve de 1959, que foi rapidamente copiada por outros
manufatureiros.

Entretanto, o uso de motos de neve não se restringiu apenas aos centros turísticos da
América do Norte. Na Suécia, Groenlândia e no Ártico Canadense, motos de neve se
tornaram parte dos equipamentos essenciais para a subsistência de várias comunidades. Na
Lapônia Sueca elas foram usadas para o pastoreio de renas. Na Ilha Banks, localizada no
Canadá, as motos permitiram os caçadores esquimós continuarem a aumentar sua renda
familiar com a tradicional colheita de inverno de peles de raposas.

Tal uso das motos de neve por pessoas de diferentes culturas servem para ilustrar um
argumento amplamente divulgado em discussões de problemas associados à tecnologia.
Esse argumento diz que a tecnologia é cultural, moral e politicamente neutra – capaz de
prover ferramentas que são independentes dos valores sociais e podem ser usadas
imparcialmente para manter diferentes tipos de estilo de vida.

Assim, no mundo em geral, é argumentado que a tecnologia é “essencialmente livre


de moral, algo que não possui valores, um instrumento que pode ser usado para o bem ou
para o mal”. Logo, se pessoas em países distantes passam fome; se a mortalidade infantil
nas cidades do interior permanece alta; se nos sentimos ameaçados pela destruição nuclear
ou pelo efeito sorrateiro da poluição química, tudo isso não é culpa da tecnologia, e sim do
seu mau uso por políticos, militares, grandes corporações e outros.

A moto de neve parece ser a ilustração perfeita desse argumento. Seja usada para o
pastoreio de renas ou para recreação, para um esporte ecologicamente destrutivo ou para a
subsistência, o instrumento é o mesmo. Os princípios envolvidos em sua operação são
válidos universalmente, sejam os seus usuários os lapões, esquimós, caçadores Dene,
atletas de Wisconsin, turistas quebequenses ou garimpeiros de companhias multinacionais
de petróleo. E considerando que as motos de neve certamente tiveram um impacto social,
alterando a organização de comunidades lapãs, por exemplo, isso não significa que elas
necessariamente influenciaram valores culturais básicos. A tecnologia das motos de neve
aparenta ser bastante independente dos estilos de vida dos lapões, esquimós ou
americanos.

Uma olhada nas motos de neve modernas, com sua falsa eficiência e cores
chamativas, sugere um diferente ponto de vista. Surgem comerciais trazendo jovens homens
no auge da virilidade, pilotando a máquina com suas companheiras sexys, geralmente loiras
e no assento do passageiro. Os esquimós que usam as motos para longas expedições no
Ártico logo percebem significantes discrepâncias. Com seu tradicional meio de transporte,
um trenó puxado por uma matilha de cães, ele poderia reabastecer enquanto caçava comida
para seus cães. Com a moto de neve, ele teria que levar bastante combustível e peças
sobressalentes, teria que ser qualificado para fazer reparos e ainda assim, teria que levar
alguns cães com ele para o caso da moto quebrar. Um veículo designado para viagens entre
centros turísticos bem equipados apresenta um panorama completamente diferente quando
usado por um trabalhador em áreas remotas. Um esquimó “deixou sua moto na tenda
esquentando antes de ligá-la pela manhã, e ainda assim falhas mecânicas ocorreram”.
Existem histórias de outros esquimós, cujas aptidões mecânicas são bem conhecidas,
modificando suas motos para adaptá-las melhor ao local de uso.

Logo, a tecnologia é culturalmente neutra? Se analisarmos a construção dos


mecanismos básicos e seus princípios funcionais, a resposta aparenta ser sim. Mas se
procurarmos na internet as atividades humanas que cercam essas máquinas, incluindo seus
usos práticos, seu papel como um sinal de status, o suprimento de combustível e peças
sobressalentes, as trilhas turísticas e as habilidades requeridas de seus donos, a resposta é
claramente não. Analisando esse segundo ponto de vista, temos que a tecnologia é parte da
vida, não algo que pode ser colocado a parte dela. Se quiser ser utilizada, a moto de neve
deve se encaixar em um padrão de atividades que pertencem a um estilo de vida particular
e à uma série de valores.

O problema aqui, assim como em muitas discussões públicas, é a que “tecnologia” se


tornou uma palavra-chave com diferentes significados. O correto uso da palavra, de acordo
com o seu significado original, parece estar além de ser recuperado, mas uma distinção
consistente entre diferentes significados é não só possível como também necessário. Na
medicina, a distinção entre termos é geralmente feita ao usar “medicina prática” para termos
genéricos, e “medicina científica” para termos técnicos com relação ao paciente. Às vezes,
o termo “medicina prática” é utilizada apenas para denotar a organização necessária para
usar conhecimentos e habilidades médicas para tratar pacientes. Entretanto, o termo
também pode ser usado para se referir à toda atividade da medicina, incluindo sua base em
conhecimento técnico, sua organização e aspectos culturais. Esse último compreende
também a vocação do médico, seus valores e satisfações pessoais, e o código ético de sua
profissão. Assim, “prática” se mostra um termo abrangente e inclusivo.

Uma vez que essa distinção está estabelecida, fica claro que apesar do significado de
medicina prática diferir de um país para outro, medicina científica consiste em conhecimentos
e técnicas comuns em muitos países. É verdade que a medicina científica no ocidente é
influenciada pelo fato de que a maior parte das pesquisas se concentram em grades
hospitais. Apesar disso, a maior parte do conhecimento básico é amplamente aplicável e
relativamente independente de culturas locais. Da mesma forma, o design das motos de
neve reflete a forma como a tecnologia é aplicada em um país industrializado – máquinas
padronizadas que ignoram algumas das necessidades especiais de esquimós e lapões. Mas
ainda pode-se apontar para uma parte do conhecimento, da técnica e de um princípio
fundamental na engenharia da máquina que possui validade universal, podendo ser aplicada
em qualquer lugar do mundo.

Entenderíamos mais claramente, na minha opinião, se o conceito de prática fosse


usado em todos os ramos da tecnologia como tem sido tradicionalmente usado na medicina.
Poderíamos então analisar melhor quais aspectos da tecnologia estão ligados a valores
culturais e quais são, em alguns aspectos, livres de valores. Seríamos capaz de melhor
apreciar a tecnologia como atividade humana e parte da vida. Poderíamos então vê-las não
apenas como máquinas, técnicas e conhecimentos precisos, mas também envolvendo
padrões característicos de organização e valores imprecisos.

Usar medicina prática como exemplo para outras tecnologias pode parecer estranho,
distorcido por estar ligado ao status elevado de um médico enquanto especialista. Mas o que
impressiona qualquer um mais acostumado com a engenharia é que a medicina pelo menos
possui conceitos e um vocabulário próprio que permite a ocorrência de vigorosas discussões
sobre diferentes maneiras de se ajudar uma comunidade. Por exemplo, existem frases como
“cuidados prioritários de saúde” e “medicina comunitária” que às vezes são enfatizadas como
o tipo de medicina prática que deve ser encorajada onde quer que a medicina hospitalar
tenha ido longe demais. Também há interessantes adaptações da linguagem de práticas
médicas. Em partes da Ásia, paramédicos são agora paralelos aos agricultores, e tradicionais
médicos chineses de pés descalços inspiraram a sugestão de que suas técnicas poderiam
ser utilizadas em problemas emergenciais de suprimento de água nas vilas. Mas apesar
desses empréstimos ocasionais, discussões sobre prática na maior parte dos ramos da
tecnologia não fizeram muito progresso.
Problemas de Definição

Ao definir o conceito de prática tecnológica de forma precisa, é necessário pensar com


cuidado sobre os seus aspectos humanos e sociais. Aqueles que escrevem sobre as
relações e controles sociais da tecnologia tendem a focar particularmente na organização.
Especificamente, sua ênfase é no planejamento e na administração, na gestão da pesquisa,
dos sistemas de regulação da poluição e outros malefícios, e a organização profissional entre
cientistas e tecnólogos. Esses tópicos são importantes, mas existe uma vasta gama de
outros conteúdos humanos na prática tecnológica que são negligenciados por diversos
estudos, incluindo valores pessoais e experiências individuais de trabalhos técnicos.

Trazer tudo isso para um estudo da pratica tecnológica pode dar a impressão de torná-
lo incrivelmente abrangente. Entretanto, ao lembrar o modo como a medicina prática possui
técnicas e éticas, bem como um elemento organizacional, podemos obter uma visão mais
ordenada do que a prática tecnológica implica. Para muitas pessoas de pensamento político,
o aspecto organizacional aparenta ser o mais crucial. Ele representa as diversas faces da
administração e políticas públicas; se relaciona com as atividades de designers,
engenheiros, tecnólogos e trabalhadores braçais, e também diz respeito aos usuários e
consumidores do que quer que esteja sendo produzido. Muitos outros, entretanto, identificam
a tecnologia através de seus aspectos técnicos, devido ao fato de se relacionarem com
máquinas, técnicas, conhecimentos e as atividades essenciais para fazer as coisas
funcionarem.

Além disso, existem valores que influenciam a criatividade dos designers e inventores.
Esses, juntamente as várias crenças e hábitos de pensamento que são características da
atividade técnica e científica, podem ser indicados ao se falar sobre um aspecto ideológico
ou cultural da prática tecnológica. Existem alguns riscos de ambiguidade aqui, porque
estritamente falando, ideologia, organização, técnica e ferramentas são todos os aspectos
da cultura de uma sociedade. Mas no discurso comum, a cultura se refere a valores, ideias
e atividades criativas, e é conveniente usar o termo com esse significado. É neste sentido
que o título deste livro se refere ao aspecto cultural da prática tecnológica.

Todas essas ideias são resumidas na Figura 1, na qual todo o triângulo representa o
conceito de prática tecnológica e os cantos representam seus aspectos organizacionais,
técnicos e culturais. Este diagrama também pretende ilustrar como a palavra tecnologia às
vezes é usada por pessoas em um sentido restrito, e algumas vezes com um significado
mais geral. Quando a tecnologia é discutida da maneira mais restrita, os valores culturais e
os fatores organizacionais são considerados como externos a ela. A tecnologia é então
inteiramente identificada com seus aspectos técnicos, e as palavras “técnicas” ou
simplesmente “técnica” podem muitas vezes ser mais apropriadamente usadas. O
significado mais geral da palavra, no entanto, pode ser equiparado à prática tecnológica, que
claramente não é livre de valores e politicamente neutra, como algumas pessoas dizem que
deve ser.

Algumas definições formais da tecnologia pairam incertas entre o uso geral e o uso
restrito. Assim, J. K. Galbraith define a tecnologia como "a aplicação sistemática do
conhecimento científico ou outro conhecimento organizado a tarefas práticas”. Isto soa como
uma definição bastante estreita, mas na leitura adicional encontra-se que Gallbraith pensa
que a tecnologia é como uma atividade que envolve organizações e sistemas de valor
complexos. Em vista disso, outros autores têm estendido o texto de Galbraith.
ASPECTO ASPECTO
CULTURAL ORGANIZACIONAL
Metas, valores e Atividade econômica e
códigos éticos, industrial, atividade
crença no progresso, profissional, usuários e
consciência e consumidores, sindicatos
criatividade
Sentido geral
de "tecnologia"

ASPECTO TÉCNICO
conhecimento, habilidade
e técnica; Ferramentas, Sentido restrito
máquinas, produtos químicos, de “Tecnologia”
liveware¹; recursos, produtos e
resíduos

FIGURA 1 Definições esquemáticas de "tecnologia" e "prática tecnológica"

Para eles, uma definição que torna explícito o papel de pessoas e organizações, bem
como de hardwares, é aquela que descreve a tecnologia como "a aplicação do conhecimento
científico e de outros organizados a tarefas práticas por ... sistemas ordenados que envolvem
pessoas e máquinas". Na maioria dos aspectos, isso resume muito bem a prática
tecnológica. Mas alguns ramos da tecnologia lidam com processos dependentes de
organismos vivos. Muitas pessoas também incluem aspectos da agricultura, nutrição e
medicina no seu conceito de tecnologia. Assim, a nossa definição precisa ser ampliada ainda
mais para incluir "liveware" (gíria que significa "gente", "pessoa". Termo usado em
contraposição a hardware, software e firmware, também chamado de wetware), bem como
hardware; prática tecnológica é, portanto, a aplicação do conhecimento científico e de outros
para tarefas práticas por sistemas ordenados que envolvem pessoas e organizações, seres
vivos e máquinas.

Esta é a definição para algumas extensões incluídas na ciência dentro da tecnologia.


Isto não é, certamente, o mesmo que dizer que ciência é apenas uma faceta da tecnologia
sem propósito próprio. Os físicos que trabalham em materiais magnéticos e semicondutores
podem ter um interesse apenas abstrato sobre a estrutura da matéria, ou no comportamento
dos elétrons em sólidos. Em sua percepção, ele pode acreditar que é um simples cientista,
sem se preocupar com a indústria ou a tecnologia. Mas não é coincidência que os materiais
magnéticos em que ele trabalha são precisamente aqueles utilizados para criar núcleos e
memorias de computador, e os semicondutores são estudados para serem usados em
microprocessadores. A escolha de pesquisa dos cientistas é influenciada inevitavelmente
pelas necessidades tecnológicas, não só por meio de pressões materiais, como também por
opiniões sobre quais assuntos estão valendo a pena procurar. E uma boa quantidade de
cientistas é como esse, com objetivos que estão definitivamente fora da prática tecnológica,
mas com uma função prática dentro desta.

Dada a confusão que envolve o uso da palavra "tecnologia", não é surpreendente que
haja também confusão sobre os dois adjetivos: "técnico" e "tecnológico". Economistas tentam
fazer sua própria distinção, definindo mudança de técnica como um desenvolvimento
baseado em escolhas a partir de um extensão de métodos conhecidos, e mudança
tecnológica como algo que envolve basicamente novas descobertas ou invenções. Isso pode
levar a um uso distinto da palavra "técnica". Entretanto, utilizarei este adjetivo quando estiver
me referindo exclusivamente aos aspectos técnicos da prática, como definido pela figura 1.
Por exemplo, a aplicação do tratamento químico de água para neutralizar a corrente de
poluição é descrita aqui como "correção técnica" (não como "correção tecnológica"). Isto
representa a tentativa para resolver o problema por meios de técnica isoladas, e ignorando
a possibilidade de mudança na pratica que poderia prevenir o despejo de poluentes no rio
em primeiro lugar.

Por contraste, quando debato desenvolvimentos nas práticas da tecnologia, a qual


inclui aspectos de organização, devo descrevê-los como "desenvolvimento tecnológico",
indicando que não estão restritos ao modelo técnico. A terminologia que resulta disso é
geralmente consistente no uso diário, embora nem sempre utilizada na linguagem
econômica.

Expondo a Origem dos Valores

Um problema proveniente do habitual uso da palavra tecnologia em seu sentido mais


restrito é que alguns dos mais vastos aspectos das práticas tecnológicas chegaram a ser
completamente esquecidos. Assim por trás dos debates públicos sobre recursos e o meio
ambiente, ou sobre suprimento mundial de alimentos, ai está um emaranhado não
examinado de crenças e valores, e uma confusão básica sobre para que serve a tecnologia.
Mesmo em um nível prático, alguns projetos falham em resolver mais da metade do problema
que abordam, e acabam como correções técnicas insatisfatórias, já que importantes fatores
organizacionais foram ignorados. Muito frequentemente os usuários de equipamento (figura
2) e seus padrões de organização são em grande parte esquecidos.

Parte do objetivo deste livro é eliminar algumas das atitudes que restringem nossa
visão da tecnologia a fim de expor esses aspectos culturais negligenciados. Com a moto de
neve, o primeiro passo foi olhar as diferentes formas em que o uso e a manutenção da
máquina é organizada em diferentes comunidades. Isso esclareceu que uma máquina
projetada em resposta aos valores de uma cultura precisava de um grande esforço para
torná-la adequada aos propósitos de outra.

Um outro exemplo diz respeito às aparentemente simples bombas manuais usadas


em poços de vilarejos na Índia. Durante um período de seca nos anos 60, grandes
plataformas de perfuração motorizadas foram trazidas para alcançar água em profundidades
consideráveis no solo por meios de furos. Foi nesses poços que a maioria das bombas
manais foram instaladas. Em 1975 existiam 150.000 delas, mas levantamentos mostraram
que a qualquer momento, até dois terços tinham quebrado. Algumas vezes, novas bombas
falhavam com três ou quatro semanas de instalação. Engenheiros identificaram falhas
graves, tanto no projeto das bombas quanto nos padrões de fabricação. Mas embora esses
defeitos foram corrigidos, as bombas continuaram a apresentar mal funcionamento.
Eventualmente percebeu-se que as falhas não eram apenas um problema de engenharia.
Eles também foram em parte um problema administrativo ou de gerenciamento, na medida
em que as disposições relativas à manutenção das bombas não eram muito eficazes. Havia
outra dificuldade, também, porque em muitos vilarejos, ninguém sentia nenhuma
responsabilidade pessoal por cuidar das bombas. Foi somente quando essas coisas foram
abordadas em conjunto que o desempenho da bomba começou a melhorar.

FIGURA 2 Tecnologia é sobre ‘sistemas que envolvem pessoas e máquinas’, e muitas


das pessoas envolvidas são usuárias das máquinas, como bombas manuais ou motos de
neve.
Qualquer profissional em tal situação é susceptível de experimentar a sua própria
forma de visão de túnel. Se um consultor de gestão tivesse sido questionado sobre as
bombas manuais, ele teria visto a falha administrativa do sistema de manutenção muito
rapidamente, mas talvez não tivesse reconhecido que eram necessárias melhorias
mecânicas nas bombas. O treinamento de especialistas inevitavelmente restringe a
abordagem das pessoas aos problemas. Mas a visão de túnel em atitudes em relação à
tecnologia se estende muito além daqueles que tiveram treinamento especializado; Também
afeta a formulação de políticas e influência as expectativas populares.

As pessoas em muitos setores da vida tendem a se concentrar nos aspectos tangíveis


e técnicos de qualquer problema prático e, em seguida, a pensar que as extraordinárias
capacidades da tecnologia moderna deveriam levar a uma ‘correção’ apropriada. Esta atitude
parece aplicar-se a quase tudo, desde a decadência da cidade interior à segurança militar, e
da poluição para uma cura para o câncer. Mas todas essas questões têm um componente
social. Esperar uma solução técnica para qualquer um deles que não envolva também
medidas sociais e culturais é perseguir uma ilusão.

Assim foi com as bombas manuais. Os aspectos técnicos do problema foram


exemplificados por um projeto e fabricação pobre. Essa foi a dificuldade organizacional sobre
a manutenção. Também importante, porém, foi como o aspecto cultural da tecnologia foi
praticado pelo engenheiro envolvido. Isto refere-se, em primeiro lugar, ao modo de pensar
dos engenheiros e à visão do túnel que levou; em segundo lugar, indica conflitos de valores
entre engenheiros altamente treinados e as pessoas relativamente pouco educadas da zona
rural indiana, que as bombas deveriam beneficiar. A população local provavelmente tinha
expectativas exageradas das bombas como produtos de uma tecnologia alienígena todo-
poderosa, e não os via como partes vulneráveis de equipamentos que precisavam de
cuidados e proteção contra danos; além disso, as pessoas locais tinham suas próprias
opiniões sobre higiene e uso da água.

Muitos profissionais de tecnologia estão bem conscientes de que os problemas com


que lidam têm implicações sociais, mas sentem-se incertos sobre como devem ser
abordados. Para lidar apenas com o detalhe técnico e deixar outros aspectos de lado é a
opção mais fácil, e afinal, é para isso que eles são treinados. Com o problema da bomba
manual, um passo importante veio quando um dos funcionários de uma unidade local de
desenvolvimento de água começou a olhar individualmente para a história de caso das
avarias de cada bomba. Foi então relativamente fácil para ele passar de uma revisão técnica
de componentes que foram desgastados ou quebrados para olhar o contexto social de cada
bomba. Ele ficou impressionado com a forma como algumas bombas se deterioraram, mas
outras não. Uma bomba bem cuidada ficava trancada durante certas horas; outra foi utilizada
pela família de um funcionário local; outras em bom estado estavam em locais onde os
aldeões tinham habilidades mecânicas e eram persistentes com reparos improvisados.
Foram esses detalhes específicos que possibilitaram sugestões sobre a reorganização da
manutenção da bomba.6

Um primeiro pensamento impulsionado por isso é que um treinamento em ciência e


tecnologia tende a se concentrar em princípios gerais, e não se prepara para procurar por
especificidades dessa maneira. Mas o aspecto humano da tecnologia – sua organização e
cultura – não é mais facilmente reduzido a princípios gerais, e o investigador com um olho
para detalhes significativos, às vezes, aprender mais do que o profissional com uma
abordagem altamente sistemática.

Um segundo ponto diz respeito à maneira como o aspecto cultural da prática


tecnológica tende a ser escondido sob questões mais óbvias e mais práticas. Por trás do
aspecto tangível das bombas manuais quebradas está um problema administrativo
relacionado com a manutenção. Por trás disso está um problema de vontade política – o
funcionário cuja família dependia de uma das bombas era de alguma forma bem servido. Por
trás disso, uma série de questões referentes aos valores culturais em relação à higiene, às
atitudes em relação à tecnologia e às perspectivas dos profissionais envolvidos.

Esta necessidade de tirar as características mais óbvias da tecnologia-pratica para


expor os valores de fundo é tão evidente com a nova tecnologia nos países ocidentais. Muitas
vezes preocupação será expressa sobre o risco de saúde de um novo dispositivo quando as
pessoas estão preocupadas com mais questões intangíveis, porque risco de saúde é em
parte uma questão técnica que é fácil de discutir abertamente. Um problema técnico
relativamente menor que afeta a saúde pode assim tornar-se uma procuração para
preocupações mais profundas sobre a forma como a tecnologia é praticada, que são mais
difíceis de discutir.

Uma instância disso são os alegados riscos para a saúde associados com unidades
de exibição visual (UEV) em instalações de computador. A pesquisa cuidadosa não
conseguiu encontrar qualquer perigo real, exceto que os operadores podem sofrer de
cansaço visual e fadiga. Ainda reclamações sobre problemas mais graves continuam,
aparentemente porque eles podem ser discutidos seriamente com os empregadores,
enquanto as dúvidas sobre os sistemas globais são mais difíceis de levantar. Assim, uma
reação negativa a novos equipamentos pode ser expressa em termos de medo de “cegueira,
esterilidade, etc”, porque em nossa sociedade, isso é considerado como uma razão legítima
para rejeitá-lo. Mas tomar tais medos no valor de face será frequentemente para ignorar
aflições mais profundas não faladas, sobre '‘descamação, incapacidade de lidar com novos
procedimentos, perda de controle sobre o trabalho’'.

Aqui, então, é outro exemplo onde, sob a dificuldade técnica evidente, há questões
sobre o aspecto organizacional da tecnologia – especialmente a organização de tarefas
específicas. Estes têm conotações políticas, uma questão sobre o controle sobre o trabalho
levanta questões sobre onde o poder está no mundo da palavra, e talvez em última análise,
onde ele fica dentro da sociedade industrial. Mas além de argumentos desse tipo, há ainda
mais valores básicos sobre a criatividade no trabalho e a relação da tecnologia e da
necessidade humana.

Da mesma forma como a preocupação com a saúde às vezes disfarça as questões


do local de trabalho, os problemas ambientais mais amplamente divulgados também podem
esconder questões organizacionais e políticas subjacentes. C. S. Lewis observou certa vez
que “o poder do homem sobre a Natureza muitas vezes resulta a ser um poder exercido por
alguns homens sobre outros homens com a Natureza como seu instrumento”, e um
comentarista observa que isso, “e não o dilema ambiental como geralmente é concebido”, é
a questão central para a tecnologia.8 Como tal, é uma questão cujas ramificações políticas e
sociais têm sido amplamente analisadas por uma ampla gama de autores. 9

Mesmo este nível de argumento essencialmente político pode ser desmentido para
revelar outro aspecto cultural da tecnologia. Se olharmos para o caso em favor de quase
qualquer projeto importante – por exemplo, um projeto de energia nuclear – quase sempre
há questões relativas ao poder político por trás dos argumentos explícitos sobre benefícios
e custos tangíveis. Em um projeto nuclear, estes podem relacionar-se com o poder de gestão
sobre os sindicatos nas empresas de eletricidade; Ou ao prestígio dos governos e ao poder
de seus assessores técnicos. No entanto, aqueles que operam essas alavancas de poder
são capazes de fazê-lo em parte porque podem explorar valores mais profundos
relacionados ao chamado imperativo tecnológico e à criatividade básica que torna possível
a inovação. Isso, eu argumento, é uma parte central da cultura da tecnologia, e sua análise
ocupa vários capítulos deste livro. Se esses valores subjacentes ao imperativo tecnológico
são compreendidos, podemos ser capazes de ver que aqui está um fluxo de sentimentos
que os políticos podem certamente manipular às vezes, mas que é mais forte do que seus
objetivos de curto prazo, e muitas vezes foge para além do seu controle.

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