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O currículo por competência constitui hoje um paradigma dominante na educação escolar no
Brasil e em quase todos os demais países das Américas, da Europa e até da Ásia. Na África
também vem sendo adotado como organizador de várias propostas de reforma educacional e
curricular. As competências são entendidas como organizadoras, dos conteúdos curriculares a
serem trabalhados nas escolas públicas. Essa onipresença das competências no discurso e nas
propostas educacionais nem sempre se faz acompanhar de explicações para tornar o conceito
mais claro para as escolas.
Como a maior parte dos conceitos usados em pedagogia, o de competência responde a uma
necessidade e uma característica de nossos tempos. Na verdade, surge como resposta a crise
da escola na segunda metade do século XX provocada, entre outros fenômenos, pela então
incipiente revolução tecnológica e pela crescente heterogeneidade, das clientelas escolares.
Essa crise levou a uma forte críticas dos currículos voltados para objetivos operacionalizados e
observáveis, que fragmentava o processo pedagógico.
As competências são introduzidas como um conjunto de operações mentais que são
resultados a serem alcançados nos aspectos mais gerais do desenvolvimento do aluno. Em
outras palavras, caracterizaram‐se no inicio, pela sua generalidade e transversalidade, não
relacionadas com nenhum conteúdo curricular especifico, mas entendidas como
indispensáveis á aquisição de qualquer conhecimento.
O exame das muitas definições de competências permite destacar o que está presente em
todas elas. A competência, nas várias definições, se refere a um conjunto de elementos que o
sujeito pela mobilizar para resolver uma situação com êxito.
Os elementos na definição acima são também designados como recursos ou conhecimentos.
Mobilizar significa colocar em ação, e alguns autores também utilizaram a expressão colocar
esquema em operação. Situação é caracterizada como uma atividade complexa, ou como um
problema e sua solução, e inclui também a representação da situação pelo sujeito. O êxito
refere‐se ao exercício adequado de um papel, função ou atividade, ou como realizar uma ação
eficaz, ou responder de modo pertinente, às demandas da situação, ou ainda como ação
responsável, realizada com conhecimento de causa. Em resumo e apesar dessas diferenças
terminológicas, a competência refere‐se sempre a mobilização de recursos internos do sujeito.
O que há em comum por trás dessas diferenças terminológicas é o fato de que a competência
se constitui como processo interno do sujeito; ela só existe numa situação porque sua
evidência é obtida, por aquilo que o sujeito consegue colocar em ação numa situação
determinada; e só é possível afirmar que a competência se constituiu se, e apenas se, o sujeito
tiver êxito para resolver a situação ou para responder a uma demanda. Esses marcadores
conceituais de competência a tomam importante do ponto de vista pedagógico por duas
razões.
A primeira é de que os processos internos do aluno podem ser aprendidos. A segunda é a de
que um currículo por competência se expressa, se manifesta e se valida pelas aprendizagens
que propiciou e que o aluno coloca em ação de determinada maneira em determinada
situação. Objetivos de ensino podem ser expressos naquilo que o professor faz, nos materiais
que manipula, nos conteúdos que seleciona e nas operações que realiza para explicar. Mas o
que valida o currículo não são os objetivos de ensino e sim os processos que se constituíram
no aluno e se expressam pela competência de saber fazer e de saber por que sabe.
Um currículo com referencias nas competências necessita ser orientado por competências
transversais, que devem ser objetivos de aprendizagem de todas as áreas ou disciplinas,
porque são indispensáveis para aprender qualquer conteúdo curricular. As competências
transversais mais utilizadas no Brasil são as cinco grandes competências do Exame Nacional
Médio (ENEM), que podem ser considerados seus operados transversais:
DL – Dominar a norma culta e fazer uso das linguagens matemática, artística e
científica;
CF – Construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento para a
compreensão de fenômenos naturais, de processos históricos‐geograficos, da
produção tecnológica e das manifestações artísticas;
SP – Selecionar, organizar, relacionar, interpretar dados e informações representadas
em diferentes maneiras, para tomar decisões e enfrentar situações‐problema;
CA – Relacionar informações, representadas de diferentes modos, e conhecimentos
disponíveis em situações concretas, para construir argumentação consistente;
EP – Recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola para elaborar propostas de
intervenção solidárias na realidade, respeitando os valores humanos e considerando a
diversidade sociocultural.
Competências transversais para aprender, como as do ENEM precisam ser articuladas com as
competências a serem constituídas em cada uma das áreas ou disciplinas de aprendizagem. Na
ausência dessa articulação dessa articulação instaura‐se uma aparente ruptura entre
competências e ruptura entre competências e conteúdos curriculares, que leva ao
entendimento equivocado de a abordagem por conteúdos curriculares, quando na verdade
eles são nucleares e imprescindíveis para a constituição, se dá no plano nacional, com as
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para o Ensino Médio, que organizaram o currículo
dessa etapa da educação básica em três grandes áreas: Linguagens, Códigos e suas
Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias; e Ciências Humanas e suas
Tecnologias.
Em cada uma das áreas as DCNs listam um conjunto de competências para orientar o ensino
do conteúdo a serem aprendidos, estejam eles organizados em disciplinas especificas ou não.
Essas competências guardam relação de identidade com as competências do ENEM, mas vão
além destas na medida em que estão especificadas em três áreas de conteúdos curriculares.
Assim, a competência para aprender adotada pelo Enem, por exemplo, Dominar a norma culta
e fazer uso de linguagens matemática, artística e cientifica, é transversal às três áreas das
DCNs, não apenas a áreas de Códigos e Linguagens. Mas é preciso destacar: até esse ponto são
diretrizes, não currículo.
Do ponto de vista mais especifico, tanto as competências do Enem como as listadas nas DCNs
traduzem‐se em expectativa de aprendizagem de conteúdos específicos que estão organizados
nos tempos de aprendizagem e associados a atividades, materiais e avaliação. Apensa nesse
grau de especificação pode‐se afirmar que as competências – tanto as do ENEM como as das
DCNs configuram um currículo. Em outras palavras as competências são referencias do
currículo, mas este é muito mais do que as competências porque, além das expectativas de
aprendizagem, inclui tudo aquilo que faz parte do processo de aprender e ensinar.
Para finalizar, é preciso lembrar que esse processo de especificação e desenvolvimento
curricular tem características próprias de países federativos nos quais, a partir de um
paradigma pedágio curricular, elaboram‐se normas nacionais mais indicativas, cabendo as
esferas de governo que são gestoras de redes ou sistemas de ensino a dimensão mais
prescritiva do currículo.
Dentro desse cenário, muitos arranjos políticos e institucionais são possíveis, e diferentes
níveis de especificação nas normas nacionais são aceitáveis. Há países federativos que nunca
tiveram diretrizes nacionais, mesmo amplas, como é o caso dos EUA, que apenas neste século
XI estão elaborando normas nacionais chamadas de standards (no sentido de modelo, não de
padronização). Há países como é o México, como tradição de governos centrais fortes, nos
quais o protagonismo regional ou local em matéria de currículo é relativamente recente.
Em todos os casos, no entanto, é importante manterá integridade do conceito de currículo
como um pacote completo que inclui desde o paradigma curricular até as atividades
desenvolvidas por professores e alunos em situações de aprendizagem em que se organizam
conteúdos curriculares ordenados no tempo e no espaço escolar.
Guiomar Namo de Mello