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Bem como nosso colega supracitado também me preocupo muito com a questão
de nós, das Ciências das Religiões, estarmos antenados com as discussões mais
avançadas em outras áreas das Ciências Humanas e Sociais. Penso que juntamente com
a História, a Antropologia, a Filosofia, a Sociologia e a Teoria Literária fazemos parte
de um esforço coletivo maior no sentido de proporcionar o avanço de abordagens que
levem em conta, cada vez mais, a devida complexidade que está na base de todos os
nossos objetos de análise que envolvem os humanos e suas atividades. É nessa direção
de abertura à diversidade que segue a argumentação de Camurça:
Ou seja, ao invés dos velhos temas – Sagrado, Rito, Exegese... – muitos outros
surgiram no horizonte das pesquisas em Ciências das Religiões quando estas assumem a
positividade do diálogo com as demais Ciências Humanas e Sociais, notadamente as
questões de gênero conforme já foi destacado, e através daí o Corpo. Eis que surge,
portanto, resgatado que foi após período de longevo triunfo dos textos enquanto
instância principal de entendimento das religiões e espiritualidades.
A principal evidencia de que o Corpo ganha papel cada vez mais destacado na
agenda das Ciências Humanas e Sociais, e por isso agora felizmente também nas
Ciências das Religiões, é a publicação da primeira edição em 2006 da coletânea
“História do Corpo”, em três grossos volumes organizados pelos franceses Alain
Corbin, Jean-Jacques Courtine, e George Vigarello, professores da Sorbonne e da
Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais. Na introdução do último volume,
inteiramente dedicado ao Século XX, Courtine nos apresenta um quadro geral
interessante do itinerário teórico que o Corpo seguiu ao longo daquele breve século,
para relembrar aqui “A Era dos Extremos”, de Eric Hobsbawm:
Mas para além dessa atenção teórica que foi sendo cada vez mais dispensada ao
corpo, sobretudo por intelectuais do sexo masculino, outros protagonismos estavam
reservados a ele naquele mesmo Século:
Podemos dizer, assim, que da forma como Michel Foucault nos apresenta a
espiritualidade ela estaria ligada quase que intrinsecamente ao ato do conhecimento.
Desvinculada, portanto, de dogmas e, sim, conectada ao universo prático de buscas e
investigações. Poderíamos dizer seguramente que se trata, aqui, da apresentação da
possibilidade de existir uma verdadeira e genuína prática laica de espiritualidade.
Esse arcabouço explicativo engendrado pelo autor em questão nos interessa de
perto na medida em que muitas atividades já bastante procuradas e disponíveis em
nosso contexto atual podem também ser entendidas como promotoras do
desenvolvimento de espiritualidades laicas. Esses não seriam os casos da Capoeira, do
Yoga, do Tai Chi Chuan, dentre outras modalidades? Os adeptos dessas práticas de si,
ao serem perguntados sobre os efeitos dessas artes sobre si mesmos são praticamente
unanimes em reconhecer que o trabalho espiritual está ali presente sim, mas também
que, nem por isso, precisam compartilhar de qualquer doutrinação ou filiação textual a
quaisquer cânones religiosos.
Cabe ainda ressaltar nesse ponto de nossa argumentação que a abordagem que
ora propomos se aproxima aqui do que os acadêmicos atuais têm detectado como uma
presença crescente em nossos dias do que chamaram muito apropriadamente de
espiritualidades não-religiosas – a esse respeito conferir um dossiê com esse título
publicado recentemente, em 2014, na prestigiada revista de nossa área, a “Horizonte”,
da PUC-MG2, organizado por ninguém menos que nosso atual representante de área na
CAPES, o Professor Dr. Flávio Augusto Senra Ribeiro.
À guisa de conclusão: crítica ao conceito de Ensino Religioso por uma nova relação
entre Educação e Religião
2
Cf. http://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/issue/view/650/showToc (acessado em
30/08/2016)
atitude o pioneiro Rui Barbosa foi seguido pelos intelectuais Anísio Teixeira, Fernando
Azevedo e Lourenço Filho no emblemático Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova, que assinaram em 1932, e em 1959, quando essas mesmas figuras reforçaram
esse posicionamento ao assinarem o manifesto intitulado Mais Uma Vez Convocados,
contra um projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que desse
margem a financiamento público de instituições católicas de ensino. Em ambas as
intervenções, podemos considerar que esse grupo de intelectuais foi vencido em suas
principais prerrogativas (Xavier, 2004; Cunha, 2013).
A história brasileira nos mostra que católicos de ontem e evangélicos de hoje
tem conseguido insistentemente fazer alianças políticas que garantem o lugar do
cristianismo no espaço público da educação brasileira, em detrimento dos movimentos
favoráveis à laicidade. Sobre esse conceito nos esclarece muito bem Luiz Antônio
Cunha:
Bibliografia
CAMURÇA, Marcelo. Ciências Sociais e Ciências das Religiões. Paulinas: São Paulo,
2008.
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: a essência das religiões. Martins Fontes: São
Paulo, 2010. [1957]
_____. História da Sexualidade: o uso dos prazeres (vol.2). Rio de Janeiro: Edições
Graal, 1998. [1984]
_____. História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva, 1978. [1972]