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Adalice Araújo
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ro símbolo de: O N T E M / H O J E / S E M P R E . Formador de várias gera-
ções de artistas paranaenses é pioneiro, possivelmente em âm-
bito n a c i o n a l , das escolinhas de arte para crianças. Como ar-
tista, Guido Viaro representa uma das mais altas expressões da
p i n t u r a expres s i on i sta latino-americana. Compreendendo o ser
humano com todas as suas qualidades e fraquezas, nao poderia
exilá-lo de sua arte. A sua grande fonte de inspiraçao so po-
deria ser o homem e o que o rodeia. Cora visão subjetiva, res-
peita a integridade dos s e r e s , embora variem técnicas e temas.
Assim poderemos ver b e l e z a mais formal em p a i s a g e n s ou crian-
ças, bem como poderemos sentir as palavras ríspidas e ao mes-
mo tempo h u m a n a m e n t e poéticas com que d e s c r e v e as mulheres do
povo lavando roupa, ou, como boas comadres comentando a vida
do p r o x i m o , ou ainda a mae ignorante que segura o filho esquã
lido nos b r a ç o s , com amor instintivo e quase animal. Sempre
pesquisando chegaria finalmente a libertar os elementos de um
sentido meramente documental, cujo climax é atingido na ultima
fase conhecida como "fase religiosa". Em vez de fazer uma arte
dirigida como é a arte social dos m u r a l i s t a s mexicanos, faz
uma arte m í s t i c a , onde através da e x a l t a ç a o de Cristo prega
amor/igualdade, lutando contra as injustiças sociais. Tendo
por inspiraçao principalmente a Via C r u c i s , seus personagens,
mesmo aí, sao tirados da vida cotidiana: gente simples porém
d r a m á t i c a , heróica m e s m o , por transcender os limites da maté-
ria e gritar bem alto a dor coletiva que é a de todos os ho-
mens. Com uma solenidade ritual e aspera, o introduz
o espectador no climax da tragédia, onde ele também passa a
gemer e sofrer com os protagonistas do drama, na metamorfose
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artística que somente os v e r d a d e i r o s criadores conseguem trans-
mitir. Segundo as p a l a v r a s do p r ó p r i o Viaro, a dor de Cristo
morto é um s í m b o l o : "e a dor de ver a morte de n o s s o p r ó p r i o fi
lho". Daí sentirmos diante de suas crucificações que algo ex-
plode e ao m e s m o tempo se e s t r a n g u l a diante de n ó s . No rosto
convulso de Jesus em agonia está o paradoxo do ser h u m a n o - a
suprema pergunta: a existência e inexistência. Assimilando todo
o ideal humanista de imanência do divino, Cristo passa a ter um
caráter simbólico de q u e m , por a m o r , em p l e n o século XX, conti-
nua carregando o grande peso do s o f r i m e n t o e da m i s e r i a humana.
VIARO FALANDO
- Por que Curitiba, Prof. Viaro?
- Cheguei aqui por acidente. Em Sao P a u l o des en tend i - m e com
uns decoradores, fui ã E s t a ç a o da S o r o c a b a n a e tomei o primeiro
trem que passou. Assim vim p a r a r em C u r i t i b a , como poderia ter
ido a Porto Alegre ou Rio. Fiquei algum t e m p o , mas era difícil
sobreviver naquela época só com a p i n t u r a . Como sempre tive a
mania de e s t a r quite com meus compromissos econômicos, para
ganhar 150 m i l réis, fui p i n t a r casas de m a d e i r a . Neste interim
fiz u m a exposição na Associaçao Comercial vendendo cada quadro
por 40 ou 50 m i l réis. E s c r e v i um artigo no Diário da Tarde de-
clarando que eu nao admitia aquela pintura descritiva; inconti-
nenti os compradores me devolveram os q u a d r i n h o s dizendo que se
eu p r ó p r i o atacava a minha pintura é porque não tinha valor. En
fim, fiz u m a série de b e s t e i r a s e decidi ir ao M é x i c o . Para tan
to, e c o n o m i z e i dois contos de réis,tendo inclusive.declinado do
oferecimento do P r o f . Parodi para lecionar no Colegio Iguaçu.
Acontece que um b o n i t o dia, quando estava esperando que passas-
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se o navio que me levaria ao M é x i c o , vi passar pela rua XV, Y£
landa, m i n h a e s p o s a e mudei por completo de idéia. Corri ao Co
légio Iguaçu para perguntar se o lugar ainda estava vazio -di£
seram-me que sim, e então comecei a lecionar ali. No entanto
estava assediando a praça forte de Y o l a n d a que meio a contra-
gosto começou a falar c o m i g o , até que um dia sua família aca-
bou por me conceder a possibilidade de n a m o r a - l a . Gastei os
dois mil cruzeiros em flores para ela. A c a b a n d o minha reserva,
aqui fiquei e aqui estou. Houve época, logo após o casamento,
que lecionava em quase todos os colégios de C u r i t i b a . Leciona-
va 15 ou 16 horas por dia, e, quando chegava em casa, ainda
d e s e n h a v a ou pintava".
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- Fale de sua arte, cite inclusive fases que passou.
- A princípio Viaro limita-se a responder:- "A minha arte
é aquilo que é". Depois, aqui e lã, no desenrolar da conversa,
diz o seguinte: - "Antes de chegar ao Brasil fiz diversas exp£
sições na Europa. Veneza naquela época era e x c l u s i v a m e n t e pre-
sa a um realismo objetivo; daí a razao pela qual m i n h a conduta
frente aos movimentos não foi bem sucedida. Tanto que um críti^
co v e n e z i a n o , Sr. Scarpa, escreveu num cotidiano que minhas t¿
las eram feitas com excessiva rudeza, porém possuiam uma manei^
ra p r o p r i a e uma "inconsciencia de limites" só permitida aos
artistas. Embora express ion ista, passei por todos os climas
conhecidos, até chegar a esta fase m í s t i c a , dentro da qual me
parece, ter podido fazer alguma coisa, se nao grande, pelo me-
nos representativa. No lugar de fazer uma arte social eu faço
uma arte r e l i g i o s a , eis a minha temática geral. Por exemplo,
a Via Crucis e espiritual e ao mesmo tempo todos os acompanhan
tes desse Cristo que será sacrificado representam o povo ou se
ja o individuo que sofre, o unico que crê, que tem necessidade
do apoio de Cristo, esse espírito superior. E n t ã o , em vez de
fazer arte dirigida como é a arte s o c i a l , eu traduzo através
da Bíblia todo o sofrimento de C r i s t o , exalto o povo através
da exaltação de Cristo que pregou o amor e igualdade entre os
h o m e n s , sem diferenças raciais e econômicas. Depois de Cristo,
São Francisco de Assis é o único santo h u m a n o , g r a n d e , que apa
receu na casca da terra. 0 único que aprecio porque soube se
desvencilhar do superfluo e até do n e c e s s á r i o . 0 meu problema
hoje é de procura e pesquisa. Estou estudando Moisés. Para mim
Moisés não é aquele descrito por M i c h e l a n g e l o , um deus grego,
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um homem forte, g r a n d e , m a r a v i l h o s o , intocável e distante. 0
Moisés dos judeus é outro aquele que se e l i m i n o u , abjurando
o próprio povo pela porcaria que fez, pela i n j u s t i ç a , e falta
de seriedade; eu quero faze-lo antes de se e l i m i n a r . Antes de
cancelar a matéria e se tornar quase espirito: deixar só os o-
lhos. Ver através do brilho dos o l h o s , a única vitalidade que
deve aparecer no semideus dos judeus. Tenho p r o c u r a d o muito
mas ate agora nao consegui, mas hei de fazê-lo.
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a obra torna-se útil e interessante.
- Como definiria seus modelos?
- Como posso definir? Sao elementos sociais que perambulam
por ail Através do espírito m í s t i c o procuro v a l o r i z á - l o s o
quanto posso. V o c ê veja o Cristo morto é um homem símbolo do
amor crucificado . Todos os ascetas que o c i r c u n d a m são
elementos da sociedade que o capitalismo e o totalitarismo de¿
troem ou tentam destruir. Sempre foi e talvez sempre será
assim. Haja v i s t a , por e x e m p l o , o caso da Rússia que está dis_
cutindo o fato da I n g l a t e r r a ter e l i m i n a d o aqueles espiões do
proprio território. Quer dizer que a Rússia está tentando sur-
rupiar a uma outra nação o esforço do próprio povo. Ora, se
ela j u s t a m e n t e ostenta o título de e x a l t a d o r a dos direitos do
povo está cometendo uma g a f e , uma indecência moral perante a
humanidade Toda.Há também o caso dos tupamaros,vietcongs e,por
outro lado a Rússia ajudando á r a b e s , e Estados Unidos os israe
litas,ambos vendendo armas a um e a outro e depois ousam falar
em nome da fraternidade universal'. Obviamente temos de refle-
tir em n o s s a p i n t u r a alguma coisa disso tudo.
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camente nada- Porque é ai que se encontra a verdadeira sensibi
lidade e a escola permite , através da cor,da expressão nova,
uma fuga ou uma realizaçao.
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ao mesmo tempo um equilibrado, que sente todos os movimentos
telúricos do mundo e tenta através da propria sensibilidade
transmitir sua emotividade, de modo a ser útil àquelas criatu-
ras sensíveis; aos outros nao interessa. Ocorre o mesmo em ou-
tros setores: para um indivíduo que nao gosta de foot-ball é
inútil falar no assunto, assim para quem nao gosta de música
por que falar de Debussy? Quer dizer, o mundo ainda hoje não
é coletivo. Nem o comunismo nem o socialismo conseguiram ar-
rancar o individualismo dos seres. Assim como nao existem duas
folhas exatamente iguais numa árvore, nao existem também duas
criaturas iguais; nem mesmo irmãos que provem de uma mesma ma-
triz, isto é, de um mesmo ser. Cada um tem uma própria razão
de ser, de pensar, de sentir.
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veria esquecer os problemas que o a t o r m e n t a m . Quanto a certos
movimentos como a "anti-arte", considero-os estupides, manei-
ra elegante de fazer alguma coisa d i f e r e n t e , para chamar aten-
çao do público ps eudo-inte 1 ectua1.
- E a arte no futuro?
- A arte do futuro é imprevisível. Por um lado,a técnica
moderna chegou a um ponto tal que se d i v o r c i a completamente da
sensibilidade do povo; por outro lado, todos os caminhos já
foram e x p l o r a d o s , desde a pintura a é r e a , desde a pintura bidi-
mensional ã tridimensional, desde a mecanica a pesquisa de la-
b o r a t ó r i o . Assim é dificil prever o que o futuro irá proporcio
nar. Mas como o homem é sempre homem e vive como h o m e m repe-
tir-se-ã dentro do espaço e do t e m p o . Habituado que é a cho-
rar, b l a s f e m a r e rezar, acostumado a protestar contra tudo e
contra todos,e possível que a arte sofra uma volta ao primiti-
vismo antigo, vestida de uma m a n e i r a diferente, com palavras e
símbolos d i f e r e n t e s ; visto que o m u n d o nao p á r a , ao contrário,
caminha, e portanto voltar atrás seria n e g a r toda a evolução
humana. Devemos também admitir que a arte tende a industriali-
zação, mas em forma ilustrativa e descritiva. Aliás, a própria
m u s i c a e literatura sao d e s c r i t i v a s , d e s c e n d o em profundidade,
descrevendo a tragédia da criatura h u m a n a . So que dentro des-
ta amarraçao t e c n o l ó g i c a , o artista devera descobrir uma nova
forma para atingir a parte sensível da criatura h u m a n a . Veja
- se o ab s t r a c i o n i s m o atual que em sua função tende a eliminar
o problema p s i c o l ó g i c o , passando a agir como uma espécie de
f o o t - b a l l , de "pan is-circens e" dos r o m a n o s , onde, no momento
em que tem fome, esquece a tudo para soltar foguetes.
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- Como encara a tecnologia e a criação artistica?
- A criação h u m a n a pode ser auxiliada pela tecnologia. Não
pode repousar completamente nela por ser ciencia pura. 0 dia
em que transformarmos a arte em e s p e c u l a ç ã o científica, então
ate logo, estaremos perdidos. Porque e l i m i n a n d o o espírito, a
religião e a propria arte, eliminaremos tudo.
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tecnico, cujo dominio artesanal é veículo indispensável para a
projeção da s e n s i b i l i d a d e . Sempre a n d a n d o , em procura de algo
ma,is do que ser simplesmente profissional, fiz gravuras. Con-
tinuo andando, isto e, continuo procurando.
- Que mensagem enviaria a um jovem artista?
- Trabalhar, trabalhar, trabalhar.
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apenas em 1950 o Centro Juvenil de Artes Plásticas seria regu-
larizado). Algum tempo após a experiência do Colégio Beimiro
Cesar,surge a Escola de Arte Guido V i a r o , numa das dependên-
cias da Sociedade Dante A l i g h i e r i , Praça Z a c a r i a s , Em 1948 le
va seus alunos ã recém-criada Escola de Musica e Belas Artes
da qual é um dos professores fundadores (assim é que seus alu-
nos particulares passam a constituir o núcleo inicial da área
de Belas Artes). Antes de M c L u h a n , o papa da comunicação con-
temporânea, ele já chegara a conclusão de que a arte é essen-
cialmente processo de comunicaçao, transmitindo inclusive aos
seus alunos da Escola de Belas Artes o sentido v e r d a d e i r o de
uma auto-educaçao: nao só criando a clima de professor - a n i m a -
dor como também de a1 u n o - p e s qui s ador. Pode-se dizer que na épo
ca Viaro salva a criatividade da nova geração paranaense. Como
gravador colabora na revista "0 Joaquim". Em 1942, recebe uma
medalha de bronze em pintura no Salao Nacional de Belas Artes.
No Salão Paranaense: 1947, medalha de prata; 1951, M e d a l h a de
Ouro; 1952, prêmio de viagem. Em I960, m e d a l h a de prata, Porto
Alegre; 1952, medalha de ouro, Salao do Clube C o n c ó r d i a ; 1966,
Sala Especial no II Salão de Arte Religiosa de Londrina. Rea-
liza mostras individuais em C u r i t i b a , Porto Alegre e Rio. Em
1966 o Departamento de Cultura publica um opusculo na Documen-
tação Paranaense intitulado: "Guido Viaro A r t i s t a e Mestre".
Entre outras referências b i b l i o g r á f i c a s , é citado no "Dicioná-
rio de Artes Plásticas no Brasil" de Roberto Pontual. Em 1969
é focalizado numa reportagem de "0 Cruzeiro". No mesmo ano os
alunos da Escola de Belas Artes, em reconhecimento ã obra do
m e s t r e , considerado pioneiro da pintura m o d e r n a no Paraná,
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d a o o nome de Guido Viaro ao D i r e t ó r i o A c a d é m i c o . Sua ultima
exposição individual realiza-se no dia 22 de Setembro de 19 71»
pouco antes de seu falecimento,ocorrido no dia 4 de novembro,
do mesmo ano, em Curitiba.
A obra de Guido V i a r o , o artista que amou a humanidade,
continua. A sua filosofia de vida al esta, em qualquer crian-
ça que pinta expontane amente, d e s c o b r i n d o en si a aventura
de criar.
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